ANGELUS 24-02 -2013
«O Senhor
chama-me a subir ao monte,
para me dedicar ainda mais à oração»,
diz Bento XVI
«O Senhor chama-me a subir ao monte,
para me
dedicar ainda mais à oração»,
afirmou este domingo Bento XVI na Praça
de São Pedro, no Vaticano, perante milhares de pessoas reunidas para a
última oração do Angelus presidida pelo papa alemão.
A decisão de Bento XVI, que às 19h00 de Lisboa
desta quinta-feira renuncia ao pontificado, «não significa o abandono
da Igreja», sublinhou.
acrescentou.
«Se Deus me pede isso
é apenas para que eu possa
continuar a servir
com a mesma dedicação e o mesmo amor
com que eu
tentei fazer até agora,
mas de modo mais adequado para a minha idade e
para mim»,
As palavras de Bento XVI inspiraram-se no texto
bíblico mais importante lido nas missas deste domingo, narrativa em que
Jesus leva dois discípulos ao cimo de um monte e, depois de orar, se
transfigura diante deles.
O papa frisou a importância do
«primado da
oração, sem a qual todo o trabalho de apostolado
e de caridade é
reduzido ao ativismo».
EFE/EPA/OSSERVATORE ROMANO
«A oração não é um isolar-se do mundo
e das suas
contradições, como Pedro quis fazer no Tabor
[monte onde Jesus se
transfigurou] mas a oração reconduz
ao caminho, à ação»,
assinalou.
«Queridos peregrinos de língua portuguesa
que viestes rezar comigo o Angelus:
obrigado pela vossa presença
e todas as manifestações de afeto e
solidariedade,
em particular pelas orações com que me estais
acompanhando nestes dias.
Que o bom Deus
vos cumule de todas as
bênçãos»,
disse Bento em português.
REUTERS/Eric Gaillard
Quando Bento XVI apareceu à janela do seu
apartamento fez-se ouvir um longo aplauso, seguido pela repetição do
seu nome. O papa foi interrompido pelo menos duas vezes pelos aplausos
dos fiéis, muitos com bandeiras e faixas.
De acordo com o site "Vatican Insider", esta
segunda-feira vai ser publicado um documento onde Bento XVI modifica
algumas normas da lei que regula a vida da Igreja quando se trata da
sucessão do papa.
EFE/EPA/GUIDO MONTANI
Segundo a mesma fonte, o texto não longo, com
algumas dezenas de linhas, aborda a possibilidade de os cardeais
poderem antecipar o conclave para a eleição do novo pontífice.
Em causa estará a regra de as portas da Capela
Sistina, onde se realiza o escrutínio, só poderem fechar-se entre 15 a
20 dias após o início da Sede Vacante, que ocorrerá às 19h00 da próxima
quinta-feira, 28 de fevereiro.
REUTERS/Eric Gaillard
A norma, que salvaguarda a possibilidade de todos
os cardeais estarem presentes no conclave, foi pensada para ser
executada após a morte do papa, mas no caso de Bento XVI a data do fim
do seu pontificado foi estabelecida com antecedência, a 11 de
fevereiro.
A Rádio Vaticano indica que o papa reúne-se, também na segunda-feira, com alguns cardeais, em audiências individuais.
Na quarta-feira Bento XVI dirige a derradeira
audiência geral, prevista para a Praça de São Pedro, onde é esperada
presença significativa de fiéis.
REUTERS/Eric Gaillard
Às 10h00 de quinta-feira,
último dia do pontificado,
o papa saúda os cardeais presentes em Roma.
Pelas 16h00 parte de helicóptero para Castel
Gandolfo, residência pontifícia, sendo recebido por autoridades civis e
eclesiásticas. Durante a tarde Bento XVI saúda os fiéis reunidos à
entrada do Palácio Apostólico. Às 19h00 Bento XVI deixa de ser papa e
começa a Sede Vacante.
Espera-se que o regresso ao Vaticano
ocorra
dentro de dois meses, após as obras de remodelação
do mosteiro Mater
Ecclesiae, onde residirá.
Rui Jorge Martins© SNPC | 24.02.13
Humildade:
a encíclica de Bento XVI na hora da despedida
Bento XVI não publicará a encíclica sobre a fé – embora
em fase avançada – que devia apresentar na primavera. Já não tem
tempo.
E nenhum sucessor é obrigado a retomar uma encíclica incompleta
do próprio predecessor. Mas existe outra encíclica de Bento XVI,
escondida no seu coração, uma encíclica não escrita. Ou melhor,
escrita não pela sua pena mas pelo gesto do seu pontificado.
Esta encíclica não é um texto,
mas uma realidade: a humildade.
A 19 de abril de 2005 um homem que pertence à raça das
águias intelectuais, temido pelos seus adversários, admirado pelos seus
estudantes, respeitado por todos devido à acutilância das suas
análises sobre a Igreja e o mundo, apresenta-se, recém-eleito Papa,
como um cordeiro levado para o sacrifício. Utilizará até a terrível
palavra «guilhotina» para descrever o sentimento que o invadiu no
momento em que os seus irmãos cardeais, na Capela Sistina, ainda
fechada para o mundo, se viraram para ele, eleito entre todos, para o
aplaudir. Nas imagens da época, a sua figura curvada e o seu rosto
surpreendido testemunham-no.
Depois teve que aprender o mister de Papa. Extirpou,
como raízes arraigadas sob o húmus da terra, o eterno tímido, lúcido na
mente mas desajeitado no corpo, para o projetar perante o mundo. Foi
um choque para ambas as partes.
Não conseguia assumir a desenvoltura do
saudoso João Paulo II. O mundo compreendia mal aquele Papa sem efeito.
Bento XVI nem teve os cem dias de "estado de graça" que se atribuem
aos presidentes profanos. Teve, sem dúvida, a graça divina, fina mas
pouco mundana. Contudo teve, ainda e sempre, a humildade de aprender
sob os olhares de todos.
Foram sete anos terríveis de pontificado. Nunca um Papa
teve, num certo sentido, tão pouco "sucesso". Passou de polémica em
polémica: crise com o Islão depois do seu discurso de Ratisbona, onde
evocou a violência religiosa; deformação das suas palavras sobre a Sida
durante a primeira viagem à África, que suscitou um protesto mundial;
vergonha sofrida pelo explodir da questão dos sacerdotes pedófilos, por
ele enfrentada; o caso Williamson, onde o seu gesto de generosidade em
relação aos quatro bispos ordenados por D. Lefebvre (o Papa revogou as
excomunhões) se transformou numa reprovação mundial contra Bento XVI,
porque não tinha sido informado sobre os discursos negacionistas da
Shoah feitos por um deles; incompreensões e dificuldades de pôr em ação
o seu desejo de transparência quanto às finanças do Vaticano; traição
de uma parte do seu grupo mais próximo no caso Vatileaks, com o seu
mordomo que subtraiu cartas confidenciais para as publicar...
Não teve nem sequer um ano de trégua. Nada lhe foi
poupado. Às violentas provações físicas do pontificado de João Paulo
II, ao atentado e ao mal de Parkinson, parecem corresponder as
provações morais de rara violência desta litania de contradições
sofrida por Bento XVI.
Ao renunciar, o Papa eclipsa-se.
À própria imagem do seu pontificado.
Mas só Deus conhece o poder
e a fecundidade da humildade.
Jean-Marie Guénois
In Le Figaro Magazine, 15-16.2.2013
Transcrição: L'Osservatore Romano
© SNPC | 25.02.13
Transcrição: L'Osservatore Romano
© SNPC | 25.02.13
REUTERS/Alessandro Bianchi
r o percurso de Bento XVI ajuda a compreender que «a
experiência contemplativa e meditativa do silêncio perante o
inesperado» e o transcendente «pode constituir uma parte do processo de
aprendizagem e da própria fruição estética».
A visita ao campo de concentração de Auschwitz, em
maio de 2006, o encontro com os artistas na Capela Sistina, em novembro
de 2009, e o discurso no Centro Cultural de Belém durante a viagem a
Portugal, em maio de 2010, constituem ocasiões marcantes da «descoberta
pessoal» do perfil do papa.
Bento XVI anunciou esta segunda-feira a resignação do pontificado, que tem efeito a partir de 28 de fevereiro.
As perguntas e as respostas, na íntegra.
Como avalia o papel de Bento XVI no que diz
respeito à relação que procurou manter com o mundo do pensamento e das
artes, nomeadamente com artistas e tendências que se situam fora da
Igreja Católica?
A minha avaliação não pretende fazer uma súmula do seu
magistério neste âmbito; outros estarão muito mais habilitados para o
fazer. A minha avaliação, melhor seria dizer, a minha percepção
confina-se à forma como, enquanto universitário e, também, criador,
esse seu magistério me impressionou. Daí a escolha, profundamente
subjectiva, de instantes ou aspectos que correspondem a um processo de
descoberta pessoal do seu perfil: as suas palavras durante a visita ao
campo da morte de Auschwitz, em Maio de 2006; o encontro com os
artistas na Capela Sistina, em Novembro de 2009; o seu discurso no CCB
durante a visita a Lisboa no ano seguinte.
Porque se pode objectar que o primeiro destes
aspectos não aparenta estar directamente relacionado com o mundo do
pensamento e das artes, começo pelo seu discurso no CCB para melhor me
explicar.
Num tempo em que, segundo as palavras de um artista contemporâneo, Rui Chafes [Entre o céu e a terra],
a arte cede à “frivolidade” de uma “linguagem apenas de efeitos”,
Bento XVI defendeu a experiência estética enquanto busca do belo e da
verdade; enquanto solo, indissociável de “uma 'sabedoria', isto é, um
sentido da vida e da história”. Esta declaração, fundada no exercício
da razão, surgia na linha do apelo feito no encontro com os artistas na
capela Sistina:
“... não tenhais medo
de vos confrontar com a fonte
primeira e última da beleza,
de dialogar com os crentes, com quem, como
vós,
se sente peregrino no mundo
e na história rumo à Beleza
infinita...”
A estética e a ética encontravam-se, portanto.
Esta abertura à alteridade significou uma
disponibilidade para entender e acolher os discursos estéticos que têm
emergido noutros horizontes culturais, ideológicos mesmo, e de neles
identificar inquietações e sintomas que são passíveis de funcionar
como, ainda que ténues e pouco perceptíveis, pontes de diálogo e
compreensão mútua.
Escusado será lembrar a forma como esta postura tem ecoado entre nós, desde a experiência do Átrio dos Gentios, aos encontros entre crentes e não-crentes na Capela do Rato, por exemplo.
Face a estes diferentes momentos, qual então o lugar das palavras de Bento XVI em Auschwitz?
A um homem de uma inteligência superior, como ele, não
seria obviamente difícil articular meia-dúzia de clichés sobre a
intensidade daquela experiência. No entanto, e podereis estranhar a
analogia, a sua reacção trouxe-me de imediato à mente a do Presidente
Lincoln após ter visitado o campo de batalha de Gettysburg. Também
Lincoln poderia ter verbalizado meia-dúzia de lugares comuns; no
entanto, perante aquela experiência esmagadora, não receou afirmar que
lhe faltavam as palavras.
Igualmente perante o peso esmagador do campo da
morte, Bento XVI teve a coragem de declarar:
“Num lugar como este
faltam as palavras,
no fundo pode permanecer apenas um silêncio
aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus:
Senhor, por
que silenciaste? Por que toleraste tudo isto?”
É impossível não lembrar
o Diário de Etty Hillesum.
Ora, a experiência contemplativa e meditativa do silêncio perante o inesperado e o que nos transcende em absoluto, pode constituir uma parte do processo de aprendizagem e da própria fruição estética. Pense-se no olhar perante as telas de Rothko.
Concluindo, os caminhos por ele abertos desbravaram
novas dimensões de diálogo estético e, ético, e, também, de
entendimento de quão relevante pode ser, hoje em dia, a arte na nossa
relação com Deus.
Quais devem ser as orientações e prioridades
que, no seu entender, o próximo Papa deve assumir nesse mesmo campo do
pensamento e das artes?
Sendo tão positiva a apreciação que faço da acção de
Bento XVI a este nível, não será de estranhar que ache que as
orientações e prioridades do novo papa deverão ser no sentido de
prosseguir o seu legado.
No entanto, independentemente de eventuais acções que
venham a ser desencadeadas pelo futuro papa, é importante não esquecer
uma dinâmica própria da Igreja que, entre nós, tem vindo a ser objecto
de crescente atenção por parte das autoridades eclesiásticas. Penso,
em particular, no Átrio dos Gentios e na Pastoral da Cultura. O átrio
dos gentios deverá prosseguir na sua promoção do diálogo entre crentes e
não-crentes, e entre crentes de diferentes confissões. Por seu turno, a
Pastoral da Cultura, que tem revelado um imenso dinamismo, deverá
chegar ao maior número possível de pessoas. Mas isso é algo que cabe,
também, a cada um de nós.
Afinal, importa que o novo papa tenha uma percepção
lúcida dos chamados sinais dos tempos. Quando refiro sinais dos tempos
não estou a pensar nos sound bytes, nas modas, em síntomas
efémeros, ainda que ruidosos, mas sim naquilo que de mais profundo se
insinua nas nossas sociedades. Algo a que o pensamento e a cultura não
são, obviamente, alheios. Afinal, como defendia Bento XVI, urge
prosseguir o concílio, pois aí “a Igreja acolhia e recriava por si
mesma, o melhor das instâncias da modernidade, por um lado,
superando-as e, por outro, evitando os seus erros e becos sem saída. O
evento conciliar colocou as premissas de uma autêntica renovação
católica e de uma nova civilização – a 'civilização do amor' - como
serviço evangélico ao homem e à sociedade."
Mário Avelar.
Mário Avelar
© SNPC | 14.02.13
Corrigido em 14.02.2012:
«A minha avaliação não pretende fazer
uma súmula
no seu magistério neste âmbito (...)»,
em vez de «A minha avaliação pretende
fazer uma súmula no seu magistério neste âmbito (...)»
«O maior risco» do cristianismo é o da sua «exculturação»
Diretor da Faculdade de Teologia elogia ação de Bento XVI na conciliação entre fé e razão e na abertura à arte e cultura.
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Bento XVI: figura «ímpar» do pensamento que destruiu todos os preconceitos
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Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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