segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
A VIDA E AS ROCHAS
A vida e as rochas
Marcelo Gleiser
A incrível diversidade da vida é profundamente relacionada com a incrível diversidade dos minerais
Se existe uma divisão clara na natureza, é entre os seres vivos e os minerais. Afinal, como aprendemos na escola, seres vivos tem metabolismo e a habilidade de se reproduzir. Minerais, por sua vez, são inertes, respondendo ao que ocorre à sua volta. Os dois não podiam ser mais distintos e independentes.
No entanto, nos últimos anos, aprendemos que existe, e que sempre existiu, uma relação íntima entre as rochas e as vida.
Se foram os minerais ou compostos químicos inertes que deram origem à vida, foi ela que, por sua vez, transformou profundamente a história geológica da Terra.
Tendo a matéria não-viva se transformado em matéria animada, a incrível diversidade da vida é profundamente relacionada com a incrível diversidade dos minerais.
Tudo começou de maneira bem simples. Há 4,5 bilhões de anos, a Terra havia acabado de se formar. Os minerais que existiam naquela época passavam a maior parte do tempo em ebulição: a Terra era constantemente bombardeada por asteroides e cometas. Os minerais, na época, eram poucos, algumas centenas, semelhantes aos que são encontrados nos asteroides de hoje.
O tempo passou. Em torno de 3,9 bilhões de anos atrás, os bombardeios acalmaram e a crosta terrestre foi, aos poucos, se solidificando por períodos mais longos.
Não se sabe exatamente como aconteceu, mas os minerais simples que existiam, junto com gases existentes na atmosfera terrestre, sujeitos à atividade elétrica e à radiação ultravioleta solar, produziram os primeiros aminoácidos -os passos iniciais em direção à vida.
Os primeiros sinais de vida confirmados datam de 3,5 bilhões de anos atrás. Esses organismos primitivos, que eram seres unicelulares, foram o único tipo de vida que existia na Terra pelos próximos 2 bilhões de anos. Foram eles que transformaram a natureza da vida e, de quebra, também os minerais na Terra.
Quando falamos em vida na Terra, pensamos em seres complexos, multicelulares. Na verdade, a história é bem diferente. A transição de seres unicelulares para multicelulares foi lenta e improvável. Mesmo dentre os seres unicelulares, houve a transição dos procariotas aos eucariotas. Os procariotas, de alguma forma, descobriram o mecanismo que foi essencial na transformação da vida e do nosso planeta: a fotossíntese.
Aos poucos, os procariotas foram absorvendo o gás carbônico da atmosfera e fazendo com que ele se transformasse em oxigênio. Sendo um elemento químico altamente reativo, o oxigênio é uma espécie de granola geoquímica, energia para promover reações cada vez mais complexas. Esse enriquecimento energético da atmosfera foi a grande virada na história do nosso planeta.
Com mais energia disponível, a vida foi ficando mais complexa. Os eucariotas surgiram provavelmente da aliança simbiótica de dois ou mais procariotas. Por exemplo, as mitocôndrias, que aparecem nas células do nosso corpo, devem ter sido procariotas que foram absorvidos ou comidos por outros.
Mas a fotossíntese não foi importante só para a evolução da vida. Transformou as rochas também. Ao reagir com o ferro, o carbono, o enxofre e o silício, o oxigênio criou uma espécie de Big Bang mineral, uma explosão na diversidade das rochas espalhadas pela Terra.
Se os seres unicelulares deram origem, ao mesmo tempo, tanto à complexidade da vida quanto à complexidade dos minerais, a hipótese de que a Terra, como um todo, é, de certa forma, uma criatura viva, ganha força. Vivos ou não vivos, nossa descendência é a mesma.
Genismo
A CRIAÇÃO - Franz Joseph Haydn
1
a.r.t.e.
MÚSICA
Haydn e o nascimento do Universo
Por Matheus G. Bitondi
Por Matheus G. Bitondi
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo abriu a sua temporada 2005 com o grandioso oratório “A criação”
No último dia 3 de março, na Sala São Paulo, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a batuta de seu regente titular John Neschling, deu início a sua temporada 2005. Na ocasião, a orquestra, o coro e cantores solistas convidados apresentaram “A criação”, do compositor austríaco Franz Joseph Haydn (1732-1809).
A obra consiste em um oratório dividido em três partes que totaliza cerca de duas horas de duração e narra os sete dias ao longo dos quais, segundo a Bíblia, Deus teria criado o Universo. Para isso, o compositor alterna textos extraídos do Gênesis e do “Paraíso perdido”, de John Milton, ambos traduzidos para o alemão por Gottfried van Swieten.
Em 1797, ao estrear esse oratório, Haydn, que já havia ajudado a definir a estética do classicismo do século XVIII, com o estabelecimento, por exemplo, do quarteto de cordas e da sinfonia como gêneros musicais mais importantes, dava um passo em direção ao romantismo, estética que predominaria no século XIX. Já a abertura da peça, sintomaticamente intitulada “A representação do caos”, apresenta uma certa instabilidade harmônica e passagens cromáticas que, 80 anos mais tarde, se tornariam características típicas da música de Richard Wagner.
Outro prenúncio do romantismo contido em “A criação” é a ilustração musical quase pictórica do conteúdo do texto. Em passagens como a separação entre a terra e os mares, podemos ouvir verdadeiras ondas jorrando da orquestra, e na separação entre a luz e as trevas Haydn contrasta momentos de orquestrações graves e escuras a momentos de uma luminosidade ofuscante, representados por um acorde maior em tutti orquestral.
Também o primeiro nascer do sol e a criação das estrelas recebem tratamentos orquestrais que dispensariam o texto cantado que os explica. Esse tipo de discurso musical descritivo viria a ser, anos depois, a tônica dos poemas sinfônicos de Liszt e Berlioz. Vale ainda ressaltar que todos esses efeitos pictóricos são compostos sem qualquer recurso tecnológico ou instrumental não usuais para a época, à exceção talvez de um contrafagote que representa os primeiros passos dos animais sobre a Terra.
Um último traço romântico a ser realçado na obra -e bem menos óbvio aos ouvidos- é o deslocamento da dramaticidade da forma para camadas mais superficiais da estrutura musical, como a harmonia e a melodia. À diferença de uma sonata clássica, na qual a dramaticidade era gerada pelo contraste entre as suas várias seções e seus respectivos temas -que se portavam tais como personagens em uma obra literária-, nas obras do romantismo ela passou a se associar à não resolução de acordes cada vez mais dissonantes e à assimetria das linhas melódicas, o que viria a culminar no conceito de "melodia infinita" elaborado por Wagner e na desintegração do sistema tonal pela condução cada vez mais longínqua da harmonia.
Todos esses fatores fazem com que essa magnífica obra, juntamente com as últimas sinfonias de Beethoven, se configure como base do espírito romântico que então nascia em terras germânicas, segundo o qual os artistas -e principalmente os compositores- seriam elevados a postos de divindades por filósofos e pensadores da arte como Nietzsche e Schopenhauer. Nesse contexto, a obra de Haydn funcionaria ainda como metáfora da própria criação artística.
Também é interessante notar que, para apontar os caminhos a serem trilhados pelos românticos, Haydn se apropria de um gênero já antiquado para a sua época: o oratório, que havia se consagrado sob a pena de compositores barrocos como Bach e Händel. Deste modo, mais uma vez, o compositor austríaco se antecipava aos seus colegas românticos que, insuflados pelo nacionalismo que uniria o povo alemão, elegeriam estes dois compositores barrocos como "pais" de toda a música germânica.
Num plano bem mais modesto, “A criação”, por seu caráter grandioso, proporcionou uma ótima abertura para a série de concertos que a Osesp programou para este ano de 2005.
A execução primorosa deste verdadeiro quadro musical por partes da orquestra, do coro e dos solistas convidados -com destaque para o baixo João Fernandes- pôde dar uma boa idéia do que será o restante da programação, que prevê obras de igual importância, como a “Sinfonia Turangalîla”, de Olivier Messiaen, a “Paixão segundo São Mateus”, de Johann Sebastian Bach, e várias obras raramente executadas de compositores brasileiros como Jocy de Oliveira, Almeida Prado e Marlos Nobre, além de ilustres convidados, como a violista Tabea Zimmermann e o oboísta e regente Heinz Holliger.
Matheus G. Bitondi
É compositor, mestrando em música pela Unesp.link-se
Leia entrevista com Almeida Prado
A obra consiste em um oratório dividido em três partes que totaliza cerca de duas horas de duração e narra os sete dias ao longo dos quais, segundo a Bíblia, Deus teria criado o Universo. Para isso, o compositor alterna textos extraídos do Gênesis e do “Paraíso perdido”, de John Milton, ambos traduzidos para o alemão por Gottfried van Swieten.
Em 1797, ao estrear esse oratório, Haydn, que já havia ajudado a definir a estética do classicismo do século XVIII, com o estabelecimento, por exemplo, do quarteto de cordas e da sinfonia como gêneros musicais mais importantes, dava um passo em direção ao romantismo, estética que predominaria no século XIX. Já a abertura da peça, sintomaticamente intitulada “A representação do caos”, apresenta uma certa instabilidade harmônica e passagens cromáticas que, 80 anos mais tarde, se tornariam características típicas da música de Richard Wagner.
Outro prenúncio do romantismo contido em “A criação” é a ilustração musical quase pictórica do conteúdo do texto. Em passagens como a separação entre a terra e os mares, podemos ouvir verdadeiras ondas jorrando da orquestra, e na separação entre a luz e as trevas Haydn contrasta momentos de orquestrações graves e escuras a momentos de uma luminosidade ofuscante, representados por um acorde maior em tutti orquestral.
Também o primeiro nascer do sol e a criação das estrelas recebem tratamentos orquestrais que dispensariam o texto cantado que os explica. Esse tipo de discurso musical descritivo viria a ser, anos depois, a tônica dos poemas sinfônicos de Liszt e Berlioz. Vale ainda ressaltar que todos esses efeitos pictóricos são compostos sem qualquer recurso tecnológico ou instrumental não usuais para a época, à exceção talvez de um contrafagote que representa os primeiros passos dos animais sobre a Terra.
Um último traço romântico a ser realçado na obra -e bem menos óbvio aos ouvidos- é o deslocamento da dramaticidade da forma para camadas mais superficiais da estrutura musical, como a harmonia e a melodia. À diferença de uma sonata clássica, na qual a dramaticidade era gerada pelo contraste entre as suas várias seções e seus respectivos temas -que se portavam tais como personagens em uma obra literária-, nas obras do romantismo ela passou a se associar à não resolução de acordes cada vez mais dissonantes e à assimetria das linhas melódicas, o que viria a culminar no conceito de "melodia infinita" elaborado por Wagner e na desintegração do sistema tonal pela condução cada vez mais longínqua da harmonia.
Todos esses fatores fazem com que essa magnífica obra, juntamente com as últimas sinfonias de Beethoven, se configure como base do espírito romântico que então nascia em terras germânicas, segundo o qual os artistas -e principalmente os compositores- seriam elevados a postos de divindades por filósofos e pensadores da arte como Nietzsche e Schopenhauer. Nesse contexto, a obra de Haydn funcionaria ainda como metáfora da própria criação artística.
Também é interessante notar que, para apontar os caminhos a serem trilhados pelos românticos, Haydn se apropria de um gênero já antiquado para a sua época: o oratório, que havia se consagrado sob a pena de compositores barrocos como Bach e Händel. Deste modo, mais uma vez, o compositor austríaco se antecipava aos seus colegas românticos que, insuflados pelo nacionalismo que uniria o povo alemão, elegeriam estes dois compositores barrocos como "pais" de toda a música germânica.
Num plano bem mais modesto, “A criação”, por seu caráter grandioso, proporcionou uma ótima abertura para a série de concertos que a Osesp programou para este ano de 2005.
A execução primorosa deste verdadeiro quadro musical por partes da orquestra, do coro e dos solistas convidados -com destaque para o baixo João Fernandes- pôde dar uma boa idéia do que será o restante da programação, que prevê obras de igual importância, como a “Sinfonia Turangalîla”, de Olivier Messiaen, a “Paixão segundo São Mateus”, de Johann Sebastian Bach, e várias obras raramente executadas de compositores brasileiros como Jocy de Oliveira, Almeida Prado e Marlos Nobre, além de ilustres convidados, como a violista Tabea Zimmermann e o oboísta e regente Heinz Holliger.
Matheus G. Bitondi
É compositor, mestrando em música pela Unesp.link-se
Leia entrevista com Almeida Prado
No princípio era o Verbo
gerador de infinitos universos
- no homem , o fractal
AS SETE ÚLTIMAS PALAVRAS DE JESUS CRISTO - Música de Joseph Haydn, Opus 51
AS SETE ÚLTIMAS PALAVRAS DO NOSSO SALVADOR NA CRUZ
Música de Joseph Haydn, Opus 51
Reprodução de Jesus Crucificado , de Salvador Dali, baseado numa descrição de São João
Eugen Ranevsky
INTRODUÇÃO
O profundo significado dos Evangelhos provocou muitos estudos dos religiosos, cientistas e artistas. Na música, tratando-se, especificamente, do caso das "sete palavras", três nomes são conhecidos: Johann Sebastian Bach (1685-1770), que explorou fatores bíblicos, segundo as mensagens de São João e São Mateus (discípulos do Senhor), dando a forma de "Oratório" com grandes coros, orquestra e solistas. Nas suas obras, J. S. Bach narra a vida e a obra de Jesus Cristo, dando a mesma importância tanto a Jesus como a Cristo, fielmente abordando o sofrimento do "Homem Jesus" e a glória de "Cristo-Deus" , seguindo a interpretação da Igreja popular; Joseph Haydn (1732-1809) que interpreta as "Sete Palavras" como etapas diferentes da vida e obra de Jesus Cristo, partindo do "Homem Jesus" até a glória do Cristo, Filho e mensageiro do Pai; e Gubaidúlina Sofia, compositora russa nascida em 1931 na República Tártara, na cidade de Chistopol. Nesta obra, a compositora demonstra a maior preocupação com o sofrimento do "Homem Jesus", usando para isto toda a técnica e conhecimento de instrumentos tais como o violoncelo e o "baião", instrumento folclórico russo, espécie de acordeão simplificado, para impressionar os ouvintes com o sofrimento de Jesus que se sacrificou para salvar e redimir a humanidade. Esta preocupação se justifica por ela viver e ter crescido num país dominado pelo materialismo e total desrespeito à religião, até as radicais mudanças acontecidas nos últimos anos.Escolhemos a interpretação de Haydn que fica mais próxima da compreensão que temos do Drama Cósmico e da verdadeira relação entre o "Homem Jesus" e "Cristo, Filho de Deus" e Seu mensageiro.
JOSEPH HAYDN
Grande compositor austríaco, Haydn nasceu em uma pequena localidade chamada Rohran (palavra croata que significa "bengala") no dia 31 de março (Áries) de 1732 e faleceu em Viena no dia 31 de maio de 1809.
É uma figura gigante que pode ser comparada por seu talento, sabedoria e força de trabalho com Johann Sebastian Bach. Durante sua longa vida, ele trabalhou no aperfeiçoamento da forma "Sonata" que é a base de todas as formas de música erudita. Na palavra do famosíssimo regente alemão Welhelm Furtwangler, "Haydn é o artista que colocou a pedra fundamental na construção de um belo e enorme edifício chamado Sinfonia".
O quarteto de cordas, cujos instrumentos pertencem à mesma família de arco e cordas, unidos pelo mesmo tipo de som, mesmo timbre e possibilidades técnicas dos seus membros, é considerado um conjunto ideal para expressões artísticas.
Haydn, compositor clássico, escreveu música para as famosas "sete palavras que o Salvador disse ao ser crucificado e, sobre a história desta obra, detalhadamente abordada por Hans Renner em seu livro "Guia da Música de Câmera", podemos citar o seguinte trecho:
"Haydn criou esta música para a Sexta-feira da Paixão no ano de 1785, sob encomenda do bispo espanhol da Catedral de Cádiz. A razão para que ele tenha composto esta obra, ele próprio escreve da seguinte forma: `Era costume da época, todos os anos durante a Quaresma, na Catedral de Cádiz, apresentar-se um oratório e, para criar o necessário ambiente, faziam-se vários preparativos. As paredes, janelas e colunas do templo eram cobertas com panos pretos e somente uma lâmpada no meio da igreja iluminava esta santa escuridão. Na Sexta-feira, ao meio dia, as portas da igreja eram fechadas e, em seguida, começava-se a ouvir a música. Depois da solene e significativa entrada musical, o bispo subia ao púlpito, pronunciava a primeira das Sete Palavras e dava sua interpretação. Terminando, ele descia do púlpito e caía de joelhos diante do altar, rezando. Enquanto rezava, o espaço de tempo era preenchido com a música. Assim, repetia-se a cerimônia sete vezes e, cada vez, a orquestra entrava com a música depois da nova palavra pronunciada. E, para este ritual, eu tinha que compor as músicas de acordo com as palavras pronunciadas. Esta tarefa de criar 7 Adágios, cada um com duração de 10 minutos que se seguiam sucessivamente e que não deveriam cansar os presentes, não era uma tarefa muito fácil. Eu descobri logo que não poderia me prender à limitação do tempo estabelecido' ."
A música é composta por 7 Adágios, com uma solene e inspirada Introdução e , no final, por um Presto muito sombrio que representa o "terremoto". Foi inicialmente escrita para orquestra e, mais tarde, esta partitura orquestral foi transformada em quarteto de cordas pelo próprio compositor. Nesta transformação, o compositor consegue criar uma atmosfera mais íntima, menos pomposa, caracterizando a luta entre o material e o espiritual.
Durante a vida do compositor, esta música sofreu modificações quando ele foi visitado pelo Mestre da Capela da Cidade de Passau, Fieberth, que acrescentou a ela um texto, transformando- a em "Cantata", com coro e orquestra. Ouvindo sua própria obra, Haydn fortaleceu a idéia de compor sua monumental "A Criação", que realizou mais tarde.
Ouvindo sua composição, Haydn sentiu que a parte melódica como também a orquestração de "As Sete Palavras" criavam uma sólida e bem característica imagem e também a necessária força para impressionar pessoas tanto profissionais como ouvintes leigos em música. A característica principal desta obra é que ele, com toda a sua religiosidade, e apesar da profundidade que as palavras encerram, não dá a ela um caráter `trágico". Ele transmite a idéia de um grande respeito ao Pai, quase infantil, cheio de profunda gratidão pela suprema demonstração do Divino Amor e Misericórdia demonstrados pelo Senhor Jesus Cristo com seu voluntário sacrifício na Cruz. Assim, as expressões de gritos e gemidos, que caracterizam a crucificação, na música de Haydn são suavizadas com pacíficas melodias. Em nenhum momento, temos expressões de escuridão sem saída. Dos 7 Adágios apresentados, todos têm caráter de iluminação e transfiguração, terminando sempre com um triunfante "maior".
Em "As Sete Últimas Palavras do Nosso Salvador na Cruz" estão sintetizadas as cinco etapas muito importantes da trajetória de Jesus : Nascimento, Batismo, Transfiguração, Crucificação e Ressurreição. Com esta obra e durante a execução do quarteto de cordas, temos certeza de que muitos corações pulsarão mais fortemente e, em certos trechos, até pulpitarão mais intensamente. Este é um sinal de que Cristo está vivo neles, cada um desejando tornar-se um Servidor da Humanidade para tirá-la mais rapidamente do caos em que se encontra.
É interessante assinalar o fato de que as Igrejas Cristãs do Ocidente têm dado ênfase ao Salvador crucificado e que as Igrejas Cristãs do Oriente (ortodoxas) têm feito da Ressurreição o seu ensinamento central, salientando o Cristo Vivo e a natureza divina do homem em vez de dar ênfase ao pecado e ao problema da salvação individual.
Antes de analisar esta obra do ponto de vista musical, ou parte emocional, cabe-nos chamar a atenção para certos pontos fundamentais da construção de uma obra sonora erudita.
A música é construída sobre três colunas fundamentais que dão base a este edifício sonoro:1 - Melodia, representando o aspecto do Pai - idéia principal, vontade;
2 - Harmonia, representando o aspecto do Filho (Cristo) - Amor, consonância;
3 - Ritmo, representando o aspecto do Espírito Santo (Jeová) - atividade, ordem e movimento.
Os números na música têm um significado todo especial:
número 1 - Deus na música - 3 em 1 e 1 em 3; na música escrita, temos 5 linhas e 4 espaços, resultando o número 9 - número da humanidade; são 12 notas musicais em uma escala, também são 12 os meses em um ano.
E também são 12 as Ondas de Vida que têm trabalhado com a humanidade desde o início do Período de Saturno:
1 - Aries (Xerofins);
2 - Taurus (Terafins);
3 - Gemini (Serafins);
4 - Cancer (Querubins);
5 - Leo (Senhores da Chama);
6 - Virgo (Senhores da Sabedoria);
7 - Libra (Senhores da Individualidade) ;
8 - Scorpio (Senhores da Forma);
9 - Sagitarius (Senhores da Mente);
10 - Capricornu (Arcanjos);
11 - Aquarius (Anjos);
12 - Pisces (Espíritos Virginais, humanidade).
Cada uma destas separadas Ondas de Vida possui uma nota-chave e sua própria cor. O Cosmo está construído sobre os aspectos 1 - 3 - 5 - 7 - 10 - 12 e a música reflete este esquema.
Citamos somente alguns exemplos, porém, para maiores detalhes, recomendamos a leitura do livro "A Escala Musical e a Evolução", escrita por um discípulo de Max Heindel, que compilou conhecimentos das conferências dadas por seu mestre.
Não podemos afirmar que Haydn tinha conhecimento destes fatos ou aceitou estas verdades intuitivamente, sem necessitar estudá-las teoricamente, mas sabemos que os grandes mestres como Bach, Mozart, Beethoven e Schubert tiveram contato direto com o Segundo Céu ( a "casa" das vibrações e da Música das Esferas) e eram pessoas que desenvolveram sua sensibilidade auditiva durante muitas vidas. Com toda certeza, podemos dizer que as mensagens trazidas por eles têm o poder de aproximar pessoas de todos os tempos, de todas as nacionalidades e de todas as gerações.
Segundo as palavras de conhecida espiritualista Corinne Heline ( discípula de Max Heindel), o próprio Haydn dizia sobre o seu processo de "criar" suas obras tais como "As sete Palavras" e a magistral obra "A Criação" que ele se ajoelhava todos os dias e orava a Deus para dar-lhe forças para o seu trabalho. Quando meditava em Deus, concebia-O como um Ser infinitamente grande e infinitamente bom. Esta última qualidade da Natureza Divina inspirou-o com a confiança e regozijo de um Áries, seu signo, bem harmonioso, capaz de retratar até a miséria humana em um de seus "Allegros". Em sua magnífica abertura do "Caos" em "A Criação" , ele demonstra a sua Universalidade.
ANÁLISE DA OBRA
"As Sete Últimas Palavras do Nosso Salvador na Cruz" Música de Joseph Haydn, opus 51 - Execução do Quarteto de Cordas Kodaly ( nome em homenagem a um grande compositor húngaro)Introdução:
Primeira Palavra:
"Pai, perdoai-os, pois eles não sabem o que fazem"
- São Lucas 23: 34.Sonata I - mp3 - Largo (Pater, dimitte illis, quia nesciunt, quid faciunt)
A música para a Primeira Palavra, escrita em Si b Maior é um "Largo" ( 3:31 min) onde a atmosfera criada pelo compositor é a da meditação filosófica. O primeiro violino do quarteto, acompanhado pelos outros três instrumentos, executa uma melodia simples que nos lembra a vida no campo com toda a sua naturalidade.
Segunda Palavra :
"Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso"
- São Lucas 23 : 43 Sonata II - mp3 - Grave e Cantabile (Hodie mecum eris in Paradiso)
A música, um "Grave Cantabile" ( 3:02 min), está escrita no tom de Dó Menor, mas na segunda parte, quando se fala sobre o "Paraíso", o compositor modula para Dó Maior, terminando a peça com alegria e esperança.
Terceira Palavra :
"Mulher, este é o seu filho, eis aqui a tua mãe!"
- São João 19 : 26 João, o Evangelista.
Sonata III - mp3 - Grave (Mulier, ecce filius tuus)
Este "Grave" ( 3:38 min) começa com três acordes enérgicos confirmando a tonalidade de Mi Maior. Ouvindo esta música , sente-se a vontade do compositor de abandonar a forma "sonata" para se sentir mais livre para expressar os seus sentimentos, mas, sendo o "pai" desta forma musical, ele continua mantendo-se dentro dela. As três músicas anteriores, Haydn escreve em forma de "serenata", onde os três instrumentos ( 2o. violino, viola e violoncelo) praticamente acompanham o "solo" do 1o. violino. Nesta música, devido ao aumento de tensão emocional, os outros instrumentos começam a ter mais importância com seus comentários. O compositor usa também a forma de "pergunta" num instrumento e de "resposta" nos outros. Também pratica grandes constrastes em dinâmicas acentuações em conjunto, mas, em linhas gerais, o discurso sonoro continua muito sério e meditativo.
Quarta Palavra :
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? "
- São Marcos 15 : 34 e São Mateus 27 : 46
Sonata IV - mp3
- Largo (Deus meus, Deus meus, utquid dereliquisti me?)
Lemos que "houve trevas na face da Terra por três horas". O número 3 representa a Divindade e a humanidade perfeita. Jesus Cristo, o Homem Perfeito pendeu da Cruz por "três horas" e, naquele espaço de tempo, cada um dos três aspectos de Sua natureza foi levado ao ponto mais alto de Sua conscientizaçã o e conseqüente sofrimento. O processo, entretanto, precisa ser bem compreendido; para isso, deve ser considerada não a nossa dimensão pessoal, mas sim a dimensão cósmica, onde cada frase do Cristo transcende a vida da nossa personalidade para se tornar um arquétipo que ecoa na imensidão dos tempos.
Na lógica divina, a própria crucificação tem um sentido especial. Na frase anterior, o Cristo transfigurado parece ligar o homem a Deus. Sua palavra era testemunho da relação da natureza corpórea ( o aspecto Maria) com a personalidade, alcançando um estado muito alto de perfeição e realização ( João); já naquelas três horas, houve o estágio posterior; enquanto que, na Transfiguração, o problema fôra o de, estando no corpo, chegar à consciência da alma, chegar a Deus. Isto equivalia a renunciar `aquilo por que lutara, desligando-se dos sentimentos em que se apoiara para as experiências anteriores. Para isso, tinha de privar-se de todos os contatos. Mas foi nessa experiência que Cristo iluminou a trilha até o próprio coração de Deus mesmo, aprendendo a permanecer só, seguro da Divindade, reconhecendo o próprio centro da vida espiritual como estável e eterno. Ao mesmo tempo em que bebia a taça amarga, alcançava a consciência do Espírito Divino inato, consciente somente da Verdade da Essência Divina. Privado de tudo sobre que se pudesse ter apoiado, poderia exclamar: "Eu Sou Aquele, Eu Sou, e nada mais há!" Era como se, figurativamente, com uma das mãos, segurasse a mão de Seu Pai no Céu, e estendesse a outra, abençoando o mundo dos homens, pois somente as mãos que tudo abandonarem nos três mundos estarão livres para transmitir a bênção última à humanidade que luta.
Naquele tempo, era costume um instrutor - um Rabi - ensinar os seus discípulos sentados nas escadarias do Templo; além disso, nessas oportunidades, era costume pronunciar uma frase para os discípulos acompanharem a instrução. Os discípulos sabiam o que viria em seguida. No caso do assunto em questão, a chave está no Salmo 22 de Davi. Ele começa precisamente com esta frase: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? ". Lendo o Salmo, veremos que a primeira metade exibe o sofrimento do homem até ter seus ossos descarnados, mas a outra metade revela todo o esplendor do triunfo sobre o sofrimento e sobre a morte - um imenso louvor e glorificação ao Pai, evidenciando a imensidão da conquista espiritual, a descoberta da própria natureza Divina.
Quinta Palavra :
"Tenho sede!" - São João 19 : 29
Sonata V - mp3 - Adagio (Sitio)
A música para esta Palavra está escrita no tom de Lá Maior. Mais uma vez o compositor utiliza tonalidade maior, em vez de menor, o que seria natural para nosso entendimento do fato que esta música pretende descrever. Mais uma prova de que Haydn estava imaginando a glória do Espírito sobre a matéria. O "Adagio" da 5a. Sonata ( 3:20 min) inicia-se com acorde em dinâmica forte, confirmando a tonalidade da peça. Em seguida, os suaves "pizzicatos" de três instrumentos servem de base harmônica para o 1o. violino cantar uma suave melodia, que deve corresponder à tranqüilidade do Espírito do Crucificado. Às vezes, a angústia do seu corpo físico aparece nas entradas da "voz" do violoncelo, mas logo é dominada pela força da vontade, normalizando a situação. Volta e meia ouvimos suspiros dos violinos, da viola ou do violoncelo, mas a tranqüilidade permanece, a peça terminando na tonalidade inicial.
Sexta Palavra :
"Está consumado! " - São João 19 : 30
Sonata VI - mp3 - Lento (Consummatum est)
Sintonizemos nossos corações com este grandioso acontecimento cósmico; regozijemo-nos com Cristo, nosso Salvador por Seu sacrifício anual ter chegado ao fim; sejamos gratos, no mais íntimo de nosso ser por ele estar livre das correntes da Terra e que a vida que derramou em nosso planeta seja suficiente para levar-nos ao próximo Natal!
A música para esta 6a. Palavra, um "Lento" (2:33 min) escrito em Ré Menor, está coerente com a atmosfera existente, mas na sua segunda metade, de repente, muda para o tom de Sol Maior. Esta nova tonalidade maior nos leva à alegria da Glória.
Sétima Palavra :
Sonata VII - mp3 - Largo (In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum)
Terremoto:
Il terremoto: Presto e con tutta la forza (The Earthquake)
Em dado momento, um dos legionários crava a lança no flanco e, da ferida, correram sangue e água. O sangue escorreu abundantemente. Era um sangue de um Ser altamente dotado, com uma energia cósmica altamente concentrada. Quando Jesus expirou, houve o terremoto e, com ele, o véu do Templo se rasgou em dois, de alto a baixo. Também houve um furacão e o céu, por um tempo, ficou negro de tantas nuvens acumuladas que logo desabaram em forte aguaceiro que levou também o sangue derramado, energizando progressivamente todo o planeta. O acesso a Deus estava estabelecido e as forças internas espirituais puderam manifestar-se sem obstáculos.
Para terminar sua obra, Haydn pinta um quadro sonoro exigindo toda a força dos intérpretes, querendo expressar que toda a maldade e injustiça apresentados por homens da Terra ( obedecendo a natural lei de "Causa e Efeito") não podia provocar outra reação da Natureza, somente as trovoadas e relâmpagos; porém, estes "relâmpagos" da natureza estão soando não como reação caótica, mas como uníssonos e em plena harmonia, totalmente diferente das reações desordenadas dos homens.
A música, que começa no tom de Dó Menor ( 2:03 min) , no fim termina em maior, mais uma vez confirmando a glória e triunfo do Espírito.
PARTE FINAL:
"Não foi um gemido de agonia exalado dos seus lábios de supliciado, como a tradução dos Evangelhos nos faz supor. Ele iniciou esta fase do seu ministério com o grito de triunfo CONSUMATUM EST ( a obra está completa e os fins foram atingidos) . Foi este o grito do espírito libertado da prisão do "corpo de morte" como diz São Paulo. Todos nós estamos acorrentados, como Ele esteve, e cada discípulo segue o caminho que conduz à Cruz. Assim que seja merecedor, o Mestre lhe dirá como se libertar dos seus laços. Logo que tenha arrancado os últimos "pregos", ele ajudá-lo-á a entrar no mundo invisível revestido do "corpo espiritual".
Neste momento, também soltará o grito de alegria CONSUMATUM EST: a obra está terminada." .
Bibliografia:
Hans Renner, "Guia da Música de Câmara "
Dr. Jaime Treiger, Comentários
Max Heindel, "Interpretação Mística da Páscoa"
Arthur Taylor, "A Escala Musical e o Esquema da Evolução".
Joseph Haydn - The Seven Last Words of our Savior on the Cross, for string quartet or string quintet Op. 51 (Hob. III:50-56)
Eugen Ranevsky
(Nascido em Lublin, Polônia, em 1923)
MINI-BIOGRAFIA
Seu talento musical foi descoberto na adolescência por uma professora. Apesar de sua iniciação musical no piano, o jovem buscou e encontrou a sua realização musical através do violoncelo. Acompanhado deste instrumento percorreria o mundo; antes, conclui os estudos na Alemanha e desembarca, junto com sua esposa, Violeta Kundert, no Brasil em 1949, a convite da direção da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro.
No Brasil o casal vem a ter uma filha e três filhos. Eugen se dedica a carreira de professor universitário, na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro paralelamente a de concertista violoncelista, no Quarteto Brasileiro da UFRJ e também no duo-cameristico Eugen Ranevsky (violoncelo) & Violeta Kundert Ranevsky (piano).
Através do maestro Nelson Nilo Hack, conhece a Filosofia Rosacruz. Identificando- se com os ensinamentos rosacruzes, torna-se um estudante avançado da Fraternidade Rosacruz Max Heindel, alcançando o grau de Irmão Probacionista, colaborando em diversos setores, ministrando palestras, apresentando concertos musicais em companhia de sua esposa, a pianista Violeta Kundert Ranevsky e traduzindo muitas obras de Max Heindel, para o russo, seu idioma de origem.
Músico Concertista Violoncelista
Membro do Quarteto Brasileiro da UFRJ
Professor Aposentado da Escola Nacional de Música Da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Irmão Probacionista da Rosicrucian Fellowship
Associado a Fraternidade Rosacruz Max Heindel do Rio de Janeiro
Conferencista e Tradutor
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