sexta-feira, 3 de junho de 2011

RAZÃO E RELIGIÃO - NA MODERNIDADE - A GRANDE FARSA



Razão e Religião




Sobre fé e ciência e o derrotismo da razão moderna
Razão e religião, também na modernidade, ainda se enredam reciprocamente em processos de aprendizado. A disputa autocrítica da razão secular com convicções de fé poderia afiar a consciência para o não resolvido das tradições religiosas e fortalecer a razão contra um derrotismo que lhe é imanente. 

A tese é do filósofo alemão Jürgen Habermas, professor emérito de Filosofia em Starnberg, na Baviera. Neste artigo, publicado na revista Neue Zürcher Zeitung, 10-2- 2007, Habermas dirige uma crítica ao discurso feito por Bento XVI em Regensburg, em setembro de 2006. Habermas é autor de vários livros, dentre os quais destacamos:

O futuro da natureza humana (Martins Fontes, 2004)
e Zwischen Naturalismus und Religion 
[Entre Naturalismo e Religião]
(Suhrkamp, 2005).

 Este artigo de Habermas recebe críticas do cardeal Camillo Ruini e do filósofo Vittorio Possenti, ambos italianos. Para este debate, convém ter presente também as contribuições do teólogo anglicano inglês John Milbank e do também filósofo Luiz Felipe Pondé.
por JUERGEN HABERMAS

Em 9 de abril de 1991, na Matriz de São Pedro em Zurique, foi realizada uma cerimônia fúnebre para Max Frisch. No início, Karin Pilliod, a companheira de vida, leu um breve esclarecimento do falecido. Ali se diz entre outras coisas: “Deixamos a palavra para o próximo, sem amém(*). Eu agradeço ao pároco de São Pedro em Zurique (…) pela autorização para, durante a nossa cerimônia fúnebre, o sarcófago poder encontrar-se na igreja. A cinza será espalhada em algum lugar.” Falaram dois amigos. Nenhum sacerdote, nenhuma bênção. A comunidade enlutada se compunha de intelectuais, dos quais a maioria não tinha muito a ver com religião e igreja. Para a refeição anexa, o próprioFrisch ainda compusera o cardápio.

Na época, não considerei estranha esta cerimônia. Porém sua forma, o local e o transcurso são estranhos. Max Frisch – um agnóstico que recusava toda confissão de fé – experimentou certamente a penosidade das formas não religiosas de sepultamento e, pela escolha do local, ele documentou abertamente o fato de que a modernidade esclarecida não encontrou nenhum equivalente adequado para uma celebração religiosa do último rito de passagem, que encerra a história de uma vida.

Melancolia, inquietação
Pode-se entender este gesto como expressão da melancolia em face de algo inexoravelmente perdido. Mas, também podemos encarar a cerimônia como uma ocorrência paradoxal, que nos diz algo sobre a razão secular: a mesma está intranqüilizada pelo opaco de sua relação com a religião, apenas aparentemente esclarecida.

Ao mesmo tempo a Igreja, também a Igreja reformada de Zwinglio, deveria saltar sobre sua própria sombra, quando autorizou esta cerimônia, secular e “sem amém”, em seu sagrado recinto. Subsiste uma singular dialética entre a autoconsciência filosoficamente esclarecida da modernidade e a autoconsciência teológica das grandes religiões mundiais que, como o mais emperrado elemento do passado, se estendem para dentro desta modernidade.

Não se trata de um ambíguo compromisso entre realidades inconciliáveis. Não podemos oscilar em torno da alternativa entre uma orientação antropocêntrica e o olhar vindo do distante pensamento teocêntrico ou cosmocêntrico. Porém, faz diferença quando se fala um com o outro, ou apenas um do outro. Para a primeira alternativa, devem ser preenchidos dois pressupostos: o lado religioso deve reconhecer a razão “natural”, ou seja, os falíveis resultados das ciências institucionalizadas e os princípios de um igualitarismo universalista em direito e em moral.

Por sua vez, a razão secular não deve constituir-se em juíza sobre verdades de fé, embora, no resultado, ela só aceite como racional aquilo que ela consegue traduzir em discursos próprios, em princípio universalmente acessíveis. Assim como não é trivial um pressuposto de uma visão teológica, também não o é o outro, a partir de uma visão filosófica.


A era axial
A ciência moderna forçou a razão filosófica, que se tornou autocrítica, a despedir-se das construções metafísicas do todo da natureza e da história. Este deslocamento da reflexão passou às ciências empíricas a responsabilidade pela natureza e pela história, não deixando à filosofia muito mais do que as competências universais de sujeitos que conhecem, falam e agem. 

Desta forma, desarticulou-se a síntese
entre fé e ciência, elaborada 
desde Agostinho até Tomás [de Aquino].

É verdade que a filosofia moderna, na figura de um pensamento, se assim se quiser, “pós-metafísico”, se apropriou criticamente da herança grega, porém simultaneamente se distanciou do saber salvífico judaico-cristão. Enquanto ela inclui a metafísica na história de sua própria origem, ela se relaciona com a religião e a revelação como com um estranho, a ela exterior. É verdade que, com esta remoção, a religião continua de fato presente de uma outra forma, como metafísica abandonada.

A cisão entre o saber mundano 
e o saber revelado 
não se deixa mais amalgamar. 

Não obstante, a perspectiva, a partir da qual o pensamento metafísico se encontra com a religião, se modifica logo que a razão secular leve a sério a origem comum da filosofia e da religião, baseada na revolução cosmovisiva da era axial (em meados do primeiro milênio pré-cristão).

É verdade que, no decurso da história ocidental, o pensamento metafísico realizou com o cristianismo uma divisão do trabalho que lhe possibilitou retrair-se da administração de bens salvíficos contemplativamente almejados; porém, em suas origens platônicas, a filosofia também dera aos seus discípulos uma promessa salvífica semelhante à das outras “religiões do pensamento” cosmocêntrico do Ocidente (Max Weber).

Na ótica do deslocamento cognitivo do mito ao Logos, a metafísica se situa ao lado de todas as cosmovisões surgidas na época, incluindo o monoteísmo judaico. Todas elas tornam possível considerar o mundo, a partir de um ponto de vista transcendente, como um todo, distinguindo o fluxo dos fenômenos das essências que os fundamentam. E, com a reflexão sobre a posição do indivíduo no mundo, formou-se uma nova consciência sobre a contingência histórica e sobre a responsabilidade do sujeito agente.

Se, no entanto, as cosmovisões religiosas e metafísicas deram curso a processos semelhantes de aprendizagem, ambos os modos, fé e ciência, com suas tradições baseadas em Jerusalém e em Atenas, pertencem à história originária da razão secular, em cujo meio se entendem hoje, sobre si e sua posição no mundo, os filhos e filhas da modernidade. Esta razão moderna só aprenderá a entender-se a si própria, se ela clarear sua posição em relação à consciência religiosa contemporânea, tornada reflexiva, compreendendo a origem comum das duas figuras complementares do espírito humano a partir daquele impulso da era axial.

Quando falo de figuras complementares do espírito, eu me volto contra duas posições – de um lado, contra o bronco Esclarecimento, não esclarecido sobre si próprio, que renega à religião todo conteúdo racional; mas, também me volto contra Hegel, para quem a religião representa, sim, uma figura do espírito merecedora de recordação, porém somente na forma de um “pensamento representativo” subordinado à filosofia. A fé contém para a ciência algo opaco, que não pode nem ser renegado, nem simplesmente aceito. Nela se espelha o inconcluso da controvérsia de uma razão autocrítica e disposta ao aprendizado com o presente das convicções religiosas.

Esta controvérsia pode agudizar a consciência da sociedade pós-secular para o inconcluso nas tradições religiosas da humanidade. A secularização tem menos a função de um filtro que exclua conteúdos da tradição, do que a de um transformador que transforme o fluxo da tradição.

O motivo de minha ocupação 
com o tema ‘fé e ciência’ é o desejo de mobilizar 
a razão moderna contra o derrotismo 
que nela fermenta. 

Com o derrotismo da razão, com o qual hoje nos defrontamos, tanto na agudização da “dialética do esclarecimento”, como no naturalismo pretensamente científico, somente o pensamento pós-metafísico pode se entender.

A coisa é diferente com uma razão prática que, sem a retaguarda histórico-filosófica, desespera da força motivadora de suas boas razões, porque as tendências de uma descarrilada modernização andam menos a favor das normas da sua moral de justiça, do que trabalham contra ela.

Conflitos político-religiosos
A razão prática fornece fundamentações para os conceitos igualitário-universalistas de moral e de direito, que determinam a liberdade do indivíduo e as relações individuais de um com o outro de forma normativamente compreensiva.

Porém, a decisão de um agir solidário, em vista de perigos que só podem ser contornados por esforços coletivos, não é apenas questão de compreensão. Kant quis enfrentar esta debilidade da moral racional pelos estímulos de sua filosofia da religião. 

Mas, à luz desta frágil moral racional, compreende-se por que deviam escapar à razão esclarecida as imagens religiosamente conservadas do todo ético – do reino de Deus na terra – como ideais coletivamente vinculadores. Da mesma forma, a razão prática falha em sua própria determinação, quando não tem mais a força para despertar e manter acesa em mentes profanas uma consciência para a solidariedade lesionada a nível mundial, uma consciência daquilo que falta, daquilo que brada aos céus.

Será que um olhar modificado para a genealogia da razão não poderia ajudar o pensamento pós-metafísico a sair deste dilema? Em todo o caso, ele canaliza aquele processo de aprendizagem para uma outra luz, na qual a razão política do Estado liberal e a religião já se enredaram reciprocamente. Com isto, eu toco em conflitos que hoje decorrem mundialmente da inesperada renovação espiritual e da inquietante função política de comunidades religiosas. Abstraindo do nacionalismo hindu, o Islã e o Cristianismo são hoje as principais fontes desta inquietude.

Sob o aspecto da expansão geográfica, não são tão exitosas as comunidades religiosas de constituição nacional, como as Igrejas protestantes da Alemanha ou da Grã-Bretanha, porém o é a Igreja mundial católica e, sobretudo os movimentos dos evangélicos e dos muçulmanos, que operam a nível mundial. 

Os primeiros se expandem na América Latina, China, Coréia do Sul e nas Filipinas, enquanto os outros se estendem do Oriente Próximo, tanto para a África até além do Saara, como para o Sudoeste da Ásia, onde a Indonésia possui a maior população muçulmana. 

Com esta revitalização cresce a freqüência 
dos conflitos entre diversos grupos
e confissões religiosas. 

Embora muitos desses conflitos emerjam de outras causas, a conotação religiosa atiça suas chamas.
Desde o 11 de setembro de 2001,
é, sobretudo, a instrumentalização política do Islã 
que está na boca de todo mundo. (**)

Mas, sem o ‘Kulturkampf’ pelos direitos religiosos para a política, que Thomas Assheuer chama de “convincente combinação da exportação de democracia e neoliberalismo”, também George W. Bush não teria obtido a maioria.

A mentalidade do núcleo duro do “cristão renascido” é cunhada por um fundamentalismo baseado numa interpretação verbal das sagradas escrituras. Esta mentalidade – tanto faz, se ela chega a nós em configuração islâmica, cristã, judaica ou hinduísta – choca com convicções fundamentais da modernidade.

Em nível político, os conflitos se acendem em função da neutralidade cosmovisiva da autoridade pública, isto é, da igual liberdade religiosa para todos e de uma ciência emancipada da autoridade religiosa. Conflitos semelhantes dominaram boa parte da história moderna da Europa, e hoje eles se repetem não apenas entre o mundo ocidental e o islâmico, mas também entre grupos militantes de cidadãos religiosos e secularistas no interior de sociedades liberais.

Podemos considerar estes conflitos, 
ou como lutas pelo poder entre a autoridade pública
e movimentos religiosos, ou como conflitos 
entre convicções seculares e religiosas.

Visto na ótica do poder político, o Estado, cosmovisivamente neutro, pode dar-se por satisfeito com a mera adaptação das comunidades religiosas a uma liberdade religiosa, científica e juridicamente constituída. Uma adaptação caracterizou, por exemplo, a situação da Igreja católica na Europa até o Concílio Vaticano II. Mas, o Estado liberal não pode estar satisfeito com tal modus vivendi, e não apenas por razões da instabilidade de um arranjo forçado. Pois, como Estado democrático de direito, ele se orienta para uma legitimação enraizada em convicções.

Para obter esta legitimação, 
ele deve se apoiar em razões que, 
numa sociedade pluralista, devem poder
ser aceitos da mesma forma por cidadãos crentes,
de outra crença ou descrentes. 

O Estado constitucional não só deve agir numa ótica cosmovisivamente neutra, mas também subsistir em bases normativas que podem ser justificadas de maneira cosmovisivamente neutra – e isso significa: pós-metafísica. E, ante esta pretensão normativa, as comunidades religiosas não podem fazer ouvidos de mercador. Por isso, entra aqui em jogo aquele processo complementar de aprendizagem, no qual se enredam reciprocamente o lado secular e o religioso.

Na publicidade política
Em vez de se adaptar contra a vontade a coações externamente impostas, deve a religião corresponder à expectativa, normativamente fundada em seu conteúdo, de reconhecer, por suas próprias razões, a neutralidade do Estado, iguais liberdades para todas as comunidades religiosas e a independência das ciências institucionalizadas. Este passo é exitoso. Porque aqui não se trata somente da renúncia à violência política e à coação da consciência para a imposição de verdades religiosas, porém de conseguir que a consciência religiosa se torne reflexiva ante a necessidade de relacionar as próprias verdades de fé, tanto com os poderes de crenças concorrentes, como com o monopólio das ciências sobre a produção de um saber mundial.

Inversamente, em todo o caso também deve o Estado secular que, com sua legitimação jurídico-racional, se apresenta como figura do espírito e não apenas como poder empírico, permitir que lhe perguntem se ele por acaso não impõe aos cidadãos religiosos obrigações assimétricas. Pois o Estado liberal garante a liberdade equânime no exercício da religião não só para manter a paz e a ordem, mas pelas razões normativas de proteger a liberdade de fé e de consciência de cada um. Por isso, ele não pode exigir dos seus cidadãos religiosos o que é inconciliável com uma existência conduzida autenticamente “pela fé”.

Pode o Estado prescrever a estes cidadãos uma cisão de sua existência em partes públicas e privadas, pela obrigação, por exemplo, de justificar seus posicionamentos na publicidade política unicamente por razões não-religiosas? Ou a obrigação do uso de uma linguagem cosmovisivamente neutra só deve valer para políticos que tomam decisões juridicamente vinculadoras nas instituições estatais? 

Se, no entanto, posicionamentos religiosamente fundados têm garantido um lugar legítimo na vida pública e política, então é oficialmente reconhecido, pela comunidade política, que manifestações religiosas podem oferecer uma significativa contribuição para o esclarecimento de questões fundamentais controversas.

Isso não levanta apenas a questão da posterior tradução de seu conteúdo racional numa linguagem publicamente acessível. Antes deve o Estado liberal esperar, também de seus cidadãos seculares, que eles, em seu papel de cidadãos do Estado, não podem encarar manifestações religiosas como simplesmente irracionais. Em face da difusão de um naturalismo que apenas crê na ciência, isso não é nenhum pressuposto evidente. 

A recusa do secularismo é tudo, menos algo trivial. Ela atinge novamente nossa questão inicial, sobre como a razão moderna, que se despediu da metafísica, deve entender-se em sua relação com a religião. Por certo também não é trivial a expectativa de que a teologia se envolva seriamente com o pensamento pós-metafísico.

O discurso de Regensburg
Com seu discurso realizado há pouco em Regensburg, o Papa Bento XVI imprimiu à velha controvérsia sobre a helenização e des-helenização do cristianismo uma inesperada virada crítica da modernidade. Ele também deu uma resposta negativa à questão, se a teologia cristã deve esfalfar-se com os desafios da razão moderna pós-metafísica. 

O Papa apela para a síntese entre a metafísica grega e a fé bíblica, efetuada de Agostinho até Tomás [de Aquino], e contesta implicitamente que haja boas razões para a polarização entre fé e ciência, faticamente iniciada na modernidade européia. Embora ele critique a concepção de que “se deva novamente retornar para trás do iluminismo e abandonar as concepções da modernidade”, ele resiste à força dos argumentos, ante os quais se rompeu aquela síntese cosmovisiva.

O passo de Duns Scotus ao Nominalismo não conduz, no entanto, somente ao Deus protestante da vontade, mas também aplaina o caminho para a ciência natural moderna. A virada crítica de Kant conduz não só a uma crítica dos argumentos da existência de Deus, mas também ao conceito de autonomia, que realmente tornou possível nossa moderna concepção de direito e de democracia. 
E o historicismo 
não conduz compulsivamente a uma 
autonegação relativista da razão. 

Como filho do Esclarecimento, ele nos torna sensíveis para diferenças culturais e nos protege contra a super-universalização de juízos dependentes de um contexto. Fides quaerens intellectum – por mais louvável que seja a busca pela racionalidade da fé, não me parece nada útil excluir da genealogia da “razão comum” de crentes, descrentes e diversamente crentes aqueles três impulsos de des-helenização, que contribuíram para a autocompreensão da razão secular.
 Gente

Sobre Edson Gil

Edson Gil, SP, Brasil, mestre em filosofia e ignorante convicto.
Fonte:
MUNDUS EST FABULA

IHU 15/5/2007
De: "Giridhari Das" <gd@pandavas.org.br>
Para: <devotos@googlegroups.com>
Assunto: [Amigos de Krishna]  Revendo os Ataques de 11 de Setembro
Data: Sat, 10 Sep 2005 11:18:37 -0300
 
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

METAFÍSICA SEM DEUS - Oscar Pilagallo


Revoluções espirituais e terrenas
por OSCAR PILAGALLO
RESUMO
A possibilidade de existência de uma espiritualidade contemporânea e a escolha dialética entre ter uma religião e exercitar a religiosidade são debatidas a partir de lançamentos das áreas de filosofia e história da arte, e de duas autobiografias, a de Santa Teresa d’Ávila (1515-82) e a de Santo Agostinho (354-430).
Santo Agostinho
EXISTE UMA RELIGIOSIDADE possível para o homem contemporâneo moldado intelectualmente pelo racionalismo? Para Karl Marx (1818-83) e Sigmund Freud (1856-1939), a resposta é negativa. Ambos acreditam que a religião é apenas uma maneira de tornar tolerável o intolerável da condição humana. Segundo o autor do conceito de materialismo histórico, religião é uma forma de falsa consciência; de acordo com o pai da psicanálise, não passa de uma expressão da imaturidade do homem.
A resposta positiva, no entanto, não é exclusiva dos que acreditam no sobrenatural. Numa análise psicológica, o pensador alemão Georg Simmel (1858-1918) contesta a visão de mundo sintetizada por seus dois contemporâneos numa série de ensaios reunidos em dois volumes intitulados “Religião” [trad. Antonio Carlos Santos e Cláudia Dornbusch, Editora Olho d'Água, 108 págs., R$ 35; o segundo deve sair em fevereiro].
Para o filósofo, no passado, a religião cumpria o papel de dar um sentido de reconfortante unidade ao homem. Hoje, acredita, se a crença em Deus foi colocada em xeque pelo racionalismo, a necessidade humana de superar a fragmentação da realidade se mantém. “Essa aspiração é o legado da cristandade”, diz. “A necessidade de encontrar um ponto fixo em meio à instabilidade ao redor [...] nutre as ideias de transcendência.”
Simmel critica o ceticismo dos que reduzem Deus a uma construção humana. Pela perspectiva iluminista, ou existe “na realidade” uma esfera divina ou a fé em Deus é pura fantasia subjetiva.
O autor rejeita esse dualismo e propõe uma terceira posição: a dimensão metafísica da religião está contida na essência religiosa do próprio ser humano, abrindo espaço para a concepção humanista da espiritualidade sem Deus. “A religiosidade subjetiva não garante a existência de um mundo metafísico exterior, mas é ela mesma a realização direta desse mundo.”
Pouco conhecido no Brasil, apesar de citado por autores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, Simmel nasceu em Berlim, num meio judeu-cristão que o marcou culturalmente, embora sua religiosidade, como ele a define, tenha sido “flutuante”. Na realidade, o autor é agnóstico, pois considera estar além da capacidade humana afirmar a existência ou a não existência de Deus. É a partir dessa perspectiva que procura entender a relevância da religião num mundo cada vez mais secular.
Georg Simmel pode ser alinhado aos formuladores da noção do misticismo ateu, ou ateísmo místico, como sugere no prefácio Frédéric Vandenberghe, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Tal ideia parte do princípio de que o misticismo não tem, necessariamente, origem religiosa, resultando também de outras motivações, como o êxtase da união pelo amor ou do contato com a arte, que conectam o ser humano a algo que o transcende.
Talvez nenhuma obra condense com mais intensidade tais esferas -a espiritual e a carnal- do que “O Êxtase de Santa Teresa”, do escultor italiano Gian Lorenzo Bernini (1598-1680). Representação mais conhecida da religiosa, o trabalho retrata Santa Teresa d’Ávila (1515-1582) em levitação, no momento em que recebe um anjo, cena que “se situa na instável fronteira entre o mistério sagrado e a indecência”, segundo Simon Schama em “O Poder da Arte” [trad. Hildegard Feist, Companhia das Letras, 504 págs., R$ 89].
Para o crítico, “a seu modo, eles formam um casal”. Schama contesta os especialistas que rejeitam a intenção erótica da obra com o argumento de que não passaria pela cabeça do escultor do papa conceber como convulsão orgástica o arrebatamento espiritual da freira. “O anacronismo moderno”, escreve, “não é a união de corpo e alma [...], e sim sua pudica separação em experiência sensual e experiência espiritual. Na época de Bernini, entendia-se e experimentava-se o êxtase como sensualmente indivisível”.
A interpretação do historiador tem respaldo no trecho da autobiografia em que Bernini se baseou. Primeira prosadora da língua espanhola, tendo antecedido o contemporâneo Miguel de Cervantes, que era seu leitor, Santa Teresa conta no “Livro da Vida” [trad. Marcelo Musa Cavallari, Penguin-Companhia, 418 págs., R$ 27,50], que via nas mãos do querubim “um dardo de ouro grande e no final da ponta me parecia haver um pouco de fogo. Ele parecia enfiá-lo algumas vezes em meu coração e chegava às entranhas. Ao tirá-lo me parecia que as levava consigo e me deixava abrasada em grande amor de Deus. Era tão grande a dor que me fazia dar aqueles gemidos [...]. Não é uma dor corporal, mas espiritual, ainda que não deixe o corpo de participar em alguma coisa e até bastante”.
Escritas a pedido de seus confessores -para usá-las como peça de defesa diante da Inquisição (que a absolveu), -as memórias da santa revelam um surpreendente e atribulado itinerário espiritual. Teresa foi uma menina rica, bonita e vaidosa. Entrou para o convento ainda adolescente por acreditar que a vida entre monjas seria mais livre do que a de esposa de um fidalgo espanhol, atitude que é objeto de uma autorreprovação que permeia todo o livro. O crescimento espiritual se deu aos poucos, em meio a vômitos, dores e espasmos que a debilitaram a ponto de ser dada como morta. Recuperada, teve a saúde precária até os 40 anos, com sintomas de desequilíbrio emocional que mais tarde a psicanálise associaria à histeria.
É nessa idade,quando entra em contato com a obra de Santo Agostinho (354-430), que começa a ter visões divinas.
Autodidata, a santa “descrevia suas experiências sem se preocupar em dar-lhes fundamentação teológica”, como observa Frei Betto no prefácio. Sua religiosidade só ganharia contorno mais definido com a leitura da autobiografia de um dos principais formuladores do cristianismo. Em “Confissões” [trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina, Coleção Folha Livros que Mudaram o Mundo, 250 págs., R$ 15,90], Teresa aprendeu o lugar da alma. “Se a alma evita o mundo, vive, e se o busca, morre”, anotou o Bispo de Hipona.
No convento, Teresa desaprovava a vida mundana das religiosas, que, alheias ao ensinamento de Agostinho, mantinham laços com a sociedade. A santa, ao contrário, queria que sua alma vivesse e procurou, ao fundar a austera ordem das carmelitas descalças, o isolamento e a vida contemplativa.
Foi com esse espírito que Teresa revolucionou a espiritualidade cristã. “Arrancou Deus dos píncaros celestiais e o situou no cerne da alma”, afirma Frei Betto, para quem a freira, que enfrentou com determinação e vontade própria as autoridades eclesiásticas do seu tempo, pode ser considerada uma feminista “avant la lettre”.
O conteúdo da fé de Agostinho ou Teresa certamente não passa pelo crivo do Iluminismo, já que a fé não pode ser explicada racionalmente. Mas, quando se pergunta sobre a religiosidade possível do homem contemporâneo, a questão não é de conteúdo.
“Os místicos mais profundos apresentam uma notável indiferença ante o conteúdo da fé”, diz Georg Simmel. Para ele, a fé das pessoas intensamente religiosas é em si um fenômeno metafísico, “cujo significado e existência são completamente independentes dos conteúdos aos quais a fé se agarra”.
Tais pessoas, e esse seria o caso de Teresa e Agostinho, prescindiriam da religião como referência exterior, bastando-lhes a própria religiosidade de seu espírito. Para quem, então, a religião seria mais necessária? Para as pessoas pouco religiosas, afirma Simmel. “O fato de justamente os indivíduos não religiosos terem maior necessidade de religião”, argumenta o filósofo, “deixa de ser um paradoxo se pensarmos na situação análoga de que a alma plena e instintivamente moral não necessita de nenhum código moral separado, formulado como imperativo ético.”
Os crentes de verdade, na hipótese remota de perderem Deus, conservariam em si o valor metafísico que ele representa, acredita Simmel. “No entanto, a maioria das pessoas perde tudo ao perder Deus, pois a massa precisa de algo ‘objetivo’ num sentido completamente diferente daquele do indivíduo intenso e criativo.”
A questão, para voltar à pergunta que abre este texto, é saber se as pessoas conseguiriam se afastar da substância dos “fatos” transcendentes e se aproximar da “autoconsciência do significado metafísico de nossa existência”.
Há cem anos, quando publicou o ensaio “O Problema da Situação Religiosa”, Simmel colocou um “enorme ponto de interrogação” sobre essa possibilidade. Ele continua no mesmo lugar.
O conteúdo da fé de Agostinho ou Teresa não passa pelo crivo do Iluminismo, já que a fé não pode ser explicada racionalmente. Mas, quando se pergunta sobre a religiosidade, a questão não é de conteúdo
Simmel propõe uma terceira posição: a dimensão metafísica da religião está contida na essência religiosa do próprio ser humano, abrindo espaço para a concepção humanista da espiritualidade sem Deus


Sobre Edson Gil

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Carl Gustav Jung - Entrevista Pessoal

Enviado por em 08/04/2007

Entrevista com Jung na década de 50.

Categoria: Notícias e política

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Carl Gustav Jung (Psicologia Analítica) Entrevista Port

nviado por em 08/04/2007

Entrevista com Carl Gustav Jung, com Legenda em Português.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Beethoven: Symphony No. 9; Handel: Organ Concerto

nviado por em 23/01/2008

UC Davis Symphony and Chorus perform works by Beethoven and Handel. Series: "Mondavi Center Presents" [11/2007] [Arts and Music] [Show ID: 12596]

Categoria:Educação

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Carl Orff: Carmina Burana


  • 1. O Fortuna 1:15 2. Fortunae plango vulnera 4:08 3. Veris laeta facies 7:00 4. Omnia sol temperata 11:36 5. Ecce gratum 14:10 6. Tanz - (instrumental) 16:56 7. Floret silva nobilis 18:57 8. Chramer, gip die varwe mir 22:32 9. Swaz hie gat umbe 28:12 10. Were diu werlt alle min 31:12 11. Aestuans interius 32:10 12. Olim lacus colueram 34:42
  • 13. Ego sum abbas 38:23 14. In taberna quando sumus 40:11 15. Amor volat undique 43:26 16. Dies, nox, et omnia 47:17 17. Stetit puella 49:48 18. Circa mea pectora 52:29 19. Si puer cum puella 54:38 20. Veni, veni, venias 55:34 21. In trutina 56:38 22. Tempus est iocundum 59:30 23. Dulcissime 1:02:02 24. Ave formosissima 1:02:54

Carl Orff: Carmina Burana

Enviado por em 07/02/2008

UC Davis University Chorus, Alumni Chorus, Symphony Orchestra, and the Pacific Boychoir perform Carl Orff's "Carmina Burana," at the Mondavi Center on the campus of UC Davis. Jeffrey Thomas, conducting, Shawnette Sulker, soprano, Gerald Thomas Gray, tenor, and Malcolm MacKenzie, baritone. Series: Mondavi Center Presents [6/2007] [Arts and Music] [Show ID: 11787]

Categoria:Educação

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San Diego OperaTalk: Nabucco

Enviado por em 05/11/2009

San Diego Operas Nick Reveles explores the history and themes behind Verdis story of the biblical king, Nebuchadnezzar. Series: San Diego OperaTalk! with Nick Reveles [10/2009] [Humanities] [Arts and Music] [Show ID: 16587]

Categoria: Educação

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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Flautul fermecat (Mozart) Opera - Die Zauberflote



Enviado por em 24/01/2011

Flautul fermecat (Mozart) Opera - Die Zauberflote
pentru alte documente: http://varzamurata.wordpress.com


Wolfgang Amadeus Mozart The Magic Flute


"The Magic Flute"


Bro. Alberti and the Frontispiece of the Libretto

on the Occasion of the First Performance in the Year 1791.
A Supplementary Interpretation to the Sybolism in 39 Reflections.

Frontispiece and Programme


"The Magic Flute" - Bro. Alberti and the Frontispiece of the Libretto on the Occasion of the First Performance in the Year 1791 (Page 2).


Title-Page Libretto


When we hear the word "Magic Flute" (Zauberflöte), we certainly think about lovely music, written by the freemason Mozart. We remind perhaps stage scenes and costumes. At the first performance special importance was laid on the providing with clothes. Mr. Gayl was the scene-painter, and Mr. Neßthaler was responsible for decoration. In 1791 stage director Schikaneder made the text for the opera, assisted by actor Gieseke, both freemasons. At that time magic-operas were fashionable, but the masonic touch, perceptible for the initiated at many points, gives the text a special note even today, especially at the beginning of act two. The philosopher Hegel supported the many slandered text of the work when he said:
"How often you can hear for instance the idle talk that the text of the "Magic Flute" was too miserable; however this clumsy piece of work belongs to the praiseworthy opera books. After some crazy, fantastic and silly production, Schikaneder here had found the right way. The empire of the night, the queen, the sun empire, the mysteries, the initiation, the wisdom, love, the examinations and thereby a sort of a mediocre moral which is excellent in its generality - all this, with the depth of the charming sweetness and soul of the music, widens and fills the fantasy and warms the heart."
The day of the first performance, a book about the opera was available. This book with a careful editing of the complete text, was manufactured in a leading printing-house of Vienna which belonged to the freemason Ignaz Alberti (1760-1794). In 1789 he was independent as a publisher. Alberti chooses for the text a printing-type where he can change four sizes of types within the sentence: The biggest one for the names of the persons, the second biggest for the prose dialogues, a smaller one for the singing parts and the smallest for stage directions. As illustration Alberti adds two etchings. One is in the book in front of Papageno's entrance song and shows the bird-captor in his featherdress with a cage on his back.


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em 31/01/2011
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