domingo, 10 de julho de 2011

OS FENÔMENOS PSÍQUICOS.

CAP. 1
 
- O QUE TODOS DEVEM SABER DA FILOSOFIA  -
- VI - Pequena Psicologia Filosófica -

Versão em Português do original em Esperanto
Evaldo Pauli

600.Introdução ao estudo dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos psíquicos são representados pelas manifestações primeiras da psique e ainda pelas propriedades que oferecem, sem incluir a causa substancial que eventualmente tenham.

Portanto, no seu primeiro momento, o estudo dos fenômenos psíquicos não inclui ainda a questão da alma, ou outro fundamento, que se queira dar como princípio dos mesmos.

Ocorre aqui um paralelismo com a filosofia natural ao estudar aos corpos. A respeito destes também se pergunta primeiramente pelos seus fenômenos e propriedades, antes que se indague de sua natureza substancial.
Redivide-se o estudo dos fenômenos psíquicos em artigos significativos:
- natureza psíquica do conhecimento (vd 602);
- natureza dos impulsos sensíveis e da vontade (vd 631).
- em especial sobre o subconsciente e os fenômenos parapsicológicos (vd 668).


ART. 1-o. NATUREZA PSÍQUICA DO CONHECIMENTO. 2211y602.

603. Do conhecimento há a considerar aspectos como:
- intencionalidade, mimese e faculdades de conhecimento (vd 605);
- conhecimento sensível (vd 618);
- conhecimento intelectivo (vd 624).


§1. INTENCIONALIDADE, MIMESE, FACULDADES DE CONHECIMENTO.

606. Conhecimento e intencionalidade. O conhecer é a ação de atender a objetos. Este atender se denomina intencionalidade (de intenção, equivalente a atenção). É o grande acontecimento que sempre está presente nos fenômenos psíquicos.
Importa destacar que o conhecimento não é apenas um fenômeno psíquico, mas também lógico (vd 26) e gnosiológico (vd 781), porque também se refere ao objeto conhecido.

Descreve-se também ao conhecimento como uma maneira sui generis de possuir um objeto, pela posse intencional. Este sentido de posse está contido em certas terminologias como em apreensão (do latim aprehensio), percepção (de per-capere), conceber e conceito (de cumcapere).
Com referência à posse sui generis do objeto, consiste ela numa posse não potencial (ou não subjetiva), porém objetiva, isto é, como objeto conhecido. A posse potencial é a que completa ou aumenta a entidade de quem a recebe. A posse objetiva é a que mantém o outro como outro, portanto como distinto. É a posse do outro como outro, isto é, do outro enquanto outro objeto, colhido apenas intencionalmente.

O que mais caracteriza a intencionalidade é um certo caminhar da ação cognoscitiva, que se move do sujeito para o objeto.
Mas este caminhar é intencional não um caminhar de ordem entitativa como sucede no deslocamento de uma posição para outra. Como o atender intencional tem um ponto de partida e um de chegada, o de partida se denomina sujeito e o de chegada objeto. O sujeito, ao atender para fora de si, é como que é transposto (intencionalmente) para o objeto.

O sentido do sujeito é o de estar essencialmente virado para fora de si mesmo. Nesta condição o sujeito é um ser para... O sujeito é, por conseguinte, um ser excêntrico, isto é, com um centro de atenção fora de si mesmo.
Para frisar o caráter intencionalístico do conhecimento se pode dizer, - em paralelo com a palavra atenção, - cognição e intelecção. Estas palavras, ainda que não se refiram diretamente à intencionalidade, a expressam pelo menos pelo contexto em que são usadas. Lembram algo de ativo e peculiar, que se ocupa com objetos.

Finalmente falta anotar que a ação cognoscitiva é imanente. Isto quer dizer que permanece em quem a exerce e o aperfeiçoa ao modo de qualidade. Assim, obter conhecimentos é alcançar perfeição.
Enquanto inseparável, a capacidade de conhecer se diz uma propriedade do espírito.

607. Noção de intencionalismo. Chama-se intencionalismo aquela doutrina que conceitua o conhecimento como relação intencional, em contraste com o seu aspecto meramente psicologístico.
Psicologismo se diz da interpretação que trata o conhecimento como coisa, ainda que de natureza superior. Esquece-se de que o conhecimento é intencionalidade e que nesta condição é um ente sui generis e não ao modo dos entes concretos.

O intencionalismo sempre foi doutrina vigente nas filosofias tradicionais, como de Aristóteles e da escolástica, mais nunca expressamente desenvolvida. Foi surgir com insistência no final do século 19, sob influência escolástica e neokantiana, como reação ao psicologismo.

Franz Brentano (Psicologia do ponto de vista empírico, 1874), Edmund Husserl (Investigações lógicas, 1900) são notáveis intencionalistas. Os psicólogos da escola de Würzburg (Marbe, Külpe, Messer) enquanto combatem o associacionismo contribuíram para o intencionalismo.

Também os existencialistas 
Heidegger e Sartre foram insistentemente 
anti-psicologistas.

O psicologismo, com este nome, se desenvolveu no século 19, com a tendência de tudo explicar pela psicologia. Escrevia então Theodor Lipps que a "lógica é a física do pensamento ou não é coisa alguma" (Lipps, O tema da Teoria do Conhecimento, em Philosophische Monatshefte, vol. 16, 1880, citado por Husserl, em Investigações lógicas).

A mentalidade do psicologismo já se encontra presente no empirismo associacionista inglês, notadamente em Hume (1711-1776). Observa-se ainda no associacionismo de Wundt e Tichner.

608. Como decidir entre intencionalismo e psicologismo? A prova deverá resultar da simples observação.
Ou o conhecer é apenas um ente, como um ente entre outros entes da mesma natureza.

Ou o conhecer é um sujeito a mover-se de modo peculiar em direção a objetos, aos quais atende pela via meramente intencional do atender.
Efetivamente, o que nós observamos é um proceder intencionalistico. Pense-se em que se quiser e se pergunte quanto se puder, sempre está presente um objeto.

Uma idéia é compreendida 
em função ao objeto contido.
Uma imagem é indicativa da imagem de algo. 

Num juízo, o predicado se atribui como objeto ao sujeito, ou dele é separado, o que tudo revela a intencionalidade, e não é apenas um fenômeno psíquico.
Num raciocínio, composto sempre de juízos, acontece o mesmo caminhar intencionalístico, agora mais complicadamente, revelando-se melhor ainda um enredo intencionalístico.

As propriedades do conhecimento, - evidência, verdade, certeza, - apresentam feições intencionalísticas: a evidência é a evidência de algo; a verdade é a verdade de algo; finalmente, a certeza é a certeza de algo.
Até mesmo a teoria da mimese, de que adiante se tratará, somente tem sentido em uma situação intencionalística.
A consciência, - ou a dupla intencionalidade de que também se passará a tratar, - é uma prova da doutrina intencionalística.

609. Consciência, ou dupla intencionalidade. O pensamento se desenvolve com dupla intencionalidade, - a direta e a reflexa.
O primeiro instante do conhecimento se denomina intenção direta ( = recta intentio), ou primeira intenção (= prima intentio); equivale a dizer atenção direta, ou primeira intenção, ou simplesmente primeiro conhecimento.
O outro instante, além de se denominar, por paralelismo, de segunda intenção, ou ainda intenção reflexa, tem o nome de consciência, ou mesmo reduplicativamente consciência reflexa.

A consciência éuma auto-observação. 
Não saberíamos, que conhecemos, 
se não pudéssemos, ao mesmo tempo que 
exercemos conhecimento, 
conhecer que conhecemos.

Consciência é palavra de acepções oscilantes. O seu significado básico se prende ao de dupla intencionalidade, e portanto ao de conhecimento reflexo, que o espírito tem de seus próprios atos e estados afetivos. Um outro sentido, como ocorre em Kant, reúne sob este vocábulo os conhecimentos imediatos; este é o sentido que tem em expressões como em "dados imediatos da consciência".

Reduz-se a esta última modalidade a expressão "consciência moral". Esta não é senão o conhecimento da lei ao ser aplicada em um caso particular (Cf. Ética, c. 1). A rigor, toda a consciência é consciência psicológica. Ao se atender ao conteúdo da consciência, opõe-se consciência moral (indicativa de conteúdo) à consciência psicológica.

610. Psicologia de auto-observação e psicologia do comportamento. A existência de uma consciência reflexa alarga o campo da psicologia, para espaços novos e distintos dos limites da observação exterior (ou objetiva).
A auto-observação e a observação exterior cabem ambas na psicologia filosófica e na psicologia experimental. Todavia a psicologia filosófica tem trânsito fácil na observação interior, e a psicologia experimental melhor trabalha com a observação exterior (ou objetiva), onde os conceitos são operacionais (vd 214).

Note-se que o conceito operacional enuncia relações extrínsecas entre o definido e um outro objeto, sendo este ordinariamente experimental, podendo mesmo organizar-se como uma técnica.
O comprimento em definição operacional se indica por meio de medidas. O calor se conceitua operacionalmente como algo que dilata ou, como algo que move a coluna do mercúrio de um termômetro. O termo se define em função do movimento.

Em psicologia se conceitua também operacionalmente. Assim se pode definir operacionalmente a inteligência, como sendo a capacidade de resolver problemas ou questões que se ofereçam, como teste, de onde se extrai o quociente intelectual (Q.I.). A psicologia experimental é operacional porque estuda o psiquismo em função à efeitos exteriores.

Em consequência, a psicologia pode desenvolver-se em dois planos. Na faixa da experiência interior, aberta pela auto-observação, e na da observação do comportamento exterior dos seres que exercem vida psíquica.
Ambas as modalidades de observação sofrem limitações.

A introspecção está sujeita à relatividade, porque os estados psicológicos não são homogêneos. Cada pessoa tem o seu tipo de pensamento. Divergem ainda os tipos nas diferentes idades do mesmo indivíduo.
Tais diferenças somente poderão ser estudadas por métodos objetivos, como já se adiantou, ao modo das ciências experimentais (vd 214).
De outra parte, a consideração objetiva dos fenômenos revela inadequadamente o fenômeno psíquico em si mesmo. Apenas a introspecção nos pode oferecer à vivência precisa do psíquico.

A escola da psicologia do comportamento, ou do Behaviorismo (de behaviorism = comportamento), se limita ao estudo do comportamento ou das reações. Sistematizada por John Broadus Watson (1878-1958), desenvolveu-se com variantes, todas geralmente com conclusões deterministas.
Atenda-se, porém, que Watson pretendia definir uma psicologia experimental. Supunha que uma psicologia introspectiva derivava necessariamente para a psicologia dedutiva e portanto racional.

611. A mimese, teoria explicativa do conhecimento. Que há nos seres para que possam exercer conhecimento? E que falta, quando não o exercem?
Aqui nos encontramos frente a uma pergunta típica de psicologia racional, porque solicita uma explicação meramente raciocinativa. Busca saber de que modo a propriedade de conhecer brota, por efeito formal, de uma natureza que lhe dá origem, sem a qual não surgiria.

A teoria da mimese, do grego mímesis (= semelhança, imitação) parte do princípio de que o semelhante acusa o assemelhado. Ora se o semelhante acusa o assemelhado, esta semelhança impressa na mente, faz conhecer os objetos assemelhados.
A semelhança impressa na mente é chamada de "species impressa" (= face impressa), no tecnicismo clássico. Diz-se também simplesmente "impressão", na suposição de que a impressão use ser semelhante ao objeto que a imprimiu.
Ter tais impressões, que produzem a intencionalidade cognoscitiva, eis o que se denomina "faculdade de conhecimento". A faculdade de conhecimento não é mesmo conhecimento, mas a impressão capaz de o exercer. Mais exatamente é a capacidade de assumir impressões.

612. Impressão e expressão. A mimese se dá em tempos sucessivos. Primeiramente ocorre a base física, da impressão. Como a estátua, que, antes de ser semelhante e geradora da representação da pessoa, é matéria, assim também a impressão é uma forma psíquica de ordem entitativa, antes de tudo.
Na mente, a coisa física é uma qualidade real que ali se imprime e que por isso se chama impressão. Também na sensação ocorre uma impressão, de que alguns aspectos fisiológicos são observáveis experimentalmente, ao incidir a luz sobre o nervo ótico, o som sobre o ouvido, o calor sobre o tato.
A impressão é pois um nome comum a várias faculdades de conhecimento, porque em todas ocorre o mesmo processo entitativo inicial. Por isso há a distinguir entre impressão sensível e impressão mental, esta última do pensamento.
Num segundo tempo, esta qualidade impressa deverá exercer-se como semelhança. Em decorrência passa a denominar-se "semelhança impressa", do latim species impressa (= face impressa) ou ainda forma impressa e figura impressa.
As coisas se distinguem entre si, exatamente por causa da qualidade; enquanto se distinguem, também conferem em algo. E assim, enquanto se aproximam, se assemelham. Enquanto se diferenciam, não se assemelham.
Em conseqüência o que houver na mente, pode assemelhar-se a alguns objetos do mundo exterior, a outros não.

Em terceiro lugar, da relação de semelhança brota uma conseqüência formal, a de acusar intencionalisticamente os seus assemelhados. Desta sorte, o conhecimento nasce como uma conseqüência necessitante do fato mesmo da semelhança, a qual se conscientiza de si mesma. Da impressão resulta a expressão (da species impressa a species expressa).
No caso da estátua, nasce da figura semelhante a noção da pessoa figurada. Neste último caso a noção requer uma interpretação por parte de quem aprecia a estátua. Ela mesma, a estátua, não se se lhe descem as condições faltantes chegaria a isto.

Na mente todas as condições se dão consequentemente, a própria mente é capaz de exercício de conhecimento.
Conforme em seu lugar se esclarece (vd), a arte se funda na teoria da mimese. Enquanto imita seus objetos, - sejam naturais, sejam abstratos, sejam totalmente criados pelo atista, - a obra material expressa aos mesmos.

613. Teoria das faculdades de conhecimento. As semelhanças, para que sejam impressas no ser conhecedor, supõem que este algo seja possa facultar em si esta marca. Eis o que é a faculdade.
Como a cera, para receber a impressão do anel, importa em ser previamente capaz de a poder receber, a mente possui previamente a capacidade do exercício de conhecer. A capacidade prévia de receber a impressão dos objetos e reconhecê-los como tais, é a faculdade de conhecimento, como uma qualidade natural.

Sistematizando ainda mais, pode-se dizer que a faculdade é uma qualidade permanente enquanto permanecerem as atuais circunstâncias do sistema psíquico.
Em última instância se trata de um psiquismo que todos os seres são capazes de desenvolver, na suposição de que seja válida a interpretação monista da natureza (vd 584) e que já as unidades elementares tenham a tendência de agir umas sobre as outras, equilibrando-se.

Supõe-se que a faculdade do conhecimento possa ter estados iniciais de nenhum exercício efetivo de conhecimento, como nos estágios iniciais da vida e no sono, mas que efetivamente elas sempre existam potencialmente.
Aristóteles defendeu que não há conhecimentos inatos, todos têm origem em alguma percepção.

Platão e Descartes defenderam o inatismo das idéias universais. As percepções singulares, apenas seriam de origem eventual.
O idealismo apriorista da teoria do conhecimento de Kant (vd) defendeu ainda que ocorrem formas a priori anteriores às impressões sensíveis e ainda formas a priori anteriores aos conceitos .

614. Fundamento da diversificação das faculdades de conhecimento. Querem uns que as faculdades de conhecimento se diversificam, enquanto outros negam a sua multiplicidade.
Tradicionalmente se distinguem faculdades específicas, para os diversos escalões do conhecimento. Diversificar-se-iam as faculdades por objetos formais distintos.

Aristóteles estabeleceu cinco faculdades de conhecimento sensitivo externo (visão, ouvido, tato, gosto, olfato), duas faculdades sensíveis internas (imaginação e memória) e uma faculdade superior, ou racional, denominada inteligência.

Kant (vd) redividiu a inteligência, única no dizer de Aristóteles, em três faculdades, a saber, do entendimento, do juízo, da razão.
Bérgson (vd) distinguiu entre inteligência e intuição.
Outros, como Jouffroy negam a diversificação das faculdades. A mente teria uma capacidade generalizada para o exercício do conhecimento dos objetos, de sorte a receber indiferentemente as impressões.
É possível imaginar um estágio indiferenciado das faculdades de conhecimento. Não obstante elas existiriam distintas. Com a especialização da estrutura orgânica do ser vivo, cada faculdade teria as suas oportunidades de se desenvolver. Assim é possível imaginar que os animais desenvolveram um tipo de inteligência e os homens outro.

Nos seres humanos é notável, como uns seguem por vias metodológicas diferentes, que outros. Assim as mulheres caminham mais pelas vias da analiticidade, os homens mais pelas vias da sinteticidade.

615. Prova-se a distinção das faculdades de conhecimento advertindo para a necessidade de uma proporção, entre aquele que recebe a impressão de semelhança e o objeto assemelhado impresso. Cada modalidade de objeto precisa de uma região especial.
No primeiro instante a suposição parece gratuita, porque o que pode o mais, pode o menos. Em parte é verdadeira a advertência, porque o que está acima tem debaixo de si os inferiores.

Todavia, há aqueles objetos equívocos, que não podem estar sob a graduação de um mesmo objeto formal. Assim é que para os diferentes tipos de objetos, se fazem necessárias capacidades distintas.
Preparada a vista, para receber as cores e não para os sons, seu objeto se limita. Em consequência a vista fica sendo uma faculdade distinta das demais.
E assim ocorre com o ouvido, que conhece sons.
Com o tato, que percebe as qualidades do seu gênero.

Finalmente, com a inteligência que intelige o ser.
O mesmo faz o artista ao utilizar materiais mui diferentes para mensagens distintas não só em graus, também do ponto de vista da espécie.

§ 2. O CONHECIMENTO SENSÍVEL. 2211y618.

619. A sensação se define como sendo o conhecimento das qualidades físicas dos corpos, tais como a cor, o som, o tato, o sabor, o odor, mesmo quando se façam acompanhados de elementos subjetivos.
Ocorre uma nítida aproximação entre a psicologia do conhecimento (à que cabe o estudo das faculdades) e a teoria do conhecimento (à que pertence determinar em que tudo se dá em termos de conteúdo conhecido).

Tantas são as espécies de sensação, quantas forem as modalidades específicas de objetos formais. Em decorrência se estabeleceu a lista das cinco faculdades de sentir, ou cinco sentidos, consagrada por Aristóteles.
Outros acrescentam à lista as faculdades do sentido térmico, exercido pelos corpúsculos de Meissner e Ruffini, que perceberiam as sensações de calor e de frio.
A sensação sexual não é um sentido próprio. Reduz-se ao sentido táctil. Este é acionado pela pressão, criada pela ereção, entre as células. Toda vez que isto sucede, tem sequência o prazer sexual.
Há que distinguir entre sensação, que é um conhecimento, e o sentimento. O que seriam os sentimentos, como prazer e dor? Como se mostrará depois (vd 647), os sentimentos, de que são variantes as emoções, as paixões, os prazeres, etc., são estados de alma, ditos também estados psíquicos, decorrentes do sentir.

Assim é que dos conhecimentos sensíveis se fazem seguir prontamente estados de emotivos, e que podem ser os mais diversos, de satisfação uns, insatisfação outros.
Importa não confundir, pois, a sensação com os sentimentos e as emoções decorrentes. Primeiramente acontece o conhecimento, com objeto. Depois decorrem os estados consequentes, sem novo objeto.

620. Sentidos externos é o nome que se dá a um primeiro grupo de sentidos, porque operam com órgãos especiais e qualidades sensíveis concretas.
No ser humano, entre os sentidos exteriores se destacam os assim chamados sentidos superiores, como a vista e o ouvido. Ordinariamente oferecem mais precisão de informações, motivo de sua superioridade.
Aristóteles diz que a vista é a preferida entre todos os sentidos, por causa do maior número de informações que oferece.

Ao sentidos inferiores são mais indiferenciados, pelo menos no homem. Suas informações são menos precisas. Todavia são violentamente afetivos. Isto se observa na intensidade dos estados de prazer e de dor que eles oferecem.
Com referência aos animais em geral, uns têm altamente aguçada a vista, como a águia, outros praticamente não enxergam, como o peixe e o carrapato. Pela inversa, o peixe goza de excelente sensação táctil, e o carrapato de excelente percepção do odor. Os insetos, além da vista, são altamente beneficiados pela percepção do odor.

Os sentidos superiores são menos emotivos. São chamados sentidos estéticos, tanto pela maior capacidade de informação, como pela serenidade sentimental.
Tem-se ainda anotado outras subtilidades a propósito dos sentidos. Eis a de um dos autores da Enciclopédia francesa: "dos sentidos, o mais superficial é a vista; o mais orgulhoso e inconstante, o gosto, e o mais profundo, o tato" (Denis Diderot).

Os sentidos obedecem uma lei de intensidade da excitação, com extremos, - a excitação mínima (limiar inferior do estímulo) e excitação máxima (limiar superior).
Subordinam-se à lei da capacidade de sentir as diferenças de intensidade das sensações (limiar diferencial).

Obedecem também os sentidos à lei da relatividade, ou seja do conteúdo da sensação, que varia de acordo com as sensações que a precedem ou a acompanham. É o caso do branco que se manifesta mais branco ao lado do preto.

A psicologia filosófica não encontra campo vasto para se ocupar no estudo das sensações. O que se faz conhecer filosoficamente pouco ultrapassa às informações obtidas pelos recursos da psicologia experimental.
Com referência à objetividade ou realidade das qualidades sensíveis (geralmente consideradas subjetivas), eis outra questão importante, mas que pertence à teoria do conhecimento (vd).

621. Imaginação e memória, sentidos internos. A imaginação e a memória (vd 622) são faculdades sensíveis internas. Este campo da consciência interior é obscuro e polêmico. Basta dizer que é a região da parapsicologia.
Sua importância é incontestável, porque a imaginação e a memória são os comandos subtis da nossa vida interior e de nossa personalidade, são o berço de ouro das aspirações.

A imaginação (de imagem) é a faculdade que possibilita manter a imagem do objeto independentemente da presença continua deste mesmo objeto, que afetara os sentidos externos.
A existência desta imagem interior pode ser interpretada de duas maneiras.
Ou é uma imagem nova, que reduplica a imagem intuitiva dos sentidos externos; neste caso haveria uma faculdade efetivamente distinta da do sentido externo.
Ou é a imagem dos sentidos externos em perduração; nesta hipótese não haveria verdadeiramente uma nova faculdade.
Acredita-se que a imaginação seja uma faculdade específica.

Alegam outros que não é de duvidar que as imagens da imaginação nada ofereçam de novo com referência aos sentidos externos. Deles se diferenciariam apenas pela menor intensidade. Consequentemente seria admissível que a imaginação não seja faculdade específica.

A imaginação é criadora 
quando combina entre si as imagens. 
Nesta nova condição leva a denominação de fantasia

No grego fantasia é o equivalente latino de imaginação. Havendo passado entre nós a significar apenas a imaginação criadora e caprichosa, o termo fantasia perdeu sua importância como tecnicismo filosófico. Ficou com isso limitada ao uso da linguagem corrente e da arte.
Os sentidos externos e a imaginação, inclusive na sua forma criadora, formariam um só grande sistema de sensação, pelas considerações que acabamos de fazer.

A teoria associacionista esclarece que as imagens se prendem ou se atraem, pela semelhança (Lei da semelhança), contraste (Lei da contiguidade).
O associacionismo como doutrina procura explicar todos os processos mentais, inclusive da inteligência, pela associação das imagens e não pelas conexões meramente lógicas. Neste sentido contribuíram os pressupostos empiristas e positivistas dos autores que o defenderam. Hume, Stuart Mill, Bain, Taine, Spencer.

A psicologia da forma pretende que as associações se façam como conjuntos ou grandes esquemas.
A respeito da imaginação, muito tem descoberto a psicologia experimental, mas que não cabe agora anexar à filosofia.

622. A memória é uma faculdade de conhecimento sensível, que trabalha em conexão com a imaginação, cujas imagens reaviva, geralmente por associatividade.
Como isto se dá não se consegue determinar com precisão. Condiciona-se esta questão ao que já vem determinado pela teoria da faculdade da imaginação. Se a imaginação consistir apenas na faculdade de reter as imagens intuitivas enquanto os objetos se ausentam, a memória deverá ser interpretada na mesma linha de continuidade. Consistirá então a memória na capacidade de reavivar imagens retidas.

A memória é então como uma estátua interior, a qual, sempre que vista, desperta toda a imagem tida anteriormente.
O despertar das imagens memorizadas ocorre por ocasião de novos conhecimentos, os quais não precisam ser de todo iguais. Posto o conhecimento estímulo, mesmo que em parte apenas igual, surge a imagem inteira do fundo da memória.

O reavivamento das imagens retidas mediante novos objetos estímulos, é o processo peculiar da memória. Tem o nome de recordação. Posto um objeto estímulo, as imagens tidas anteriormente se reavivam. O conhecimento que estimula a memória em dimensão maior, é como a estátua que faz surgir a história de um homem.

O processo de reavivamente da memória se dá em dois tempos. Num primeiro, o objeto estímulo se apresenta como um conteúdo de valor absoluto. É um objeto de conhecimento como um outro qualquer.
Num segundo tempo, no qual ocorrem as leis da associação das imagens, desperta e reaviva as demais imagens associáveis ao objeto estímulo presente. Para o primeiro tempo, seja o exemplo de uma flor, que se vê no jardim. Num segundo tempo ela associa, recordando ou reavivando outras imagens.

623. Memória, linguagem e poesia.
A linguagem é um sistema não só de símbolos, mas também de estímulos, que acordam imagens adormecidas e associadas. Por causa desta cadeia associativa, todo um processo do conhecimento se põe em ação.
Dado que em cada indivíduo o mundo associativo se formou com alguma diferença, a mesma palavra não fala do mesmo modo às diferentes pessoas. Esta diferença imediatamente se percebe quando adultos falam às crianças, e as crianças aos adultos. Mas também acontece de adulto para adulto, de criança para criança.

A poesia, como processo evocativo, é a utilização inteligente da associatividade dos objetos estímulos. Não tem em mira a enunciação direta dos conteúdos dos objetos (que poderão ser a flor, o coração, a mulher, a estrela, as nuvens, etc.), mas o que eles, como estímulos associativos, podem evocar.
Com referência à memória, muito mais tem a dizer a psicologia experimental, do que a racional. Recomenda, entretanto, a filosofia que se dê atenção ao que a experimental tem a dizer mais.

§ 3. O CONHECIMENTO INTELECTIVO. 2211y624.

625. A superioridade de inteligência como característica do animal humano é insofismável e seque se discute.
O que pode estar em questão é a exclusividade da inteligência humana. A interpretação angelista do ser humano lhe atribui esta faculdade como exclusiva entre os animais. Parece entretanto certa a presença da inteligência no comportamento de todos os animais, ainda que seja de uma inteligência menor e tipificada.

É notório também que os sentidos do animal humano são por vezes inferiores aos sentidos de alguns animais, e também são tipificados em todos eles.
A questão do conhecimento intelectivo se destaca em psicologia, tanto porque interessa o assunto em si mesmo, como ainda para que se possam apreciar as comparações.

626. Define-se a faculdade da inteligência, como sendo a capacidade da mente de alcançar os objetos sob a perspectiva de verbo ser, como quando se diz que algo é, ou não é.
Portanto, é o ser o objeto formal que define essencialmente a inteligência.
Várias são as perspectivas que se podem considerar no ser, quando dito objeto da inteligência. Esta variedade de perspectivas são de ordem bastante diferenciada, e são tratadas mesmo por ciências bastante distintas.

Quando se indaga simplesmente pela validade deste conteúdo do conhecimento, a questão pertence à teoria do conhecimento.
Quando a questão é meramente formal, pertence à lógica, então ocupada em dizer que os objetos das faculdades sensitivas de conhecimento são outros.
Finalmente, a psicologia apenas se ocupa do conhecimento como uma espécie de ser diferente de outros seres. A psicologia cuida da faculdade do conhecimento, no caso a inteligência, enquanto um psiquismo.
Opõem-se intelectualistas e sensistas sobre a existência ou não de uma faculdade específica da inteligência.

É claro que a faculdade da inteligência somente pode ser considerada específica na dependência de um objeto também específico. Este objeto específico alcançado pela inteligência seria o ser. Tal admitem sobretudo as filosofias racionalistas, e que por isso são intelectualistas no que se refere ao conhecimento, que dividem em sensível e intelectual.

Diferentemente, para os sensistas, a inteligência é apenas um estágio mais subtil das sensações. Assim já diziam na antiguidade os sofistas, e foi defendido modernamente por alguns empiristas, como Hobbes e Hume.
Como decidir entre intelectualismo e sensismo?

Já a psicologia experimental pode tentar averiguar os fenômenos e tentar, a partir dos mesmos decidir sobre a querela entre intelectualismo e sensismo.
Julgam poder provar a diferença entre sensação e idéia, psicólogos experimentais como Binet, Buhler, Messer e outros.
Desde que se mantenham as funções do pensamento como sendo de verbo ser, pouco importa insistir que os sentidos se aproximam da inteligência.

627. Operações mentais. Surge o ser em termos de conceitos, juízos, raciocínios, - três operações mentais da faculdade da inteligência.
O centro das operações mentais ocorre no juízo. O conceito é apenas uma parte do juízo, em que está como sujeito, ou como sujeito. Sempre pensamos em termos de juízo, ao formularmos o raciocínio. Este se exerce visivelmente como um enredo de juízos, tanto nas premissas do antecedente, como na proposição conclusiva.

Em qualquer de tais situações operativas, o ser é o objeto formal do pensamento, aquele que marca a faculdade superior da inteligência como diferenciada das demais. Troquem-se os predicados ou os sujeitos, jamais se ausenta o verbo ser.
A lógica trata das operações mentais como elas simplesmente se apresentam como formas de pensar.

A psicologia pode verificar que uns as exercem com mais inteligência e outros menos. Pode ainda mostrar que ocorrem diferenças de personalidade que afetam as operações mentais, até mesmo nos detalhes. Uns são de inteligência mais analítica, - sobretudo as mulheres, - outros de inteligência mais sintética, - sendo este o caso dos homens (vd).

628. Unidade da inteligência como faculdade. A divisão em operações mentais não resulta em divisão da inteligência em várias faculdades, conforme parece à maioria.
As operações mentais se distinguem apenas pelas conexões lógicas de que se ocupam. Todas as conexões se exercem no âmbito do mesmo objeto formal, geral, o ser.

Tal foi à doutrina de Aristóteles, seguido pelos escolásticos e ainda por grande parte dos filósofos modernos.
Alguns outros, não obstante, no caso particular da inteligência, a redividem em várias faculdades. Kant apresentou um elenco de três faculdades da inteligência:
- a faculdade do entendimento, que tem por objeto os elementos constitutivos dos objetos, que são enunciados por conceitos e juízos;,
- a faculdade da razão, que opera com a cursividade raciocinativa, da razão pura e pratica,
- a faculdade do juízo, que não julga os elementos constitutivos dos objetos, como faz o entendimento, mas aos objetos, enquanto vistos como um todo formado frente a um ideal arquétipo, ou um fim, a realizar.

A doutrina das faculdades, pelo que resultou da exposição, oferece dificuldades e dúvidas. É preferível duvidar bastante e questionar insistentemente, do que firmar-se sobre o que efetivamente é movediço.
Chegar-se-á finalmente a depurar o pouco que efetivamente é passível de segurança. "Se alguém começa algo com certeza, terminará com dúvidas; porém, se se conforma em começar com dúvidas, conseguirá terminar com certeza" (Francis Bacon, Advancement of lerrning, liv. 5-8).

ART. 2-o. NATUREZA DOS IMPULSOS SENSÍVEIS E DA VONTADE. 2211y631.

632. O agir é também próprio do psiquismo, e se redivide em faculdades. Do agir psíquico há a considerar aspectos, em parágrafos distintos, como:
- faculdades da ação instintiva e faculdade volitiva (vd 634)
- Em especial sobre a liberdade da vontade (vd 641);
- estados de alma - emoções e sentimentos (vd 657).


§ 1. - FACULDADES DA AÇÃO INSTINTIVA E FACULDADE VOLITIVA. 2211y634.

635. Divisão do agir psíquico, em instintos e vontade. O ser humano, uma vez dotado por sentidos e inteligência, age respectivamente por impulsos sensíveis e vontade racional.
O paralelismo do conhecer e do agir acontece, porque a ação é psíquica quando o objeto visado é anteriormente iluminado pelo conhecimento. Assim é que o impulso sensível acontece depois de se apresentar o objeto sensível, e a vontade (que se pode dizer um impulso racional) ocorre depois de conhecido o objeto alcançado pela mente.
Uma vez percebida a diferença dos impulsos sensíveis e da vontade racional, pela maneira diferenciada de conhecer o objeto da ação, ainda é notável que os impulsivos são determinísticos e a vontade é livre. Este caráter é significativos sobretudo no que se refere à liberdade, que, por isso mesmo se tratará aditivamente em separado (vd 641)

E nisto tudo, que dizer da ação psíquica dos animais? Costuma-se dizer que os animais têm ação instintiva, em que conferem com o homem. Quanto à ação racional, depende da quantidade de inteligência que cada espécie animal tenha.

A ação também existe nas plantas e nos corpos físicos em geral. Agora parece haver uma grande diferença. Faltando à ação das plantas e dos corpos físicos presença iluminadora do conhecimento do objeto ao qual se dirigem seus movimentos, não podem eles ser senão meramente físicos e biológicos.
A ação consciente, seja instintiva, seja volitiva, é uma modalidade de fenômeno psíquico incontestável no ser humano, e é por este caminho que a estudamos aqui.

Importa distinguir ainda entre a ação e estado psíquico consequente à ação. Estes estados psíquicos consequentes se chamam sentimentos, afetos, paixões. Classificam-se em espécies, como amor e ódio, prazer e alegria, tristeza, etc., que abordaremos por último (vd 657).

636. Terminologia: impulso, vontade, inclinação, apetite. Dado o caráter vago dos impulsos instintivos e volitivos, bem como a indefinição dos estados psíquicos, toda a terminologia se torna igualmente movediça e dependente do contexto em que é usada.
Há termos que tendem a ser específicos, mas que permitem a inversão. Tendem a ser ligeiramente específicos, os termos impulso (ou instinto) e vontade (ou querer).

Outros são visivelmente genéricos, como inclinação, que se podem dizer de fenômeno tais como os movimentos mecânicos, tão bem quanto o dos instintos e da vontade. Até mesmo impulso admite algum tanto ser generalizado em seu significado.

Apetite (do latim ad petere = desejar, pedir por) significa uma tendência de faixa bastante limitada. Dilatou-se, entretanto, como em apetite natural, no sentido de tendência inata, de todas as coisas, para o que convém à sua respectiva natureza intrínseca. Apetite elícito, que significa a petição com prévio conhecimento da forma a realizar, ainda que natural, pelo impulso. Nesta condição, o apetite elícito equivale ao impulso psíquico.

São de menor importância as distinções entre tendência e inclinações. Nesta colocação, tendência indica, num sentido geral, as tendências naturais, ou instintos, ligadas às necessidades mais fundamentais do ser vivo: e às tendências secundárias, ou inclinações, às necessidades de segunda ordem.
As mesmas palavras, - tendência, inclinações, apetites, - poderão circular em qualquer contexto, desde que se mantenham globalmente distinguidas dos estados afetivos, os quais por sua vez são também conhecidos por muitas denominações (vd 660).

Significativa é a distinção entre as tendências sensíveis, chamadas instintos, e as tendências racionais, chamadas vontade. Nesta distinção, instinto separa todo o plano sensível, do plano racional, da dinâmica psíquica.

637. Natureza das faculdades do agir. As ações instintivas e volitivas são desfechadas por comandos, chamados faculdades do instinto e da vontade.
O que importa saber, primeiramente, é, - se ditas faculdades são as mesmas que geram o conhecimento? Ou, - se elas são distintas das faculdades de conhecer, tendo apenas a iluminação prévia do referido conhecimento?
Na primeira hipótese o instinto seria um momento final da sensação e a vontade igualmente um instante último do pensamento. Não haveria faculdades específicas.

O instinto seria então o momento em que a noção de uma operação da faculdade sensível dominasse sobre outra. Não passaria de uma operação da faculdade sensível de conhecimento.

A volição não passaria de ser o instante em que uma idéia prevalecesse sobre outras. Então, a ação deixaria de ser uma eleição da vontade e sim uma ação guiada pela idéia dominante. Não teria havido uma decisão de vontade específica, que por conseqüência não seria uma faculdade propriamente volitiva.
Na segunda hipótese, haveria faculdades operativas distintas, impulsivas ao lado das cognoscitivas iluminadoras.

O instinto seria uma estrutura capaz de agir por si mesma, ainda que esta estrutura esteja precedida pelo conhecimento sensível do objeto.
A vontade, igualmente, seria uma faculdade específica, de ordem racional, capaz de decidir por sua iniciativa, sendo a iluminação cognoscente dos objetos apenas uma condição prévia de sua operatividade.

638. Historicamente sobre a distinção instinto e vontade. Sempre se distinguiu entre instinto e vontade, ainda que nem todos distingam por igual estas duas faculdades do agir.
A hipótese tradicional, desenvolvida por Aristóteles, escolásticos, Kant, Bergson, coloca, sob os fenômenos cognoscitivos e impulsivos, faculdades especificamente distintas. Coordenando-se entre si, mantêm-se diversificadas.
As faculdade cognoscitivas sensitivas apresentam o objeto, que poderá ser simplesmente apetecido e realizado pelo impulso.

A faculdade cognoscitiva racional apresenta o objeto, como alternativa, podendo a vontade, decidir realizá-lo, ou não.
As teorias, que reduzem a impulsividade ao mesmo processo cognoscente, a explicam, conforme já adiantamos, como um instante final das faculdades cognoscitivas e que desta forma simplesmente aderem à ação. Variam as formulações deste modelo doutrinário.

Para Descartes a alma inteira é pensamento. Suas propriedades, inclusive sensações, seriam modos confusos de pensar. Também a vontade foi reduzida por Descartes ao pensamento, essência da alma.

Espinosa foi subtil ao interpretar a vontade como uma idéia clara. Em tal condição, a idéia tenderia a se realizar e assim comandaria a ação.
Herbart concebeu a vontade como uma representação-força, com tendência a dominar as demais representações. Desta sorte prevalece a idéia dominante na realização concreta da ação.

639. Prova da existência específica das faculdades impulsivas e volitiva. Como decidir sobre a maior ou menor distinção entre conhecimento e ação, seja do impulso, seja da vontade?
A ação requer um princípio maior que o da simples dominância de um conhecimento sobre o outro. O impulso é de natureza existencial, ou entitativa. Situa-se em plano mais fundamental que o processo cognoscitivo, que é apenas um atender intencional aos objetos.

O que o conhecimento estabelece na especificação dos impulsos é apenas o de fazer conhecer os caminhos. Abre caminhos, no sentido de condicionar, e não no de estimular. O conhecimento, não se define, como estímulo dos impulsos. É como o canal, que abre caminho, ora mais largo, ora menos largo, para a torrente passar. A força da torrente todavia é intrínseca a ela mesma.

§ 2. EM ESPECIAL SOBRE A LIBERDADE DA VONTADE.

641. As muitas implicações que envolvem a questão da liberdade postulam considerações que recomendam o seu tratamento especial, e que didaticamente se desenvolvem em dois itens, como a seguir:
- da liberdade em geral (vd 642);
- em especial parte sobre as provas da liberdade (vd 649).

I - DA LIBERDADE EM GERAL. 2211y642.

642. A diferença entre instintos e vontade se manifesta variadamente. Os instintos operam frente aos objetos sensíveis e não diante dos inteligíveis. Despertam para os alimentos. Exercem atividade de defesa. Ativam-se ao contato erógeno. Seu desenlace é espontâneo, com determinismo.
A atividade volitiva, diferentemente, é racional, sendo os seus objetos ponderados (pesados), com juízos pró e contra, para somente depois serem eleitos. Os juízos são ditos práticos, porque realizados em função à prática de uma ação. O último juízo, que acompanha a ação eleito se diz prático-prático.

A vontade é, pois, um impulso racional, ao mesmo tempo que livre. Não é apenas um impulso livre. É também acompanhado pela razão até ao fim, quando até a linguagem o reproduz, como um eu quero. Por causa deste acompanhamento ocorre a consciência simultânea da liberdade do ato.
Os impulsos (quer sensíveis, quer racionais) se exercem dentro de um certo comportamento, de que o determinismo dos sensíveis e a liberdade dos racionais são o caráter mais fundamental e importante. Determinismo e liberdade são conceitos opostos.

O determinado se determina,
intrinsecamente apenas de um modo,
- para a unidade (ad unum).

Análogo ao determinismo é o fatalismo, o qual indica uma predeterminação extrínseca, de potência exterior que fixa os acontecimentos de antemão.
Neste caso se subdistingue: determinismo externo e determinismo interno.
Cabe ao determinismo interno o sentido ordinário da palavra determinismo. O uso do tecnicismo, que diz determinismo, começa nos fins do século 17 na Alemanha, nos círculos Wolffianos.

O impulso livre, ao contrário do determinado, se determina indiferentemente, de muitos modos, cabendo ao agente a escolha. Define-se a liberdade como sendo a propriedade pela qual a vontade se determina a si mesma, indiferentemente, a agir e a não agir.
Cabendo à vontade arbitrar, a liberdade também se denomina livre arbítrio. No sentido hoje usual, livre arbítrio é o poder de eleger e não eleger o ato, indiferentemente.
Raras vezes se denomina à vontade com o nome de livre arbítrio, em vez de isoladamente arbítrio.

Ainda que arbítrio derive de arbitrar, tende a opor-se ao sentido de liberdade. Este outro caráter é bem expresso em "arbitrário", como indicativo do caráter arbitral de decisão sem consulta e sem participação dos alcançados.
A liberdade que se preconiza não é uma faculdade, mas um atributo desta, ou seja da faculdade da vontade.

643. O determinismo e educação dos instintos. Os instintos se comportam com determinismo, segundo convicção universalmente aceita. Agindo em função ao conhecimento sensível, sem o discernimento do juízo, independem do sim e do não deste.

O mecanismo do instinto é admirável pelo fato de só se exercer com a participação do conhecimento, que lhe oferece a presença do objeto. Só há fome e desejo de comer, com a visão dos alimentos ou outra qualquer sensação relacionada.

Só há instinto de defesa ou de agressão, por parte dos animais ferozes, com uma situação presente que se faça conhecer. Fora de tais circunstância vivem sossegados.
Só há sexualidade em ação, por efeito de contato, que internos, quer externos, convivência ou outra presença de objeto cujo conhecimento abre o caminho do desenlace.

Os instintos se educam, estabilizando sua excitabilidade frente aos objetos cujo conhecimento os estimula. E, uma vez que os instintos agem apenas com a presença do objeto, não há outro modo de formá-los e educa-los, senão os colocando em exercício.
Assim é que os animais ferozes se amansam com a presença habitual dos seus inimigos.
Do mesmo modo, a convivência dos sexos contrários é a condição prévia da educação sexual (vd).

644. A liberdade da vontade, numa primeira impressão. A vontade de acordo com a primeira impressão, parece livre.
Há efetivamente uma distinção entre liberdade espontânea e a liberdade ponderada.
Após um exame profundo, dividem-se as opiniões.
Uns continuam argumentando pela liberdade.

Outros a consideram ilusória, porque a acham, em última instância, determinada. A liberdade espontânea tem aliás muita parecença com o movimento que se dá sem impedimento. Um cata-vento que se move ao sopro do vento se move espontaneamente, e poderia pensar, se tivesse inteligência, que efetivamente é livre.

645. Classificações da liberdade e respectivas denominações.
A liberdade é passiva (ou potencial), quando as determinações, ainda que todas possíveis, não contam com as condições, por parte da potência livre, para realizá-las.

A liberdade é ativa, quando o impulso dispõe de dinâmica própria para se mover. Tal seria a condição da vontade humana caso seja livre.
A espontaneidade é a ação de origem no mesmo agente (sponte sua) sem entrave de causa extrínseca. Não se opõe a necessário ou a determinado intrinsecamente. É uma liberdade frente a uma coação extrínseca.

Tal é a liberdade política de pensamento, de consciência moral e religiosa. Tal é ainda a liberdade com que os corpos caem no vácuo, - sempre porque a causa é intrínseca, e se desenvolve sem coação extrínseca.
A liberdade frente a coação intrínseca é a liberdade propriamente dita.
Distingue-se entre liberdade de exercício e liberdade de especificação.
A primeira, a liberdade de exercício, se diz simplesmente da indeterminação ativa, de exercer ou não exercer o ato.

A segunda, a liberdade de especificidade, já supondo a anterior, consiste na opção entre várias espécies de determinações do mesmo ato, como quando se escolhe entre A e B; ou entre B e C; ou ainda entre A e C.
Do ponto de vista da matéria, distingue-se entre liberdade psicológica, e liberdade moral.

A liberdade psicológica diz respeito ao impulso entitativo simplesmente.
A liberdade moral, referente ao dever ser, da ação, na ordem dos valores.

646. Espécies de determinismo humano e seus defensores. Têm sido variadas as concepções sobre a natureza do ser humano, e dali também porque tem sido variados os determinismos, com destaque o psicológico, fisiológico, o mecanicista, o teológico.

O determinismo é psicológico 
quando supõe que a vontade se inclina 
para o bem maior. Foi defendido por Leibniz.

O determinismo é fisiológico, quando dependente da interpretação de que a vontade é apenas um ato reflexo, e nesta condição sem liberdade.
O determinismo é mecanicista, ou mecânico, quando o homem é considerado apenas um complexo de forças mecânicas e consequentemente incapaz de volição livre.

O determinismo é teológico, enquanto supõe que a vontade é determinada a um fim externamente estabelecido por Deus.
Generalizadamente a religião cristã acredita numa predestinação, que em alguns casos tem caráter de determinismo teológico. Nas variadas explicações da predeterminação, alguma tendem a descobrir como ressalvar a liberdade.
O objeto da predestinação cristã diz respeito sobretudo à salvação para uma vida eterna ou sua perda.

Foram bastante radicais as predeterminações como as propuseram Calvino (1509-1564) e Jansênio (1585-1638), invocando não raro afirmativas de Agostinho de Hipona (354-430).

Lutero (1483-1546) defendeu haver ocorrido a corrupção da vontade humana em conseqüência do pecado original, prejudicado a liberdade humana:
"Todas as coisas que se fazem, ainda que a nós pareçam fazer-se de modo mutável e contingente, na verdade contudo se fazem necessariamente e imutavelmente", ("Ommia quae fiunt, etsi nobis videntur mutabiliter et contingenter fieri, revera tamen fiunt necessário et imutabiliter" Luter, De servo arbítrio, op. VII, 1873, c. 14, p. 134; Cf. Maquart, Elementa philosophiae, II, p. 473, Paris, 1937).

Ainda é possível estabelecer um determinismo panteístico (ou monístico), pelo qual só a grande unidade divina ou da realidade total seria livre; não o seriam as manifestações mundanais individualmente. Desta sorte restava ao panteísta Espinosa definir a liberdade como espontaneidade, sem coação extrínseca, ainda que houvesse a determinação intrínseca:

"Livre diz-se a coisa que existe 
unicamente pela necessidade da sua natureza 
e é determinada por si só a agir; necessária, 
ou antes, coagida, a coisa que é determinada
por outra a existir e a produzir algum efeito 
segundo certa e determinada maneira" 
 (Espinosa, Ética, I, 7). 

Mais subtis ainda são as ponderações de Hegel e Engels combinando a liberdade e a necessidade, como sucessões dialéticas, como adiante voltaremos a comentar.
Por razões decorrentes do empirismo e materialismo, são ainda deterministas Hobbes, Hume, Stuart Mill e outros deste clima gnosiológico.

647. Os defensores da liberdade do querer se encontram sobretudo nas filosofias tradicionais, destacando-se Sócrates, Platão, Aristóteles, os escolásticos em geral.

Entre os modernos eles são, entre os racionalistas, Descartes (1596-1650) e Kant (1704-1804) (como postulado da razão prática). Entre empiristas também ocorrem defensores da liberdade como Bacon (1561-1726), Locke (1637-1704), Rousseau (1712-1778).

A liberdade foi defendida por Bergson
(1859-1941) e particularmente 
pelos existencialistas.

As razões decorrem do sistema filosófico geral admitido pelos respectivos filósofos. Os tradicionais, geralmente dualistas, - por situarem o espírito num plano inteiramente diverso daquele dos corpos, - não precisam espelhar nas leis determinísticas destes o modo de agir racional da vontade.
Bergson diz que a consciência é temporalidade essencial e que, nesta condição, não está submetida às categorias da especialização e mecanização.
Os existencialistas, como Heidegger e Sartre, Jaspers e Marcel, definem o homem como um ente que não é similar aos demais; acentuam a liberdade como um dos seus existenciais mais peculiares.


II - EM ESPECIAL SOBRE AS PROVAS DA LIBERDADE. 

650. Ainda que muitos admitam a liberdade, não concordam inteiramente sobre todas as provas. Cuidamos a seguir das três que são mais aceitas, ainda que não em todos os detalhes.. Apóiam-se;
- no testemunho da consciência (vd 651),
- no fato moral (vd 654),
- no objeto formal da inteligência (vd 655).

651. Primeira prova, - a liberdade como um testemunho da consciência. A primeira prova da liberdade, fundada no testemunho da consciência, chamada também prova psicológica, é a que possui melhor fundamento.
Esta prova procede por via a posteriori, porque não depende de uma especulação mas da verificação meramente fenomenológica de um fato. A consciência verifica diretamente a colocação ativa de seu ato livre do seu ato volitivo. E não assiste apenas passivamente a realização de seu ato.

A análise revela que, enquanto o ato se exerce, antes e após, há consciência de que tudo foi, essencialmente, exercido com liberdade, no momento da iniciativa do ato. Teria havido indeterminação antes do ato, liberdade de decisão durante o ato, convicção de que o ato foi posto como nosso. Nesta condição o ato volitivo ter-se-ia colocado de tal maneira que não nos sentimos apenas espectadores do acontecimento.
Algumas das contestações que se fazem ao ato livre, são exatamente as que atribuem à consciência da suposta liberdade apenas uma consciência de simples espontaneidade, como se fosse a vontade tão só espectadora. Não é isto que acontece, e é falso assim pensar.

O trabalho da contestação ao indeterminismo da vontade se completaria se positivamente se mostrasse como o determinismo se exerce. E isto não se dá. Posta a atenção no que se dá na consciência, verifica-se imediatamente que ocorre a iniciativa de pôr o ato, o que é mais do que simplesmente assistir ao que aconteceria depois que um cata-vento se tornasse consciente.

652. Negam a liberdade os que a reduzem a uma simples espontaneidade, a que tão somente se acresce a consciência da espontaneidade, . Tais foram Stuart Mill, Espinosa, Hobbes, Bayle e outros que se esforçaram em explicar que assim nasce a ilusão da liberdade.
Advertiu Bayle: "

A agulha imantada, que a força magnética gira para Norte, ou o cata-vento, que o vento faz girar, se tivessem consciência do movimento, mas sem conhecerem a razão, reinvindicariam para si mesmos a iniciativa".
Poderia o homem, sem conhecer porque aconteceu uma ação, que fosse ele que a tivesse posto. Entretanto, não poderá dizer que efetivamente a ação foi de sua iniciativa. O que acontece no verdadeiro ato livre, é a clara consciência de haver tomado a iniciativa. Pode mesmo longamente ponderar, antes de tomar a decisão.

653. Similar concepção da liberdade, como conscientização, ocorre em Hegel, ao qual comentou neste sentido F. Feuerbach.
O indeterminado é o estágio que precede o determinado, - eis como principia o determinismo a esclarecer sua posição. A passagem de um momento a outro, concilia o indeterminado com o determinado.

Hegel, em vista de sua tendência dialética, mostra haver um momento indeterminado imediatamente colhido pela determinação, no caso, da liberdade e necessidade. A liberdade não seria verdadeiramente ativa, mas um instante indeterminado. Quando passasse a determinado, este novo tempo não seria, senão, a complementação de um estágio a caminho da determinação.

 A mente, ao caminhar de um momento a outro, tem a impressão que decide ativamente e com isto livremente. Na verdade não aconteceu senão um marchar que, do indeterminado progrediu naturalmente para o determinado. No ser humano, este caminhar é acompanhado pela conscientização, sendo este aspecto que o diferencia das caminhadas do indeterminado da natureza exterior.
Enquanto em Hegel tudo é entendido em termos de dialética do espírito, em Engels passou a ser anunciado em termos realísticos de natureza concreta. E comentou a respeito:

"Foi Hegel o primeiro que expôs exatamente a relação entre a liberdade e a necessidade. A necessidade só é cega, enquanto não é compreendida.
Não é no sonho de uma ação independente das leis da natureza, que consiste a liberdade, mas no conhecimento destas leis e na possibilidade de fazê-las agir sistematicamente com fins determinados. Isto é verdade, tanto para as leis do mundo exterior, como para as que regem a existência corporal e intelectual do homem - duas ordens de leis que podemos separar, quando muito, no pensamento, mas não na realidade.

A liberdade da vontade é, portanto, a capacidade de decidir-se em conhecimento de causa. Daí resulta que quanto mais livre é o julgamento de um homem sobre determinada questão, tanto é maior a necessidade que determina o teor desse julgamento, ao passo que a incerteza fundada sobre a ignorância, a incerteza que parece fazer uma escolha arbitrária entre um grande número de decisões possíveis, diversas e contraditórias, prova, por isso mesmo, que não é livre, que é dominada pelo próprio objeto que devia dominar.

A liberdade consiste, pois, nessa soberania sobre nós mesmos e sobre o mundo exterior, fundada no conhecimento das leis necessárias da natureza: ela é, assim, necessariamente um produto da evolução histórica" (F. Engels, Anti-Duhring).

As ponderações dos dialéticos mencionados têm cabimento também fora da dialética. Em qualquer sistema determinístico sempre se trata de esclarecer como surge a convicção da liberdade.
O caminho mais acertado é revelar sua relação com a indeterminação passiva (a existência dessa passividade deverá ser provada pelos filósofos deterministas).

Na verdade, a liberdade 
só seria possível em uma indeterminação ativa
(esta indeterminação ativa deve ser provada pelos filósofos indeterministas).

Esclarecida a liberdade humana apenas como uma liberdade de indeterminação passiva, mantém-se a impressão de uma liberdade, sem que haja a liberdade propriamente dita, ou seja a liberdade de iniciativa. Ditos filósofos consideram não se requerer mais, para a felicidade do homem, como para a do animal, que a liberdade passiva. Sob este prisma não parece uma doutrina anti-humanística. Nem é absurda tal concepção de liberdade.
Howard Selsam, define a posição desta sua linha de pensamento:

"A liberdade consiste não no livre arbítrio
nem na simples forma das instituições 
ou no mero crescimento das capacidades produtivas,
mas na habilidade do homem para ordenar 
as condições de sua vida, satisfazer suas 
necessidades e realizar suas aspirações. 

Isso será possível somente no caso de que estas necessidades e aspirações sejam racionais, isto é, no caso de que estejam de acordo com as leis humanas e naturais e somente se o homem as conhece e tem o poder de satifazê-las".

654. Segunda prova, - a liberdade com base no fato moral. Esta outra prova é também de natureza a posteriori, porque fundada num fato. Todavia se completa com uma especulação. O fato moral seria impossível, se não houvesse liberdade. Portanto, se o fato moral existe, prova-se a partir dele a liberdade.

Efetivamente, julgamos que somos obrigados a tomar certas iniciativas e após sua tomada nos consideramos responsáveis pelo que foi praticado.
A prova da liberdade com base no fato moral, enquanto depende do fato moral simplesmente verificado, se reduz à prova anterior fundada no testemunho da consciência da liberdade (vd 651).

Esta prova depende da autenticidade do fato moral. Seus contestadores facilmente a afastam, pela negação pura e simples deste fato. Efetivamente a moralidade poderia ser resultante de um raciocínio e nesta condição já não seria um fato, de simples verificação fenomenológica, como pretendia Kant e de certo modo defendem os autores da filosofia dos valores (Cf. n. 700ss.).

 Suposto o fato moral, a contestação pode advertir que ele resulta de uma ilusão. A fim de nos sentirmos obrigados moralmente e, a seguir, responsáveis, bastaria a ilusão da liberdade... Caso alguém afaste esta ilusão, desaparece nele também o sentimento da responsabilidade.
Pelo visto, outra vez, a questão das provas da liberdade se embaralha em dificuldades. Parece melhor retornar à primeira prova, como mais provável.

655. Terceira prova, - a liberdade com apoio no objeto formal da vontade. Este argumento está na dependência de uma premissa determinada em psicologia, o objeto formal da faculdade volitiva.
A prova adverte, com base no princípio de proporção entre causa e efeito, - que o objeto somente insta necessitantemente a faculdade quando confere com o seu objeto formal em toda sua universalidade.

Ora, o objeto formal da vontade (premissa a provar em separado) é o bem como tal. Os bens particulares e não limitados não têm esta condição. Contudo a vontade age, e nesta circunstância age livremente.
A prova oferece a vantagem de mostrar uma faixa de indeterminação e que libertaria a vontade de uma necessidade de agir. Se efetivamente consegue agir livremente é um fato verificado a posteriori, que não depende de uma especulação raciocinativa.

Eis que então é preciso retornar à prova inicial, para complementar esta última.
No balanço das provas que levam ao estabelecimento da tese da liberdade da vontade humana, o primeiro dos três caminhos é o melhor, - provar a liberdade pelo testemunho direto, de que somos livres.

§ 3. ESTADOS DE ALMA - EMOÇÕES E SENTIMENTOS.

658. Estados de alma se definem como qualidades consequentes da ação, que acompanham os impulsos do instinto e da vontade, sem objeto próprio (vd 663), todavia orientados para os objetos das referidas faculdades.
São portanto propriedades secundárias das faculdades operativas, porquanto as propriedades principais são o determinismo do instinto e a liberdade da vontade.

Tendo a natureza de qualidades, os estados de alma constituem apenas modificações que na essência dos impulsos e da vontade, sem alterar a espécie dos mesmos (Cf. Arist., Categorias, 8,8).
De outra parte, os estados de alma aperfeiçoam aos impulsos e à vontade, como é peculiar ao conceito mesmo de qualidade (238). No seu lugar, ou em seu devido tempo, qualquer estado de alma é bom. Por isso mesmo é que os estados psíquicos são qualidades.

659. Posição contrária, - o sentimento como faculdade. Posicionando-se contra a interpretação dos sentimentos como estados de alma como qualidades das faculdades impulsivas do instinto e da vontade, outros os estabelecem como sendo simplesmente mais uma faculdade, dali resultando um sistema tripartite das faculdades.

O alemão Johann Nikolaus Tetens (1736-1807), e logo também Imanuel Kant (1704-1804), acreditam que as qualidades referidas são operações autônomas, e já não apenas qualidades, como geralmente são definidas, e também nós as definimos. Na condição de operações seriam faculdades específicas. Haveria, então, três grandes gêneros de faculdades: do conhecimento, do impulso, do sentimento.

Não parece isto sustentável, à vista da observação bastante intuitiva de que os estados de alma se referem aos impulsos. São efetivamente os impulsos que se mostram como tendo graus de intensidade e situações contrárias.

660. Os estados de alma apresentam graus e contrários. Enquanto são apenas graus e contrários, são propriedades das mesmas qualidades. Não se trata de multiplicação dos sentimentos.
Aliás, é peculiar de qualquer qualidade e propriedade de possuir graus e contrários, conforme já advertia Aristóteles.
Com referência aos graus de intensidade, os estados de alma intensos se denominam emoções.

Os estados de alma pouco intensos se dizem afetos, ou sentimentos.
Finalmente para os estados de alma pouco estáveis o nome é disposições.
A nomenclatura das qualidades secundárias não é restringente, em vista do caráter difuso das mesmas. É possível, todavia, perceber vagamente algumas variáveis.

Como se sugere a expressão estado de alma, este se diz de afecções mais persistentes, qualquer seja a modalidade. Obviamente, emoção significa os graus mais intensos, disposição as situações menos estáveis,
Emoção, - por ser indicativa dos graus mais intensos, conforme se definiu, - é por isso peculiar aos estados de alma, na área dos impulsos sensíveis.

Sentimento e afeto, - por serem ditos de estados mais suaves; - por isso expressam mais adequadamente em todos os planos, seja dos impulsos sensíveis, sejam mesmo do espírito.
Não obstante em um e outro plano ocorrem os graus de intensidade, com todas as possibilidades de variação, embora de diferente caráter e tomando ora esta, ora aquela denominação.

661. Em sentimentos contrários buscamos uns, evitamos outros. Com referência aos contrários, os estados de alma oferecem efetivamente o fenômeno muito peculiar das oposições. Buscamos a uns e evitamos a outros.
Apreciam-se as duplas faces nesta classificação formal, que mais adiante definiremos: amor ou ódio; desejo; deleite ou desprazer; esperança ou desespero; temor ou audácia; ira...(vd 665).

Este último, o estado de ira se supõe não ter contrário.
Ainda são apreciáveis outras duplas faces dos sentimentos. Dali decorrem classificações como: sentimentos estético e anti-estético; altruístas e egoísta; eventualmente morais e imorais
Em princípio não sentimentos morais e imorais, senão ditos extrinsecamente em função à causa, ou à matéria (vd 666).

662. O objeto e os estados de alma. Em si mesmos os sentimentos são cegos. Mas, condicionando os impulsos, os quais por sua vez se orientam para objetos, dados a conhecer pelas faculdades do conhecimento, resulta que também os sentimentos, em última instância estão orientados para objetos.
Há uma consonância entre as faculdades do conhecimento, dos impulsos, com os seus respectivos sentimentos. Oscilando os primeiros, as alterações oscilam até os estados de alma.

Maior grau de conhecimento dos objetos aumenta os graus da emoção e dos sentimentos. A diminuição os ameniza. O ritmo das sucessões, seja dos sons, seja dos movimentos, tem aqui o seu segredo. As alterações, convenientes dispostas, estimulam os sentimentos ao gosto escolhido.

É bastante vago o campo dos sentimentos. Dali tantas denominações subtis. No mesmo plano do gênero do deleite encontramos nomes equivalentes - agrado, satisfação, prazer, alegria, gozo, felicidade. Em nenhum caso houve mudança de objeto e nem de forma de o apreciar.

Pelo objeto, os estados de alma adquirem importantes diversificações. A partir dali se procede à classificações muito conhecidas dos sentimentos. A classificação pode ser formal e material, conforme atende, ou somente ao modo de se comportar o impulso, ou ainda ao conteúdo do objeto dos impulsos e da vontade

663. Classificação meramente formal dos sentimentos. O objeto considerado do ponto de vista meramente formal oferece uma classificação formal dos sentimentos, tendo em vista apenas o comportamento da faculdade impulsiva que o busca. Dali a classificação formal dos estados de alma (ou das paixões, no dizer dos escolásticos medievais) em dois gêneros gerais:
- paixões concupiscíveis,
- paixões irascíveis.

Nos sentimentos concupiscíveis a faculdade apetece os objetos simplesmente. Tal é a condição de um todo de seis paixões:
amor e ódio,
desejo e fuga (ou aversão),
deleite e desprazer.

Nos sentimentos irascíveis a afetividade se dá com uma certa luta. Alinham-se com este caráter as seguintes outras cinco paixões:
esperança e desespero, temor e audácia, e ira.

Os critérios, que distinguem as espécies formais dos 11 sentimentos (pois tantos constituem a soma dos concupiscíveis e irascíveis), dizem respeito ao variado modo de se comportarem as faculdades impulsivas frente ao objeto.
A apetição da faculdade pode ser vista em diferentes estágios de realização:
- a apetição em marcha,
- a apetição repousando no objeto.

Além disto, a apetição, em qualquer dos três estágios mencionados, poderá admitir uma situação perfeitamente ajustada ou não ajustada; apenas uma exceção ocorre, a da ira (situação mal ajustada), em que a bem ajustada coincide praticamente com a do repouso. O ajuste e desajuste opõem os sentimentos.

664. Onze espécies de sentimentos na classificação meramente formal. Tendo em conta os estágios de apetição e as situações bem e mal ajustadas, resulta haver os onze tipos de sentimento, conforme se viu: seis na lista dos concupiscíveis e cinco na dos irascíveis.

a) Sentimentos concupiscíveis:
O amor é
a forma do sentimento que se exerce
na apetição considerada simplesmente e com ajuste. 

O ódio é 
o seu contrário, resultando da apetência 
em direção inversa ao objeto.

O desejo é 
a forma do sentimento que se exerce 
na apetição considerada em marcha 
simplesmente e em ajuste com o objeto. 

A aversão (ou fuga) é o sentimento resultante da direção contrária ao objeto.

O deleite, ou alegria, ou felicidade,
é a forma do sentimento que se exerce
na apetição considerada simplesmente repousando 
no objeto e com ele se ajustando. 

A tristeza é
o sentimento ocorrido na mesma condição 
de repouso, porém não ajustado, no objeto.

b) Sentimentos irascíveis. Semelhantemente, do ponto de vista do árduo, ocorre o árduo simplesmente e com ajuste, tendo as seguintes modalidades de sentimentos:

a esperança, o árduo com ajuste, considerada a faculdade simplesmente;
o temor, a marcha com o árduo e o ajuste;
o árduo, em desajuste com o objeto, resulta em desespero, no instante da apetição simplesmente;

a audácia
quando caminha embora lutando 
com o desajuste; a ira, no momento máximo, 
em contato com o objeto conquistado
e em desajuste.

665. Uma classificação material dos sentimentos, ocorre finalmente, em vista de uma consideração do objeto dos impulsos e da vontade.

Agora sentimentos são denominados extrinsecamente, em função ao conteúdo dos objetos e não pela forma como deles se aproxima a faculdade impulsiva.
"A diversidade do objeto ativo fundado em a natureza deste, causa a diferença material das paixões, ao passo que a diversidade na potência ativa produz a diferença formal das paixões" (T. de Aquino, Suma Teológica, I - II-ae, Q. 30, a. 2, c.).

Denominados simplesmente pelo conteúdo, há sentimentos
- egoístas e altruístas,
- sensíveis e racionais ou superiores,
- éticos, religiosos, estéticos, filiais, fraternais, patrióticos, etc.
Pelo valor dos objetos, as denominações apenas se subdividem.
Então uns sentimentos se dizem nobres, elevados, dignificantes, altruístas, caritativos.

Outros, banais, vulgares, comuns, interesseiros, egoístas, etc.
Um dos sentimentos mais apreciáveis é o estético. Este é o prazer produzido pelo saber, sobretudo do saber sobre o belo (o perfeito em destaque), chamado sentimento estético. Apresenta o referido sentimento estético notoriamente variado em suas manifestações, dando lugar o estudo denominado estética (vd 700).

É notável o sentimento erótico, por causa de sua espontânea ocorrência e capacidade de unir os sexos. Mas estes também se complementam pela tendência analítica do pensamento feminino e da tendência sintética do pensamento masculino, com os respectivos estados de alma decorrentes.


ART. 3. EM ESPECIAL SOBRE O SUBCONSCIENTE E OS FENÔMENOS PARAPSICOLÓGICOS.

669. Camadas da consciência. Distingue-se, pela ordem decrescente, entre:
- consciente,
- subconsciente,
- inconsciente.

Consciência é
o estado em que o indivíduo exerce
o pleno conhecimento.
Neste estado de consciência o indivíduo 
se apercebe suficientemente do exercício 
do seu mesmo conhecer, de sorte a comportar-se 
com o domínio da situação, interna e externa.

Subconsciente é
a camada de fatos psicológicos, 
aos quais o espírito do indivíduo
já não atende com clareza, 
sem que contudo tenha descido 
à intensidade zero. 

Um esforço qualquer da atenção os pode reconduzir ao centro da consciência. Em tal condição se encontram as sensações continuadas como do peso das vestes, dos ruídos constantes da vida, dos sons secundários das palavras, dos detalhes insignificantes do marulho do mar, etc.
Inconsciente é efetivamente um não-consciente.

Existe certamente um estágio inicial da consciência, como uma virtualidade psíquica, ao modo de predisposições que operam espontaneamente, quando se oferece a oportunidade. Atua como espécie de personalidade sub-reptícia.
Nos detalhes sobre o inconsciente, querem alguns, que ele funcione sem se notar, como raciocínios que vêm prontos ao se estabelecer de novo o consciente. Neste sentido se alega haver soluções súbitas e invenções, que se teriam gerado no fundo do inconsciente..

Já outros pensam que o caso da invenção e o das idéias súbitas se esclarecem pelas virtualidades e boas disposições do espírito. Nestas oportunidades a versatilidade do espírito surpreende e poderia criar a falsa impressão de que se tratava de um trabalho inconsciente. Efetivamente seria apenas, a ação comum do consciente e do subconsciente.
Atua como espécie de personalidade sub-reptícia.

Nos detalhes sobre o inconsciente, querem alguns, que ele funcione sem se notar. Assim parece acontecer com raciocínios que vêm prontos ao se estabelecer de novo o consciente. Neste sentido se alega haver soluções súbitas e invenções, que se teriam gerado no fundo do inconsciente..
Seja como for, o subconsciente importa muito para a saúde psíquica da pessoa. Desta saúde psíquica trata a psicanálise, e para o sucesso em geral do ser humano.

Neste contexto se encontram os visionários. Alguns interpretam falsamente suas visões como efetivo contato com um outro mundo. Quando há os que neles acreditam, podem gerar movimentos religiosos e mesmo ser tornarem fundadores de religiões (vd 672).

670. A psicologia dos conscientes associados. Há, a apelar aqui à hipótese (distinta da do subconsciente e do inconsciente), que se pode denominar de conscientes associados, ou, como em Durand, do polipsiquismo.
Não é possível negar que todas as células animais tenham individualmente sensações e portanto um início de psiquismo.

Colocada esta preliminar, deve-se admitir a possibilidade de uma intercomunicação psíquica, ainda que muito indiferenciada. Ocorreria então o fenômeno denominável consciência associada. Ou, conscientes associados. A hipótese é distinta do subconsciente e do inconsciente; mas podem alguns fenômenos dos conscientes associados explicar a estes últimos.

Efetivamente, no todo humano as células são numerosíssimas. Há aquelas altamente especializadas, como as do tecido nervoso. Os centros nervosos têm especializações para os diferentes sentidos.

Os extratos de partes do cérebro, como se têm feito dos cães e enxertados em outros, mostram haver psiquismos peculiares individuais para as respectivas células. Assim, os transplantes não só transferem células vivas, como também seus respectivos psiquismos.

Há, pois, um trabalho individual das células e outro que é transmitido para todos os do grupo, de sorte a se formar um psiquismo social nos seres orgânicos maiores. Alguns dos pensamentos que se supõem serem de um inconsciente, derivariam, de fato, de um outro centro psíquico do mesmo cérebro.

Eis uma hipótese 
que poderia ser a explicadora do inconsciente, 
pelo próprio consciente.

671. Parapsicologia. O psiquismo guarda mistérios. Há fenômenos raros e poucos susceptíveis de análise e interpretação, tais como as manifestações conhecidas por previsão, telepatia, sonho, mania, obsessão, levitação, visões, misticismo, profetismo e outros.
Todos reunidos, são estudados, sob muitos aspectos, pela Parapsicologia, experimentalmente.

O termo nasceu depois de 1900, por proposição de Boirac.
O primeiro cuidado cabe à psicologia experimental, que, de repetidas relações dos fenômenos, poderá conseguir indução sobre o caráter geral dos mesmos.
O trabalho de repetição dos experimentos na área dos fenômenos raros se revela difícil. O método precisaria conseguir repetir os fenômenos para descobrir em que condições exatamente se produzem. Conhecidas as causas, bastaria colocá-las, para que eles voltassem a surgir e pudessem mesmo ser desenvolvidos para uso pragmático do homem.

672. A psicologia filosófica tenta sobre os fenômenos parapsicológicos uma interpretação raciocinativa.
Em vista da falta de elementos colhidos pela psicologia experimental, a filosofia não pode senão estabelecer hipóteses muito vagas. Os que se precipitam em conclusões, evidentemente hão de dividir-se em opiniões bastante desencontradas sobretudo quando este campo é penetrado por interpretações teológicas das religiões dogmáticas vigentes.
Há os que dão aos fenômenos parapsicológicos como resultantes da ação de espíritos, ocupados em se manifestar aos seres humanos.

Outros opinam que os fenômenos 
parapsicológicos não passam de atividades
peculiares e profundas do psiquismo 
e mais nada.

No passado, o desconhecimento praticamente total da parapsicologia deixou os intérpretes destes fenômenos sujeitos aos maiores disparates. Sem esclarecimento, enunciaram sobre estas bases argumentos filosóficos e sobretudo religiosos, além de uma literatura denominada sagrada, de que há exemplos no mundo inteiro e em diferentes épocas.

O desconhecimento dos fenômenos psíquicos anormais deu notória importância aos visionários, os quais, por isso mesmo, prejudicaram substancialmente o desenvolvimento normal da religião.

Tecendo-se com a interação sociológica do pensamento popular, estruturaram-se ideologias de gênese complexa, que passaram a ser fonte de apoio das religiões entre si irreconciliáveis.

ENCICLOPÉDIA    SIMPOZIO

Versão em Português do original em Esperanto
© Copyright 1997 Evaldo Pauli
Fonte:

ENCICLOPÉDIA    SIMPOZIO

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