segunda-feira, 14 de março de 2011
Marcha dos Sacerdotes - A Flauta Mágica (March of the Priests - The Magi...
O Triunfo da Luz !!!
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
Amadeus Mozart En el Templo 2 La Flauta Màgica
O Triunfo da Luz !!!
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.Sejam abençoados todos os seres.
Amadeus Mozart Oh ISIS y OSIRIS la Flauta Magica
Isis e Osiris
o casal divino
abençoando o mundo...
Flauta Mágica - Abertura
Ária de Isis e Osiris - Sarastro
RELIGIÃO NO EXISTENCIALISMO.
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
Evaldo Pauli
404. O existencialismo é uma filosofia de tendência agnóstica, ainda que também ocorram os que tentam ultrapassar os limites do agnosticismo, chegando a Deus e à religião. O misticismo anterior era recurso alógico para atingir a Deus. Agora o mesmo alogicismo, anterior ao processo raciocinativo objetivisante, é utilizado para criar uma filosofia da existência humana. Neste sentido o existencialismo é também um novo humanismo, porque coloca o homem no centro.
Não obsta que, apesar desta tendência, alguns existencialismos, como o de Gabriel Marcel (vd), tentem uma saída para Deus, incluindo-o nos resultados do seu processo misticista. Mas para a maioria dos representantes do existencialismo prevalece o agnosticismo a respeito de Deus. Vagamente permanece o monismo, em que o próprio homem projeta ser algo parecido como ser ele mesmo um Deus.
Para o existencialismo a existência é anterior à essência não somente ontologicamente, mas também gnosiologicamente. Contudo, pode-se objetar ao existencialismo, que a inteligência na verdade apreende mais claramente a essência, com a qual se conecta a existência; vai pois da essência em direção à existência.
Ao existencialismo importa começar a pensar, começando pela existência; tal acredita-se possível através da apreensão profunda do sujeito. Então, o que a inteligência apresenta, como estado dentro de certas coerências ou esquemas conceptuais, poderá apresentar-se de maneira neutra e mesmo absurda, em dialéticas insolúveis (para a inteligência conceptual).
Já se pode antever que, dentro deste modo de pensar existencialista de anterioridade gnosiológica da existência, poderá não haver mais lugar para o conceito de Deus, segundo aquele modo elegante das provas clássicas, que o estabelecem como causa primeira e ser perfeitíssimo, eterno, imutável, etc...
Deus deverá ser procurado por outro caminho, se é que este outro caminho existe; alguns existencialistas acreditam nesta outra maneira de chegar a Deus, - como já se adiantou; a validade do existencialismo encontrou contestações de filósofos sérios, os quais alegam a improcedência das críticas à inteligência objetivizante; esta teria caminhos efetivos para alcançar a existência. Também alegam os contestadores do existencialismo que a dita análise da subjetividade não é senão o trabalho mesmo da inteligência objetivizante.
Efetivamente, na convicção existencialista muitas afirmações não passam talvez de uso abusivo das palavras, sobretudo das de ser e ente. Quando as frases assumem aspecto retórico, parecem as vezes nada mais do que coragem de afirmar o que ainda não está claro.
405. A fenomenologia, - como análise da consciência enquanto intencionalidade dirigidas a objetos,- é o método a que se limita a filosofia, enquanto não ultrapassa ao que se apresenta no instante da evidência imediata, antes de seguir para aos procedimentos raciocinativos. Ora, limitando-se o existencialismo a estes primeiros instantes da atividade cognoscitiva, é uma filosofia fenomenológica, cujos resultados não maiores que os desta primeira oportunidade.
Todas as filosofias começam por uma fenomenologia, e em qualquer filosofia importa que este primeiro momento mental seja caprichosamente conduzido. Entretanto, dado o fato de se haverem estabelecido filosofias exclusivamente fenomenológicas, fez com que a moderna fenomenologia passasse a fazer que o pensamento filosófico, mais que antes, cuidasse de ser mais rigoroso e detalhado ao descrever os procedimentos gnosiológicos da mente. Assim foi que a fenomenologia se desenvolveu especialmente nas filosofias que exploram de preferência a subjetividade.
A intencionalidade cognitiva é destes temas que mereceu especial atenção da fenomenologia. O intencionalismo e o psicologismo passaram a ser diferenciados como duas doutrinas opostas, ao se estabelecer a respostas à pergunta, - que é pensar.
O intencionalismo, - que define o pensamento como um atender a objetos, - constitui doutrina característica da escolástica e veiculada sobretudo no final da Idade Média; intentio indica o conceito enquanto se refere a algo diferente de si, e que é o objeto. Voltou o intencionalismo a despertar a atenção dos modernos e caracteriza um tanto ao existencialismo.
A noção de intencionalidade foi reintroduzida e enfatizada pelo austríaco Franz Brentano (1838-1917). Fora inicialmente padre católico e que se afastou em virtudes das dificuldades que os dogmas lhe apresentavam. Todavia seu conhecimento da filosofia escolástica o fizera estar atento a intencionalidade e à sua descrição fenomenológica.
Edmundo Husserl (1859-1938), - filósofo de expressão alemã, nascido na Morávia, hoje da República Tcheca, mas ao tempo era parte do Império austríaco, - influenciou fortemente o rigor no pensamento filosófico. Separou os aspectos psicológicos e gnosiológicos da intencionalidade, desenvolvendo sobretudo este último.
Desde então tiveram desenvolvimento as filosofias fenomenológicas, sobretudo as que se fundam na experiência da subjetividade.
O mesmo Husserl, entretanto, não seguiu a linha do existencialismo, o qual entretanto aproveitou os desenvolvimentos que ele deu ao método fenomenológico.
Husserl, ao distinguir entre essência e existência, destacou a essência, quase no sentido da idéia platônica.
Neste sentido Husserl é um neocartesiano, porque manteve o valor absoluto dos universais. Todavia é apenas neo-, porque não reintroduziu a realidade como a estabelecera o realismo mediato de Descartes; este, após haver duvidado da existência do mundo atrás da representação cognoscitiva, tentou prová-la com novos recursos, que Husserl já não readmite.
406. O pré-existencialismos de Kierkegaard e de Nietzsche. O existencialismo não surgiu como uma descoberta súbita, e nem se sabe com clareza a que veio. Dão-se-lhe precursores ao longo do passado, alguns mais próximos no tempo.
406. O pré-existencialismos de Kierkegaard e de Nietzsche. O existencialismo não surgiu como uma descoberta súbita, e nem se sabe com clareza a que veio. Dão-se-lhe precursores ao longo do passado, alguns mais próximos no tempo.
a). Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855) foi um teólogo protestante dinamarquês, que operou um pensamento religioso, cujo pressuposto é o do existencialismo, como veio demais a ser amplamente desenvolvido por aqueles que o invocaram, ao mesmo tempo que a Nietzsche.
Imperava ao tempo de Kierkegaard o superconceptualismo idealista do monismo idealista de Hegel, contra cuja inteligibilidade de tudo investiu diretamente, para defender em tudo o paradoxo.
Substituiu Kierkegaard a inteligência especulativa pela intuição, ou seja, pela vivência, pelo contato mesmo, cujos resultados diferem das conceptualizações objetivizantes. Descrevendo a existência humana, constatou sua liberdade, seu paradoxo, seu caráter absurdo, o desespero e a angústia, seu sentido de risco e drama.
Esta é a verdade e a vida autêntica, como o filósofo a constata em sua subjetividade. É falsidade a outra noção, a que foi criada pela inteligência conceptual, e é inautêntica a respectiva vida.
Os estágios de vida que se oferecem ao homem são três: estágio estético (sensitivo), estágio ético, estágio religioso.
No estágio estético o indivíduo parece desenvolver-se num clima de prazer e liberdade; entretanto nela está contido o remorso, o desespero.
No estágio ético ocorre uma progressão.
O sentimento do desespero ao alcançar profundidade, faz ao homem apreender a si mesmo, ultrapassando o eu finito, para alcançar seu valor eterno. A vida moral, que se estabelece, cria um liame entre os homens, - o dever.
Acima do estagio ético sobrevém o religioso. A fé põe o indivíduo numa relação absoluta com Deus. Privado de todo o apoio racional, o homem vê-se diante de Deus com uma terrível responsabilidade. Decorre dali um sentimento de angústia.
b). Frederico Nietzsche (1844-1900) foi um filólogo e filósofo alemão, com alguns antecedentes eslavos, que se admira pela coragem com fez as suas afirmações. Operou com pressupostos alógicos, como depois fariam também os existencialistas. Foi similar à Kierkegaard, mas sem incluir em suas descrições existenciais a um Deus pessoal, ao qual negou.
Insistindo na subjetividade, declarou enfaticamente:
"Escrevi meus livros com meu próprio sangue".
Contra o pensamento clássico, sobretudo de Hegel, insistiu que a unidade e a coerência sistemática simplesmente não acontecem na realidade; são uma ilusão da inteligência. A lógica é a lei da mente, não do que lhe fica pelo lado de fora.
A verdade não é o que a mente julga adequado, mas é o impulso como se dá, sem lei. O pensamento e a vida não se condicionam entre si. A partir desta maneira de ver, outro fica sendo o quadro de valores, do que aquele que o modo antigo estabelecia.
A realidade, - como a subjetividade a revela em primeira mão, - é múltipla e contraditória, com choques contínuos, numa dialética em que não há lugar para tudo e ocorrem superações.
A realidade é um círculo sem começo e sem fim, em que o homem está condenado ao envolvimento, em que sua existência se repete, vivendo e revivendo como que um eterno absoluto. Ao homem só resta inventar seus valores, numa tensão contínua e risco permanente, num esforço de ser Deus, ele mesmo.
Conhecido na Alemanha antes de Kierkegaard (1813-1855), apesar de cronologicamente posterior, Nietzsche influenciou por primeiro a formação do existencialismo. Algumas obras importantes de filósofos existencialistas não passam de comentários à Nietzsche.
407. Martin Heidegger (1889-1976), - o Papa do existencialismo, - foi o mais notável existencialista alemão, até seu tempo. Depois de conhecer a escolástica, tomou o caminho do pensamento subjetivo e alógico, não conceptual, posicionando-se numa posição de prudente agnosticismo sobre o ser atingido pela mente humana.
Nascido em Messkirch, Baden, de uma tradicional família católica, foi encaminhado para realizar os estudos secundários num estabelecimento da Ordem dos Jesuítas. Ingressando em 1913 na Universidade de Friburgo de Baden, frequentou por algum tempo a teologia, como noviço a ser jesuíta, o que entretanto não consumou. Já antes de sua renúncia à vida religiosa conventual, conheceu a filosofia fenomenológica de Bolzano e de Husserl. Ainda em 1913 completou seus estudos com um doutorado de filosofia.
Como Privat Dozent (livre docente) lecionou na Universidade de Friburgo em 1915 e 1916. Habilitado em 1916 por Heinrich Rickert (1863-1936), o qual influenciou seu pensamento. Mas a guerra interrompeu as atividades acadêmicas de 1917 a 1919. Prosseguiu lecionando em Friburgo até 1923. Passou à Universidade de Marburgo (Prússia) em 1923, onde permaneceu até 1928.
Retornou, então, a Friburgo, como sucessor da cátedra de Husserl, que ali fora titular desde 1916. Fez deste seu posto em Baden o quartel general do existencialismo. Reitor 4 meses, na passagem do ano 1933-1934, renunciou por não concordar em demitir seus colegas professores judeus; entretanto sua indefinição frente ao nazismo deixou lugar a muitas interrogações futuras, em que entretanto é preciso distinguir entre nacionalismo e nazismo.
Os países aliados que ocuparam militarmente a Alemanha vencida, da guerra iniciada em 1939, o interditaram, em 1945, de lecionar. Foi restituído à cátedra só em 1950, aposentando-se em 1952. Depois disto continuou a ocupar-se, por mais duas décadas, com seminários e cursos.
Obras principais de Heidegger:
Obras principais de Heidegger:
A doutrina das categorias e da significação em Duns Escoto (Die Kategorien und Bedeutungslehre des Duns Scotus, 1916), escrito de habilitação e que se refere a uma gramática especulativa (sobre os modos de significar), de autoria contestada pela crítica histórica, para atribuí-la efetivamente a Tomás de Erfurt
.
Ser e tempo (Sein und Zeit, 1927), obra principal e alentada, que teve sucessivas reedições com retoques, e que fora anunciada como l-a. parte, de uma obra maior avançando até uma ontologia geral, mas que não teve esta referida outra parte;
Que é metafísica (Was ist Metaphysik, 1929);
Da essência do fundamento (Vom Wesen des Grundes, 1929), sobre o princípio da razão suficiente;
Kant e o problema da metafísica (Kant und das Problem der Metaphysik, 1929;
Da essência da verdade (Vom Wesen der Wahrheit, 1943;
Caminhos do bosque (Holzwege, 1950;
Introdução à metafísica (Einführung in die Metaphysik, 1953);
Que significa pensar? (Was heist denken? 19..), cursos de 1951-1952;
Fenomenologia e teologia (Phaenomenologie und Theologie, 1970
408. Realismo imediato. Situou-se Heidegger de pronto na fenomenologia realista de Franz Brentano (1838-1917), interpretando, como este, a intencionalidade do conhecimento como um situar-se imediato na realidade exterior, portanto na coisa em si. Não era pois um idealista. Nem um realista mediato, e sim um realista imediato.
O estar no mundo define o ser humano.
Isto não se prova por meio de argumento cursivo, mas é a primeira intuição e acontece desde sempre. Heidegger faz a hermenêutica deste acontecimento e toma cuidado com a linguagem ao descrevê-lo. Delimitando o uso dos termos, criou uma linguagem tecnicista para a sua filosofia existencial. Definiu a transcendência como uma transpassagem. Aquilo que realiza a transpassagem, transpassando, permanece. Trata-se de um acontecimento próprio deste ente, o do homem. Não é apenas um modo do seu comportamento.
Pelo visto, a teoria do conhecimento de Heidegger começa por examinar fenomenologicamente o que nos acontece. Surge o conhecimento como um processo intencionalístico, que se move entre o sujeito e o objeto. Enquanto o sujeito transita intencionalisticamente para o objeto (o mundo), exerce uma função peculiar, a transcendência. Define-se o homem (isto é, a sua consciência), como um ser a transcender para uma direção exterior ao sujeito. Heidegger analisou esta transcendência, determinando uma série de observações, que caracterizam o existencialismo.
Insistiu que a transcendência é essencial ao homem e não algo de eventual. Desta sorte, não há um homem (como consciência), que seja primeiramente uma substancialidade consciente, que, em um segundo tempo, adquire a qualidade de transcendente. O ser do homem está principalmente nesta transcendentalidade intencionalística em marcha para o objeto, de tal modo que seu modo de existir é uma inserção essencial vertida na direção do existente exterior a ele. Aumenta a importância do sujeito, como transcendência; diminui-se, sua colocação como ente em si. Principalmente aumenta o conteúdo do ente exterior. O ser humano é ex-cêntrico; o exterior é algo em si.
"A transcendência, consoante a acepção terminológica que aqui esclarecemos e justificamos, designa alguma coisa que é própria do ser-aí humano, e não como um modo de comportamento possível entre outros, de vez em quando realizado, mas como constituição fundamental deste ente, anterior a todo comportamento" (Da essência do fundamento).
Desde que existamos, nosso existir acontece como imediatamente situado na realidade. Ainda que se diga que a realidade é imediatamente alcançada, este é um modo de falar, porque na verdade a intencionalidade existe como um todo de ponto a ponta, ligando sujeito e objeto.
Se, de uma parte, Heidegger admite o ponto de partida kantiano, que principia na consciência, não se limita à esta consciência do surgir meramente formal da notícia. A consciência é presença existencial. Portanto, Heidegger vê mais coisas na consciência do que o simples fenomenismo quer estabelecer. A intuição da existência principia dentro de si mesmo, dentro consciência, como estrutura da própria consciência. O Eu é um estar-aí, presente ao mundo.
Começa, pois, a filosofia da existência, de Heidegger, na própria existência singular, como um acontecimento inicial, fenomenologicamente verificado.
409. Limites da ontologia. Manteve-se Heidegger vagamente agnóstico em relação a Deus, retido em uma fenomenologia exigente sobre o ser e a existência. Concordando embora com a gnosiologia de Kierkegaard, despojou-se de sua angustiante teologia, permanecendo com Nietzsche. Desenvolveu uma filosofia da existência, notável pela meticulosidade e pela preocupação em dar a estes detalhes a correspondente linguagem.
409. Limites da ontologia. Manteve-se Heidegger vagamente agnóstico em relação a Deus, retido em uma fenomenologia exigente sobre o ser e a existência. Concordando embora com a gnosiologia de Kierkegaard, despojou-se de sua angustiante teologia, permanecendo com Nietzsche. Desenvolveu uma filosofia da existência, notável pela meticulosidade e pela preocupação em dar a estes detalhes a correspondente linguagem.
Construiu Heidegger uma filosofia do finito, portanto uma ontologia do ser particular, ou seja da existência humana e terrestre, não vendo como caminhar mais longe. Seu existencialismo é o do ser-no-mundo, como pura possibilidade, sem exigências ontológicas absolutas. Em última instância, é uma interpretação imanentista da realidade, não sem alguma parecença com o idealismo.
Tentou Heidegger uma ontologia fundamental, neste sentido perguntando pelos existenciais e pelo ser do ente. Depois de descrever o fato fundamental da realidade alcançada, a fenomenologia existencial de Heidegger seguiu determinando outros e outros existenciais, entre eles o da vontade e o da liberdade.
A ontologia de Heidegger, apesar de mais sistemática que a de Karl Jaspers, não vai, todavia, muito longe, e ficou sendo a ontologia de um ser particular, e portanto sem os universalismos da metafísica tradicional.
Ainda que ocorram tais limitações, a fenomenologia existencial penetra o mundo do ser, não se limitando aos resultados menores do empirismo. Por esta razão diferenciam-se entre si os resultados das duas filosofias, alinhando-se pois Heidegger ainda no campo da filosofia racionalista. Tratou de compreender o ser, e não apenas a estudá-lo empiricamente.
A ontologia fundamental de Heidegger ocupa-se com a existência singular, mais precisamente, a partir do indivíduo pensante. Em se tratando do ser singular, a ontologia de Heidegger se aproxima em alguns aspectos da de Duns Scotus, a respeito do qual desenvolveu mesmo um estudo. Ainda que prometesse para depois uma ontologia geral, dela chegará a oferecer apenas elementos. Numa e noutra evitou seguir até conceitos generalizantes, peculiares à ontologia clássica.
Desde a sua ontologia fundamental, a linguagem de Heidegger é difícil, porque caracterizada com tecnicismos, a primeira vista parecendo arbitrários. Ao homem chama existência, no sentido etimológico de ex-sistência; ao mundo exterior denominou existente, com significado tomado ao particípio. A coisa em bruto chamou ente; àquilo que se faz conhecer no ente, deu o nome ser, com uma acepção difícil de aclarar. Ao homem denominou ser-aí (Dasein); a expressão alemã também foi traduzida por estar-aí, no sentido que o verbo estar se refere à eventualidade da existência e do acontecer, diferente do verbo ser, que sugere também a essência no sentido de ser isto, ou aquilo. Em qualquer caso, o sentido fundamental de Dasein é o de estar presente, isto é, existindo ali.
Ao homem, visto como ser concreto, se diz existente; mas quando entendido como ser pensante, é existência (no sentido de ex-sistência).
Esta linguagem está motivada nas diretrizes que assumiu a filosofia de Heidegger. Em virtude das características do idioma alemão, notoriamente flexível, ela se apresenta mais fluente no texto original, do que nas traduções em outros idiomas.
410. Ex-sistência, in-sistência, existenciais. Heidegger esvaziou notoriamente o conteúdo do sujeito humano. Este esvaziamento é no sentido de lhe enfatizar o lado intencionalístico, como ser que praticamente nada é em si, mas apenas um situar fora da si, como ex-sistência. O espírito foi interpretado por Heidegger num sentido não psicologístico, ou seja, não substancialístico; mas numa acepção de espírito meramente gnosiológico.
410. Ex-sistência, in-sistência, existenciais. Heidegger esvaziou notoriamente o conteúdo do sujeito humano. Este esvaziamento é no sentido de lhe enfatizar o lado intencionalístico, como ser que praticamente nada é em si, mas apenas um situar fora da si, como ex-sistência. O espírito foi interpretado por Heidegger num sentido não psicologístico, ou seja, não substancialístico; mas numa acepção de espírito meramente gnosiológico.
A insistência neste aspecto intencionalistico de ser-ali, que está inserto no mundo exterior à subjetividade, imprime um outro rumo à caracterização do ser humano, sobretudo por causa da inclusão na intencionalidade, do elemento existencial.
O homem, enquanto movimento intencional para fora de si mesmo, é uma ex-sistência (como diz Heidegger em Doutrina platônica da verdade, ano 1942).
Ele mesmo pouco é, porque se se situa no outro, isto é, no mundo do objeto, no ser do objeto que o ilumina. Saindo de si, soma-se ao mundo, situando-se lá. Não se situa em si mesmo (como se fosse in-sistência), mas se coloca fora de si (como ex-sistência). Este estar absorvido pelo mundo do objeto, é a essência do homem.
Há uma diferença no existir do homem e no existir do ente em seu torno. O homem é uma ex-sistência. No ente em torno a existência é uma in-sistência. Desta sorte o homem é apenas existência (no sentido de ex-sistência), ao passo que o mundo é o ente simplesmente. Colocado isto em linguagem heideggeriana, ao homem se diz existência (Dasein), à coisa se chama existente (Seiende).
Uma vez que o homem foi esvaziado, porque situado intencionalisticamente para o ente, a posição do mesmo homem ficou sendo apenas, - na linguagem de Heidegger, - guarda e pastor do ente.
Parece que Heidegger não está suficientemente advertido, que o pensamento se realiza em duas intencionalidades, - em atenção direta (recta intentio) e em atenção reflexa (reflexa intentio). Pela intencionalidade reflexa, o homem conhece ao seu mesmo conhecimento, e com isso a si mesmo, não sendo, pois, apenas uma ex-sistência direcionada para fora de si.
A caracterização da existência humana se faz buscando descobrir nela os seus existenciais. Depois de situado no mundo, como uma ex-sistência, a partir dali continua a fenomenologia de Heidegger completando a descrição, anotando o que apresenta de mais peculiar neste seu situar-se lá.
O que, então, Heidegger supõe descobrir sobre o homem, não se reduz às categorias de Aristóteles (em número de dez) e nem às de Duns Escoto. Efetivamente, as categorias dizem respeito à essência das coisas, e não à sua existência.
Aqui importa lembrar que também na ontologia de Aristóteles nem todas as noções se reduzem às categorias; estas se predicam univocamente, enquanto o ser e seus modos gerais (verdade, bondade, etc.) se predicam analogicamente. Neste campo muito sutil importa ainda lembrar que Duns Scotus tinha ainda suas particularidades, que Heidegger certamente também conhecia. Algumas dos modos gerais do ente se dizem em função à essência, como a noções de verum, unum, res, e outras em função à existência, como aliquid e bonum. Neste campo da existência se encontram os valores, e é onde se pode perguntar aqui se pode falar em existenciais, e indagar até que ponto Heidegger assim poderia ter entendido a questão.
411. Descreveu Heidegger os existenciais muito complexamente, uns após outros. Cada existencial descoberto e descrito apresenta uma estrutura, desdobrável em diferentes facetas, que a fenomenologia vai descrevendo diretamente.
Os expositores destacam, ora estes existenciais, ora aqueles outros, e assim também ora esta, ora aquela faceta, como mais apreciáveis no balanço da descrição fenomenológica existencial. Também depende destas descrições o chegar, ou não chegar a Deus.
Importa considerar que alguns existenciais têm um valor considerável, independentemente do enquadramento geral que receberam na filosofia existencial de Heidegger. Algumas variações do existencialismo posterior derivam da diferente apreciação valorativa dada aos existenciais.
O ser-aí do homem está submetido a uma quotidianidade (alltaeglichkeit). Esta maneira de ser é um existencial, a que está intimamente ligado. Portanto é um sujeito.
O homem é um eu. E é um eu-com. E assim não pode haver sujeito sem mundo.
Prosseguindo, constata-se que o ser-com se exerce de dois modos: a preocupação, ou cuidado (Sorge)e a solicitude (Fuersorge).
Outra série de considerações se prende ao existencial pelo qual o ser-aí se diz estar situado aqui, ou ali.
À situação se prendem o sentimento de situação originária (Befindlichkeit). É algo como um sentimento de sentir o situamento ali. Ocorre aqui o sentimento de facticidade, que o ser exerce pelo fato mesmo de ser. A este sentimento de facticidade se associa o de abandono (Geworfenheit), que indica a condição, que o ser tem, de haver sido como que abandonado e atirado a si mesmo no mundo. Estas situações se impõem ao ser, como um encargo pelo qual a ele se impõe o existir, sem que houvesse escolha. Todo este complexo de modos do existir se situa como situação originária, a que o ser não pode fugir, sendo-lhe inerente como um existencial.
Ao sentimento originário, enfim, se prendem dois modos de ser, que foram explorados pelas descrições dos existencialistas, desde Heidegger, mas que já os tomou de seus predecessores, - a angústia e o medo.
O ser humano é uma constante possibilidade. É um ser mais, do que de fato é; é um tornar-se, que nunca pode ser definitivamente. Este existencial foi denominado por Heidegger como a interpretação (Verstehen).
O nome germânico desta existencial é também traduzido por compreensão, explicação. Mas não tem aqui a acepção corrente de esclarecimento teórico. O sentido é o de que o ser humano interpreta suas possibilidades.
A interpretação das possibilidades do ser humano assume as feições de projeto (Ent-wurf). Este é o encaminhamento imediato das possibilidades, que estão em busca do seu constante poder ser mais.
O horizonte heideggeriano do homem é limitado, sem uma ontologia de crescente expansão. Atenda-se aqui, que, - por causa da índole do existencialismo, - não segue mais além do que se oferece a observação fenomenológica, cujos existenciais são limitadores. O mundo que o filósofo racionalista conseguia abrir, não é mais reconhecido. Afastados os conceitos generalizantes, cai todo o universo dos sistemas metafísicos e teológicos, quer da religião natural, quer da religião sobrenatural.
A possibilidade mais pessoal do ser humano é a morte. Não fugiu Heidegger ao assunto da morte. Enquadrou a morte na própria caracterização do homem. Seu ser-aí é um ser para a morte.
Descreveu insistentemente o sentir da morte. A angústia que esta situação provoca, leva o homem a fugir da realidade, conduzindo-o a expressar o problema, não na forma do pronome pessoal, e sim no da forma impessoal, como em -se (man), como em morre-se.
O tempo e a história receberam de Heidegger uma interpretação, que diverge da de Aristóteles e Hegel.
Interpretou o tempo como estrutura relacionada com o ser-aí do homem. As possibilidades, como estrutura existencial do homem, convergem para o futuro. Dali resulta que o existir humano flua em modos de temporalização.
O tempo está portanto essencialmente ligado ao ser humano, como um ser para adiante. E dali resulta o contexto, pelo qual ocorrem o presente, o futuro e o passado, como ek-stases (Ekstasen) da temporalidade do ser.
O ser do ente é o objetivo fundamental da ontologia, para a qual adverte Heidegger, sobretudo a partir de seu O que é pensar? (1954).
Distendeu-se numa preliminar que diz haver sido esquecida esta pergunta, havendo ficado o ente a ser considerado simplesmente como coisa entre outras coisas.
Ainda que se possa acusar muitos filósofos do alheiamento diante da pergunta principal, ela tem sido certamente considerada pela filosofia de Parmênides, Aristóteles e da Escolástica. Existência e essência é uma terminologia peculiar à ontologia e que esteve sempre no tope da ontologia tradicional.
Os antecedentes escolásticos do mesmo Heidegger o fizeram, aliás, estar advertido de que o que fundamentalmente importa na filosofia é o ser do ente. O que efetivamente elevou Heidegger à categoria de grande filósofo entre os modernos foi exatamente a advertência sobre o ser do ente como principal pergunta.
O ser e o nada, eis uma questão de interesse heideggeriano. Levando em conta a distinção entre nada absoluto e nada relativo, diz que o nada não é um nada total (nada absoluto), mas um nada que supõe que algo se faz do nada, quando o ente surge.
Pouco se estendeu Heidegger para assuntos sociais e políticos, de sorte a dar uma aparente caracterização menos humanística ao seu todo doutrinário.
Diante do exposto, o pensamento de Heidegger não passou a detalhes sobre Deus e a religião, porque com anterioridade esvaziou a realidade do ser em geral e a realidade do ser humano. Mas não excluiu nada expressamente, e ficou num prudente agnosticismo.
412. Jean Paul Sartre (1905-1980), até seu tempo, foi o filósofo existencialista mais representativo da França, além de haver sido escritor brilhante e ativista, quando não também anarquista.
Nasceu em Paris, onde teve uma infância mais ou menos tumultuada: pai católico, que logo morreu, mãe protestante, que retornou à casa de seus pais, e voltou a casar aos 11 anos do menino. Primeiramente aos cuidados do avô, depois aos do padrasto, sentiu-se ao que parece um bastardo. Efetivamente, de futuro criou Jean Paul Sartre o "falso bastardo", como figura de uma de suas ficções.
Entrou para a Escola Normal Superior em 1924, cursando filosofia, com agregação em 1929. Professor de filosofia no Liceu de Le Havre, de 1931 a 1933. Uma bolsa do Instituto Francês lhe deu a oportunidade de passar 1933-1934 em Berlim, onde estudou a fenomenologia (de Brentano e Husserl) e a filosofia existencialista de Heidegger, à qual aderiu definitivamente. Voltou a lecionar em liceu, de 1934 a 1939, sucessivamente em Le Havre (1934-1936), Laon (1936-1937), Neuilly-sur-Seine, Liceu Pasteur (1937-1939).
Sobreveio mais um tumulto à vida de Sartre com a Grande Guerra (1939-1945), que logo de começo esmagara e humilhara a França. Arregimentado para a luta, Sartre foi preso pelos alemães em 1940, e libertado em 1-o de abril de 1941. Retornou ao magistério no Liceu de Neuilly, de onde logo passou ao liceu Condorcet. Participou da resistência clandestina à ocupação alemã.
Publicando com suficiente aceitação desde 1937, ganhou sucesso, mesmo durante a guerra, no livro e no teatro. Com o Ser e o nada, em 1943, passou para a lista dos grandes filósofos do tempo.
Estes resultados lhe facultaram desistir em 1945 do magistério, com licença ilimitada. Já era então um escritor de grande tiragem. Os gêneros literários, - o teatro e a ficção, - e as atitudes de que se valeu participando de agitações de massas, - tudo isto favoreceu a Sartre. A força propagandística das livrarias dele se aproveitaram e o tornaram tanto mais notório.
Como escritor existencialista, foi Sartre muito mais lido do que Heidegger, e tornou o existencialismo bastante popular. Além disto, Heidegger não se ocupou com o social, tema que Sartre amplamente explorou.
Ainda fundou a revista literária com engajamento político Les tempes modernes (= Os tempos modernos). Como jornalista, viajou pelos Estados Unidos da América, Rússia, Japão e outros países.
Estimulou a vida existencialista do bairro de St. Germain-des-Prés. Teve a intimidade amorosa da escritora Simone de Beauvoir (1908-1986), a qual, sem tornar-se esposa, com ele por vezes viajava, como foi o caso quando esteve no Brasil.
Renunciou espetacularmente ao prêmio Nobel de literatura em 1964. Sua participação em movimentos de esquerda lhe criaram problemas com a polícia. Condenou o colonialismo francês na Argélia, cujo processo de independência se consumou com o referendo popular de 1962.
Por último Sartre foi pronunciadamente esquerdista, como também Simone de Beauvoir. Modificou várias vezes suas atitudes políticas em relação aos comunistas. Depois da libertação da França, 1945, colaborara com eles. Não demorou a molestá-los polemicamente. Praticando por algum tempo a literatura politicamente engajada, admitiu o combate à injustiça, onde quer que se manifestasse. No final voltou à cooperação clara com os comunistas, embora não ingressando no respectivo Partido.
Já em 1952 havia rompido com Albert Camus, por causa da tendência anticomunista de um livro deste. Constatando também que as palavras por si só não bastam, pregou a ação violenta. Foi entretanto pouco ouvido nos distúrbios de maio de 1968.
Finalmente, diabético e cego terminou seus dias não sem algum sofrimento, em 1980, sobrevivendo-lhe Simone de Beauvoir..
414. Sartre descreveu fenomenologicamente a situação imediata da existência humana. Primeiramente fechou-se no plano da fenomenologia e a seguir passou a detalhes
a) Rejeitando a validade dos resultados da inteligência especulativa raciocinativa, fechou-se primeiramente Sartre, como os demais existencialistas, no plano meramente fenomenológico da aparição do ser. Assim, o ser dum existente é o que imediatamente aparece, este ser aparece como subjetividade e liberdade, criador do ser projeto de vida e dos seus valores.
Retido na fenomenologia do que imediatamente aparece, não encontra Sartre no ser aquelas muitas noções e princípios, que, diferentemente, a ontologia racionalista supõe obter.
"O pensamento moderno progrediu consideravelmente ao reduzir o existente à série das aparições que o manifestam. Pretendeu-se, assim suprimir certo número das aparições de dualismos que enredavam a filosofia e que foram substituídos pelo monismo do fenômeno" (O ser e o nada, p.11).
O idealismo é superado por Sartre, porque não há, - no seu entender, - distinção entre o fenômeno e a coisa em si. E assim também não há a distinguir entre existência e essência, entre ato e potência, finalmente nem entre criatura e criador.
Em virtude de suas qualidades literárias e capacidade combativa, Sartre foi de uma grande influência sobre a geração do seu mesmo tempo. Multiplicou suas poucas idéias em um sem número de afirmações enfáticas e atitudes desconcertantes. Nem sempre original pelas idéias, foi certamente muito original pela expressão literária das mesmas e pelo comportamento autêntico de suas atitudes de vida.
Praticou Jean Paul Sartre o existencialismo ateu, sob a influência diversificada de Husserl, Heidegger, Kierkegaard, Nietzsche, bem como de Hegel e, mais tarde, ainda de Marx na interpretação de G. Lukács.
Partiu sistematicamente de uma gnosiologia fenomenológica, para tentar no mesmo nível gnosiológico da fenomenologia uma ontologia.
Com frequência fez afirmações radicais, com palavras de ordem do tipo como se usam nas manifestações repetitivas das massas. É exatamente onde se encontram as originalidades de Sartre, sem que necessariamente expressem coisas provadas.
No mais talvez não seja tão original, ou porque suas afirmações existenciais se encontram já em Heidegger, ou porque suas conclusões ateístas, materialistas, nihilistas, já são da tradição do pensamento europeu.
"A atitude de Sartre se radica no passado, não tem nenhuma criação original filosófica e só vive do seu radicalismo" (J. Hirschberger).
b). Fez Sartre ontologia, analisando objetivamente o ser em si mesmo, ainda que sem querer sair do plano meramente fenomenológico do aparecer. Analisando ao ser, nele encontrou sua filosofia existencialista.
Esta sua insistência na análise do ser em si mesmo representa um afastamento da tendência para as experiências pessoais ou subjetivas como fizera Kierkegaard.
Depois de estabelecidos seus pontos de vista na análise do ser, passou a uma aplicação aos setores especiais do homem, ou seja, da antropologia. O homem o apresenta em forma de teatro ou de literatura.
Há, pois, um Sartre que se ocupa sistematicamente na ontologia do ser e um outro que escreve antropologia com uma filosofia subjacente, vindo de uma exposição anterior, dedicada à análise do ser.
A ontologia do ser do existencialismo de Sartre lança o problema diretamente, como o fizeram Parmênides e Aristóteles. Mas, ora vai pela solução dada por um, ora pela do outro.
Negou os costumeiros dualismos admitidos em filosofia, como potência e ato, essência e existência. Repudiando a teoria aristotélica do ato e potência (para negar a potência), ficou Sartre com Parmênides .
O ser já é o que ele é; nada pode sobrevir ao ser; além do ser, só há o nada, que (para Parmênides) nada é (vd 226). Nesta conceituação o ser é visto como um "ser em si". Como em-si o ser se isola simplesmente, como dado sem relacionamento, nem de possibilidade, nem de necessidade. A partir dali se desenvolve toda a ontologia de Sartre.
Conexa com a doutrina de que o ser é o que é, está a da contingência do ser. Enquanto é, o ser não tem o ser e não recebeu o ser. Simplesmente existe, sem que haja alguma razão pela qual exista. Está como que de sobra, como um acontecimento. Neste sentido, o ser se diz radicalmente contingente. Enquanto não requer explicação, ele é inexplicável e absurdo. Mas, não no sentido de que seja impossível, e sim no de gratuito.
O ente não se explica por algo maior, como se sua existência individual devesse enquadrar-se nos moldes de uma determinada natureza, ou essência. Não há estes universais metafísicos, de que tratam as filosofias racionalistas tradicionais. Os objetos simplesmente estão ali, como existências singulares, sem esquemas essenciais a programá-los.
Assim sendo, vale o aforisma do mesmo Sartre: a existência precede a essência do ente. É neste sentido de arquétipos, que se entende essência, no aforismo indicado. Cada ser individual tem seu modo subjetivo de exercer uma essência (isto é, essência no sentido de modo de existir); esta essência poderá ser real.
O que não há, de nenhum modo, na ordem objetiva é a essência na acepção de natureza geral (universal metafísico); sempre que isto se apresente, não passa de elaboração mental, acrescida às existências individuais como seu esquema.
"O que se pretende com a afirmação de que a existência precede a essência? Pretende-se dizer que, primeiro de tudo, o homem existe, cresce, aparece em cena e só depois é que se define a si próprio. Se o homem, tal como o existencialista o vê, é indefinível, é porque de início ele é nada. Só depois será alguma coisa e ele próprio terá feito de si o que vier a ser... Não só o homem é o que ele próprio concebeu ser, mas também o que quer ser após este impulso para a existência. O homem nada mais é senão aquilo que se fez" (Sartre, Existencialismo, N. Y., 1947, p. 18).
Não há sentido, ou finalismo, no universal. Se as coisas apenas são, nada tendo de potencial e de submisso à essências absolutas, não resta lugar para se cogitar em finalismos a cumprir. Não há sentido na existência.
Os desígnios e planos, que parece haver na natureza, resultam de maneiras de pensar. São como que essências que apomos nos seres individuais e contingentes.
Nós simplesmente escolhemos e criamos fins. Em outras palavras, somos livres, para eleger a essência que desejarmos.
A liberdade radical, em que o homem se encontra envolvido, é peculiar à contingência geral do ente. Encontra-se simplesmente no mundo, cabendo-lhe escolher. Em vista da liberdade radical, encontra-se desligado de tudo, como um ser estranho, até mesmo ao seu próprio ambiente. Não havendo essências gerais, nem planos, nem sentido no ser, nada o liga no mundo, sobretudo nada liga ao homem a ele. O homem não foi, por conseguinte, criado para algo. Existe simplesmente, com a mais radical liberdade ontológica possível.
Entregue a si mesmo, sob sua responsabilidade, o homem sente o medo de sua situação. É um estranho, temeroso. Não tem significado o seu viver, como também não tem sentido o seu morrer. Vive por acidente. Morre por acidente.
c). Deus é absurdo e a criação é contraditória. Isto decorre diretamente da
mesma conceituação anterior feita sobre o ser.
Enquanto o ser é simplesmente em si, é também radicalmente contingente. Não reclama para seu existir algo com a característica de ente necessário, como Deus. Não há relação de um ente para outro ente, a título de exigências. E assim não há relação entre o mundo e Deus; nem pode haver criação.
Pode-se alegar contra Sartre que a manifestação do ser é o ser, mas não necessariamente de imediato todo o ser. Ao menos deverá deixar o conhecimento do que falta, como algo sobre que não há como se definir-se, ainda que nem a favor, nem contra. Então ficaria pelo menos num agnosticismo negativo referente a Deus e não num agnosticismo positivo, como ele pretendeu.
Todavia, se o ser é contingente, fica sem sentido, buscar uma prova a respeito de Deus, porque a partir deste ser contingente nada há para seguir em frente. Se, entretanto, no ser se pudesse descobrir algum princípio não contingente, a partir deste princípio necessário poder-se-ía armar um silogismo que conduzisse a Deus.
Lançado ao seu nada, somente resta ao homem criar um projeto para si mesmo, e neste projeto tender a ser Deus.
"O homem é o ser que projeta ser Deus... Ser homem é tender a ser Deus ou, se, se prefere, o homem é fundamentalmente desejo de ser Deus".
Tudo é livre, contingente, precário:
"O homem é uma paixão inútil".
d). O conhecimento é uma intencionalidade. Neste detalhe advertiu Sartre contra a interpretação do conhecimento como imagem sem objeto. E quer mesmo nesta intencionalidade determinar a natureza do homem.
Distingue entre ser em si (o que é) e ser para si (o que não é e que é o caráter constitutivo da pessoa humana).
Interpretando Sartre a intencionalidade cognoscitiva como uma espécie de nada, desenvolveu uma estranha doutrina, em que o ser cognoscente assim se torna por efeito de um processo nadificador. Frente ao ser-em si, o homem é visto como um "ser-para-si", dotado de conhecimento e liberdade. Como explicar esta modalidade de ser, dentro de um mundo logicamente desconexo e deterministico?
O ser-para-si se apresenta como incompleto, contendo o nada.
Diferentemente, o ser-em-si é completo.
Há, pois, no homem, além de seu corpo e de seu ego, algo especificamente distinto do ser-em-si, em que consiste o especificamente humano; este especificamente humano é o nada.
Não se trata de um nada colocado ao lado do em si; pois o nada, nada é. O nada, que é específico ao homem, opera no ser em si, nadificando-o. O homem é esta nadificação permanente, que age como um para-si, no âmago do em-si, como uma realidade negativa.
As manifestações do para-si humano são chamadas por Sartre de ec-tase. São três:
- tendência ao nada,Na tendência ao nada ocorre a consciência. Todo o conhecimento, por exemplo ao se contarem cigarros, é acompanhada da consciência, de que existo. Esta consciência não é em si; procede do objeto que se conhece, o qual existe antes. Se a consciência fosse um ente em si, ela teria as características do ser em si, compacto e cheio. Há, pois, uma tendência ao nada, peculiar ao ser humano.
- a outrem,
- ao ser.
A mesma tendência ao nada se manifesta na liberdade. Aspira algo que, enquanto tal, ainda não é.
Uma análise, conduzida até ao fim, revela que a essência do homem (como ser-para-si), entendida como nada, também se diz consciência e liberdade; estas manifestações são nada e não são ser-em-si. Com mais detalhe, a consciência é existência, enquanto na consciência se manifesta a existência como constituição da consciência.
No ser em si (exterior) a existência precede à essência. No ser-para-si (ou ser humano), a existência é a própria essência do homem.
Fica assim bem determinada a natureza da expressão existencialismo; esta insistência é mais notória em Sartre que em outros filósofos
e). Uma ética foi também ensaiada por Sartre, a partir da liberdade do homem, tarefa que deixou contudo incompleta. Os Cadernos para uma moral (Cahiers pour une morale) foram escritos em 1947 e 1948, mas impressos postumamente em 1983.
Não existe moral preestabelecida a partir de uma ontologia, que previamente descubra o bem e determine a obrigação. Os valores surgem a partir da escolha. Importa ser fiel à condição de ser livre.
Depois da verificação fenomenológica de que o homem surge imediatamente como sendo essencialmente livre, ele tem como ponto de partida formar livremente um projeto de vida individual.
Entretanto, o projeto de cada qual se choca com o projeto dos outros homens. Tem o projeto do homem por objetivo dominar o mundo. Sendo o homem livre, pode praticar o mal. E o mundo está cheio de maus.
Nas tragédias, do teatro existencialista de Sartre, uma situação existencial impõe as decisões que conduzem à liberdade. O inferno de cada um são os outros.
416. O existencialismo cristão teve também alguma voga. Não obstante a tendência monista, agnóstica, atéia do existencialismo, alguns filósofos tentaram um caminho religioso, conservando assim a linha cristã de Kierkegaard.
No quadro do existencialismo cristão se encontram:
- o pensamento teológico do suíço Karl Barth, de antecedentes calvinistas;
- a filosofia do alemão Karl Jaspers, de antecedentes protestantes;
- a filosofia do francês Gabriel Marcel, convertido à Igreja Católica.
417. Karl Barth (1886-1968), suíço de expressão alemã, nascido em Basiléia, foi expressivo teólogo, protestante calvinista. Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de Bonn.
Em 1935, compelido pelo nazismo a deixar a cátedra em virtude de suas opiniões, retornou a Basiléia, onde lecionou até 1961. Na Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn, em 1946 e 1947.
Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:
Epistola aos romanos (Roemerbrief, 1919);
O cristão na sociedade (Der Christ in der Gesellschaft, 1920);
A ressurreição dos mortos (Die Auferstehung der Toten, 1924);
A palavra de Deus e a teologia (Das Wort Gottes und die Theologie, 1925);
A dogmática cristã (Die Christlische Dogmatik, 26 vols., 1932-1969);
A teologia protestante no século 19 (Die protestantische Theologie im 19. Jahrhundert, 1947).
Até 1911, ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930) (vd 433), invertendo a seguir sua posição. Procurou renovar a teologia desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834) (vd), para recolocá-la na reforma do século 16.
Rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.
Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se diz na Epístola aos Romanos (de São Paulo) e comentada por Barth. Sua teologia foi chamada também dialética.
418. Karl Jaspers (1883-1969), diferentemente de Karl Barth, amenizou o aspecto kiekegaardiano em seu existencialismo.
418. Karl Jaspers (1883-1969), diferentemente de Karl Barth, amenizou o aspecto kiekegaardiano em seu existencialismo.
Nascido em Oldenburg, Karl Jaspers cursou primeiramente direito em Heidelberg e Munique; medicina em Berlim, Goetingen, Heidelberg, doutorando-se em 1909 . Profissionalmente iniciou como neurologista e psiquiatra. Assistente na clínica psiquiátrica da Universidade de Heidelberg, lecionando também sobre o tema. De pouco em pouco se encaminhou para a filosofia. Professor de psicologia em 1913 na faculdade de letras da referida Universidade de Heidelberg. De novo ali passará a professor de filosofia em 1921. Removido da cátedra em 1937 pelo governo nazista, foi reconduzido em 1945. Passou em 1948 a universidade suíça de Basiléia, onde permaneceu até o final de sua vida.
Entre o muito que publicou, destacam-se:
Filosofia (Philosophie, 3 vols., 1932);
Razão e existência (Vernunft und Existenz, 1935);
Nietzsche (1936);
Filosofia da existência (Existenzphilosphie, 1937);
Da verdade (Von der Wahrheit, 1947);
A fé filosófica (Der philosophische Glaube, 1948);
Cifras da transcendência (Schiffren der Transzendenz, 1970).
Não quis Karl Jaspers denominado existencialista, ainda que desse ao seu sistema o nome de filosofia da existência. Qualquer seja a denominação que se dê à sua filosofia, ela se retém na observação direta, com uma fenomenologia que não é conduzida a uma sistematização racionalista maior, - o que típico do existencialismo.
Amenizando, quer a Kierkegaard, quer ao monismo de Nietzsche, a filosofia existencial de Karl Jaspers é cuidadosa, bastante crítica para merecer o respeito com que foi recebida pelos seus contemporâneos.
O homem é um sujeito que transcende a si mesmo, alcançando ao objeto, e a este como ser, ultrapassando o horizonte do mero empirismo. Fá-lo por diferentes caminhos. Pelo entendimento (Verstand) atinge o saber das ciências.
Mas a existência é inobjetiva, não sendo objeto de conhecimento; experimenta-se a existência, esclarece-se, aclara-se. É a razão (Vernunft) que a esclarece. Diferentemente, ainda, a Transcendência (Deus), não é atingida pela nossa inteligência e razão; mas se atinge pela crença, pela "fé filosófica", por meio das "cifras".
O homem também é um ser livre; com a liberdade atualiza suas possibilidades e se compromete com sua escolha.
Em situações limites, - como a luta, a culpa, o sofrimento, a morte, - o homem toma consciência de si mesmo
419. O existencialismo cristão de Gabriel Marcel (1889-1973) atinge sucessivamente o eu, o mundo, Deus. Nascido em Paris, onde também se formou, exerceu o magistério secundário em diferentes cidades do país. Deu-se por convertido ao catolicismo em 1929.
Publicou um Journal metaphysique, de 1914 a 1923, no qual divulgou um existencialismo independente daquele dos alemães e com influências do idealismo anglo-americano (Bradley, Royce) e do intuicionismo de Bergson. Também publicou Homo viator, 1945; O mistério do ser (Le mystère de l’être, 2 vols., 1949), entre vários outros títulos de valor.
Ao destacar seu ponto de vista gnosiológico existencial, que parte da experiência subjetiva, diferente do pensamento lógico-raciocinativo, Marcel se referiu à proposição cartesiana (penso, logo existo = cogito, ergo sum), para reinterpretá-la. O que primeiramente importa, - advertiu, - não é o "penso" (= pensamento objetivizado), mas o "logo existo". Eis uma formulação tipicamente ligada a um autor francês.
O existo (ou sum) é existencial; não é lógico. Está no início. "Se a existência não estiver na origem não estará em parte alguma; não há passagem para a existência, que não seja truque ou ilusão". Neste início de tudo está a sensação, que "resiste" ao pensamento (cogito).
A sensação é "inobjetivável". Não é a sensação uma transmissão de mensagem.
"Não é sensação materialisticamente compreendida como transmissão ou tradução de mensagem que parte de um sujeito e é captada por outro". Ela é o "sentimento corpóreo fundamental", ao modo como dizia Rosmini.
Ela é o imediato fundamental com que o eu se situa e participa simpaticamente no universo. No mesmo acontecer da sensação está contido "o ser no corpo", percebido antes da objetivação pelo pensamento.
Sou um "eu encarnado".
"Existo encarnado, existo como capacidade: eis a situação fundamental. O meu corpo está imediatamente presente à alma, como o mundo o está ao corpo e a alma ao corpo: eis o imediato inicial, o mistério do ser".
Neste contexto do mistério do ser foi fácil a Marcel referir-se ao universo e ao Eu. Mas, quer ele que também Deus esteja envolvido ali.
Sem passar ao pensamento raciocinativo (ou lógico, ou objetivado) encontra Marcel no mistério ontológico algo mais que o eu e o universo. Diz ele que o sujeito é um apetite inesgotável do ser. O sujeito se envolve nesta pesquisa como uma necessidade metafísica, como uma aspiração do meu ser ao Ser, no qual se engaja e se sente assegurado. No fundo do meu eu está o outro, o Tu Absoluto, no qual se espera e ao qual se é fiel, no qual se crê e se tem fé, ao qual se ama.
Fonte:
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
http://www.simpozio.ufsc.br/Port/1-enc/y-mega/mega-filosgeral/filosofia-religiao/7270y403.html#BM7270y426
Sejam felizes todos os seres
Vivam em paz trodos os seres
sejam abençoados todos os seres.
INTUICIONISMOS ESPIRITUALISTAS. - Bergson e Blondel
422. Religião com apoio em experiências intuicionistas. Uma série de filósofos modernos, - em que desde o século 19 se destacaram sobretudo os intuicionistas Bergson e Blondel, e um outro grupo denominado modernista - se apóia em experiências intuicionistas, com características alógicas, para desenvolverem um espiritualismo de resultado relativamente vasto. Estes intuicionismos conferem em parte com orientações com orientações já definidas anteriormente, pelos recursos adotados, e também pelos resultados atingidos. Mas, em um e outro caso também diferem.
Em filosofia da religião estes intuicionismos espiritualistas são mencionados, porquanto desenvolvem doutrinas peculiares sobre Deus e sobre a religiosidade em geral.
As experiências intuicionistas e alógicas dizem apoiar-se em estados de alma, ditos sentimentos, aspirações, ânsias, ações e situações similares, que se acredita exercerem alguma intencionalidade cognitiva especial. Indicações similares ocorrem em todos aqueles que operam sob a denominação de místicos.
Didaticamente podem ser apresentados em dois itens:
- Intuicionismos espiritualistas, tipo Bergson e Blondel (vd 423); - modernismo em teologia (vd 432).
A).
INTUICIONISMOS ESPIRITUALISTAS
TIPO BERGSON E BLONDEL.
424. Primeiros intuicionistas espiritualistas. Dentre os pensadores espiritualistas com apoiamento intuicionista destacaram-se inicialmente Laromiguière (1756-1837), Maine de Biran (1766-1824); Victor Cousin (1792-1867), Emile Boutroux (1845-1918).
Mais recentemente se destacou particularmente o intuicionismo de Henry Bergson (1859-1941) (vd 425), que fora discípulo de Emile Boutroux, antes mencionado.
Também se destacou Maurice Blondel (1870-1954) (vd 430), sucessor, aliás de Bergson, no Collège de France.
Declara, por exemplo, Laromiguière:
"Entre o grande número de idéias que são objeto das ciências metafísicas e morais, ocorrem algumas, que parecem pertencer a faculdade desconhecidas, e que parecem esconder-se na profundeza do nosso ser" (Leçons, t. I p. 36, 3 ed.).
Emile Boutroux, referindo-se à necessidade de uma fonte criadora da natureza:
"Deus é este ser mesmo do qual sentimos a ação criadora
no mais profundo de nós mesmos,
em meio dos nossos esforços
para nos aproximar Dele".
425. Henry Bergson (1859-1941), filósofo e literato francês de grande projeção, deu destaque ao espiritualismo empírico-intuicionista que propôs.
Judeu nascido em Paris, de pai polonês e mãe inglesa, Henry Bergson estudou no Liceu Condorcet. Ingressando em 1878 na Escola Normal Superior, atingiu a agregação em 1881, o doutorado em letras, em 1889.
Professor vários anos na escola secundária, - em Angers (1881-1883), Clermont-Ferrand, Louis-le-Grand, por último no Liceu Henrique IV de Paris. Professor de filosofia na Escola Normal Superior, de 1897 a 1900, passando então ao Collège de France, com longo tirocínio, de 1900 a 1921. Eleito para a Academia Francesa (de Letras), em 1914.
Prêmio Nobel de literatura, em 1927, havendo sido aliás um excelente ensaísta, com estilo brilhante.
Obras de mais destaque, de Bergson:
Ensaio sobre os dados imediatos da consciência (Essai sur le données immédiates de la conscience, 1889), tese;
A idéia de lugar em Aristóteles (Quid Aristoteles de loco senserit, com tradução francesa - L’idée de lieu chez Aristote, 1889), tese;
Matéria e memória. Ensaio sobre as relações do corpo com o espírito (Matière et mémoire, essai sur la relation du corps à l’esprit, 1896)
O riso, ensaio sobre a significação do cômico (Le rire, essai sur la signification du comique, 1900);
A evolução criadora (L’ évolution créatrice, 1907), obra principal;
A energia espiritual (L’énergie spirituelle, 1919), coleta de artigos e conferências;
Duração e simultaneidade (A propósito da teoria de Einstein) (Durée et simultanéité. À propos de la théorie d’Einstein, 1922);
As duas fontes da moral e da religião (Le deux sources de la morale et de la religion, 1932);
O pensamento e o movimento (La pensée et le mouvant, 1934),
426. Duas fontes de conhecimento, - intuição e razão. O ponto de partida da filosofia de Bergson é admissão inicial, - depois de criticar o conhecimento conceitual, - de duas fontes desiguais de conhecimento: a intuição, descrita como procedimento alógico, capaz de atingir a realidade com mais autenticidade que a simples razão, ou inteligência, reduzida a operar a realidade apenas pelas suas relações extrínsecas, como acontece na ciência experimental.
A intuição foi também comparada por Bergson ao conhecimento místico, que ele admite acontecer habitualmente, sobretudo em certos homens dotados de conhecimentos especiais. O mesmo aconteceria no processo da poesia e da percepção artística mais profunda.
É a intuição o primeiro instante do conhecimento, o qual atinge, por esta primeira operação cognoscitiva o fundamento das coisas, em si mesmas, em absoluto e não apenas por relações. A filosofia é uma reflexão sobre os dados da intuição.
Descobre a intuição a realidade como duração. A esta descreveu Bergson como élan vital. Finalmente por ali chega a Deus e à religião. No entender de Bergson, a duração (ou o devir) é alcançada em si mesma apenas pela intuição, e seu conteúdo, como já se adiantou, é o objeto da filosofia.
Na intuição opera o homem sapiens; no outro conhecimento, o homem faber.
No seu cotidiano, o homem costuma ser primeiramente um homem faber; progredindo, passa a ser um homem sapiens.
Contrastando com a filosofia como reflexão sobre os dados da intuição, o outro tipo de conhecimento, peculiar à ciência, opera a partir de elementos já conhecidos, que são inter-relacionados.
Que dizer sobre a distinção dos dois tipos de conhecimento destacados por Bergson?
Efetivamente, a ciência, embora opere com dados diretamente experimentados e diretamente entendidos, depois disto não evolui mais longe que a descoberta de relações extrínsecas, também só verificados experimentalmente e assim apenas entendidos.
A inteligência pura também segue para o conhecimento das relações meramente inteligíveis, em que aliás consiste grande parte da filosofia. Este outro conhecimento puro parece haver sido confundido por Bergson, com sua intuição. Esta, a intuição, nada mais é do que o momento mais sutil da inteligência comum.
427. A nova metafísica de Bergson, com base na intuição, se distancia das metafísicas amplamente desenvolvidas, não somente com a intuição inicial do ser, mas ainda com os resultados racionalísticos de do raciocínio dedutivo. Nesta nova metafísica com os resultados obtidos apenas pela intuição, a realidade é o élan vital, porque matéria e vida não são senão momentos da mesma coisa, intuída pelo conhecimento.
427. A nova metafísica de Bergson, com base na intuição, se distancia das metafísicas amplamente desenvolvidas, não somente com a intuição inicial do ser, mas ainda com os resultados racionalísticos de do raciocínio dedutivo. Nesta nova metafísica com os resultados obtidos apenas pela intuição, a realidade é o élan vital, porque matéria e vida não são senão momentos da mesma coisa, intuída pelo conhecimento.
Dito de outro modo, a realidade cosmológica se compõe de dois elementos, matéria e élan vital (corrente vital). Ali a dualidade matéria e forma do sistema aristotélico é transposta para a linguagem colorida de Bergson.
Ao aproveitar o termo élan vital, Bergson quis caracterizar a índole operante deste principio, e não indicar apenas um dos tipos de élan, o da vida biológica animal. É também este o sentido de forma ou ato, em Aristóteles, ainda que Bergson o acuse indevidamente de estaticistas os sistemas antigos.
Quando insiste que matéria e espírito são impulsos constitutivos da mesma duração, -da qual são os extremos, - Bergson é monista e evolucionista. Apresenta sinais aqui de haver sido influenciado pelo positivismo evolucionista de John Stuart Mill (1806-1873) (vd), um dos autores por ele preferidos inicialmente.
Além disto, o reducionismo de Bergson está em favor do espírito, e não a favor da matéria. Interpretou a matéria como sendo um estágio do próprio espírito, ou seja do psíquico, quando em estado menos ativo. Portanto, a matéria é como uma degradação da vida com momentos menos ativos. O que acontece são alterações qualitativas, ora em estágio de espírito, ora em estágio de matéria.
O élan vital é o devir em sua marcha criadora, como virtualidade deste devir. Direções materiais e espirituais, evoluções diferenciando-se em instintivas e intelectuais continuam sempre formas da mesma realidade.
A memória é o elemento integrador dos momentos da duração. Há neste intuicionismo uma evidente oposição ao positivismo e ao empirismo em geral.
De outra parte, não é um racionalismo cartesiano. Insere-se o bergsonismo na tendência de alguns filósofos modernos, que, desde Blaise Pascal (vd), se apóiam numa intuição, descrita ora mais alogicamente, ora mais ecleticamente.
428. Deus, para o intuicionismo de Bergson, é o princípio supremo e absoluto do qual se origina o impulso constante da realidade cósmica do élan vital.
428. Deus, para o intuicionismo de Bergson, é o princípio supremo e absoluto do qual se origina o impulso constante da realidade cósmica do élan vital.
Comparou Bergson a Deus com um chispear contínuo a lançar os raios de uma grande luz. Nesta comparação de Bergson o Criador é como o centro de irradiação dos fogos de artifício, em que o resultado destes representaria a diversidade dos mundos
Deus e o mundo são praticamente a mesma coisa, vista esta em fases diferenciadas. Este monismo, sobre o qual Bergson contudo não insistiu, foi descrito como evolução criadora. Deus é um imenso fazer-se, não é nada terminado, como se fosse todo feito (tout fait). Ele é vida sem cessar, é um agir sempre, é liberdade.
Para afastar o caráter monista de tais expressões em Bergson, tem-se procurado apoio em algumas de suas cartas, que parecem dizer que a duração em Deus é diferente da nossa.
Se este impulso se considerar independente do seu princípio de origem, como a água que brota da fonte, é evidente que a concepção bergsoniana se apresenta francamente teísta.
Mas, a obscuridade desta parte do seu pensamento tem deixado lugar as discussões. Embora Bergson tenha declarado peremptoriamente que não era panteísta, as dificuldades poderão manter-se.
Quando o jesuíta francês Joseph de Tonquédec (1868-1962) o qualificou de monista, Bergson respondeu com duas cartas, que não era monista e nem panteísta, e que seu sistema admitia um Deus criador, origem do impulso vital. As duas cartas de Bergson foram publicadas na revista Ètudes (de 20-01-1912).
429. Moral aberta e moral fechada. No sistema bergsoniano a moral surge como uma necessidade da vida, revelando-se como amor, ao modo como é alcançado pela experiência mítica e praticada pelos místicos. Esta é a moral da sociedade aberta.
Há também a moral resultante da pressão social, a moral da sociedade fechada, produzida pela razão comum. Ao estabelecer na necessidade da vida a fonte da moral, Bergson se opôs à ética a priori de Kant, como também ao do positivismo em geral.
De índole tolerante, Bergson teve relacionamento com os praticantes dos fenômenos espíritas como também com os católicos. Disse mesmo admirar o catolicismo, todavia como um aperfeiçoamento do judaísmo, em cujo contexto étnico fez contudo questão de se manter.
"Minhas reflexões levaram-se cada vez mais perto do catolicismo, onde vejo o acabamento completo do judaísmo. Ter-me-ia convertido, se não tivesse visto preparar-se desde há anos (em grande parte infelizmente pela culpa de um certo número de judeus inteiramente desprovidos de senso moral) a formidável vaga de anti-semitismo que vai desabar sobre o mundo. Quis ficar entre os que serão amanhã perseguidos" (Testamento, de 8-2-1937).
430. Maurice Blondel (1861-1949), filósofo francês, nascido em Dijon, que pensara inicialmente ser sacerdote. Foi sempre um homem generoso e se fez conhecer por um sistema intuicionista denominado Filosofia da ação.
Defendeu tese de doutorado em 1893. Mestre de conferências na Universidade de Lille, 1895-1896. Professor em 1897 na Universidade de Aix-en-Provence, permanecendo no posto até sua enfermidade em 1927, aumento de surdez e diminuição de visão. Continuou na mesma cidade, escrevendo sempre.
Obras de Blondel:
A ação. Ensaio de uma crítica da vida e de uma ciência da prática (L’action. Essai d’une critique de la vie et d’une science de la practique, 1893), tese de doutorado, que teve repercussão;
Do vínculo substancial e da substância composta em Leibniz (De vinculo substanciali et de substantia composita apud Leibnitium, 1972 em tradução francesa Le lien substantiel et la substance composée d’ après Leibniz, 1893), pequena tese;
O processo da inteligência (Le procès de l’intelligence, 1922), em colaboração com Archambault;
O itinerário filosófico de Blondel (L’intinéraire philosophique de Maurice Blondel, 1928),coletânea de textos, por F. Lefèvre;
O problema da filosofia católica (Le problème de la philosophie catholique, 1932);
O pensamento (La pensée, vols., 1932-1934), importante; O ser e os seres. Ensaio de uma ontologia concreta e integral (L’être et les êtres. Essai d’une ontologie concrète e intégrale, 1935);
A ação (L’action, I: Le problème des causes secondes et le pur agir, 1936, II: L’Action humaine et les conditions de son aboutissement, 1937), 2 vols., sendo este livro chamado "segunda Action" para distingui-lo da obra de 1893, dita "primeira Action";
Luta pela civilização e filosofia da paz (Lutte pour la civilisation et philosophie de la paix, 1939);
A filosofia e o espírito cristão (La philosophie et l’esprit chrétien, 2 vols., 1954-1950); Cartas filosóficas de Maurice Blondel (Lettres philosophiques de Maurice Blondel, 1951).
Fez-se Blondel conhecer como chefe da filosofia da ação, partindo de um intuicionismo inicial, irrompendo depois para uma espiritualismo metafísico antipositivista, com aparência neoplatônica e tomista, eclética e misticista, com algumas moderações, e que o aproximam ao existencialismo cristão.
A ação é um acontecimento originário, que se coloca como fato inicial. Além de acontecimento originário, a ação apresenta implicações e se estabelece com integrações com outros elementos. E assim, a ação enquanto acontece, vai revelando a realidade. Portanto, a ação enquanto revela, se institui como conhecimento da realidade; distinto do conhecimento nocional, o conhecimento pela ação atinge algo mais no objeto.
No seu entender, não basta o conhecimento nocional como aquele da metafísica tomista. O misticismo se desenvolve a partir do conhecimento real. Não se trata de tomar a ação como sucesso, ao modo do pragmatismo, como quis William James, mas da ação enquanto é consciência de si mesma, e nessa consciência diga algo mais do que a simples noção.
Aceita embora por muitos, a tese da ação como via originária de conhecimento foi muito contestada, o que ocupou a Blondel em defendê-la no curso de toda a sua vida e em quase todos os seus escritos.
433. Modernismo (em teologia) foi um nome pomposo para um movimento, surgido depois de 1900 entre alguns teólogos católicos de grande prestígio.
Em primeiro lugar, alinha-se o modernismo entre as muitas tentativas da busca alógica da verdade.
Por acréscimo, o modernismo também procurou mostrar a fragilidade das religiões sobrenaturalistas, sobre a cristã, ao mesmo tempo que lhes dando uma nova fundamentação, a qual seria também progressiva e universalizante.
Ao se avaliar o modernismo (vd 438), importa distinguir entre duas faces das atividades dos modernistas. É possível que uns tenham sido bons filósofos, enquanto outros bons críticos das estruturas religiosas, sobretudo das que se apresentam com tendo base sobrenaturalista.
Como se disse, o modernismo, aceitando as objeções aplicadas à inteligência racionalista, busca particularmente a verdade religiosa, através da via do sentimento profundo. Mas, se esta posição for reformulada, continua o modernismo ainda com suas restrições ao sobrenaturalismo oferecido por muitas das religiões. Este ponto de vista já vêm da exegese liberal.
Por ambos os lados se deu o conflito do modernismo com a Igreja Católica oficial (vd 437).
434. Filósofos e teólogos modernistas ocorreram principalmente a partir do final do século 19, adentrando o seguinte, quando ocorreu a reação da Igreja Católica.
434. Filósofos e teólogos modernistas ocorreram principalmente a partir do final do século 19, adentrando o seguinte, quando ocorreu a reação da Igreja Católica.
Na França foram modernistas o brilhante Alfredo Firmin Loisy (1857-1940) (vd 435), Le Roy Willois, e o pastor protestantes Paul Sabatier (1858-1928), historiador, com estudos sobre a religiosidade medieval, especialmente sobre São Francisco de Assis.
Na Alemanha, o movimento antidogmático de fundo modernista foi comandado pelo expressivo teólogo protestante liberal Adolf Von Harnack (1851-1930), professor em Marburgo e Berlim. Foi ainda o inspirador de Loisy, da França, já citado.
Publicou:
Manual de história do dogma (Lehrbuch der Dogmengeschichte, 7 vol., 1885);
História da literatura antiga do cristianismo até Eusébio, 1893;
A essência do cristianismo (Das Wesen des Christentums, 1900).
Na Inglaterra atuou particularmente como teólogo modernista o George Tyrrel (1861-1909). Protestante convertido ao catolicismo e feito jesuíta entrou em luta com a Igreja Católica em virtude de suas novas idéias. Afastado da Companhia de Jesus em 1906, foi ainda excomungado pela Igreja em 1907. Diz-se haver-se reconciliado ao morrer.
Publicou:
Nova et Vetera, 1905;
Mediaevalisme, 1909;
O cristianismo na encruzilhada (Christiannity at the crossroads, 1909).
Na Itália o modernismo se difundiu amplamente com o brilhante poeta e novelista Antônio Fogazzaro (1842-1911). Católico liberal, expressou seu modernismo em famosa novela Il Santo (1905), colocada no Index das obras condenadas pela Igreja Católica, como heréticas.
435. Alfredo Firmin Loisy (1857-1940), inicialmente sacerdote, ordenado em 1879, foi um dos protagonistas do modernismo na França, no que foi também influenciado pelo intuicionismo de Bergson. Professor brilhante do Instituto Católico de Paris, sendo que de hebraico, desde 1881, de exegese bíblica desde de 1889 a 1893, da Sorbone, de 1900 a 1904.
O então Diretor e fundador do Instituto Católico de Paris, Monsenhor Maurice d’Hulst favoreceu aos professores o uso de novos métodos de tratamento da teologia cristã. Mas a Sé Romana, mantenedora do controle doutrinário dos estabelecimentos católicos, destituiu em 1893 a Loisy de sua cátedra. Foram suas obras colocadas no Index dos livros proibidos em 1903.
Afastou-se Loisy definitivamente da Igreja Católica, e foi ser professor de história das religiões no Collège de France, onde, com liberdade de cátedra, lecionou de 1909 a 1926; foi também professor de história das religiões, desde 1924, na École des Hautes Études.
Obras:
História do Cânon do Antigo Testamento (Histoire du Canon de l’Ancien Testament, 1890);
História do Cânon do Novo Testamento (Histoire du Canon du Nouveau Testament, 1891);
História crítica do texto e das versões da Bíblia (Histoire critique du texte et des versions de la Bible, 1892-1893);
Estudos bíblicos (Études bibliques, 1901); A religião de Israel (La réligion d’Israel, 1901);
Os mitos babilônicos e os primeiros capítulos do Gênesis (Les mythes babyloniens et les primieres chapitres de la Genèse, 1901);
O Evangelho e a Igreja (L’Évangile et l’Eglise, 1903), posto no Index dos livros proibidos aos católicos, havendo despertado grande polêmica;
O Quarto Evangelho (Le quatrième Evangile, 1903), no Index;
Os Evangelhos Sinópticos (L’Évangiles synoptiques, 2 vols., 1907-1908), que resultou na excomunhão do autor, pela Igreja Católica, em 1908;
Jesus e a tradição evangélica (Jesus et la traditions évangéliques, 1910);
À propósito da história das religiões (A propos d’histoire des religions, 1911);
Os mistérios pagãos e o mistério cristão (Le mysthères paiens et le mysthère chrétienn, 1919);
Os Atos dos Apóstolos (Les Actes des Apótres, 1920);
Ensaio histórico sobre o sacrifício (Essai historique sur le sacrifice, 1920);
A moral humana (La morale humaine, 1923);
La naissance du Chistianisme (1932);
As origens do Novo Testamento (Les origines du Nouveau Testament, 1936).
A Igreja cristã, segundo o modernismo de Loisy, teria resultado de uma superação da fase em que os primeiros discípulos de Jesus acreditavam em uma eminente realização do Reino de Deus. Em virtude da demora desta segunda vinda, ter-se-ia formado a organização institucional da Igreja e a cristalização das doutrinas em dogmas.
Passando a um plano generalizado, Loisy admitiu que a religião evoluiria no curso dos tempos, até assumir a forma de religião universal, fundada na noção de humanidade. É essencial ao pensamento de Loisy que já no passado bíblico ocorrera a evolução dos dogmas, o que ele buscava mostrar pela exegese dos textos.
Do ponto meramente filosófico, Loisy revelou tendências imanentistas.
436. Teses modernistas condenadas pela Igreja Católica. O elenco das teses típicas do modernismo se encontra no "Sílabo das proposições condenadas pela Igreja, Decreto da Sagrada Inquisição Romana e Universal, Quarta-feira, 3 de Julho de 1907..." onde são também condenadas.
Dizem respeito à:
- Autoridade das decisões doutrinais da Igreja (proposições de 1 a 8),
- Nova teoria sobre a Escritura Sagrada (proposições 9 a 19),
- Filosofia religiosa da nova escola (proposições 20 a 26),
- Cristologia de Loisy (proposições 27 a 38),
- Origem dos Sacramentos (proposições 39 a 51),
- Nova teoria sobre a Igreja (proposições 52 a 56),
- Evolucionismo absoluto e ilimitado (proposições 57 a 65).
437. Encíclica Papal sobre o Modernismo. Deveu o modernismo preocupar a Igreja Católica, porque a vulnerava profundamente, sobretudo quanto aos novos argumentos, que passaram a afirmar sua não fundamentação.
O Pio X (Papa de 1903 a 1914), em linguagem tumultuada, saiu a campo, para reafirmar o dogma católico.
Neste sentido publicou a Encíclica Pascendi (1907), advertindo contra o modernismo aos cristãos e obrigando aos padres o juramento antimodernístico anual.
Além disto agiu diretamente com a excomunhão pessoal emitida contra os representantes do modernismo.
Conforme definiu o Papa, que o modernismo, na sua parte negativa, era agnóstico em relação sobrenatural, e que, na sua parte positiva, se apoiava numa fonte inconsistente do processo cognoscitivo, a imanência vital, a partir explicava natualisticamente os fenômenos religiosos, inclusive todo o processo do cristianismo.
a) O agnosticismo do modernismo.
"Cumpre saber que todo o fundamento da filosofia religiosa dos modernistas assenta sobre a doutrina, que chamamos agnosticismo. Por força desta doutrina, a razão fica inteiramente reduzida a consideração dos fenômenos, isto é, só das coisas perceptíveis e pelo modo como são perceptíveis; nem tem ela direito nem aptidão para transpor estes limites.
E daí segue que não é dado à razão elevar-se a Deus, nem reconhecer-lhe a existência, nem mesmo por intermédio dos seres visíveis. Segue-se portanto, que Deus não pode ser de maneira alguma objeto direto da ciência; e também com relação à história, não pode servir de assunto histórico.
Postas estas premissas, todos percebem com clareza, qual não deve ser a sorte da teologia natural, dos motivos de credibilidade, da revelação externa. Tudo isto os modernistas rejeitam e atiram para o intelectualismo, que chamam ridículo sistema, morto há muito tempo.
Nem os abala ter a Igreja condenado formalmente erros tão monstruosos, pois que de fato o Concílio Vaticano assim definiu:
Se alguém disser que Deus, um e verdadeiro, criador e Senhor nosso, por meio das coisas criadas não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, seja anátema (De Revel., can. 1);
e também: Se alguém disser que não é possível ou não convém que, por divina revelação, seja o homem instruído acerca de Deus e do culto que lhe devido, seja anátema (ibid., can. 2)
e finalmente: se alguém disser, que a divina revelação não pode tornar-se crível por manifestações externas, e que por isto os homens não devem ser movidos à fé, senão exclusivamente pela interna experiência ou inspiração privada, seja anátema (De Fide, can. 3).
De que modo porém os modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de ignorância, para o ateísmo científico e histórico, que, ao contrário, é estado de positiva negação, e por isso, com que lógica, do não saber se Deus interveio ou não na história do gênero humano, possam a tudo explicar na mesma história, pondo Deus de parte, como se na realidade não tivesse intervindo, quem o souber que o explique. Há entretanto para eles uma coisa fixa e determinada, que é o dever ser atéia a ciência a par da história, em cujas raias não haja lugar senão para os fenômenos, repelido de uma vez Deus e tudo o que é divino. E dessa absurdíssima doutrina, ver-se-á, dentro em pouco, que coisas seremos obrigados a deduzir a respeito da augusta pessoa de Cristo, dos mistérios e da sua vida e morte, da sua ressurreição e ascensão ao céu" (Enc. Pascendi, 6).
No questionamento sobre o agnosticismo (vd 383) em religião importa distinguir entre agnosticismo em filosofia e agnosticismo referente ao sobrenatural. Neste último importa sobretudo o rigorismo epistemológico no aferimento das provas.
b). A imanência vital, como fator explicativo da origem e desenvolvimento das religiões, alegado pelos modernistas, é também denunciada por Pio X, na continuação do texto antes citado, de sua Encíclica Pascendi, de 1907. Já agora se trata de uma questão caracterizadamente filosófica, mais precisamente de gnosiologia. Como se sabe, a diversidade das gnosiologias, - realistas, idealistas, intuicionistas, misticistas, fideístas, empiristas, etc., - podem afetar a filosofia da religião.
" Este agnosticismo, porém, na doutrina dos modernistas não constitui senão a parte negativa; a positiva acha-se toda na imanência vital. Eis aqui o modo como eles passam de uma parte à outra.
A religião, quer a natural, quer a sobrenatural, é mister seja explicada como qualquer outro fato. Ora, destruída a teologia natural, interceptada a entrada na revelação com o rejeitar os motivos de credibilidade, é claro que se não pode procurar fora do homem essa explicação. Deve-se, pois, procurar no mesmo homem; e visto que a religião não é senão de fato uma forma da vida, a sua explicação se deve achar mesmo na vida do homem. Daqui procede o princípio da imanência religiosa.
Demais, a primeira moção, por assim dizer, de todo o fenômeno vital, deve sempre ser atribuída a uma necessidade: os primórdios, porém, falando mais especialmente da vida, devem ser atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento.
Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda a religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade. Esta necessidade das causas divinas não se fazendo sentir no homem senão em certas e especiais circunstâncias, não pode de per si pertencer ao âmbito da consciência; oculta-se, (porém), primeiro abaixo da consciência, ou, como dizem com vocábulo tirado da filosofia moderna, na subconsciência, onde a sua raiz fica também oculta e incompreensível.
Se alguém, contudo, lhes perguntar de que modo essa necessidade da divindade, que o homem sente em si mesmo, rebenta em religião, será esta a resposta dos modernistas:
A ciência e a história acham-se fechadas entre dois termos: um externo, que é o mundo visível; outro interno, que é a consciência. Chegados a um ou outro destes dois termos, não se pode ir mais adiante, além destas limites acha-se o incognoscível, Diante deste incognoscível, seja que ele se ache fora do homem e fora de todas as coisas ;visíveis, seja que ele se ache na subconsciência do homem, a necessidade de um quê divino, sem nenhum ato prévio da inteligência, como o quer o fideísmo, gera no ânimo um certo sentimento particular, e este, seja como objeto seja como causa interna, tem envolvida em si a mesma realidade divina, e assim de certa maneira une o homem com Deus.
É precisamente a este sentimento que os modernistas dão o nome de fé, e têm-no como princípio da religião" (Enc. Pascendi, 7).
Continua o documento pontifício de 1907:
"Nem acaba aí o filosofar, ou melhor, o desatinar desses homens. Pois, nesse mesmo sentimento eles não encontram unicamente a fé; mas, com a fé e na mesma fé, do modo como a entendem, sustentam que também se acha a revelação. E que é o que mais se pode exigir para a revelação? Já não será talvez revelação, ou pelo menos princípio de revelação, aquele sentimento religioso, que se manifesta na consciência? Ou talvez o mesmo Deus a manifestar-se às almas, embora um tanto confusamente, no mesmo sentimento religioso?
Eles ainda acrescentam mais, dizendo que, sendo Deus ao mesmo tempo objeto e causa da fé, essa revelação é de Deus como objeto, e também provém de Deus como causa; isto é, tem a Deus ao mesmo temo como revelante e revelado.
Segue-se daqui, Veneráveis irmãos, a absurda afirmação dos modernistas, segundo a qual toda a religião, sob diverso aspecto, é igualmente natural e sobrenatural. Segue-se daqui a promíscua significação que dão aos termos consciência e revelação. Daqui a lei que dá a consciência religiosa, a par com a revelação como regra universal, à qual todos se devem sujeitar, inclusive a mesma suprema autoridade da igreja, seja quando ensina seja quando legisla em matéria de culto ou de disciplina" (Enc. Pascendi, 8).
Pouco adiante:
"O sentimento religioso, que por imanência vital surge dos esconderijos da subconsciência, é pois o germe de toda religião. Este mesmo sentimento rudimentar e quase informe a princípio, pouco a pouca, sob o influxo do misterioso princípio que lhe deu origem, tem-se ido aperfeiçoando, a par com os progressos da vida humana, da qual, como já ficou dito, é uma forma.
Temos, pois, assim a origem de toda a religião até mesmo da sobrenatural, e estas não passam de meras explicações do sentimento religioso. Nem se pense que a católica é excetuada; está no mesmo nível das outras, pois não nasceu senão pelo processo de imanência vital na consciência de Cristo, homem de natureza extremamente privilegiada, como outro não houve nem haverá.
Fica-se pasmo em se ouvindo afirmações tão audaciosas e sacrílegas. Entretanto, Veneráveis Irmãos, não é esta linguagem usada temerariamente só pelos incrédulos. Homens católicos, até muitos sacerdotes, afirmaram estas coisas publicamente, e com delírios tais se vangloriam de reformar a igreja.
Já não se trata aqui do velho erro, que à natureza humana atribuía um quase direito à ordem sobrenatural. Vai-se muito mais longe ainda: chega-se até a afirmar que a nossa santíssima religião no homem Jesus Cristo, assim como em nós, é fruto inteiramente espontâneo da natureza.
Nada pode vir mais a propósito para dar cabo de toda a ordem sobrenatural. Por isso com suma razão o Concílio Vaticano definiu:
Se alguém disser que o homem não pode ser por Deus elevado a um conhecimento e perfeição, que supere as forças da natureza, mas por si mesmo pode e deve, com incessante progresso, chegar finalmente a possuir toda a verdade e todo o bem, seja anátema (De Revel., can. 3" ( Encicl. Pascendi, 10)..
438. Encerrando sobre o modernismo em teologia, importa considerar algo sobre suas provas no plano filosófico.
Lembre-se inicialmente que ele se colocou num plano semelhante ao de William James (1842-1910), o qual levantou a hipótese da subconsciência, onde se encontraria um conhecimento de Deus que não é o meramente especulativo.
Deus está presente no fundo da alma, e é impossível que Deus não se manifeste através de suas operações.
A respeito de uma primeira prova do modernismo. Em criando a alma, Deus tem com ela contato. Ela toma, então, consciência de Deus por um contato imediato, por um conhecimento de ordem sentimental, que não coincide com aquele obtido especulativamente.
Reforçando o argumento com a autoridade, foi recordado que Paulo Apóstolo diz: "Nele, pois, vivemos, e somos" (Atos 17,28). O modernismo apela ainda a um pensamento análogo de Tomás de Aquino (Suma teológica I. 8).
O argumento sofre contestação fácil. Deus se encontra presente na alma a título de causa criadora, o que ainda não quer dizer presente como objeto conhecido. Somente uma demonstração a posteriori, remontando raciocinativamente do efeito à causa, poderá revelar a existência da causa.
Apelam os modernistas a um segundo argumento, chamado prova de fato. Verifica-se que as pessoas bem preparadas têm efetivamente contato direto com Deus. Os modernistas apontam não só para sua experiência pessoal, mas também para o testemunho dos místicos.
Trata-se aqui de um terreno difícil e complicado, pois os místicos são raros e rodeados de circunstâncias muito particulares. Mesmo seus conhecimentos, se poderão reduzir aos processos pela analogia e pelo raciocínio.
O modernismo estabelece a experiência do divino como a base de toda a religião, inclusive do catolicismo. A revelação, de que fala a Igreja, não representa nada mais do que esta experiência religiosa fundamental que todo o homem leva em si.
Ocorre apenas que a dita experiência não se manifesta de igual modo em todos, mantendo-se no subconsciente. Certas almas privilegiadas, como a dos místicos, profetas, especialmente Jesus, teriam tido uma consciência mais nítida.
Os homens que logram experiências mais ricas, manifestam-nas aos outros. Entre muitas manifestações, a sociedade sanciona os melhores formando-se assim os dogmas.
O valor dos dogmas se apresenta, pois, relativo, e portanto susceptível de alteração e reforma.
439. Conclusão geral do capítulo sobre a evolução e história dos sistemas de filosofia da religião. Muitos dos temas da filosofia da religião se apresentam polêmicos, e foram até aqui considerados historicamente, ainda que as vezes com algumas considerações valorativas.
Outros aspectos históricos poderão oportunamente vir a ser aduzidos, complementando o que foi feito até aqui, como introdução ao que vai ser discutido em seu mesmo conteúdo, pelo que resta tratar:
- existência de Deus (cap. 4-o) (vd 445), - natureza do verdadeiro Deus (cap. 5-o) (vd 493),O temário destes dois capítulos, quando abordado como um todo, leva a denominação de teologia natural, ou teodicéia. Depois se tratará do culto.
Fonte:
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
http://www.simpozio.ufsc.br/Port/1-enc/y-mega/mega-filosgeral/filosofia-religiao/7270y403.html#BM7270
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