J.Krishnamurti - No fim do Sofrimento está a Paixão - Washington, 1985 - Dublado - 2º Diàlogo
Sofrimento e Dor
Pergunta: Que é o sofrimento?
Krishnamurti: Investiguemos a questão. Existe a dor física, que gradualmente se converte em sofrimento mental, do qual a mente se serve para criar situações, (…) problemas. E há, também, o sofrimento que nos vem de não sermos amados suficientemente, isto é, da nossa necessidade de amor; e há o sofrimento ocasionado pela morte, quando amamos alguém e essa pessoa se vai para sempre; há o sofrimento causado pela frustração, (…) que resulta do sermos ambiciosos e não podermos alcançar o alvo (…); há sofrimento quando perdemos os nossos haveres, a nossa saúde. (Claridade na Ação, pág. 160-161)
(…) Quando vos tornais cônscio de que estais fechado, aprisionado, isso não é sofrimento? Não existe sofrimento quando estais cônscio de vós mesmo, de vossas batalhas, vossas lutas, vossas frustradas ambições? Quanto mais envolvido vos vedes nos conflitos do “eu”, tanto maior o vosso sofrimento. O sofrimento, por conseguinte, é uma reação do “eu”; e, para compreendermos bem o sofrimento, precisamos procurar compreender, na íntegra, o processo do “eu” (…) (Idem, pág. 161)
E qual é a finalidade da vida? Desejo mostrar-vos que, para preencherdes a vida, como eu a preenchi, deveis acolher alegremente em vossos corações toda experiência, quer agradável, quer desagradável, para que façais vossa vida completa (…) (A Finalidade da Vida, pág. 3)
Temeis o sofrimento, julgando-o terrível, humilhante. A experiência do sofrimento dá-vos força, força para vos sustentar na luta (…) Acolhei de todo o coração o sofrimento; não o rejeiteis; porque o sofrimento traz o perfume da compreensão, ele é o criador da afeição e vos põe numa harmonia imensa com a vida. A dor e o prazer, o mal e a virtude só têm significação quando determinamos o nosso alvo; (…) nos dá constantemente a ajuda de sua compreensão. (Idem, pág. 3-4)
A tristeza não purifica. Quando a mente que está estagnada, narcotizada, adormecida pelas crenças, peada pela limitações, é despertada pelo movimento da vida, a esse despertar chamamos sofrimento. Quando se perturba a nossa segurança pela ação da vida, a isso chamamos sofrimento. (Palestras no Chile e México, 1935, pág. 29-30)
(…) Porque sofreis, dizeis que procurais a felicidade; a busca da felicidade, portanto, é uma fuga ao sofrimento. Só pode haver felicidade quando cessa a causa do sofrimento; a felicidade é, pois, um elemento acessório, e não um fim em si. A causa do sofrimento é o “ego”, com o seu desejo de expansão, de vir a ser, de ser diferente do “que é”. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 205)
Desejais “progresso” e felicidade ao mesmo tempo, e aí é que está a dificuldade (…). Desejais a expansão do “ego”, mas sem o conflito e o sofrimento que inevitavelmente a acompanham. Temos medo de nos ver assim como somos; procuramos fugir da realidade e a essa fuga chamamos “progresso” ou busca da felicidade. (Idem, pág. 295)
(…) Conhecer a causa do sofrimento, e transcendê-la, significa encará-la, frente a frente, e não buscar refúgio em ideais ilusórios ou outras atividades do “ego”. A causa do sofrimento é a expansão do “ego”. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 206)
Quando não há o observador que sofre, o sofrimento está separado de vós? Vós sois o sofrimento. Não estais separado da dor, sois a dor. Que acontece, então? Já não lhe colocais um rótulo, já não lhe dais nome, varrendo-a assim para um lado; sois simplesmente aquela dor, aquele sofrimento, aquela agonia. Quando a sois, que acontece? (…) Se o centro está em relação com ela, está com medo dela. (…) Mas, se o centro é ela, que fazeis então? Não há nada que fazer, há? (…) Dizeis então que sofreis? Por certo, ocorreu uma transformação fundamental. Não há mais “eu sofro”, porque não há mais um centro para sofrer. (…) (A Primeira e Última Liberdade, pág. 167)
O problema, portanto, é este: podemos extinguir a tristeza, o sofrimento, pelo esforço, por um processo de pensamento? Compreendei que não me estou referindo por ora ao sofrimento fisiológico, à enfermidade dolorosa, mas, sim, ao sofrimento psicológico. (…) A dor física pode ser vencida pelo esforço, pelo investigar das causas da doença. Podem o sofrimento, a dor, a ansiedade, a frustração, os inúmeros males psicológicos ser vencidos pelo esforço, pelo pensamento? Temos, pois, em primeiro lugar, de indagar o que é sofrimento, o que é esforço, o que é pensamento. (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 79-80)
Que é, pois, o sofrimento? Não é o desejo de vir a ser, com todas as suas frustrações? O sofrimento não é resultado do nosso desejo de ser diferente do que somos? As ações baseadas nesse desejo não conduzem à desintegração, ao conflito, à interminável onda de confusão? Assim, a tristeza, o sofrimento, é o desejo de vir a ser (…) Ora, pode esse desejo de vir a ser (…) extinguir-se por meio do esforço? É o que tentamos fazer (…) (Idem, pág. 80)
(…) Eu sou isto e quero tornar-me aquilo. Essa mudança, esse movimento de mudar (…) chama-se esforço. (…) Mas o oposto é a continuação do que sou, sob forma diferente. Assim, pois, o oposto, no qual há sempre esforço, é a continuidade modificada do seu próprio oposto. (…) E pode o pensamento, (…) o processo do pensamento, pôr fim ao sofrimento? (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 80-81)
(…) Que é então que faz cessar o sofrimento? Quando compreendeis o processo do pensamento, (…) do esforço, (…) da memória, (…) quando estais cônscios desses três processos, que acontece então? (…) Não há justificar nem identificar. Estais simplesmente cônscios. (…) Agora, (…) sem os três processos a funcionarem no sentido de vencê-lo, sem condenação, vereis então que surge uma passividade vigilante, um percebimento passivo (…) Estais muito vigilante; (…) e nessa lucidez há perceptividade, quietude, tranqüilidade, observação livre de preconceito (…); e vereis, então, como o sofrimento chega ao fim. (…) (Idem, pág. 82)
O sofrimento perverte e deforma a mente. O sofrimento não é o caminho da Verdade, da Realidade, de Deus (…) Temos tentado enobrecê-lo, dizendo-o inevitável, necessário, alegando que traz a compreensão, etc. Mas a verdade é que, quanto mais intensamente uma pessoa sofre, tanto mais ansiosa se torna de fugir, de criar uma ilusão, de encontrar uma saída. Parece-me, pois, que a mente sã, saudável, deve compreender o sofrimento e ficar completamente livre dele. E isso é possível? (O Passo Decisivo, pág. 110)
Uma das causas principais do conflito é a existência de um centro, um ego, “eu”, resíduo de todas as lembranças, (…) experiências, (…) conhecimentos. E esse centro está sempre tratando de ajustar-se ao presente (…) Está sempre a traduzir tudo o que encontra nos termos daquilo que já conhece. (…) Por conseguinte, ele modifica o presente, (…) criando assim o futuro. E nesse processo do passado que traduz o presente e cria o futuro, se acha aprisionado o “eu”, o ego. (…) (O Passo Decisivo, pág. 112)
Assim, a fonte do conflito é o “experimentador” e a coisa que ele está “experimentando”. (…) Enquanto houver separação entre o pensador e pensamento, experimentador e coisa experimentada, observador e coisa observada, tem de haver conflito. Divisão é contradição. Ora, pode-se anular essa divisão ou separação, de modo que sejais o que vedes, (…) o que sentis? (Idem, pág. 112)
Que acontece quando vos tornais cônscios do conflito? Que acontece quando nessa intensidade de sofrimento vos tornais plenamente cônscios da batalha, da luta que vai prosseguindo? A maioria das pessoas desejam um alívio imediato (…) Querem pôr-se ao abrigo desse sofrimento e para isso acham vários meios de evasão (…) (Palestras em Ojai, 1934, pág. 14)
O sofrimento torna-nos conscientes desse conflito, e apesar disso, o sofrimento não levará o homem a essa plenitude, a essa riqueza, a esse êxtase da vida de que tenho falado, porque o sofrimento, no fim de tudo, só pode despertar a mente dando-lhe grande intensidade. E ao ficar a mente aguda, começa ela a interrogar o ambiente, as condições atuais, e nesse interrogar funciona a inteligência, e é somente a inteligência que há de levar o homem à plenitude da vida e à descoberta do significado da tristeza. (…) (Idem, pág. 14)
A inteligência começa a funcionar no momento em que se dá a agudeza do sofrimento, quando a mente e o coração não mais se evadem (…) Se cuidadosamente observardes, sem preconceito, vereis que, enquanto existir um meio de fuga, não tereis solucionado, (…) defrontado face a face o conflito, e, portanto, o vosso sofrimento é apenas acúmulo de ignorância. (…) (Idem, pág. 14-15)
Há sofrimento em nossas relações com outrem. Ele é criado por uma ânsia interna de conforto, de segurança, de posse. Depois há esse sofrimento criado pela profunda incerteza que nos propele a procurar a paz, a segurança, a realidade, Deus. Ansiando pela certeza, inventamos muitas teorias, criamos muitas crenças, e a mente fica limitada e enredada nas suas malhas, (…) e por isso é incapaz de se ajustar ao movimento da vida. (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 52-53)
No entanto, o pensamento é incapaz de curar a dor do sofrimento. Apesar dos esforços em racionalizá-lo, a dor não cede jamais. (…) Estranho como o amor, o sofrimento, porém, é um impedimento ao amor. (…) O sofrimento é autocompaixão, seguida de ansiedade, de medo e do sentimento de culpa; mas, o pensamento é incapaz de libertar-nos de tudo isso, pois ele cria o pensador, gerando o sofrer. Mas, ao libertar-se o homem do passado, finda o sofrimento. (Diário de Krishnamurti, pág. 191)
O sofrimento está enraizado na autocompaixão. Para se compreender o sofrimento, torna-se necessária uma impiedosa “operação” da autocompaixão. Não sei se já observastes como tendes pena de vós mesmos, ao dizerdes: “Estou sozinho no mundo.” No momento em que há autocompaixão, está preparado o solo em que o sofrimento lançará suas raízes. (…) (A Mente sem Medo, 1ª ed., pág. 91)
(…) Assim, para que um homem possa compreender o sofrimento, deverá começar livrando-se dessa brutal e egocêntrica trivialidade que é a pena de si mesmo. Podeis sentir autocompaixão por motivo de doença, a morte de alguém que vos era caro, ou por não vos terdes realizado e, por conseguinte, vos sentirdes frustrado, embotado, mas, não importa qual seja a sua causa, a autocompaixão é a raiz do sofrimento. (…) (Idem, pág.91-92)
Dizemos que o sofrimento faz parte do amor. Que, quando se ama alguém, isso gera sofrimento. Perguntamo-nos se é possível ficar livre de todo sofrimento. Quando a consciência do ser humano está livre do sofrimento, essa liberdade produz uma transformação que afeta todo o sofrimento da humanidade. Isso é parte da compaixão. (La Totalidad de la Vida, pág. 181)
Quando há sofrimento, vocês não podem amar. Essa é uma verdade, uma lei. Quando amamos alguém e ela ou ele faz alguma coisa que desaprovamos totalmente e por isso sofremos, tal coisa demonstra que não amamos. (…) Tornamo-nos iracundos, ciumentos, invejosos, nos enchemos de ódio; ao mesmo tempo dizemos: “Eu amo (…)! Um amor semelhante não é amor. É possível, então, não sofrer e, no entanto, experimentar o florescimento de um imenso amor? (Idem, pág. 181)
Qual é a natureza e a essência do sofrimento? (…) Não é o sofrimento a expressão total, nesse instante, de uma existência completamente egocêntrica? A essência do sofrimento é a essência do “eu” (…) do ego, a pessoa, o limitado, o encerrado, a existência que resiste, a qual chamamos “eu”. (…) Se não houvesse um “eu”, haveria sofrimento? O indivíduo ajudaria, faria toda classe de coisas, porém não sofreria. (…) (Idem, pág. 181)
O sofrimento é a expressão do “eu”; ele inclui a autocompaixão, o isolamento, o tratar de escapar, (…) de estar com o outro que se há dito - e tudo o mais que isso implica. O sofrimento é o próprio “eu”, que é a imagem, o conhecimento, a recordação do passado. Que relação tem, pois, o sofrimento, a essência do “eu”, com o amor? Há alguma relação entre o amor e o sofrimento? O “eu” é produzido pelo pensamento, porém o amor resulta do pensamento? (Idem, pág. 181-182)
É o amor produzido pelo pensamento? - as recordações de dores, de deleites e a persecução do prazer, sexual ou de outra classe, de possuir alguém e de alguém que deseja ser possuído - tudo isso é a estrutura do pensamento. O “eu” com seu nome, sua forma, sua memória, é produzido pelo pensamento. (…) Mas,
se o amor não é produzido pelo pensamento, então o sofrimento não tem relação alguma com o amor. Portanto, a ação que surge do amor é diferente da ação que provém do sofrimento. (La Totalidad de la Vida, pág. 182)
Que lugar ocupa o pensamento em relação ao amor e (…) ao sofrimento? Ter discernimento nisso implica que não se está fugindo (…) desejando bem-estar, não se tem medo de ficar só, isolado; significa, pois, que a mente é livre, e o que é livre está vazio. Se vocês têm esse vazio, penetram inteligentemente no sofrimento e então o sofrimento desaparece. Há uma ação instantânea, porque isso é assim; a ação surge então do amor, não provém do sofrimento. (Idem, pág. 182)
Quando a mente compreende a natureza do tempo e do pensamento, quando desarraigou a autocompaixão, a sentimentalidade, o emocionalismo, etc., então o pensamento - que criou toda essa complexidade - termina, e o tempo não mais existe; por conseguinte, ficais direta e intimamente em contato com essa coisa a que chamais sofrimento. (…) (A Mente sem Medo, 1ª ed., pág. 93)
(…) O sofrimento só se conserva
quando há fuga dele, quando há desejo
de fugir-lhe ou de divinizá-lo.
Mas quando não houver nada disso, por estar a mente em direto contato com o sofrimento e, por conseguinte, completamente silenciosa em relação a ele, descobrireis, então, por vós mesmos, que ela se libertou de todo o sofrimento. (…) (A Mente sem Medo, 1ª ed., pág. 93)
(…) Desde que a mente esteja inteiramente em contato com o sofrimento, esse fato, por si só, dissolve todas as qualidades geradoras de sofrimento, inerentes ao tempo e ao pensamento. Por conseguinte, estará terminado o sofrimento. (Idem, pág. 93)
Ora, se ao enfrentar o sofrimento a mente tem um motivo, isto é, se deseja fazer algo a respeito do sofrimento, não é possível compreendê-lo, assim como também não é possível haver amor, se há motivo para amar. (…) Isto é, suponhamos que eu tenha perdido alguém, por morte; profundamente, psicologicamente, já não posso obter o que essa pessoa desejava, e vejo-me a sofrer. Se nenhum motivo tenho, ao olhar o sofrimento, ele é ainda sofrimento, ou coisa totalmente diferente? (…) (Experimente um Novo Caminho, pág. 78)
Digamos que meu filho morre, e eu estou a sofrer porque me vejo só. Nele eu depositava todas as minhas esperanças e, agora, todo o meu mundo desabou. (…) Por certo, não deve haver motivo algum, se desejo compreender o sofrimento, (…) descobrir a profundeza plena e a significação do sofrimento - ou do amor, pois os dois andam sempre juntos. A morte, o amor e o sofrimento são inseparáveis, (…) e também os acompanha a criação; (…) Só posso viver com o fato e compreendê-lo, quando nenhum motivo tenho. (…) (Idem, pág. 78-79)
(…) E se, passo a passo, examinardes bem o fato, vereis que há um findar do sofrimento - um findar real, e não simplesmente verbal, não o findar superficial, resultante de fuga, de identificação com um conceito ou devotamento a uma idéia. Vereis que nada há para proteger, porquanto a mente está toda vazia e já não reage no sentido de preencher o seu vazio; e quando assim o sofrimento termina completamente, tereis encetado outra jornada. (…) Existe uma imensidade que ultrapassa todas as medidas, mas nesse mundo não ingressareis sem a prévia e total extinção do sofrimento. (Idem, pág. 80)
Conhecemos o sofrimento em níveis diferentes. (…) O sofrimento físico, a dor física, o sofrimento causado pela morte, o sofrimento que vem quando não há satisfação, o sofrimento resultante de um estado de vazio, o sofrimento causado pela não satisfação da ambição (…) Conhecemos (…), igualmente, as várias vias de fuga: bebida, ritos, recitação de palavras, observância da tradição, a expectativa do futuro, de dias melhores (…) Afastais o sofrimento com explicações; a explicação tem para vós maior importância do que a profundeza, o significado, a vitalidade do sofrimento. (…) (Quando o Pensamento Cessa, pág. 113)
Vós, pois, sois o criador do sofrimento; sois a entidade que sofre, e não estais separado do sofrimento, da dor. Enquanto houver separação entre vós e o sofrimento, só haverá compreensão parcial (…); o que significa que tendes de abandonar todas as explicações prévias; (…) que vos vedes frente a frente, não como dois processos, separados, mas como um processo uno, como a coisa a que chamais sofrimento. Quando realmente amais, não existe barreira alguma; há então comunhão. (…) Não existe identificação no amor. Ele é apenas um “estado de ser” (Idem, pág. 115)
Enquanto o desejo não for plenamente compreendido, assimilado, tem de haver sofrimento; (…) A razão não pode dissolver o sofrimento, (…) o desejo. Por conseguinte, é necessário compreender o problema no seu todo, mas não por dedução, por raciocínio, mas pelo percebimento integral da coisa, o que significa amar deveras o problema, (…) o sofrimento. (…) Quando amais, não há identificação, mas, sim, comunhão; (…) (Idem, pág. 117)
Outra coisa desastrosa que fazemos é buscar o conforto: não apenas conforto físico, mas também conforto psicológico. Desejamos abrigar-nos numa idéia, e quando essa idéia falha, ficamos desesperados (…) gera sofrimento. A questão, pois, é esta: Pode a mente viver, funcionar, existir sem abrigo, sem nenhum refúgio? Pode um homem viver, dia a dia, enfrentando cada fato que surge e nunca buscar refúgio; enfrentando “o que é” a todas as horas, todos os minutos do dia? Porque então, penso eu, descobriremos que não só o sofrimento termina, mas também a mente se torna sobremodo simples e clara, apta a perceber diretamente, sem ajuda das palavras, do símbolo. (O Passo Decisivo, pág. 166)
Da última vez (…) Esta manhã desejo falar sobre a terminação do sofrimento; porque o medo, o sofrimento e aquilo que chamamos amor, andam sempre juntos. Se não compreendemos o medo, não podemos compreender o sofrimento, nem tampouco (…) aquele estado de amor no qual não existe contradição nem atrito. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 178)
Através dos séculos, o amor e o sofrimento sempre andaram de mãos dadas, predominando ora um, ora outro. Aquele estado a que chamamos “amor” depressa passa e de novo nos vemos enredados em nossos ciúmes, (…) vaidade (…) temores, (…) angústias. Sempre houve essa batalha entre o amor e o sofrimento; (…) (Idem, pág. 178)
Ora, a menos que compreendamos a paixão, acho que não seremos capazes de compreender o sofrimento. A paixão é algo que mui poucos de nós realmente já experimentaram. (…) Nossa paixão é sempre por alguma coisa: pela música, (…) pintura, (…) literatura, por um país por uma mulher ou um homem; é sempre o efeito de uma causa. (…) (Idem, pág. 179)
(…) Quando vos apaixonais por alguém, sempre ficais num estado de grande emoção, o qual é o efeito daquela causa. Mas a paixão de que falo é paixão sem causa: é estar apaixonado por tudo, e não simplesmente por certa coisa; (…) (Idem, pág. 179)
Acho que o terminar do sofrimento depende da intensidade da paixão. Só pode haver paixão, quando há total abandono do “eu”. Nunca pode uma pessoa “apaixonar-se” se não houver a completa ausência disso que chamamos “pensamento”. Como vimos outro dia, o que chamamos pensamento é a reação de vários padrões e experiências da memória, e onde existe essa reação condicionada não há paixão, não há intensidade. Só pode haver intensidade com a completa ausência do “eu”. (O Homem e seus Desejos em Conflito, pág. 181-182)
Terminar o sofrimento é enfrentar o fato de nossa própria solidão, de nosso apego, de nossas pequenas exigências de fama, nossa fome de ser amados; é estar livre do interesse egocêntrico e da puerilidade da autocompaixão. E, depois de ter ultrapassado tudo isso, e, talvez, de ter terminado o próprio sofrimento pessoal, resta ainda o imenso sofrer coletivo, o sofrer do mundo. Uma pessoa pode pôr fim a seu próprio sofrimento, enfrentando em si própria o fato e a causa do sofrimento. (Idem, pág. 183)
Mas, uma vez terminado tudo isso, há ainda o sofrimento que vem da extraordinária ignorância existente no mundo - ignorância que não é falta de instrução, de conhecimentos tirados dos livros, porém a ignorância que o homem tem de si próprio. A falta de compreensão própria é a essência da ignorância, causadora do imenso sofrimento existente no mundo inteiro. (Idem, pág. 183)
Existe uma energia capaz de produzir essa unidade, essa unificação da humanidade? Dizemos que essa energia é gerada na meditação, porque na meditação não há centro. O centro é criado pelo pensamento, porém ocorre alguma outra coisa por completo diferente, que é a compaixão. Esse é o fator de unificação da humanidade (…) (La Verdad y la Realidad, pág. 238)
Isso só pode ocorrer quando não há centro, sendo o centro aquilo que foi criado pelo pensamento (…) Há só um fator, que é o sentimento de grande compaixão. E essa compaixão existe quando compreendemos a plena amplitude e profundidade do sofrimento. Por isso é que temos falado muito do sofrimento - não só o sofrimento de um ser humano, senão do sofrimento coletivo da humanidade (…) (Idem, pág. 238)
Para discernir o processo do sofrimento, cada qual deve compreender-se a si mesmo. O compreender-se a si mesmo é uma das mais difíceis tarefas (…), exige o mais ingente dos esforços, uma vigilância constante (…) Temos mais oportunidade para dissipar as nossas energias em divertimentos absurdos, conversas fúteis e finalidade vãs (…) (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 74)
É bem perceptível o processo do sofrimento, o que nós entes humanos temos sofrido, por todo este mundo - guerras, incertezas, falta de relações, falta de amor. E, faltando-nos amor, o prazer assume toda a importância. Não só existe essa espécie de sofrimento, mas há também (…) o sofrimento causado pela ignorância.
Há ignorância, mesmo quando somos bem ilustrados, dotados de vasta cultura e experiência, das aptidões com que se ganha fama, notoriedade (…) A ignorância não se dissipa com o acumular fatos e informações: isso o computador pode fazer muito melhor (…) Essa ignorância engendra toda espécie de superstição, perpetua o medo, gera a esperança e o desespero e todas as invenções e teorias da mente astuciosa. (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 138-139)
A autocompaixão é um
dos elementos do sofrimento.
Outro elemento é estar apegado a alguém e estimular ou nutrir nessa pessoa apegado a vós. O sofrimento não vem apenas quando o apego nos trai, mas sua semente já se encontra bem no início do apego. Em tudo isso, o mal é a total falta de autoconhecimento. Conhecer a si próprio é pôr fim ao sofrimento. (…) (A Luz que não se Apaga, pág. 98)
(…) Pôr fim ao sofrimento é ver o fato, e não inventar o seu oposto, já que os opostos se contêm mutuamente. Percorrer a galeria de opostos é sofrimento. Essa fragmentação da vida em “alto” e “baixo” e “ignóbil”, “Deus” e “Demônio”, gera conflito e dor. Quando há sofrimento, não há amor.
O amor e o sofrimento são incompatíveis.
(Idem, pág. 99)
Todos conhecemos a dor física que provém de uma má saúde, enfermidade. (…) O pensamento, refletindo acerca da dor passada, projeta a dor futura e, portanto, teme o futuro. Assim é que, quando sobrevém a dor física, vivam com ela e terminem com ela - não a levem consigo. Se não se puser fim a ela instantaneamente, aparece o temor (…) Para terminar com a dor, o indivíduo deve viver com ela, não dizer: “Como posso escapar dela?” (…) Quando experimentam dor, podem viver com ela sem autocompaixão e sem lamentações? (…) É o pensamento que a transporta; (…) Significa estar por completo alerta (…)
(El Despertar de la Inteligencia, II, pág. 148)
(…) Existe uma relação entre a paixão e a dor? (…) Há tal coisa como a dor sem causa? Nós conhecemos a dor que é causa e efeito. Morreu meu filho; nisso está envolvida minha identificação com o filho (…) Nisso há autocompaixão, medo. (…) Nisso há uma pena que é a causa de minha dor. (…) (Tradición y Revolución, pág. 13)
(…) Há amor quando não existe
o movimento para escapar da dor.
A paixão é a chama da dor, e
essa chama só pode despertar
quando não há fuga nem resistência.
Isso significa que a dor não tem em si
a qualidade da divisão.
(Idem, pág. 15)
(…) É então possível dar fim a essa dor? Porque se a dor não termina, não há amor, não há compaixão. (…) Quem lhes fala sustenta que há uma cessação para a dor, (…) total; (…) A cessação da dor, do sofrimento, implica o começo do amor (…) Quando perguntam “como?”, o que desejam é um sistema, um método, um processo. (…)
(La Llama de la Atención, pág. 46-47)
Já discorremos (…) Como disse outro dia, o amor, o sofrimento e a morte “andam juntos”, são inseparáveis. Isso não é mero conceito filosófico (…) Mas, se penetrardes em vós mesmos muito profundamente, vereis que o amor não pode ser separado do sofrimento e o sofrimento não pode ser separado da morte, pois os três, na realidade, são um só todo. Também não há nenhuma possibilidade de se compreender a beleza e a imensidão da morte, se existir qualquer vestígio de medo. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 190)
Pois bem, (…) O sofrimento não pode ser compreendido se fugimos dele, mas, sim, quando o amamos e compreendemos. (…) Compreendeis vossa esposa quando a amais, compreendeis o vosso próximo quando o amais - o que não significa deixar-se arrebatar pela palavra “amor”. A maioria de nós foge ao sofrimento por meio dos inúmeros artifícios da mente. O sofrimento só pode ser compreendido quando estamos frente a frente com ele.
(A Arte da Libertação, pág. 35-36)
E disso que desejo tratar (…) Como entes humanos, (…) temos a possibilidade de descobrir por nós mesmos uma diferente maneira de viver, de pensar, de agir? Para a descobrirmos, devemos primeiramente investigar as verdadeiras condições em que (…) estamos vivendo presentemente; (…) E, não só devemos tornar-nos cônscios disso, mas também tratar de pôr fim ao sofrimento; porque a mente que sofre não pode pensar claramente, ver com clareza. O findar do sofrimento é o começo da sabedoria, e só da sabedoria é possível nascer o que é novo.
(O Descobrimento do Amor, pág. 151)
Enquanto o pensamento estiver todo interessado na sua própria melhoria, sua própria transformação, seu próprio progresso, tem de haver conflito e contradição. (…) Compreender-se a si mesmo, por conseguinte, é mais importante do que saber a maneira de dominar o sofrimento e o conflito.
(…) Para se compreender o sofrimento, têm de cessar todas as fugas, porque só então estamos aptos a olhar-nos de frente, na ação; compreendendo-vos a vós mesmos, na ação, que é relação, encontrareis uma maneira de libertar o pensamento, completamente, de todo conflito e de viver num estado de felicidade, de realidade.
(A Arte da Libertação, pág. 193)
Krishnamurti: Compaixão. É ela o resultado da terminação da dor universal?
Interlocutor: Dor universal? Você diz, a terminação da dor. Agora você está falando da pessoa que vive na dor.
Krishnamurti: Sim.
(La Totalidad de la Vida, pág. 124-125)
Interlocutor: E nessa pessoa chega ao fim essa dor universal? É o que você sugere?
Krishnamurti: Mais que isso.
Interlocutor: Mais que isso? Bem, (…) porque se um indivíduo diz: “A terminação da dor universal”, o que causa perplexidade é o afirmar que essa dor continua existindo, entende?
Krishnamurti: Eh (…)? (Idem, pág. 125)Interlocutor: De modo que, em certo sentido, a dor universal termina, porém em outro sentido persiste.
Krishnamurti: Sim, assim é.
Interlocutor: Podemos dizer que, se um indivíduo tem um discernimento, uma penetração lúcida e profunda da essência da dor, da dor universal, então a dor termina nesse discernimento? É isso o que você quer dizer?
Krishnamurti: Sim, correto. (Idem, pág. 125)
Krishnamurti: Você perdeu a dor do pensamento.
Interlocutor: Correto. A dor do pensamento passou, porém há uma dor mais profunda.
Krishnamurti: (…) Eu digo: Há uma compaixão que não esteja relacionada com o pensamento? Ou, dito de outro modo: Essa compaixão nasce da dor? (La Totalidad da la Vida, pág. 125)
Interlocutor: Nascer da dor (…)
Krishnamurti: Nascer no sentido de que, quando a dor acaba, há compaixão.