segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

DE COPÉRNICO A KEPLER




 
COPÉRNICO E KEPLER:
COMO A TERRA SAIU DO CENTRO DO UNIVERSO
Geraldo Monteiro Sigaud


O objetivo primordial da Ciência – na verdade, talvez seu
único objetivo – é a busca de compreensão da Natureza. Esta
compreensão – ou conhecimento da Natureza – é considerada
satisfatória quando se descobrem, em meio à diversidade de fen
ômenos observados, certas regularidades, certos padrões de
comportamento. Estas regularidades são por nós chamadas de
Leis da Natureza.

O extraordinário nisso é que, em primeiro lugar,
estas regularidades existam e, segundo, que nós tenhamos
sido capazes de descobrir pelo menos algumas delas, em meio
à absolutamente fantástica complexidade do mundo em que vivemos.
E eu não estou falando da complexidade por nós introduzida
através do desenvolvimento tecnológico que nos deu
essa parafernália de objetos que tornam nossa vida hoje mais
confortável. Estou, sim, me referindo à natureza sem a interven-
ção dos seres humanos. Todos os fenômenos naturais que observamos
apresentam uma complexidade extraordinária, desde
uma simples brisa até o mais forte dos temporais, desde o movimento
das asas de uma borboleta até o movimento das estrelas
e galáxias.

O fato de termos conseguido descobrir padrões ordenados
e, muitas vezes, universais de comportamento para
grupos de fenômenos naturais aparentemente tão desordenados
e desconectados entre si é certamente motivo de satisfação
e orgulho – positivo, é claro...
Gostaria, aqui, de enfatizar a observação como base fundamental
de toda a ciência. Por observação entendo eu não só a
observação de fenômenos naturais que ocorrem sem a interven-
ção direta do homem, mas, também, principalmente nos últimos
séculos, aquela provocada por nós por meio da realização de
experiências. É importante também que não nos esqueçamos
do caráter sensitivo embutido na atitude observacional.

De fato,a ampliação das possibilidades de observação, que tem, ao longo
dos séculos, permitido um grande número de novas descobertas
e, conseqüentemente, servido de base experimental para
o desenvolvimento de novas teorias científicas abrangentes,
nada mais é do que uma extensão dos nossos sentidos naturais:
telescópios, microscópios, detectores de radiação, de partículas,
etc. Em paralelo, é claro, com a disponibilidade de aparatos
e equipamentos provocadores de fenômenos novos de forma
tão sistemática e repetitiva quanto for necessário, tais como aceleradores
de partículas, simuladores, novos materiais, novos
produtos químicos e biológicos, etc. A lista é infindável.
Entretanto, nessa busca pelo conhecimento, não basta observar
os fenômenos, sejam eles naturais ou provocados.

É absolutamente necessário que o observado, natural ou sistematicamente,
seja sintetizado de alguma forma em regras gerais, ou
teorias. Este tem sido, em última análise, o papel de quem tem
trabalhado em ciência ao longo destes 2.500 anos desde a Gré-
cia Antiga. Entretanto, este trabalho de síntese do já-observado
tem, em toda a História da Ciência, sofrido alguns cortes fundamentais,
realizados por cientistas de gênio, que conseguiram,
com base em teorias existentes, muitas vezes sobre assuntos
aparentemente desconectados entre si, dar passos gigantescos
em direção ao novo, revolucionando não só a ciência como tamb
ém as próprias idéias da humanidade.

Antes disso, porém, gostaria de ressaltar que é preciso não
esquecer que nenhum dos cortes fundamentais ocorridos na
ciência partiu do nada. Ela é construída sobre bases desenvolvidas
anteriormente, cada nova teoria, mesmo revolucionária,
abrangendo as anteriormente aceitas. Como afirma Thomas
Kuhn: “teorias obsoletas não são acientíficas em princípio, simplesmente
porque foram descartadas”. Este conceito de cumulatividade
da ciência é de fundamental importância; a rigor, são
mais importantes para nossa perspectiva atual as contribuições
permanentes de uma ciência desenvolvida anteriormente a nós,
do que tentar restringi-las à sua época, mesmo respeitando-se
sua integridade histórica.

Costuma-se localizar o início da moderna busca da verdade
científica em Galileu e a introdução do método científico. Não
há nenhuma dúvida de que Galileu foi o grande pai da ciência
como a conhecemos – e fazemos – hoje e ele estará presente
neste ciclo de palestras mais adiante. Entretanto, vamos tratar
aqui de dois outros desses gigantes, Copérnico e Kepler, dois
pilares que ajudaram a construir uma visão mais racional da natureza,
que conseguiu livrar a humanidade de superstições ancestrais
e dos medos irracionais que muitos fenômenos naturais
despertavam no ser humano primitivo.

Mas, para que possamos nos situar convenientemente no
contexto dos nossos personagens principais, será necessário
pular no tempo cerca de 2.000 anos para trás de suas épocas e
discutir brevemente aquele que talvez tenha sido o primeiro corte
na tentativa de compreensão da natureza. Sim, porque foi na
Grécia Antiga, principalmente com Aristóteles, que o que nós
conhecemos hoje como ciência deu seus primeiros passos.
Para um ser humano livre da avalanche tecnológica, da polui
ção atmosférica e luminosa e dos arranha-céus das grandes
cidades atuais – como os gregos antigos, por exemplo – a natureza
se impõe primeiramente pelo magnífico espetáculo cujo
palco é o céu: as danças do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas.
Assim, vamos começar apresentando alguns fenômenos
astronômicos da perspectiva de uma pessoa na superfície da
Terra.

Imaginemos estar de pé no meio de uma planície. A Terra
se apresenta para nós como um disco, aproximadamente plano,
se não levarmos em conta a topografia local, e limitado por uma
circunferência, que chamamos de horizonte. No horizonte, a Terra
“se encontra” com a abóbada celeste que é azul durante o dia
e preta à noite, pontilhada de pontos brilhantes. Todos os astros
visíveis parecem estar ligados à abóbada celeste. Alguns deles,
como o Sol e a Lua, têm diâmetros apreciáveis a olho nu; outros
– os planetas – quando vistos através de um bom binóculo, têm
aparência de discos, nem sempre perfeitos. No entanto, a imensa
maioria dos astros visíveis aparece sempre como pontos brilhantes,
qualquer que seja o meio de observação: são as estrelas.
Entretanto, vários fenômenos – como, por exemplo, o desaparecimento
progressivo de um navio que se afasta da costa –
mostram que a Terra é uma esfera e não um disco. Assim, cada
observador tem o seu próprio horizonte e vê sua própria abóbada
celeste.

Embora o movimento do Sol seja o mais óbvio para nós, vamos
começar estudando o movimento aparente das estrelas,
por ser o mais simples. As estrelas, visíveis somente à noite, aparecem
para nós como pontos brilhantes. A distância entre duas
estrelas quaisquer é, para nós, constante. Isso significa que a
configuração das estrelas na esfera celeste é fixa. Uma outra
conseqüência é que alguns grupos de estrelas aparentemente
vizinhas desenham no céu figuras também fixas, algumas delas
facilmente reconhecíveis: as constelações, como o Cruzeiro do
Sul, por exemplo. Se observarmos a olho nu – ou, melhor ainda,
através de uma máquina fotográfica – o céu noturno durante vá-
rias horas em direção ao Sul, com um ângulo de cerca de 30o
acima do horizonte, veremos a trajetória aparente das estrelas,
como arcos de circunferência, todos eles centrados no mesmo
ponto da esfera celeste: o pólo Sul celeste. Assim, as estrelas
parecem girar em bloco em torno de um eixo – o eixo Norte-Sul –
da esfera celeste, seguindo sempre a mesma trajetória no espa-
ço, nascendo a Leste e se pondo a Oeste.

Como as estrelas, o Sol nasce sempre a Leste e se põe a
Oeste. Entretanto, ao contrário das estrelas, o Sol não nasce
nem se põe sempre no mesmo ponto; na verdade, sua trajetória
no céu não é fixa, variando ao longo do ano. A trajetória mais ao
Sul corresponde ao solstício de verão (22 de dezembro), a mais
ao Norte ao solstício de inverno (22 de junho) e a que fica exatamente
entre essas duas corresponde aos equinócios de outono
(22 de março) e de primavera (23 de setembro).
Além disso, em conseqüência do deslocamento de sua trajet
ória, o Sol não ocupa uma posição fixa em relação às estrelas
na esfera celeste. De fato, ao longo do ano, pode-se observar facilmente
que o Sol passa por algumas constelações particulares,
permanecendo cerca de um mês em cada uma delas: são
as chamadas constelações zodiacais, tão importantes para a
Astrologia.

Se representarmos as posições sucessivas do Sol na esfera
celeste, dia após dia ao longo do ano, descobriremos que o
Sol descreve um círculo maior dessa esfera: a eclíptica. O Sol é
o mais óbvio dos corpos celestes que não compartilham da simplicidade
do movimento em bloco das estrelas. Os outros são a Lua e os planetas.

O movimento aparente da Lua é semelhante ao do Sol, nascendo
a Leste e se pondo a Oeste. Entretanto, o deslocamento
da Lua em relação às estrelas é muito mais rápido de que o do
Sol; podemos vê-la se deslocando de uma constelação para outra
durante uma noite. Entretanto, a Lua não se afasta muito da
eclíptica, no máximo 5o para cada lado. A Lua apresenta um tra-
ço característico que é a mudança do seu aspecto ao longo de
um mês: são as chamadas fases da Lua.

Há cinco planetas visíveis a olho nu: Mercúrio, Vênus, Marte,
Júpiter e Saturno. Para um principiante, é muito difícil diferenciar
os planetas das estrelas, já que, a olho nu, os planetas tamb
ém aparecem na esfera celeste como pontos brilhantes. No entanto,
observações repetidas noite após noite mostram que alguns
desses pontos brilhantes se deslocam com relação às estrelas
fixas: são os cinco planetas. Existe, entretanto, um fenô-
meno característico que diferencia o movimento dos planetas de
todos os outros corpos celestes: é o chamado movimento retró-
grado. Seja Marte, por exemplo. Noite após noite, vemos o planeta
se deslocar para Leste, passando pelas constelações das
estrelas fixas: este é o seu movimento normal. Entretanto chega
um momento em que o movimento para Leste diminui de velocidade
até parar; em seguida, o planeta começa a se deslocar
para Oeste, isto é, no mesmo sentido do movimento diurno das
estrelas. Para Marte, este movimento retrógrado dura aproximadamente
um mês e meio, depois do qual o planeta desacelera
novamente, pára e volta ao seu movimento normal para Leste.
Todos os planetas apresentam esse tipo de movimento, mas
com períodos diferentes. Além disso, as trajetórias dos planetas
se mantêm sempre próximas à eclíptica (a ordem na figura é Saturno,
Marte e Mercúrio).

Até agora, o comportamento dos planetas parece apresentar
um padrão comum. Há, no entanto, um aspecto particular de
seu movimento, que permite dividir o conjunto dos cinco planetas
em dois grupos. No primeiro grupo, estão Mercúrio e Vênus,
chamados de planetas inferiores. Eles se distinguem dos demais
por permanecerem sempre próximos ao Sol. Vênus é muito
mais fácil de se observar do que Mercúrio, já que é o objeto
mais brilhante do céu, depois do Sol e da Lua, é claro. Quando
Vênus se encontra a Leste do Sol, ele “segue” o Sol em sua trajet
ória, tornando-se visível logo depois que o Sol se põe. O movimento
retrógrado do planeta leva Vênus para o Oeste do Sol,
precedendo-o no seu movimento diurno; nesse caso, Vênus
aparece antes do nascer do Sol.

Os outros três planetas – Marte, Júpiter e Saturno – formam
o grupo dos planetas superiores, que se distinguem dos inferiores
por poderem ser encontrados em qualquer posição com rela
ção ao Sol: tanto em conjunção (afastamento angular próximo
a 0°) quanto em oposição (afastamento angular próximo a 180°).
Essa é, portanto, uma breve revisão de fatos ou fenômenos
astronômicos que podem ser observados.
Embora a Astronomia tenha provavelmente nascido na Babil
ônia, dois a três mil anos antes de Cristo, a cosmologia cientí-
fica, isto é, a procura de uma teoria para explicar o movimento
aparente dos corpos celestes iniciou-se na Grécia há cerca de
2.500 anos; foi lá que se estabeleceu que a observação da natureza
era o estágio inicial de qualquer tentativa para sua
compreensão.

Na Grécia do poeta Homero (século IX a.C.), imaginava-se
que a Terra fosse um gigantesco disco, flutuando sobre as
águas do imenso Oceano. Apesar de acreditar nesta concepção
do mundo, o filósofo Tales de Mileto (cerca de 624-546 a.C.) – introdutor
da geometria abstrata – foi um dos primeiros pensadores
a questioná-la racionalmente, ao colocar de lado as explica-
ções mitológicas. Ele buscou saber como o universo fora criado
e qual a matéria fundamental do cosmos. Outro filósofo também
de Mileto, Anaximandro (611-547 a.C.), concebeu um universo
infinito em extensão e duração, constituído por uma matéria indestrut
ível e eterna. O céu seria composto por várias camadas
esféricas, uma para cada corpo celeste; as esferas teriam orifí-
cios, que seriam o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas, sendo
possível, através deles, visualizar o fogo cósmico que encheria
os espaços entre as camadas. Este foi, de fato, o primeiro modelo
mecânico do universo. Um seu discípulo, Anaxímenes
(550-480 a.C.), simplificou esse universo, sugerindo que as estrelas
se encontravam presas a uma esfera transparente de material
cristalino. Estas esferas de cristal pareceram uma idéia tão
boa, que dominaram a cosmologia até o inicio do século XVI.

Quem primeiro tentou explicar o movimento aparente do
Sol e dos planetas pela combinação de dois movimentos circulares
uniformes ao redor da Terra foi o filósofo grego Pitágoras
de Samos (cerca de 560-480 a.C.). Pitágoras e seus discípulos
acreditavam que os movimentos reais dos corpos celestes poderiam
ser descritos por meio de relações matemáticas, expressas
como intervalos musicais. Assim, o intervalo musical entre a
Terra e a Lua era de um tom, da Lua a Mercúrio e deste a Vênus,
um meio-tom, de Vênus ao Sol, uma terça menor, e assim por
diante. Segundo a lenda, só Pitágoras podia ouvir a “Música das
Esferas”. Esta visão do cosmos pitagórico de uma “Harmonia
das Esferas” que governaria o movimento dos astros, nunca perdeu
o seu encanto. Por meio do poema épico Paraíso Perdido
do poeta inglês John Milton (1608-1674), ela chegou até os nossos
dias. Voltaremos a ela mais tarde.

Anaxágoras (cerca de 500-428 a.C.), filósofo grego que talvez
tenha sido dos primeiros a introduzir a idéia de átomo como
uma partícula básica da qual toda a matéria é constituída, resumiu
a importância dada pelos gregos à observação com a frase:
“Eu nasci para poder contemplar as obras da natureza”. Este
mesmo Anaxágoras foi banido de Atenas por ter afirmado que o
Sol era uma pedra de fogo maior do que o Peloponeso, uma pen
ínsula no Sul da Grécia do tamanho de Sergipe.

Foi o filósofo grego Platão (427-347 a.C.) quem primeiro estabeleceu
uma hierarquia para o cosmos. Assim, a criação do
universo teria sido determinada inicialmente pelas idéias, emseguida
pelos números, que deram origem aos cinco sólidos geom
étricos perfeitos (tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro)
e, finalmente, os quatro elementos sugeridos por Empé-
docles: fogo, ar, água, terra. Platão concordava com o modelo
pitagórico; sendo assim, ele julgava que o único movimento
possível para os corpos celestes era o circular uniforme, por ser
perfeito e regular. Tais círculos estariam centrados na Terra, que
estaria imóvel no centro do universo. Esta é uma idéia de origem
metafísica, pois se baseia na suposição de que tudo o que está
no cosmos é necessariamente perfeito e imutável. Devido à
crença nessa imutabilidade do cosmos, a filosofia de Platão acabou
expressando a idéia de que era necessário “salvar as apar
ências” dos fenômenos observados por meio de raciocínios
geométricos que os descrevessem.

A primeira tentativa de “salvar as aparências” foi feita por
um discípulo de Platão, Eudoxo de Cnide (408-355 a.C.), que desenvolveu
um modelo mecânico extremamente engenhoso para
o movimento dos planetas, do Sol e da Lua: o sistema das esferas
homocêntricas (ou concêntricas). Nesse sistema, a esfera
das estrelas fixas – chamada de inerrante – girava uniformemente
de Leste para Oeste ao redor do eixo do mundo, completando
uma volta em aproximadamente 24 horas. O sistema era mais
complicado para os astros errantes (a Lua, o Sol e os planetas).
Como o movimento de um astro errante não tinha influência sobre
os demais, seus mecanismos funcionavam independentemente.
Para cada astro havia um conjunto de esferas que possu
íam duas propriedades comuns: a primeira esfera girava do
Leste para o Oeste com o mesmo período de rotação da inerrante,
pois se sabia que cada astro devia participar do movimento
diurno; a segunda esfera girava em sentido contrário, do Oeste
para o Leste, ao redor de um eixo central em relação à eclíptica,
com uma revolução que não era a mesma para todos os astros.
Para cada planeta, o período de revolução era igual ao tempo
que o planeta levava para percorrer a eclíptica. Assim, para explicar
o movimento das estrelas, o modelo requeria uma esfera,
para o Sol e para a Lua, três esferas cada, e os de cada planeta,
quatro ou cinco esferas.

Mas quem transformou a idéia de movimentos circulares
uniformes para os corpos celestes num dogma astronômico foi o
grande filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), seguidor e disc
ípulo de Platão. Por mais de 2.000 anos, tudo o que os astrônomos
fizeram foi, essencialmente, tentar elaborar um sistema
geométrico que descrevesse as irregularidades nos movimentos
aparentes dos planetas, mantendo de forma irredutível o movimento
circular uniforme. Esta barreira permaneceu até o século
XVII, quando Kepler comprovou que os planetas descrevem
órbitas elípticas. A ilusão do movimento circular como o movimento
perfeito foi tão forte, que foi capaz de nublar o raciocínio
objetivo de astrônomos notáveis, como o próprio Copérnico.

Aristóteles foi, provavelmente, o maior de todos os filósofos
naturais gregos. Na verdade, ele foi o último dos grandes filósofos
gregos e talvez o primeiro grande cientista, principalmente
porque, além de usar sua razão, ele utilizou os seus sentidos. O
aspecto fundamental da filosofia natural aristotélica é o conceito
de que o universo, o cosmos, constitui um conjunto ordenado
em que reina uma hierarquia determinada e soberana, porém
obviamente subjetiva. Para Aristóteles, a Terra estava fixa no
centro do universo, rodeada por nove esferas concêntricas e
transparentes. A camada interior era a esfera da Lua, as duas exteriores
eram as das estrelas fixas e, mais além, situava-se a esfera
do Primeiro Móvel – Deus – que imprimia o movimento à má-
quina do mundo completa, começando pela esfera das estrelas
fixas, e transmitido às demais sucessivamente por atrito. Para
Aristóteles, Deus não governava o mundo do lado de dentro,
mas do exterior. Assim, no sistema aristotélico, a região central –
a região sublunar – era a região mutável, corruptível. Além da esfera
da Lua, ou região supralunar, situava-se a zona dos céus
eternos, imutáveis. Para diferenciar de forma definitiva essas
duas regiões, Aristóteles afirma que as esferas que compõem a
região supralunar são feitas de uma substância desconhecida
no mundo sublunar: o éter. Segundo Aristóteles:

“... Existe nanatureza uma substância diferente das que conhecemos ...
antecedendoa todas elas e mais divina do que essas ... e a glória superior de
sua natureza é proporcional à distância que a separa do nosso mundo”.

O éter era cristalino, inalterável, imperecível, transparente e
imponderável. As esferas do céu eram, portanto, feitas de éter.
Os objetos celestes eram condensações locais do éter das esferas.
Dessa forma, a luz e o calor emanados por eles provinha do
atrito provocado pelo movimento relativo das esferas.

O modelo cosmológico de Eudoxo, adotado por Aristóteles
– bem como os demais modelos descritos até agora – são modelos
geocêntricos, isto é, a Terra ocupa o centro do universo.
Entretanto, nem todos os modelos desenvolvidos nessa época
eram geocêntricos. O astrônomo grego Aristarco de Samos
(cerca de 320-250 a.C.), ao tentar estimar as dimensões dos corpos
celestes e as distâncias entre a Terra e o Sol e a Lua, usando
meios geométricos e trigonométricos, chegou à conclusão que:
(1) os tamanhos dos objetos celestes eram comparáveis ao da
Terra; e (2) o Sol, e não a Terra, era o centro do universo e que os
planetas – inclusive a Terra – giravam em torno dele. Este era,
portanto, um modelo heliocêntrico. Aristarco chegou a essas
conclusões, usando o racionalismo científico. Entretanto, este
modelo caiu no esquecimento por mais de 15 séculos, porque
Aristarco não possuía provas para fundamentar suas idéias.

O maior problema – digamos, assim, técnico – dos modelos
geocêntricos surgia no momento de explicar os movimentos
retrógrados dos planetas, ou seja, quando se tentava “salvar as
aparências”. Foi necessária uma modelagem muito engenhosa
– porém extremamente complicada – para conciliar o conceito
de movimentos circulares uniformes com o que é observado.
Nestes modelos, a trajetória de um planeta era imaginada como
uma composição de movimentos: o planeta girava em torno de
um círculo menor – o epiciclo – que, por sua vez, realizava um
movimento circular em torno de um círculo maior – o deferente,
cujo centro era a Terra. Estes dois movimentos combinados dão
origem a uma curva particular: a epiciclóide. Nessa curva descrita
pelo planeta, as partes mais afastadas do centro do deferente
eram aparentemente percorridas no sentido inverso ao movimento
de revolução descrito pelo centro do epiciclo sobre a borda
do deferente. Dessa forma, explicava-se não só o movimento
retrógrado aparente dos planetas, como também a variação de
suas luminosidades.

Entretanto, descobriu-se, mais tarde, que a exigência de
que os planetas tinham de se mover uniformemente sobre trajet
órias circulares só poderia ser satisfeita com a inclusão de dois
artifícios adicionais: o excêntrico e o ponto equante. O primeiro –
o excêntrico – é mais fácil de ser compreendido: ele consistia em
deslocar o centro do deferente da Terra para um outro ponto,
cuja distância da Terra definia a excentricidade da órbita. Assim,
o centro geométrico da órbita do planeta não era mais a Terra,
que, entretanto, permanecia como o centro do universo. Já o
ponto equante é mais complicado: ele é um ponto fictício, simultaneamente
distinto do centro geométrico da órbita (o excêntrico)
e do centro do universo (a Terra), ao redor do qual o movimento
é uniforme. De fato, embora em certas regiões de suas órbitas
os planetas parecessem se deslocar mais rapidamente do
que em outras, acreditava-se que os seus movimentos seriam
uniformes quando observados a partir do equante.

Um dos maiores responsáveis pela elaboração destes conceitos
foi o astrônomo grego Hiparco (século II a.C.), que realizou
observações bastante precisas para a época em Rodes e
Alexandria, entre 161 e 127 a.C. Hiparco contribuiu decisivamente
para explicar o movimento irregular dos planetas ao resolver o
problema do movimento do Sol e da Lua. Para tal, ele aplicou o
modelo do epiciclo: como estes dois astros apresentavam uma
única irregularidade, era necessário aplicar somente um epiciclo
e um excêntrico para descrever seus movimentos. De fato, Hiparco
foi o primeiro a usar o epiciclo e o excêntrico para “salvar
as aparências”.

O modelo de Hiparco chegou até nós pelos trabalhos do
grande astrônomo grego Cláudio Ptolomeu (90-168 d.C.),
principalmente em suas obras Almagesto e As Hipóteses dos
Planetas,publicadas no século II da nossa era. Nesses livros,
Ptolomeu descreveu o universo baseado em quatro princípios
básicos,que se tornaram os pilares de sua Astronomia:

1) a esfericidade dos Céus e da Terra;
2) o geocentrismo;
3) o geostatismo, isto é, a imobilidade da Terra;
4) o movimento circular e uniforme.

Estes princípios já eram adotados pela Astronomia grega
há muito tempo. Entretanto, Ptolomeu não os aceitou sem antes
avaliá-los e testá-los, adotando-os, baseado em razões tanto de
natureza geométrica quanto observacional.

Ao estudar o Sol, Ptolomeu aceitou a teoria de Hiparco sem
alterações. Entretanto, para resolver o problema dos movimentos
dos planetas, ele observou que era necessário fazer algumas
modificações para explicar as observações, introduzindo o conceito
do equante. O equante ptolemaico era um ponto simetricamente
oposto à Terra em relação ao centro do deferente. O centro
do epiciclo deslocava-se com velocidade constante em torno
do equante, e não em torno do centro geométrico de deferente
ou da Terra. Ptolomeu procurou ajustar as distâncias entre o
centro do deferente e o equante para todos os planetas. Com
isso, ele conseguiu descrever as principais irregularidades dos
movimentos aparentes dos planetas. Apesar do modelo ptolemaico
violar o dogma de Platão de que os movimentos dos planetas
deveriam ser circulares e uniformes ao redor da Terra, Ptolomeu
estava muito mais preocupado em “salvar as aparências”.

Sua principal preocupação era conseguir desenvolver um modelo
geométrico-matemático que pudesse descrever os movimentos
dos planetas, empregando unicamente círculos. Além
disso, o modelo ptolemaico podia também prever as posições
futuras do Sol, da Lua e dos planetas com a precisão de cerca
de um grau, o que é equivalente aproximadamente a uma Lua
cheia.

Em resumo, o modelo ptolemaico explicava tão bem as apaências,
era tão sedutoramente engenhoso, que ele foi entusiasticamente
aceito e que – até Copérnico – todos os astrônomos
consideravam o modelo excêntrico-deferente-epiciclo-equante
como indispensável à solução de qualquer problema astronômico.
Em conseqüência, à medida que a precisão das observa-
ções aumentava e que apareciam pequenas discrepâncias entre
o modelo e os dados, acrescentava-se um epiciclo sobre o epiciclo,
deslocava-se o centro do deferente... e a complexidade do
modelo aumentava cada vez mais. Chegou-se a tal ponto que,
segundo consta, o rei Afonso X de Leon e Castilla, no século XIII,
teria declarado: “... se o Criador me tivesse consultado antes de
iniciar Seu trabalho, eu Lhe teria sugerido algo mais simples”.

Mas a complexidade do modelo era apenas a ponta de
um iceberg com conotações muito mais profundas. A partir de
Ptolomeu, enquanto os filósofos e cosmólogos continuassem
insistindo no movimento circular uniforme das esferas celestes
por razões físicas, baseados em Aristóteles, os chamados astrô-
nomos matemáticos só estavam interessados em elaborar modelos
geométricos que pudessem prever corretamente as posi-
ções dos astros, não se preocupando com a realidade desses
modelos. Não que os argumentos “físicos” aristotélicos estivessem
corretos. Mas a atitude dos seus defensores transcendia ao
valor dos argumentos utilizados: eles afirmavam que o cosmos é
regido por leis universais. Não é importante qual a motivação por
trás dessas leis, se metafísicas ou teológicas. O que importa é,
precisamente, a fé nessa universalidade. Ora, nada disso existe
no modelo ptolemaico, que é o caso típico de um modelo ad
hoc, melhor ainda, casuístico: soluções separadas para cada
problema, sem que não se possa prever, de antemão, qual será
a solução final em cada caso.

As obras de Aristóteles e Ptolomeu, praticamente esquecidas
no mundo ocidental durante boa parte da Idade Média, permaneceram
vivas no mundo árabe e passaram a ser difundidas
na Europa por volta do ano 1200, principalmente na Espanha e
no norte da Itália. Esta difusão despertou mais uma vez o interesse
pelo estudo das ciências naturais que, de uma certa forma, tinha
permanecido estagnado durante todo este tempo. E, além
disso, trouxe novamente à tona a discussão sobre a relação entre
a filosofia grega e a fé cristã, já surgida com a “cristianização”
das idéias de Platão por Santo Agostinho no século IV. Tornou-
se imperioso que a filosofia natural aristotélica fosse compatibilizada
aos textos bíblicos, principalmente no que se refere
à Criação e à cosmologia. Este papel de “cristianização” de Arist
óteles foi feito por São Tomás de Aquino, que conseguiu mostrar
que, desde que convenientemente interpretadas, a cosmologia
aristotélica não conflitava com os princípios da doutrina
cristã. Depois da publicação do seu grande monumento teológico,
a Summa Theologica, a Igreja não só deixou de pôr em dúvida
a ortodoxia aristotélica como foi muito mais adiante, aceitando
sua cosmologia como o modelo do universo criado por Deus,
e encorajando os estudos e a propagação pelo ensino de toda a
obra de Aristóteles. Assim, a redescoberta de Aristóteles alterou,
de forma definitiva, o ambiente intelectual da Europa. As idéias
de Aristóteles, apesar de sofrerem algumas resistências, principalmente
porque já se reconhecia que algumas delas estavam
flagrantemente erradas, influenciaram os principais pensadores
da Idade Média.

Durante quase quinze séculos, o progresso da ciência havia
sido impedido, pelos seguintes motivos:

1) a divisão do universo em dois domínios – o supralunar e
o sublunar – que refletia a hierarquia entre o mutável e o
imutável;
2) o dogma geocêntrico;
3) o dogma do movimento circular uniforme;
4) a separação entre ciência e matemática;
5) a incompreensão do princípio da inércia, isto é, que todo
corpo em repouso tende a permanecer em repouso,
bem como todo corpo em movimento tende a permanecer
em movimento, a menos que uma força seja exercida
sobre ele.

A revolução científica só foi possível com a eliminação gradual
desses cinco obstáculos, feita pelos três pais da ciência
moderna: Copérnico, Kepler e Galileu. Vamos, aqui, nos ocupar
dos dois primeiros.

Nicolaus Coppernicus nasceu em Thorn, na Pomerânia, em
1473, na época uma província polonesa. Órfão de pai desde os
11 anos, foi adotado por um tio, Lucas Watzenrode, bispo de
Ermland, que o mandou estudar na Universidade de Cracóvia,
em 1491. Lá, por quatro anos, Copérnico estudou Direito, Medicina,
Matemáticas, Filosofia aristotélica, e teve seus primeiros
contactos com a Astronomia, graças à amizade que o ligou ao
astrônomo Albert de Brudzewo, que ensinava o sistema ptolemaico
e comentava Aristóteles na Universidade.

Em 1497, Copérnico se matriculou na Universidade de
Bolonha para estudar Direito Canônico. Em Bolonha, Copérnico
aprendeu grego e estudou Platão, sem, no entanto, se descuidar
da Astronomia, que ele voltou a cultivar como colaborador
do famoso astrônomo Domenico de Novara, catedrático de
Astronomia e Astrologia da Universidade. O fato de Copérnico
ter sido aceito como colaborador de um astrônomo tão importante
quanto Novara indica que ele já era um perito em Astronomia,
ou seja, que seus estudos em Cracóvia lhe deram uma forma
ção bastante sólida. Foi com Novara que Copérnico realizou
sua primeira observação científica dos céus, a ocultação da estrela
Aldebarã pela Lua em 9 de março de 1497.

Neste mesmo ano de 1497, em outubro, Copérnico foi nomeado
cônego de Frombork, principalmente devido à influência
do seu tio. Por esse motivo e, também para renovar sua bolsa de
estudos, Copérnico voltou em 1501 a Thorn. Depois de resolvidas
essas questões, ele retornou à Itália, desta vez para Pádua,
onde retomou seus estudos de Medicina e Direito até 1503. Nesse
período, Copérnico comprou e leu um resumo do Almagesto
de Ptolomeu. Em 1503, ele obteve seu doutorado em Direito Can
ônico na Universidade de Ferrara. Depois disso, Copérnico voltou
à Polônia, estabelecendo-se definitivamente em Ermland,
onde assumiu o cargo de secretário e médico do seu protetor,
o bispo, cuja sede episcopal ficava no castelo de Lidzbark
(Heilsberg) e onde permaneceu por quase 10 anos, até a morte
do tio, em 1512. Depois disso, Copérnico assumiu definitivamente,
na qualidade de cônego, o capítulo de Ermland, em sua
sede na Catedral de Frombork, onde permaneceu por quase 31
anos, até a sua morte em 1543.

Os contactos de Copérnico com a Astronomia, em Cracó-
via e Bolonha, tinham despertado nele uma enorme curiosidade
pelas coisas do céu. O seu retiro na tranqüilidade de Frombork
permitiu que ele meditasse longamente sobre o sistema ptolemaico
e suas imperfeições, além de realizar observações sistem
áticas do céu – mas, diga-se de passagem, menos precisas do
que as de Ptolomeu – num observatório construído por ele em
Frombork. Em 1510, ele terminou a redação de um ensaio, chamado
de Nicolai Copernici de hypothesis mottum coelestium a
se constitutis commentariolus (Breve comentário de Nicolau Cop
érnico sobre as hipóteses relativas aos movimentos celestes),
ou simplesmente Commentariolus, onde expõe, pela primeira
vez, sua teoria heliocêntrica. No entanto, Copérnico se recusou
a publicar o manuscrito, que circulou de forma discreta entre os
seus amigos mais confiáveis. Apesar de divergir em vários pontos
das idéias apresentadas mais tarde na sua obra maior, o De
revolutionibus, nele já se encontravam os princípios relativos ao
movimento da Terra e à imobilidade do Sol. Leiamo-lo:
Todo movimento registrado no firmamento não provém do
firmamento propriamente dito, mas do movimento da Terra.
A Terra, em conseqüência, com os elementos mais próximos,
efetua em 24 horas uma volta ao redor dos seus pólos
imutáveis, enquanto o firmamento com o céu mais alto permanece
imóvel.

Na Introdução desse ensaio, Copérnico explicava que o
modelo ptolemaico era incorreto por não satisfazer a exigência
fundamental, segundo a qual “cada planeta deveria se deslocar
com velocidade uniforme, descrevendo um círculo perfeito
”. Para resolver esse problema difícil de modo mais simples
do que o de Ptolomeu, Copérnico estabeleceu sete princípios
fundamentais:

1) os corpos celestes não se deslocam ao redor do mesmo
centro;
2) a Terra não é o centro do sistema do mundo, mas somente
da órbita lunar;
3) o Sol é o centro do sistema do mundo;
4) a distância do Sol à Terra é desprezível quando comparada
à distância das estrelas fixas;
5) o movimento aparente do céu se deve à rotação da Terra
em torno do seu próprio eixo;
6) o movimento anual aparente do Sol no céu se deve ao
movimento da Terra e dos planetas ao seu redor;
7) as estações e os movimentos retrógrados aparentes dos
planetas se devem aos movimentos da Terra e dos planetas
ao redor do Sol.

Esses sete princípios fundamentais permitiram a Copérnico
“explicar todas as desigualdades aparentes de deslocamentos
celestes com auxílio somente de movimentos uniformes”. De
fato, Copérnico encerra seu ensaio com o seguinte parágrafo:
Mercúrio descreve sete círculos; Vênus, cinco; a Terra, três,
e, ao redor dela, a Lua descreve quatro; e, finalmente, Marte,
Júpiter e Saturno, cada um deles descreve cinco. Ao
todo, bastam trinta e quatro círculos para descrever toda a
estrutura do universo e toda a dança dos planetas.
Depois do Commentariolus, em 1515, Copérnico iniciou a
redação da sua obra mais importante, aquela que viria alterar
completamente o entendimento da posição da Terra no espaço:
De revolutionibus orbium coelestium, libri VI (Sobre as revolu-
ções dos orbes celestes, em seis livros). Na colina da catedral de
Frombork, ou nas suas vizinhanças, Copérnico realizou as observa
ções astronômicas descritas na sua obra máxima, isso
sem abandonar suas atividades de cônego, médico, economista
e homem público.

Ele levou quase trinta anos para publicá-la. Em 1543, Cop
érnico tinha ficado paralítico, devido a uma hemorragia cerebral,
e estava muito debilitado, tanto física quanto mentalmente.
Ele havia confiado a publicação da obra a seu discípulo Rheticus
(Georg Joaquim Von Lauchen, 1514-1576), que a levou a
Nürnberg. Entretanto, Rheticus, obrigado a deixar a cidade,
entregou a responsabilidade de finalizar a publicação ao teólogo
luterano Andréas Osiander, que fez inúmeras alterações sem o
conhecimento e consentimento de Copérnico. Osiander introduziu
a palavra “hipótese” na página de rosto do livro, retirou passagens
importantes e acrescentou suas próprias frases, que dilu
íram o impacto da obra. O De revolutionibus foi publicado em
21 de março de 1543. Consta que Copérnico recebeu um exemplar
do livro impresso no próprio dia de sua morte, em 24 de
maio do mesmo ano, mas sequer pôde folheá-lo, por já se encontrar
inconsciente.

Nas páginas do De revolutionibus, Copérnico, além de defender
o novo sistema do mundo centrado ao redor do Sol, elaborou,
na maior parte desse tratado – de fato, em cinco dos seis
livros que o compõem – deduções geométricas e tábuas para a
previsão das posições do Sol, da Lua e dos planetas. Na verdade,
o primeiro livro é o único cuja leitura está ao alcance do leigo.
Nele, Copérnico descreveu a estrutura geral do universo e desenvolveu
os argumentos para provar que o Sol estava fixo no
centro, em redor do qual a Terra girava como um planeta igual
aos demais.

Na sua essência – e em primeira aproximação – o sistema
coperniciano é de uma simplicidade extrema. Assim, os corpos
celestes se repartem sobre sete orbes, ou esferas concêntricas.
A primeira delas – muito maior do que as demais – é a esfera das
estrelas fixas. A segunda esfera é a de Saturno, vindo, a seguir, a
de Júpiter e a de Marte. A quinta esfera é a da Terra; ela arrasta
em seu movimento a orbe da Lua, centrada na Terra. Vênus e
Mercúrio ocupam, respectivamente, a sexta e a sétima esferas.
Todas as esferas giram, com exceção da primeira, a esfera das
estrelas fixas, que, em suas palavras, “contém tudo e contém ela
mesma, estando, por isso mesmo, imóvel”. Finalmente, “no
meio de todos os astros repousa a Sol”.

Esta nova ordem dos corpos celestes eliminava todas as dificuldades
provenientes do sistema de Ptolomeu, devido principalmente
à colocação – pela primeira vez – de Mercúrio e Vênus,
girando em torno do Sol, o primeiro numa órbita menor do que a
do segundo, e ambas interiores à da Terra. Fazendo, além disso,
Marte, Júpiter e Saturno girarem em torno do Sol com órbitas exteriores
à terrestre, Copérnico pôde explicar por que estes planetas
se elevam alto no céu, ao contrário dos planetas interiores.
Poderíamos dizer que este sistema é uma descrição de
primeira aproximação, devendo ser encarado, portanto, como
um esquema destinado à divulgação. Com efeito, se os movimentos
aparentes dos astros são perfeitamente explicados
qualitativamente pelo modelo, o esquema falha completamente
no teste da precisão. Nos livros seguintes ao primeiro, Copérnico
abandonou a esplêndida simplicidade do seu modelo primitivo
e manteve os excêntricos, deferentes e epiciclos no mais
puro estilo ptolemaico – com a exceção do equante, do qual não
mais precisava para conservar uniformes os movimentos de rota
ção – já introduzidos no Commentariolus, para explicar as
observações.

Como, portanto, devemos comparar o modelo de Copérnico
com o de Ptolomeu?
Em sua forma final, o modelo de Copérnico
também tenta “salvar os fenômenos” tanto quanto o sistema
de Ptolomeu. Se considerarmos o modelo coperniciano
“profissional”, com uma complexidade não muito inferior ao de
Ptolomeu, a precisão da concordância do modelo com as observa
ções é da mesma ordem de grandeza. Sendo assim, não é na
precisão que devemos buscar as razões para qualquer superioridade
do modelo de Copérnico, e sim, nas explicações qualitativas
de movimentos e fenômenos celestes fundamentais, como,
por exemplo, os movimentos retrógrados dos planetas.
Entretanto, ainda mais forte do que isso, é o que podemos
chamar de “coerência interna” da teoria, isto é, o grau de rigor
estrutural, que poderia ser caracterizado pela possibilidade de
explicar os fenômenos relevantes da teoria pelo menor número
de hipóteses iniciais. Desse modo, o modelo ptolemaico é uma
teoria “casuística”: cada caso – planeta – é tratado separadamente,
utilizando-se os ingredientes necessários e suficientes
para “salvar as aparências”. Por isso, o modelo de Ptolomeu é
incoerente, uma colcha de retalhos.

O heliocentrismo coperniciano, porém, consegue explicar
a maioria dos fenômenos celestes conhecidos na época, baseado
em um número muito reduzido de hipóteses: todos os planetas
– inclusive a Terra – giram em torno do Sol; a Terra tem um
movimento diurno sobreposto ao seu movimento orbital; e a esfera
das estrelas é fixa. O modelo de Copérnico é, portanto, muito
mais coerente e econômico do que o modelo de Ptolomeu.
Ele possui também outra qualidade extremamente importante
para uma teoria científica: o modelo coperniciano possibilita
prever a ordem relativa das órbitas planetárias, o que o modelo
ptolemaico não permitia. O modelo de Copérnico é, portanto,
mais abrangente que o de Ptolomeu, sendo preferível a este.
Entretanto, devemos analisar o modelo de Copérnico com
uma certa reserva. Em Copérnico, como em quase todos os homens
da Renascença, há uma mistura do antigo e do novo, uma
confluência do que ia deixar de ser com o que viria a ser. Ele não
abjura sua formação tradicional: o universo esférico e finito, o
movimento circular uniforme, as orbes e esferas, tudo isso está
presente no De revolutionibus.

Daí decorrem contradições inevitáveis. Uma coisa é lançar
a Terra no espaço, transformá-la num outro planeta; outra coisa
é conciliar esta atitude revolucionária com os mandamentos de
uma concepção tradicional.

Na verdade, o De revolutionibus é uma obra paradoxal, porque
não é uma obra revolucionária, embora as conseqüências
por ela geradas o tenham sido. Com efeito, os elementos básicos
gerados pela chamada Revolução Coperniciana – o cálculo
preciso e fácil das posições dos planetas, a classificação do sol
como estrela, a expansão infinita do universo, dentre muitas outras
idéias fundamentais – não foram nem enunciados nem aplicados
em nenhum lugar da obra de Copérnico.

Com exceção do movimento da Terra e da colocação dos
planetas girando em torno do Sol, a obra de Copérnico, em quase
todos os outros aspectos, se parece mais com um trabalho
dos antigos astrônomos medievais do que com os textos das
gerações que o seguiram. Foram estas que extraíram das entrelinhas
do De revolutionibus as conseqüências que Copérnico
não conseguiu ver em sua própria obra. Podemos, portanto, nos
perguntar, o que teria advindo ao sistema de Copérnico se sua
obra não tivesse tido as oportunidades que, por exemplo, Aristarco
de Samos não teve, principalmente a vinda de Kepler, que
iria devolver ao heliocentrismo a magnífica simplicidade do primeiro
modelo, embora ao preço – exorbitante para a época – de
abdicar do movimento circular uniforme.

Assim, na evolução do pensamento científico, Copérnico
aparece como o homem que preparou e permitiu a verdadeira
revolução que viria no século XVII. Nas palavras do escritor e cientista
alemão Johann Wolfgang Goethe:

De todas as descobertas e opiniões, nenhuma deve ter
exercido um efeito maior no espírito humano do que a doutrina
de Copérnico. O mundo mal tinha se tornado conhecido
como redondo e completo nele mesmo, quando lhe foi
pedido abdicar do tremendo privilégio de estar no centro
do Universo. Nunca, talvez, tal exigência foi feita à Humanidade
– pois, ao admiti-lo tantas coisas desapareceram em
névoa e fumaça! O que aconteceu com o Éden, nosso mundo
de inocência, piedade e poesia; o testemunho dos sentidos;
a convicção em uma fé poético-religiosa? Não foi à toa
que os seus contemporâneos não quiseram abrir mão de
tudo isso e ofereceram toda a resistência possível a uma
doutrina que autorizava e exigia dos seus fiéis uma liberdade
de visão e uma grandeza de pensamento desconhecidas
até então, de fato nem mesmo sonhadas.

Nas primeiras décadas depois da sua publicação, a obra
de Copérnico teve relativamente pouco eco na opinião pública.
Os astrônomos, únicos a poder ler na íntegra o De revolutionibus,
eram unânimes em reconhecer o seu valor, do ponto de vista estritamente
técnico: eles viam no De revolutionibus o digno sucessor
do Almagesto de Ptolomeu. A tese central do movimento da
Terra era, em geral, rejeitada, o que não impedia que se utilizassem
as técnicas de cálculo que Copérnico havia exposto com todos
os detalhes. A opinião geral pode talvez ser resumida pelas
palavras do astrônomo inglês Thomas Blundeville: “Copérnico
... afirma que a Terra se movimenta e que o Sol permanece imó-
vel no meio dos Céus; graças a essa hipótese errada, ele conseguiu,
melhor do que nunca antes, calcular os movimentos e revolu
ções das esferas celestes.”

Aos poucos, no entanto, aumentava a leitura do De revolutionibus
e de sua estranha tese. Comentários e interpreta-
ções iam saindo do círculo estreito dos profissionais e começavam
a se difundir entre os leigos. Assim, a paixão entrava nos
debates e os argumentos técnicos eram substituídos por argumentos
metafísicos. Copérnico começou a ser ridicularizado:
os argumentos contrários a ele eram os conhecidos argumentos
aristotélicos.

A reação mais violenta contra o copernicianismo, contudo,
não veio do público esclarecido, mas sim da Igreja. No final da
Renascença, pesava sobre a hegemonia da Igreja Católica uma
grande ameaça. O protestantismo havia quebrado a sua unidade.
Luteranos e calvinistas culpavam a Igreja Católica pela onda
de anticlericalismo que havia invadido a Europa no final da Idade
Média, pela progressão da heresia, da superstição, pela venalidade
de certas ordens religiosas, pelo afrouxamento da moralidade
e pela perda de autoridade das cúpulas eclesiásticas.

O que os protestantes queriam era um retorno à pureza da
alma, à simplicidade da liturgia e à estrita observância dos mandamentos
das Escrituras. Eles censuravam a Igreja Católica pela
liberdade de interpretação que ela havia permitido em certos coment
ários da Bíblia. Para eles, não havia necessidade nem de interpretar
a Bíblia, nem de procurar o saber em outras fontes, já
que ela é o repositório da Divina Revelação.

O De revolutionibus foi publicado bem neste período de
efervescência. Logo ele atraiu o anátema dos luteranos: “...
Têm-se dado ouvidos a um astrólogo que tenta mostrar que a
Terra gira, e não os céus e o firmamento, o Sol e a Lua ... Esse
tolo quer inverter toda a ciência da Astronomia, mas a Escritura
sacra nos diz (Josué 10:13) que Josué ordenou ao Sol de parar,
e não à Terra”. Por seu lado, Calvino perguntava: “Quem se atrever
á a colocar a autoridade de Copérnico acima da autoridade
do Espírito Santo?”.

A Igreja Católica foi lenta a entrar na contenda. Na verdade,
o Commentariolus foi exposto ao Papa Clemente VII no Vaticano,
sem que se saiba de nenhuma reação contrária. Mas, colocada
mais uma vez em posição defensiva sobre questões fundamentais
de doutrina, ela não podia se mostrar menos cristã do que a
Igreja Protestante. Em 1616, o Vaticano pôs o De revolutionibus
no Index, a lista das obras proibidas aos católicos.

E assim, chegamos, finalmente, a Kepler. Johannes Kepler
nasceu em 27 de novembro de 1571, na cidade de Weil, em
Württemburg, então um feudo austríaco. Seu pai, Heinrich Kepler,
era um mercenário, que abandonou a família para guerrear
nas planícies dos Flandres, nas atuais Bélgica e Holanda, e sua
mãe, Katherine Guldenmann, era muito versada em feitiços e
bruxarias. Quando Kepler ainda era muito criança, Katherine largou
os filhos por um ano para acompanhar o marido. Kepler ficou,
então, aos cuidados dos tios e avós, que viviam bêbados e
em constantes brigas; ele sobreviveu – podemos mesmo usar
esta palavra, já que Kepler nasceu prematuro e sempre teve uma
saúde muito frágil – numa casa de dois cômodos, em que chegaram
a morar onze pessoas, numa promiscuidade sórdida.

Quando os pais voltaram de suas aventuras guerreiras, foi
para iniciar uma vida nômade, que levava a família de cidade em
cidade. As dificuldades desse tipo de vida foram responsáveis
pelo tempo anormalmente longo que o jovem Johannes levou
para completar seus estudos primários. No entanto, suas qualidades
intelectuais eram tão evidentes, que seus professores,
vencendo a indiferença paterna, conseguiram mandá-lo para o
seminário e, de lá, para a prestigiosa Universidade de Tübingen,
em 1589, onde ele estudou Teologia e Filosofia, bem como Matem
ática e Astronomia. Apesar dos problemas de saúde e de
seu caráter irascível, de sua língua mordaz e cáustica, que lhe
granjeava muitos inimigos, ele completou seus estudos brilhantemente,
tendo se diplomado aos vinte anos, em 1591.

Três anos mais tarde, ele foi chamado pela Universidade de
Graz, capital da província austríaca da Styria, para lecionar Matem
ática e Astronomia. O início da sua carreira como professor em
Graz não foi dos mais brilhantes: na ausência de alunos, pois,
como reconheciam seus superiores, “o estudo da Matemática
não era para qualquer um”, ele ensinava Latim e Retórica, e come
çou a publicar mapas astrológicos. Este gosto pela Astrologia,
bem popular na época, e que nunca abandonaria Kepler,
também o ajudava a sobreviver, acrescentando algum dinheiro
ao seu pequeno salário. Para se ter uma idéia, cada calendário
anual com previsões astrológica valia vinte florins, enquanto seu
salário como professor era de cento e cinqüenta florins por ano.
Apesar disso, Kepler tinha muito tempo livre. Portanto, ele decidiu
aproveitar seu ócio forçado para se dedicar à pesquisa sobre
o movimento dos planetas.

Durante seus estudos na Universidade de Tübingen, Kepler
aprendeu tanto a descrição do universo dada por Ptolomeu,
quanto o modelo heliocêntrico de Copérnico. Após avaliar
as vantagens “matemáticas” do sistema coperniciano com rela
ção ao ptolemaico, Kepler optou pelo heliocentrismo, muito
mais, entretanto, por razões místicas do que propriamente
astronômicas.

Foi em Graz que Kepler teve a “inspiração” que iria marcar
toda a sua vida e sua obra: a de que o universo é construído se-

gundo certas harmonias geométricas. Em 9 de junho de 1595,
durante uma aula, Kepler desenhou no quadro negro uma figura
geométrica: um triângulo eqüilátero com os seus círculos inscrito
e circunscrito. Ele notou que a proporção entre os raios dos
círculos maior e menor parecia semelhante àquela existente entre
os raios das órbitas de Saturno e Júpiter. Ele logo tentou determinar
a distância entre Marte e Júpiter, desta vez fazendo uso
de um quadrado. Em seguida, uma terceira distância com a ajuda
de um pentágono, e uma quarta, usando um hexágono.
Como essas tentativas não deram certo, Kepler se perguntou:
“por que usar figuras planas (bidimensionais) entre os orbes só-
lidos (tridimensionais)?”. Assim, no lugar dos polígonos regulares,
ele resolveu usar poliedros regulares, sólidos com todas as
faces iguais. Eles são apenas cinco:

1) tetraedro – quatro triângulos eqüiláteros;
2) cubo – seis quadrados;
3) octaedro – oito triângulos eqüiláteros;
4) dodecaedro – doze pentágonos regulares; e
5) icosaedro – vinte triângulos eqüiláteros.

Nenhum outro sólido fechado pode ser construído com todas
as faces iguais. Por serem perfeitamente simétricos, eles
têm a propriedade de poderem ser inscritos no interior de uma
esfera, de modo que todos os seus vértices toquem a superfície
interna da esfera, e circunscritos a uma esfera, de modo que a
superfície externa da esfera toque o centro de cada uma de suas
faces.

Se seis eram os planetas conhecidos e cinco os poliedros
regulares – os sólidos perfeitos – por que não seriam eles os determinantes
do universo e do curso dos próprios planetas? Kepler
criou, assim, uma estrutura geométrica para os planetas,
com o Sol no centro, e na seguinte sucessão, semelhante àquelas
bonecas russas, em que cada uma se encaixa numa maior:

Esfera de Saturno – cubo
– esfera de Júpiter – tetraedro
– esfera de Marte – dodecaedro
– esfera da Terra – icosaedro
– esfera de Vênus – octaedro
– esfera de Mercúrio – Sol

Vejam como o Criador tinha feito as coisas tão bem!
Comoexistiam cinco, e somente cinco, poliedros regulares,
só poderiamexistir seis planetas, justamente os seis planetas
conhecidosna época! Perfeito! Ainda mais para um homem
profundamentereligioso como era Kepler. Mas a coincidência
(ou seria aProvidência) não parava por aí. Está claro que esse
quebra-cabeças geométrico, uma vez montado, somente
poderia admitir uma solução para os valores relativos dos raios
de todas as órbitas.

Acontece que estes valores relativos eram quase que exatamente
os valores que Copérnico havia determinado! Quase que
exatamente... Havia discrepâncias para Júpiter e para Mercúrio.
Kepler resolveu o problema de Júpiter com facilidade: ele afirmou
simplesmente que os dados de Copérnico deveriam estar
errados. Mas com Mercúrio, Kepler literalmente trapaceou: para
encaixar a esfera de Mercúrio no octaedro, ele fez tangenciar
não as faces, mas os lados do quadrado que constitui a base
mediana do poliedro.

Esta construção surpreendente foi proposta na primeira
obra de Kepler, o Mysterium Cosmographicum (Mistério Cosmogr
áfico), publicada em 1596, mais de cinqüenta anos depois do
De revolutionibus de Copérnico e quando Kepler contava com
apenas 25 anos de idade. Nela Kepler propôs estabelecer definitivamente
a superioridade do sistema coperniciano sobre todos
os outros, mostrando que este era o único sistema capaz de se
ajustar aos arquétipos que Deus havia usado para colocar em
ordem o universo. Mais surpreendente ainda é que, por ocasião
da segunda edição do Mysterium 25 anos depois, Kepler, já sabendo
que esse modelo não tinha passado de um sonho e fazendo
em notas ao texto uma autocrítica da sua obra de juventude,
acrescentou, no entanto: “... é com prazer que eu lembro das
muitas voltas que eu dei, das paredes sem fim ao longo das quais
eu tateava na escuridão da minha ignorância, até encontrar a
porta por onde entrava a luz da verdade.”

No Mysterium, Kepler não se contentou em determinar os
raios relativos das órbitas planetárias. Ele pretendeu também
explicaras diferenças entre as velocidades respectivas dos planetas
ao longo de suas respectivas órbitas. Kepler já sabia que a
velocidade diminui à medida que o raio da órbita aumenta. Ele
supôs, então, que existe uma alma motriz no centro do universo,
isto é, no Sol, e que esta alma empurra o planeta com tanto mais
vigor quanto mais próximo do Sol se encontra o planeta. A alma
motriz – chamada por ele, mais tarde na segunda edição de for-
ça motriz – vai se exaurindo com a distância, o que explicava por
que as velocidades dos planetas mais afastados fossem relativamente
menores.

Para nós, hoje, os poliedros de Kepler parecem totalmente
impraticáveis. Entretanto, embora as premissas expostas no
Mysterium estivessem erradas, as conclusões de Kepler ainda
eram surpreendentemente precisas e decisivas, e foram essenciais
na formação dos caminhos da ciência moderna. Além disso,
essa obra tornou-o conhecido nos meios científicos da Europa.
Quando o livro foi publicado, Kepler enviou uma cópia para
Galileu, instando-o a “acreditar e dar um passo adiante”, mas o
astrônomo italiano rejeitou esta proposta, talvez por ter considerado
as idéias de Kepler por demais especulativas.

Somente um homem, o dinamarquês Tycho Brahe – o mais
notável astrônomo da época – apreendeu imediatamente o gê-
nio de Kepler, apesar de rejeitar as especulações metafísicas
contidas no Mysterium. Em carta de abril de 1598, Tycho Brahe
aconselhava Kepler a abandonar as especulações a priori para
se dedicar à observação e depois estudar as causas. Ele acreditava
que Kepler deveria procurar aplicar à concepção desenvolvida
no Mysterium a sua hipótese do geoheliocentrismo, segundo
ele muito superior ao modelo de Copérnico. No sistema de
Tycho Brahe, o Sol girava ao redor da Terra, como a Lua; os demais
planetas, por sua vez, giravam em torno do Sol.

Logo depois da publicação do Mysterium, Kepler embarcou
na busca de uma nova quimera: a construção do universo
em torno de harmonias musicais. Ele supôs que os céus estivessem
cheios de ar. O atrito dos planetas em movimento com o ar
produziria um som, cuja freqüência dependeria da velocidade
do planeta. No entanto, para determinar a relação entre as freq
üências emitidas pelos seis planetas (os intervalos, como se
diz em acústica), seria necessário conhecer as velocidades dos
planetas com grande precisão, ou seja, conhecer exatamente as
posições dos planetas em ocasiões sucessivas bem determinadas.
E como Kepler não ignorava que o grande artesão da precis
ão em Astronomia era Tycho Brahe, foi nele que Kepler depositou
as suas esperanças. Numa carta a seu antigo professor e
grande amigo e entusiasta Michael Maestlin, em fevereiro de
1599, Kepler escreveu: “... Somente por Tycho Brahe é quem espero;
ele me explicará a ordem e a disposição das órbitas... espero,
então, um dia se Deus me der vida, erguer um admirável
edifício”.

Nesse meio tempo, em 1597, Kepler se casou com Barbara
Müller, filha de um moleiro rico, mas de uma avareza tal, que Kepler
nunca desfrutou de sua fortuna pessoal. Eles se casaram
em 27 de abril daquele ano, sob circunstâncias astrológicas desfavor
áveis, como Kepler anotaria posteriormente em seu diário.
Aparentemente, este nunca foi um casamento feliz. Seus dois
primeiros filhos morreram muito jovens, o que deixou Kepler
consternado. Ele mergulhou no trabalho para aplacar a dor, mas
sua mulher nunca o compreendeu. No seu diário, Kepler a descreveu
como “gorda, confusa e estúpida”. Apesar disso, o casamento
durou quatorze anos, até a morte de Bárbara, em 1611,
de tifo.

Pouco depois do casamento, o casal se viu obrigado a deixar
Graz: eles eram protestantes numa cidade predominantemente
católica e começavam a se exacerbar as paixões religiosas
que iriam dilacerar a Alemanha durante cinqüenta anos. Kepler
recebeu, então, um convite de Tycho Brahe para ir visitá-lo
em Praga, onde estava desde junho de 1599. Como não há a
menor dúvida de que, sem a colaboração de Tycho Brahe, Kepler
não teria conseguido compor o monumento que ele nos legou,

A vida de Tycho Brahe – nascido na Dinamarca em 1546 –
foi marcada por quatro eventos astronômicos decisivos. O primeiro
foi um eclipse parcial do Sol, quando ele tinha quatorze
anos e que muito o estimulou para o estudo da Astronomia. O
segundo foi a conjunção de Marte, Júpiter e Saturno, quando ele
contava dezessete anos. As previsões das tábuas existentes erraram
a data deste evento em quase um mês. Essas discrepâncias
lhe indicaram que a observação sistemática das posições
planetárias e o aperfeiçoamento dos instrumentos eram de fundamental
importância para testar as diferenças entre os sistemas
geocêntrico e heliocêntrico. O terceiro evento, a supernova
descoberta por ele na constelação de Cassiopéia, quando tinha
vinte e seis anos, lhe demonstrou que o céu era mutável, em
oposição à doutrina aristotélica e cristã que limitava as mudan-
ças ao mundo sublunar. Esta descoberta ocorreu em sua cidade
natal, onde ele já havia construído um observatório, depois de
ter regressado de seus estudos na Alemanha. O quarto evento
foi a passagem do cometa de 1577, quando ele tinha 31 anos,
que lhe permitiu demonstrar que ele estava pelo menos seis vezes
mais distante da Terra do que a Lua: outra estocada contra a
concepção aristotélica, que confinava os cometas ao mundo
sublunar.

Antes desse último evento, entretanto, Tycho já tinha viajado
à Alemanha e à Itália. Em 1576, ele recebeu uma mensagem
do rei da Dinamarca, Frederico II, pedindo que regressasse: o rei
lhe ofereceu a ilha de Hveen para que ele instalasse um grande
observatório, às custas da Coroa.

Na construção do observatório, que ele chamou de Uraneborg,
isto é, Cidade dos Céus, Tycho Brahe deu a medida dos
seus talentos de experimentador. Ele projetou e dirigiu em pessoa
a construção de todos os instrumentos de observação, os
quais representavam um progresso gigantesco, em matéria de
precisão, com relação a tudo o que havia até então. Graças a
seus instrumentos, Tycho levantou as posições de quase mil estrelas
e dos cinco planetas com precisão melhor do que quatro
minutos de grau (cerca de 0,02% de uma circunferência). É bom
lembrar que essas medidas foram feitas a olho nu! O investimento
da Coroa dinamarquesa foi, em dinheiro de hoje, algo como
cinco bilhões de dólares!

Foi em Uraneborg que Tycho começou a elaborar o seu sistema
do mundo, que já descrevemos anteriormente. Geometricamente,
o modelo de Tycho Brahe é equivalente ao modelo
simplificado de Copérnico. No entanto, a grande contribuição de
Tycho não foi ter proposto um novo sistema do mundo, dificilmente
aceitável quer pelos adeptos, quer pelos adversários de
Copérnico. O que ele trouxe de novo foi, por um lado, técnicas
refinadas e melhores instrumentos de observação e, por outro, a
demonstração de que o espírito de perfeição e o trabalho árduo
e sistemático são indispensáveis em trabalhos científicos.
Em 1597, Tycho Brahe foi obrigado a deixar a Dinamarca. O
seu protetor, Frederico II, o financiador do primeiro centro de
pesquisa em Astronomia da História Ocidental, havia morrido
nove anos antes, deixando um filho menor, que, ao subir ao trono
como Cristiano IV, retirou todas as regalias de que Tycho dispunha,
em particular sua enorme renda. Tycho Brahe, devido à
fama que gozava em toda a Europa, não teve dificuldades em
ser acolhido em Praga pelo Imperador Rodolfo II, que mandou
instalar para ele um observatório no castelo vizinho de Benatky.
Foi aí que Tycho recebeu Kepler em 4 de fevereiro de 1600.
Os dois homens eram diferentes em quase todos os aspectos.
Tycho era rico e nobre, Kepler, pobre e plebeu; Tycho tinha
uma saúde exuberante, gostava de festanças e banquetes, enquanto
Kepler tinha uma saúde muito frágil e era hipocondríaco.

Havia, entretanto, alguns traços comuns entre eles: ambos eram
irascíveis, cáusticos, teimosos. Ambos tinham propensão para
discussões violentas, mas, principalmente, tinham paixão pela
Astronomia e eram brilhantemente inteligentes. À medida que
foram trabalhando juntos, numa fértil colaboração, construiu-se
um respeito mútuo, devido à competência observacional de
Tycho e à capacidade e ousadia de Kepler na análise das observa
ções. Essa associação foi absolutamente fundamental para o
desenvolvimento da ciência moderna.

Entretanto, o começo desse relacionamento não foi nada
fácil. Inicialmente, Brahe tratou o jovem Kepler como um assistente,
distribuindo tarefas de modo parco e cuidadoso, sem fornecer
a Kepler muito acesso a seus dados observacionais detalhados.
Kepler desejava ser tratado de igual para igual e ter uma
certa independência, mas o que Tycho queria, de fato, em segredo,
era que Kepler estabelecesse o seu – dele, Tycho – modelo
para o universo.

Kepler estava imensamente frustrado. Tycho tinha uma
enorme quantidade de dados observacionais, acumulados ao
longo de trinta anos, mas não possuía as ferramentas matemáticas
para compreendê-los, muito menos, a imaginação para
construir, fundamentado neles um novo modelo para o universo.
Finalmente, talvez para acalmar o seu incansável assistente,
Tycho Brahe lhe deu a tarefa de estudar a órbita de Marte, que
havia confundido o astrônomo dinamarquês por algum tempo,
por parecer a menos circular de todas. Inicialmente, Kepler julgou
poder resolver o problema em oito dias; entretanto, o projeto
tomou dele mais de oito anos!

Menos de dois anos depois do começo da cooperação entre
eles, Tycho Brahe morreu de uma infecção urinária, muito
provavelmente devida à sua vida desregrada. Imediatamente
depois, Kepler foi nomeado Matemático Imperial pelo Impera-
dor. Kepler estava finalmente livre para poder analisar os dados
de Tycho, particularmente aqueles referentes a Marte, aos quais
ele acrescentou suas próprias observações. Convencido de que
Marte detinha os segredos dos movimentos planetários, Kepler
empreendeu, então, a tarefa da determinação da órbita.

Depois de dezenas de tentativas e quase mil páginas manuscritas
de cálculos, Kepler conseguiu determinar uma órbita
possível para Marte, com base em quatro oposições do planeta.
Ao confrontar com os dados observacionais de que dispunha,
referentes a oito outras oposições, Kepler verificou que suas previs
ões concordavam com sete, dentro da precisão das medidas
de Tycho, que era de quatro minutos de grau. No entanto, para
uma delas, as posições observadas e calculadas diferiam em
oito minutos de grau, menos do que 0,04% de uma circunferência!
Talvez Ptolomeu ou Copérnico tivessem desprezado esta diferen
ça tão pequena. Mas, como disse Kepler, “... se a Divina
bondade nos deu um observador como Tycho Brahe, devemos
agradecer essa dádiva, e fazer bom uso dela”. Tycho nunca poderia
ter errado em oito minutos!

É possível que esse tenha sido o primeiro momento na Hist
ória da Ciência em que a honestidade intelectual de um homem
se sobrepõe ao seu espírito aventureiro. O Kepler do Mysterium
Cosmographicum, que tinha manipulado os fatos para ajustá-los
a uma hipótese a priori, capitulou diante de fatos indiscutíveis e
irredutíveis, e rejeitou um modelo que não concordava com os
dados.

Finalmente, então, Kepler se convenceu de que, depois do
geocentrismo e do movimento uniforme, o último dos mitos aristot
élicos tinha de ser abandonado: o dogma da circularidade.
Se a órbita de Marte, contudo, não era uma circunferência,
o que poderia ser? Reexaminando os dados de Tycho Brahe, e
pondo todas as oposições na órbita aproximadamente circular
que ele tinha obtido, Kepler logo percebeu que a velocidade do
planeta é maior no periélio (ponto mais próximo do Sol) do que
no afélio (ponto mais afastado do Sol). Kepler então abandonou
provisoriamente o problema da órbita de Marte e voltou a uma
de suas primeiras idéias fixas: qual é a relação que existe entre a
distância de um planeta ao Sol e sua velocidade?

Começava, assim, uma “comédia de erros” tremenda.
Após uma série de deduções, algumas baseadas em hipóteses
corretas e outras em leis completamente erradas (forças inversamente
proporcionais às distâncias e forças diretamente proporcionais
às velocidades), Kepler concluiu em 1602 que:
O raio-vetor de um planeta varre áreas iguais em tempos iguais.
Por uma incrível coincidência que fez todos os erros cometidos
serem cancelados no final, Kepler acabou descobrindo
uma lei correta, que viria a ser conhecida como a 2ª Lei de Kepler
ou Lei das Áreas, embora ela tenha sido descoberta antes
da 1ª.

Tendo descoberto a relação entre a velocidade e a posição
de um planeta, Kepler voltou ao problema da órbita de Marte.
Três anos seriam ainda necessários para resolver a questão, três
anos de trabalho intenso, no qual vemos Kepler hesitar várias vezes
na iminência da descoberta, recuando cada vez para se refugiar
em estranhas obsessões, perseguindo uma verdade que
lhe escapava, e, mesmo no final, com a solução nas mãos – uma
elipse – não sabendo reconhecê-la, recomeçando tudo de novo,
somente para se deparar novamente com a elipse, que lhe entrava
“pela porta dos fundos”, segundo sua própria expressão.
Finalmente, em 1605, Marte fora vencido, e Kepler tinha obtido
aquela que nós chamamos hoje de 1a Lei de Kepler ou Lei
das Órbitas:

As órbitas dos planetas são elipses, com o Sol ocupando
um dos focos.
Estas duas leis foram publicadas em 1609, no seu livro
Astronomia Nova. Temos hoje o conhecimento bastante exato
dos detalhes do processo que culminou na determinação dessas
duas leis, pois Kepler redigiu esse extenso livro quase como
um diário de bordo. Todas as suas hipóteses, cálculos e tabelas,
as idas e vindas do seu raciocínio, e suas conclusões estão ali
descritas em detalhes.

Tendo ficado viúvo em 1611, Kepler se casou novamente
em 1613 com Susanna Reuttinger, em Linz (atual Áustria), para
onde havia sido transferido no ano anterior, e onde continuou
seus trabalhos. No entanto, dificuldades de todos os tipos se erguiam
à sua frente. A pior delas foi o processo em que as autoridades
eclesiásticas de Württemburg acusaram sua mãe de bruxaria.
Durante seis anos, de 1615 a 1621, Kepler lutou para salv
á-la de morrer queimada em praça pública, viajando constantemente
entre as duas cidades, redigindo ele mesmo as petições
do processo. Ele finalmente conseguiu libertá-la; mas ela veio a
morrer seis meses depois.

Em Linz, no meio de toda essa confusão, Kepler voltou à
sua antiga obsessão. Ele continuava convencido de que as velocidades
dos planetas nas suas órbitas devem estar relacionadas
de alguma maneira com as escalas e os acordes polifônicos da
música renascentista. A obra Harmonice Mundi (Harmonia do
Mundo), publicada em 1619, é o relato fantástico das tentativas
de Kepler para descobrir essas harmonias. Nesta série de cinco
livros, ele estendeu sua teoria das harmonias para a Música, a
Astrologia, a Geometria e a Astronomia. É nesta obra que Kepler
apresenta a sua 3a Lei, a Lei Harmônica ou Lei dos Períodos,
como é hoje conhecida:

Os quadrados dos períodos são proporcionais aos cubos dos
semi-eixos maiores das órbitas dos planetas
Tal lei, como as duas primeiras, constituiu o objeto principal
de sua investigação. Ao enunciar as Três Leis do Movimento Planet
ário, misturadas ao seu delírio de sonhos místicos, tem-se a
impressão de que Kepler não pressentiu a sua importância.
Importância que somente Newton, cerca de sessenta anos mais
tarde, saberia avaliar, verificando que nela se encontrava implícita
a essência da Lei da Gravitação Universal. Em resumo, Kepler
descobriu como os planetas orbitam, e, ao fazer isso, pavimentou
o caminho (ou pelo menos parte dele) para que Newton descobrisse
por quê.

Ao mesmo tempo que escrevia a Harmonice Mundi, Kepler
preparava um compêndio de suas descobertas e de suas teorias
astronômicas ao qual deu, curiosamente, o nome de Epitome
Astronomiae Copernicanae (Epítome da Astronomia Coperniciana),
apesar de não discutir nela praticamente nada dos trabalhos
de Copérnico. É uma obra respeitável. Nela, Kepler generaliza
a todos os planetas os seus resultados anteriores relativos a
Marte, e que ele havia publicado na Astronomia Nova, de modo
que o Epitome descreve o sistema solar praticamente como o fazemos
hoje. Ele contém as Três Leis, embora sem particular relevo,
bem como a descrição do movimento dos planetas, as retrogress
ões, as elipses, os eclipses, etc. Mas, no Epitome, Kepler
apresenta uma nova visão sobre as causas do movimento
dos planetas. Kepler tinha conhecimento da descoberta de Galileu
de que o Sol possuía um movimento de rotação, pela observa
ção das manchas solares através de um telescópio. Por outro
lado, ele também tinha lido o livro De Magnete, no qual o médico
e físico inglês Gilbert estudava detalhadamente as propriedades
dos corpos imantados. Kepler viu, então, na rotação do Sol e
nas propriedades atrativas e repulsivas dos corpos imantados a
possibilidade de substituir a explicação metafísica do Mysterium
(alma motriz) por uma explicação física, na qual um imenso vórtice
magnético, criado no éter pela rotação do Sol, obriga o planeta
a girar junto com ele.

Kepler passou os últimos anos de vida tentando fugir das
lutas religiosas, sendo enganado pelos jogos políticos dos seus
protetores, com sua saúde altamente debilitada, pobre, viajando
de um lado para outro do que são hoje a Áustria e o sul da Alemanha.
Em 15 de novembro de 1630, Kepler faleceu em Regensburg,
hoje situada na Alemanha. Seu epitáfio, redigido por
ele mesmo, diz:

“Os céus medi, e agora meço as sombras.
Meu espírito ao céu esteve sempre preso.
E agora preso à terra jaz meu corpo.”

As contribuições de Kepler à Astronomia e à ciência moderna
são, sem dúvida, extremamente importantes. Ele enunciou,
pela primeira vez na História da Astronomia, três leis, enunciadas
em linguagem matemática, válidas para todo o sistema solar,
e que, conseqüentemente, permitiam prever as posições futuras
dos planetas dentro da aproximação dos dados observados
e não de modelos teóricos ad hoc. Ela é uma Astronomia
exata. Ela é, ao mesmo tempo, uma vitória do heliocentrismo,
que fê-lo ganhar adeptos, o mais importante deles tendo sido
Galileu, até Newton estender e completar o edifício iniciado por
Copérnico e Kepler.

Assim, gostaria de encerrar com as palavras do próprio
Newton:

“Se eu vi mais longe, foi por ter ficado de pé sobre
os ombros de gigantes”.

Referências Bibliográficas
HAWKING, Stephen. Os Gênios da ciência: sobre os ombros dos gigantes.
Rio de Janeiro: Campus, 2004.
KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. 3. ed. Perspectiva,
1995. (Coleção Debates)
LUCIE, Pierre Henry. Física Básica. Departamento de Física – PUC-Rio,
1975.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Kleper: a descoberta das leis do
movimento planetário. São Paulo: Odisseus, 2003.
_______. Copérnico: pioneiro da revolução astronômica. São Paulo:
Odisseus, 2003

 
http://www.ihu.unisinos.br/uploads/publicacoes/edicoes/1158329606.26pdf.pdf
Geraldo Monteiro Sigaud
 

domingo, 3 de janeiro de 2010

ISIS - OSIRIS - Mozart - A FLAUTA MÁGICA




             Mozart -( mágica)-ost -46x61cm- 2008

Ísis

Ísis
st
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H8

st
t
H8
C10
Ísis
Parentesco
Geb e Nut
Cônjuge
Osíris
Filho(s)
Hórus
Ísis foi uma deusa da mitologia egípcia, cuja adoração se estendeu por todas as partes do mundo greco-romano. Foi cultuada como modelo da mãe e da esposa ideais, protetora da natureza e da magia. Era a amiga dos escravos, pecadores, artesãos, oprimidos, assim como a que escutava as preces dos opulentos, das donzelas, aristocratas e governantes[1]. Ísis é a deusa da maternidade e da fertilidade.

Os primeiros registros escritos acerca de sua adoração surgem pouco depois de 2500 a.C., durante a V dinastia egípcia. A deusa Ísis, mãe de Horus, foi a primeira filha de Geb, o deus da Terra, e de Nut, a deusa do Firmamento, e nasceu no quarto dia intercalar. Durante algum tempo Ísis e Hator ostentaram a mesma cobertura para a cabeça. Em mitos posteriores sobre Ísis, ela teve um irmão, Osíris, que veio a tornar-se seu marido, tendo se afirmado que ela havia concebido Horus. Ísis contribuiu para a ressurreição de Osiris quando ele foi assassinado por Seth. As suas habilidades mágicas devolveram a vida a Osíris após ela ter reunido as diferentes partes do corpo dele que tinham sido despedaçadas e espalhadas sobre a Terra por Seth.[2] este mito veio a tornar-se muito importante nas crenças religiosas egípcias.

Ísis também foi conhecida como a deusa da simplicidade, protetora dos mortos e deusa das crianças de quem "todos os começos" surgiram, e foi a Senhora dos eventos mágicos e da natureza. Em mitos posteriores, os antigos egípcios acreditaram que as cheias anuais do rio Nilo ocorriam por causa das suas lágrimas de tristeza pela morte de seu marido, Osíris. Esta evento, da morte de Osíris e seu renascimento, foi revivido anualmente por rituais. Consequentemente, a adoração a Ísis extendeu-se a todas as partes do mundo greco-romano, perdurando até à supressão do paganismo na Era Cristã.[3]

 Origem do nome


Ísis alada (pintura mural, c. 1360 a.C.).
A pronúncia do nome desta deidade é uma corruptela do mesmo na língua grega antiga onde se modificou o nome egípcio original pela adição de um "-s" no final devido às normas gramaticais do antigo grego.
O nome egípcio foi grafado como ỉs.t ou ȝs.t com o significado de '(Ela de o) Trono'. A sua pronúncia correta em antigo egípcio é incerta, entretanto, uma vez que o antigo sistema de escrita usualmente não previa as vogais. Com base em estudos recentes que nos oferecem aproximações com base em linguagens contemporâneas e na evidência da língua copta, a pronúncia reconstruida de seu nome é Predefinição:IPA-all (O nome de Osiris, "Usir" ou "Wsir" também se inicia com o glifo para trono ʔs ('-s').). O nome sobreviveu nos dialetos coptas como Ēse ou Ēsi, assim como em palavras compostas sobreviventes em nomes de pessoas posteriormente, como por exemplo 'Har-si-Ese', literalmente 'Hórus, filho de Ísis'.
Por conveniência, Egiptólogos arbitrariamente decidiram pronunciar o seu nome como 'ee-set'. Por vezes também podem dizer 'ee-sa' porque o 't' final em seu nome foi um sufixo feminino, que é sabido ter sido buscado à fala durante as últimas etapas da língua egípcia.

Literalmente, o seu nome significa "ela do trono". A sua cobertura original para a cabeça foi um trono. Como personificação do trono, ela foi uma representação importante do poder do faraó, assim como o faraó foi representado como seu filho, que se sentou no trono que ela forneceu. O seu culto foi popular em todas as partes do Egito, mas os santuários mais importantes eram em Guizé e em Behbeit El-Hagar, no Delta do Nilo, no Baixo Egito.

História

As origens do seu culto são incertas, mas acredita-se ser oriundo do delta do Nilo. Entretanto, ao contrário de outras divindades egípcias, não teve esse culto centralizado em nenhum ponto específico ao longo da história da sua adoração. Isto pode ser devido à ascensão tardia de seu culto. As primeiras referências a Ísis remontam à V dinastia egípcia, período em que são encontradas as primeiras inscrições literárias a seu respeito, embora o culto apenas venha a ter tido proeminência ao final da história do antigo Egipto, quando se iniciou a absorção dos cultos de muitas outras deusas com centros de culto firmemente estabelecidos. Isto ocorreu quando o culto de Osíris se destacou e ela teve um papel importante nessa crença. Eventualmente, o seu culto difundiu-se além das fronteiras do Egito.

Durante os séculos de formação do cristianismo, a religião de Ísis obteve conversos de todas as partes do Império Romano. Na própria península Itálica, a fé nesta deusa egípcia era uma força dominante. Em Pompéia, as evidências arqueológicas revelam que Ísis desempenhava um papel importante. Em Roma, templos e obeliscos foram erguidos em sua homenagem. Na Grécia Antiga, os tradicionais centros de culto em Delos, Delfos e Elêusis foram retomados por seguidores de Ísis, e isto ocorreu no norte da Grécia e também em Atenas. Portos de Ísis podiam ser encontrados no mar Arábico e no mar Negro. As inscrições mostram que possuía seguidores na Gália, na Espanha, na Panónia, na Alemanha, na Arábia Saudita, na Ásia Menor, em Portugal, na Irlanda e muitos santuários mesmo na Grã-Bretanha.[4]

 Templos



Templo de Ísis, Filae.


Templo de Ísis, Roma.

Templo de Ísis, Pompéia.
A maioria das divindades egípcias surgiu pela primeira vez como cultos muito localizados e em toda a sua história mantiveram os seus centros locais de culto, com a maioria das capitais e cidades sendo amplamente conhecidas como lar dessas divindades. Ísis foi, em sua origem, uma divindade independente e popular estabelecida em tempos pré-dinásticos, anteriormente a 3100 a.C., em Sebennytos no delta do Nilo.[2]
No Egito, existiram três grandes templos em homenagem a Ísis:
Na ilha de Filae, no Alto Nilo, o culto a Ísis e Osíris persistiu até ao século VI, ou seja, muito tempo após a ascensão do Cristianismo e a subseqüente supressão do paganismo. O decreto de Teodósio (c. de 380) determinando a destruição de todos os templos pagãos, não foi aplicada em Filae até ao governo de Justiniano. Essa tolerância foi devido a um antigo tratado celebrado entre os Blemyes-Nobadae e Diocleciano. Todos os anos, eles visitavam Elefantina e, em determinados períodos levavam a imagem de Ísis rio acima para a terra dos Blemyes para fins divinatórios, devolvendo-a em seguida. Justiniano enviou Narses para destruir os santuários, prender os sacerdotes e arrestar as imagens sagradas para Constantinopla.[5] Filae foi o último dos antigos templos egípcios a ser fechado.

Eventualmente templos a Ísis começou a se difundir além das fronteiras do Egito. Em muitos locais, em especial em Biblos, o seu culto assumiu o lugar da deusa semita Astarte, aparentemente pela semelhança entre os seus nomes e atributos. À época do helenismo, devido aos seus atributos de protetora e mãe, assim como ao seu aspecto luxurioso, adquirido quando ela incorporou alguns dos aspectos de Hathor, ela tornou-se padroeira dos marinheiros, que difundiram o seu culto graças aos navios mercantes que circulavam no mar Mediterrâneo.

Através do mundo greco-romano, Ísis tornou-se um dos mais significativos mistérios, e muitos autores clássicos fazem referência, em suas obras, aos seus templos, cultos e rituais. Templos em sua homenagem foram erguidos na Grécia e em Roma, tendo sido colocado a descoberto um bem preservado exemplar em Pompéia.
Da mesma forma, a deusa árabe "Al-Ozza" ou "Al-Uzza" (em árabe, العُزّى - al ȝozza), cujo nome é semelhante ao de Ísis, acredita-se que seja uma manifestação sua. Isso, porém, é entendido apenas com base na semelhança entre os nomes.

Sacerdócio

Pouca informação chegou até nós acerca dos antigos rituais egípcios. Entretanto é claro que os oficiantes de seus cultos foram sacerdotes e sacerdotisas ao longo de sua história. Até ao período greco-romano, muitos deles eram curadores e teriam exercido outros poderes especiais, incluindo a interpretação dos sonhos e a capacidade de controlar o tempo atmosférico, o que faziam através de tranças ou penteados nos cabelos. Esta última habilidade era conceituada, uma vez que os antigos egípcios consideravam que os nós tinham poderes mágicos.

Iconografia

Associações

"tyet"
Nó de Ísis em hieroglifos é

V39
Por causa desta associação entre nós e poder mágico, um símbolo de Ísis foi o "tiet" ou tyet (com o significado de "bem-estar"/"vida"), também denominado como "Laço de Ísis", "Fivela de Ísis" ou "Sangue" de Ísis. Em muitos aspectos, o "tiet" se assemelha a uma cruz Ankh, exceto que os seus braços apontam para baixo e, quando usado como tal, parece representar a idéia de vida eterna ou ressurreição. O significado de "Sangue de Ísis" é mais obscuro, mas o "tiet" muitas vezes foi usado como um amuleto funerário, confeccionado em madeira, pedra ou vidro, na cor vermelha, embora isso possa ser apenas uma simples descrição dos materiais utilizados.

A estrela Spica ("Alpha Virginis") e a constelação que modernamente corresponde aproximadamente à de Virgo, surge no firmamento acima do horizonte em uma época do ano associada à colheita de trigo e grãos e, desse modo, ficou associada a divindades da fertilidade, como Hathor. Ísis viria a ser associada a esses astros devido à posterior fusão de seus atributos com os de Hathor.
Ísis também assimilou atributos de Sopdet, personificação da estrela Sirius, uma vez que este astro, ascendendo no horizonte um pouco antes da cheia do rio Nilo, foi interpretado como uma fonte de fertilidade, como Hathor o havia sido também. Sopdet manteve um elemento de identidade distinto: uma vez que Sirius era visivelmente uma estrela, ou seja, não vivia no submundo, o que poderia ter conflitado com a representação de Ísis como esposa de Osíris, senhor do submundo.
Provavelmente devido à equiparação com as deusas Afrodite e Vênus, durante o período greco-romano, a rosa foi usada em seu culto. A procura de rosas por todo o império tornou a sua produção em uma importante indústria.

Representações



Ísis com os atributos de Hathor (pintura mural).
Na arte, Ísis foi originalmente retratada como uma mulher com um vestido longo e coroada com o hieróglifo que significava "trono". Por vezes foi descrita como portadora de um lótus ("Nymphaea caerulea"), ou como um sicômoro ("Ficus sycomorus"). A faraó, Hatshepsut, foi retratada em seu túmulo sendo amamentada por um sicômoro que tinha um seio.
Após ter assimilado muitos dos papéis da deusa Hathor, a cobertura de cabeça de Ísis passa a ser a de Hathor: os cornos de uma vaca, com o disco solar inscrito entre eles. Às vezes, também foi representada como uma vaca, ou uma cabeça de vaca. Normalmente, porém, era retratada com o seu filho pequeno, Hórus (o faraó), com uma coroa e um abutre. Ocasionalmente, foi representada ou como um abutre pairando sobre o corpo de Osíris, ou com o Osíris morto em seu colo enquanto por artes mágicas o trazia de volta à vida.

Na maioria das vezes Ísis é retratada segurando apenas o símbolo Ankh com um pequeno grupo de acompanhantes, mas no período final de sua história, as imagens mostram-na, por vezes, com itens geralmente associados apenas a Hathor: o sistro sagrado e o colar símbolo de fertilidade "menat". No "The Book of Coming Forth By Day" Ísis está representada de pé sobre a proa da Barca Solar, com os braços estendidos.[6]

A estrela "Sept" (Sirius) está associada a Ísis. O surgimento dela no firmamento significava o advento de um novo ano, e Ísis foi igualmente considerada a deusa do renascimento e da reencarnação, e como protetora dos mortos. O Livro dos Mortos descreve um ritual especial, para proteger os mortos, que permitia viajar em qualquer parte do mundo subterrâneo. A maior parte dos títulos de Ísis tem relação com o seu papel de deusa protetora dos mortos.

Mitologia

Quando visto como deificação da esposa do faraó em mitos tardios, o proeminente papel de Ísis foi como assistente do faraó morto. Desse modo, ela ganhou uma associação funerária, com o seu nome a aparecer mais de oitenta vezes nos chamados Textos das Pirâmides, afirmando-se que ela era a mãe das quatro divindades que protegiam os vasos canopos, nomeadamente a protetora da divindade do vaso do fígado, Imset. Esta associação com a esposa do faraó também trouxe a ideia de que Ísis era considerada a esposa de Hórus (outrora visto como seu filho), que era protetor e, posteriormente, a deificação do faraó. À época do Médio Império, da XI dinastia egípcia até à XV dinastia egípcia, entre 2040 e 1640 a.C., à medida em que os textos funerários começam a ser utilizado por maior número de membros da sociedade egípcia, além da família real, cresce também o seu papel de proteger os nobres e até mesmo os plebeus.
À época do Novo Império, a XVIII, a XIX e a XX dinastias, entre 1570 e 1070 a.C., Ísis adquiriu proeminência como a mãe e protetora do faraó. Durante este período, ela é descrita como amamentando o faraó e é frequentemente assim representada.
O papel do seu nome e de sua coroa-trono é incerto. Alguns dos primeiros egiptólogos acreditaram que ser a mãe-trono foi a primitiva função de Ísis, no entanto, uma corrente mais moderna afirma que aspectos desse papel vieram mais tarde, por associação. Em muitas tribos africanas, o trono é conhecido como "a mãe do rei", e esse conceito enquadra-se bem em ambas as teorias.[carece de fontes?]

 Irmã-esposa de Osíris



Possível representação de Ísis lamentando a perda de Osíris (terracota, XVIII dinastia egípcia, Museu do Louvre, Paris).

No Império Antigo, da III à VI dinastia egípcia, entre 2686 a.C. e 2134 a.C., os panteões das cidades egípcias variaram de região para região. Durante a V dinastia, Ísis pertenceu à Enéade da cidade de Heliópolis. Acreditava-se então que ela era filha de Nut e Geb, e irmã de Osíris, Néftis e Seth. As duas irmãs, Ísis e Néftis, muitas vezes eram representadas nos sarcófagos com grandes asas esticadas, como protetoras contra a maldade. Como deidade funerária, Ísis foi associada a Osíris, senhor do submundo (Duat), e foi considerada sua esposa.

A mitologia tardia (ultimamente em resultado da substituição de um outro deus do submundo, Anúbis, quando o culto de Osíris ganhou mais importância) fala-nos do nascimento de Anúbis. A narrativa descreve que, como Seth negava um filho a Néftis, esta então disfarçou-se como Ísis, muito mais atraente, para seduzi-lo. O plano falhou, mas Osíris passou a achar Néftis muito atraente, pensando que ela era Ísis. Eles copularam, o que resultou no "nascimento" de Anúbis. Em outra narrativa, Néftis deliberadamente assumiu a forma de Ísis, a fim de enganar Osíris e assim obter dele a paternidade de seu filho. Com medo das represálias de Seth, Néftis persuadiu Ísis a adoptar Anubis, de modo a que a criança não viesse a ser descoberta e morta. Essa narrativa explica tanto porque Anúbis é visto como uma divindade do submundo (uma vez que se torna filho de Osíris), quanto porque não poderia herdar a posição de Osíris (uma vez que não era um herdeiro legítimo), preservando posição de Osíris como Senhor do submundo. Deve ser lembrado, no entanto, que este novo mito foi apenas uma criação posterior do culto de Osíris que queria retratar Seth em um papel de maldade, como inimigo de Osíris.

Em outro mito de Osíris, Seth preparou um banquete para Osíris apresentando uma bela caixa e declarando que, quem coubesse perfeitamente nela, poderia ficar com ela como um presente. Ora, Seth havia medido Osíris enquanto este dormia, certificando-se assim que este era o único a caber perfeitamente na caixa. Após vários dos presentes terem tentado encaixar-se nela, chegou a vez de Osíris, que a preencheu perfeitamente. Seth então fechou a tampa da caixa, transformando-a num caixão para Osíris. Em seguida, Seth afundou a caixa fechada com Osíris nas águas do rio Nilo, que a levaram para muito longe. Assim que soube do ocorrido, Ísis foi procurar a caixa, para Osíris pudesse ter um enterro apropriado. Foi encontrá-la na longínqua Biblos, cidade na costa da Fenícia, e trouxe-a de volta ao Egito, ocultando-a em um pântano. Entretanto, naquela noite Seth foi à caça, vindo a encontrar a caixa oculta. Enfurecido, Seth retalhou o corpo de Osíris em catorze pedaços, e os espalhou por todo o Egito, para se certificar de Ísis jamais poderia encontrá-los e dar assim um enterro adequado a Osíris. garantir que nunca poderia encontrar Ísis Osíris novamente para um enterro apropriado[7], [8]. Ísis e Néftis, sua irmã, dedicaram-se então à busca dos pedaços, tendo conseguido encontrar apenas treze. Um peixe havia engolido o último, o pénis, que Ísis refez utilizando magia. Desse modo, com todas as partes reunidas do corpo morto de Osíris, ela pode conceber Hórus. O número de partes do corpo de Osíris é descrito de forma variável nas paredes de diversos templos, entre catorze e dezesseis e, ocasionalmente, em quarenta e duas, uma para cada nomo ou distrito[8].

 Mãe de Hórus



Ísis amamentando Hórus (Museu do Louvre).


Ísis amamentando Hórus, com a cobertura de Háthor.
Através da fusão de seus atributos com os de Hathor, Ísis tornou-se a mãe de Hórus, mais do que sua esposa, e isto, quando as crenças acerca de Ra absorveram Atum em Atum-Ra, sendo ainda necessário ter-se em conta que Ísis integrou a Enéade, como a esposa de Osíris. É necessário explicar, entretanto, como é que Osíris que (como Senhor da Morte) estava morto, pode ser considerado pai de Hórus, que não era considerado morto. Este conflito nas narrativas conduziu à evolução da ideia de que Osíris mecessitava de ser ressuscitado e posteriormente, à versão da Lenda de Osíris e Ísis de que o grego Plutarco, no século I, em "De Iside et Osiride", nos deixou a versão mais extensa atualmente conhecida[9]
Um outro conjunto de mitos tardios detalha as aventuras de Ísis após o nascimento do filho póstumo de Osíris, Hórus. Foi dito que Ísis deu à luz a Hórua e Khemmis, ao que se pensa, no delta do rio Nilo[10]. Muitos perigos surgiram para Hórus após o seu nascimento e Ísis navegou com o pequeno Hórus para escapar da ira de Seth, o assassino de seu esposo. Em um instante, Ísis curou Hórus de uma picada mortal de escorpião, além de outros milagres com relação ao cippi, as placas de Hórus. Ísis protegeu e promoveu Hórus até que estivesse suficientemente grande e forte para encarar Seth e tornar-se, subsequentemente, faraó do Egito.

 Assimilação de Mut 

Mut, uma divindade primordial chamada "mãe"", foi originalmente um título para as águas primordiais do cosmos, a mãe de quem o universo surgiu. Quando o emparelhamento das divindades começou, Mut tornou-se uma consorte de Amon, a quem já tinha sido atribuída uma esposa completamente diferente. Após a autoridade de Tebas haver aumentado durante a XVIII dinastia egípcia e ter tornado Amon em um deus muito mais significativo, o seu culto diminuiu, e Amon foi assimilado a Ra.

Em consequência, a consorte de Amon, Mut, até então descrita como uma coruja[11] mãe-adotiva que, nessa altura já tinha absorvido os atributos de outras deusas, outras deusas-se, também foi assimilada como esposa de Rá, Ísis-Hathor como "Mut-Ísis-Nekhbet". Na ocasião, a infertilidade de Mut foi levada em consideração, e assim, o nascimento de Hórus, que era demasiado importante para ser ignorado, necessitou ser explicado afirmando-se que Ísis ficou grávida por magia, quando ela se transformou em um papagaio e voou sobre o corpo morto de Osíris.
Mais tarde, os mitos tornaram-se bastante mais complexos. O consorte de Mut era Amon, que nessa época tinha se identificado com Min como "Amon-Min" (também conhecido pelo seu epíteto "Kamutef"). Desde que Mut tornou-se parte de Ísis, era natural tentar fazer Amon parte de Osíris, marido de Ísis, mas isso não era facilmente conciliável, uma vez que Amon-Min era um deus da fertilidade e Osíris era o deus dos mortos. Consequentemente, eles permaneceram considerados em separado, e Ísis, por vezes, afirmou-se ser amante de Min. Posteriormente, em uma fase em que Amon-Min foi considerado um aspecto de Ra ("Amon-Ra"), ele também foi considerado um aspecto de Hórus, uma vez que Hórus foi identificado como Ra, e, portanto, filho de Ísis e, em raras ocasiões, afirmou-se ao contrário ser Min, evitando a confusão sobre o estatuto de Hórus como marido e filho de Ísis.

Atributos mágicos

De modo a ressuscitar Osíris com o fim de gerar um filho, Hórus, era necessário a Ísis "aprender" magia (que por muito tempo havia sido um atributo seu, antes do surgimento do culto a Ra), e então passou a afirmar-se que Ísis enganou Ra (Amon-Ra ou Atum-Ra), fazendo com que este fosse picado por uma cobra egípcia - para o que apenas ela possuía a cura -, para que este lhe dissesse o seu nome "secreto". Os nomes das divindades eram secretos, de domínio apenas dos altos líderes religiosos, uma vez que esse conhecimento permitia invocar o poder da divindade. Que ele fosse usar o seu nome "secreto" para "sobreviver" implica em que a serpente tivesse que ser uma divindade mais poderosa do que Ra. Ora, a mais antiga divindade conhecida no Egito foi Uadjit, a cobra egípcia, cujo culto nunca foi suplantado na antiga religião egípcia. Como uma divindade da mesma região, teria sido um recurso benevolente para Ísis. O uso dos nomes secretos tornou-se um elemento central nas práticas mágicas egípcias do período tardio, e Ísis é invocada muitas vezes para que use "o verdadeiro nome de Rá" durante os rituais. Ao final do período histórico do antigo Egito, após a sua ocupação pelos gregos e pelos romanos, Ísis tornou-se a mais importante e poderosa divindade do panteão egípcio por causa de suas habilidades mágicas. A magia é um elemento central em toda a mitologia de Ísis, possivelmente mais do que para qualquer outra divindade egípcia.
Antes desta alteração tardia na natureza da religião antiga egípcia, a lei de Ma'at havia orientado as ações corretas para a maioria dos milhares de anos de religião egípcia, com pouca necessidade de magia. Thoth era o deus que recorria à magia quando era necessário. A deusa que detinha o papel quadruplo de curadora, protetora dos vasos canopos, protetora do casamento, e senhora da magia anteriormente havia sido Serket. Ela então foi considerada como atributo de Ísis, pelo que não é de surpreender que Ísis tinha um papel central nos rituais e feitiços egípcios, nomeadamente os de proteção e cura. Em muitos feitiços, essas atribuições são inteiramente fundidas, mesmo com as de Hórus, uma vez que invocações a Ísis supostamente envolvem automáticamente poderes de Hórus. Na história do Egito a imagem de um Hórus ferido tornou-se uma característica padrão de feitiços de Ísis de cura, em que geralmente se invocam os poderes curativos do leite de Ísis[12].

O mundo greco-romano



Uma sacerdotisa de Ísis (estátua romana, século II).
Após a conquista do Egito por Alexandre o Grande o culto de Ísis difundiu-se através do mundo greco-romano.[13]. No período helenístico Ísis adquiriu uma nova posição como deusa dominante no mundo mediterrânico.
A deusa protetora de Cleópatra era Ísis, e durante o seu reinado acreditou-se que ela era a reencarnação e incorporação da deusa da sabedoria.
Em Roma, Tácito registrou que após o assassinato de Júlio César, foi decretada a construção de um templo em honra de Ísis; Augusto suspendeu esta construção, e tentou trazer os Romanos de volta às antigas divindades, que eram estreitamente associadas à figura do Estado. Eventualmente o imperador Calígula abandonou os cuidados de Augusto em favor do que foi descrito como "cultos orientais", e foi em seu reinado que o festival de Ísis foi estabelecido em Roma. De acordo com Flávio Josefo, Calígula vestiu-se como uma mulher e tomou parte nos mistérios que instituiu.
[Vespasiano]], assim como Tito, praticaram incubação no Iseum romano. Domiciano fez erguer um outro Iseum juntamente com um Serapeum. Trajano foi representafo diante de Ísis e de Hórus, presenteando-os com oferendas votivas de vinho em um baixo-relevo em seu arco do triunfo.[14] Adriano decorou a sua villa em Tibur com cenas Isíacas. Galério considerou-a sua protetora.[15]
As perspectivas Romanas dos cultos eram sincréticas, vendo nas novas divindades meros aspectos locais dos que lhes eram familiares. Para muitos Romanos, a Ísis egípcia era um aspecto da Cibele Frígia, cujos ritos orgíacos estavam há muito implantados em Roma. De fato, ela foi conhecida como "Ísis dos Dez Mil Nomes".
Entre os nomes da Ísis Romana, "Rainha do Céu" destaca-se por sua longa e continua história. Heródoto identifica Ísis com as deusas da agricultura Deméter na mitologia grega e Ceres na romana.
No período tardio, Ísis também teve templos através da Europe, Britania, África e Ásia. Uma estátua de Ísis em alabastro, do século III encontrada em Ohrid, na República da Macedónia, está representada no anverso da nota de 10 dinares macedónios emitida em 1996.[16]
O pré-nome masculino "Isidoro" (também "Isidro") significa em Língua grega antiga "Presente de Ísis" (semelhante a "Teodoro", "Presente de Deus"). O nome, comum à época romana, sobreviveu à supressão do culto a Ísis e permanece popular até aos nossos dias - sendo, entre outros, o nome de diversos santos cristãos.

Ísis na Literatura

Plutarco, um sábio da Grécia antiga, que viveu entre 46 a.C. e 120, é autor de "Ísis e Osíris"[17], considerada uma das principais fontes sobre os mitos tardios sobre Ísis[18]. Nela, acerca de Ísis, refere "ela é tanto sábia quanto amante da sabedoria; como o seu nome parece denotar que, mais do que qualquer outro, o saber e o conhecimento pertencem a ela." e que o santuário da deusa em Sais continha a inscrição "Eu sou tudo o que foi, é, e será, e meu véu nenhum mortal levantou até agora."[19]. Em Sais, no entanto, a padroeira do seu antigo culto foi Neith, deusa de que muitos traços tinham começado a ser atribuídos a Ísis durante a ocupação grega. Mais tarde, o escritor romano Apuleio, em O Asno de Ouro, dá-nos o seu entendimento acerca de Ísis no século II. O parágrafo abaixo é particularmente significativo:
"Você me vê aqui, Lúcio, em resposta à sua oração. Eu sou a natureza, Mãe universal, senhora de todos os elementos, filha primordial do tempo, soberana de todas as coisas espirituais, rainha dos mortos, também rainha dos imortais, a manifestação única de todos os deuses e deusas que são, o meu comando governa as alturas brilhantes dos Céus, a salutar brisa do mar. Embora eu seja adorada em muitos aspectos, conhecidos por nomes incontáveis... alguns me conhecem como Juno, alguns como Belona... os egípcios que se destacam no aprendizado e culto antigo me chamam pelo meu verdadeiro nome... Rainha Ísis."

Paralelos com a Virgem Maria






Paralelos entre representações de Ísis/Hórus e Maria/Jesus: a imagem à esquerda é um bronze egípcio do período Ptolemaico (hoje na Walters Art Gallery); à direita, "Nossa Senhora do Perpétuo Socorro", um conhecido ícone do século XVI (no Mosteiro de Santa Catarina, no Sinai.


Alguns eruditos traçam paralelos entre a adoração de Ísis na época final do Império Romano e a adoração à Virgem Maria cristã. Quando o cristianismo começou a ganhar popularidade, difundindo-se na Europa e em todas as partes do Império, os primitivos cristãos converteram um relicário da Ísis egípcia em um para Maria e de outros modos "deliberadamente tomaram imagens do mundo pagão".[20]
Embora a Virgem Maria não seja idolatrada pelos cristãos (é venerada tanto pelos Católicos quanto pelos Ortodoxos), o seu papel, como figura de mãe compassiva, tem paralelos com a figura de Ísis.[20] O historiador Will Durant observou que "os primitivos Cristãos por vezes fizeram os seus cultos diante de estátuas de Ísis amamentando o filho Hórus, vendo nelas uma outra forma do nobre a antigo mito pelo qual a mulher (isto é, o princípio feminino) é a criadora de todas as coisas, tornando-se por fim, a "Mãe de Deus"".[21] Hórus, sob este aspecto infantil, foi denominado Harpócrates pelos antigos Gregos.
Isto é fruto da exposição dos primitivos cristãos à arte egípcia. Uma pesquisa com "os vinte principais Egiptólogos", conduzida pelo Dr. W. Ward Gasque, um erudito cristão, revelou que todos os participantes reconheceram "que a imagem de Ísis com o bebê Hórus influiu influiu na iconografia cristã da Virgem e o Menino", mas que não houve nenhuma outra semelhança, como por exemplo, que Hórus tenha nascido de uma virgem, que tenha tido doze seguidores, ou outras.[22]

IDRIA
Primeiro íconi cristão- Autoria: São Lucas Evangelista

A veneração a Maria na Igreja Ortodoxa[23] e mesmo na tradição da Igreja Anglicana é frequentemente superestimada.[24] As imagens tradicionais (ícones) de Maria ainda são populares na Igreja Ortodoxa nos dias de hoje.[25]

Títulos

No Livro dos Mortos Ísis encontra-se referida com os seguintes títulos:
  • Aquela que dá origem ao Céu e à Terra
  • Aquela que conhece o órfão
  • Aquela que conhece a aranha viúva
  • Aquela que procura justiça para os pobres
  • Aquela que procura abrigo para as pessoas fracas
Outros dos muitos títulos de ísis, são:
  • Rainha do Céu
  • Mãe dos Deuses
  • Aquela que é Todos
  • Senhora das Culturas Verdejantes,
  • A mais brilhante no firmamento
  • Stella Maris[26]
  • Grande Senhora da Magia
  • Senhora da Casa da Vida,
  • Aquela que sabe fazer o uso correto do Coração
  • Doadora da Luz do Céu
  • Senhora das Palavras de Poder,
  • Lua brilhante sobre o Mar


 

Mozart - Zauberflöte - 10 Aria - Sarastro-ISIS e OSIRIS





         Mozart : Radeir   - 22x30 cm -osm -1997-


 













 

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