sábado, 12 de junho de 2010

Kirk Douglas & Anthony Quinn - Lust For Life (1956)

Kirk Douglas & Anthony Quinn - Lust For Life (1956)

Kirk Douglas & Anthony Quinn - Lust for Life (1956)

Kirk Douglas & Anthony Quinn - Lust for Life (1956)

Van Gogh - Sede de Viver (Legendado)

A INTUIÇÃO COMO MÉTODO DA FILOSOFIA - Manuel Morente


Fundamentos de Filosofia

de Manuel Morente


18.   Método discursivo e método intuitivo.
 
Em nossa lição anterior havíamos tomado como tema o método da filosofia, e havíamos chegado ao ponto em que a intuição se nos apresentava insistentemente na história do pensamento filosófico como o método fundamental, principal, da filosofia moderna.

Descartes foi, na filosofia moderna, o primeiro que, decompondo em seus elementos as atitudes com que nos situamos ante o mundo exterior e ante as opiniões transmitidas dos filósofos, chega a lima Intuição primordial, primária, da qual logo parte para reconstruir todo o sistema da filosofia. Descartes faz, pois, da intuição o método primordial da filosofia.

Mais tarde, depois de Descartes, o método da intuição continua a florescer entre os filósofos modernos. Empregam-no principalmente os filósofos idealistas alemães (Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer), e na atualidade o método da intuição é também geralmente aplicado nas disciplinas filosóficas.

Assim, pois, pensei que seria conveniente dedicar toda uma lição ao estudo demorado daquilo que é a intuição, de quais são suas fórmulas principais, de como atualmente, na filosofia do presente, ás distintas formas de intuição estão representadas por diferentes filósofos e diversas escolas e tirar logo as conclusões desse estudo para fixar em linhas gerais o uso que nós mesmos vamos fazer aqui da Intuição como método filosófico.

A primeira coisa que nos perguntaremos é: que é a intuição? Em que consiste a intuição?

A intuição se nos oferece, em primeiro lugar, como um meio de chegar ao conhecimento de algo, e se contrapõe ao conhecimento discursivo. Para compreender bem o que seja o método intuitivo convém, por conseguinte, que o exponhamos em contraposição ao método discursivo. Será mais fácil começar pelo método discursivo.

Como a palavra "discursivo" indica, este método tem relação com a palavra "discorrer" e com a palavra "discurso". Discorrer e discurso dão a idéia, não de um único ato encaminhado para o objeto, mas de uma série de atos, de uma série de esforços sucessivos para captar a essência ou realidade do objeto.

Discurso, discorrer, conhecimento discursivo é, pois, um. conhecimento que chega ao fim proposto mediante uma série de esforços sucessivos que consistem em ir fixando, por aproximações sucessivas, umas teses que logo são contraditas, discutidas cada qual consigo mesma, melhoradas, substituídas por outras novas teses ou afirmações e assim até chegar a abranger por completo a realidade do objeto, e, por conseguinte, obter dessa maneira o conceito.

O método discursivo é, pois, essencialmente um método indireto. Em lugar de ir o espírito direto ao objeto, passeia, por assim dizer, ao redor do objeto, considera-o e contempla-o de múltiplos pontos de vista: vai sitiando-o cada vez mais de perto, até que por fim consegue forjar um conceito que se aplica perfeitamente a ele.

Frente a este método discursivo está o método intuitivo. A intuição consiste exatamente no contrário. Consiste num único ato do espírito que, de repente, subitamente, lança-se sobre o objeto, apreende-o, fixa-o, determina-o com uma só visão da alma. Por isso a palavra "intuição" tem relação com a palavra "intuir", a qual, por sua vez, significa em latim "ver". Intuição vale tanto como visão, como contemplação.

O caráter mais evidente do método da intuição é ser direto, enquanto que o método discursivo é indireto. A intuição vai diretamente ao objeto. Por meio da intuição obtém-se um conhecimento imediato, enquanto por meio do discurso, do discorrer ou do raciocinar, obtém—se um conhecimento mediato, ao final de certas operações sucessivas.

19.   A intuição sensível
Existem na realidade intuições? Existem; e o primeiro exemplo, e mais característico, da intuição, é a intuição sensível, que todos praticamos a cada instante. Quando com um só olhar percebemos um objeto, um copo, uma árvore, uma mesa, um homem, uma paisagem, com um só ato conseguimos ter, captar esse objeto. Esta intuição é imediata, é uma comunicação direta entre mim e o objeto.

Por conseguinte, fica claro e evidente que existem intuições, embora não fosse mais que esta intuição sensível; porém, esta intuição sensível não pode ser a intuição de que se vale o filósofo para fazer o seu sistema filosófico. E não pode ser a intuição de que se vale o filósofo por duas razões fundamentais. A primeira é que a intuição sensível não se aplica senão a objetos que se oferecem aos sentidos, e, por conseguinte, só é aplicável e válida para aqueles casos que, por  meio   das   sensações,   nos   são   imediatamente   dados. Em vez disto, o filósofo necessita tomar, como base do seu estudo, objetos que não se apresentam imediatamente na sensação e na percepção sensível; tem que tomar como termo do seu esforço objetos não sensíveis. Não pode servir-lhe por conseguinte a intuição sensível.

Mas, além disto, há outra razão que impediria ao filósofo usar a intuição sensível, e é porque esta, em rigor, não nos proporciona conhecimento, pois como não se dirige mais que a um objeto singular, a este que está diante de mim, que efetivamente está aí, a intuição sensível tem o caráter da individualidade, não é válida mais que para esse objeto particular que está diante de mim. Em vez disso, a filosofia tem por objeto não o singular que está aí, diante de mim, mas objetos gerais, universais. Por conseguinte, a intuição sensível, que está, pela sua essência, atada à singularidade do objeto, não pode servir em filosofia, a qual, pela sua essência, se encaminha à universalidade ou generalidade dos objetos.

20.   A intuição espiritual.
Se não houvesse mais intuição que a intuição sensível, a filosofia ficaria muito mal servida.

Mas é o caso que há na nossa vida psíquica outra intuição além da intuição sensível. Existe, digo, outra intuição que, desde já, antes de trocar-lhe o nome, vamos denominar "intuição espiritual". Assim, por exemplo, quando eu aplico o meu espírito a pensar este objeto: "Que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo", vejo sem necessidade de demonstração (a demonstração é discurso e conhecimento discursivo), com uma só visão do espírito, com uma evidência imediata, direta e sem necessidade de demonstração, que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. O princípio de contradição, como o chamam os lógicos, é, pois, intuído por uma visão direta do espírito, é uma intuição.

Quando eu digo que a cor vermelha é distinta da cor azul, esta diferença entre o vermelho e o azul, vejo-a também com os olhos do espírito mediante uma visão direta e imediata. Eis um segundo exemplo de uma intuição que já não é sensível. É sensível a intuição do vermelho, é sensível a intuição do azul, porém a intuição da relação de diferença — a intuição de que o vermelho é diferente do azul — essa já não é uma intuição sensível, porque seu objeto, que é a diferença, não é um objeto sensível, como o azul e o vermelho.

Quando eu digo que a distância de um metro é menor do que a distância de dois metros, esta diferença, esta relação, é o objeto de uma intuição e não é um objeto sensível.

Por conseguinte a intuição, que estes exemplos nos descobrem, não é uma intuição sensível. Existe, pois, uma intuição espiritual, que se diferencia da intuição sensível em que seu objeto não ó um objeto sensível. Esta intuição tampouco se faz por meio dos sentidos, mas por meio do espírito.

Até agora vou falando do espírito em geral, sem maior precisão. Mas agora é preciso ir depurando, purificando, esclarecendo mais esta noção que já temos da intuição.

Se considerarmos os exemplos com que ilustramos esta intuição espiritual, dar-nos-emos conta imediatamente de que eles nos colocam diante de um gênero de objetos que são sempre relações, e estas relações são de caráter formal. Referem-se à forma dos objetos. Não ao seu conteúdo, mas a esse caráter, por assim dizer, exterior, que todos os objetos têm de comum: a dimensão, o tamanho etc. Então, por meio da intuição espiritual, no sentido em que a empregamos até agora, percebemos diretamente, intuímos diretamente formas dos objetos: ser maior ou ser menor; ser grande ou ser pequeno em relação a um módulo; poder ser ou não ao mesmo tempo. Mas todas estas são formalidades.

A intuição espiritual nos exemplos que acabo de oferecer é, pois, uma intuição puramente formal. Se não houvesse outra na -vida do filósofo, mal andaria ele. Se não pudesse ter mais intuições que intuições formais, também não poderia construir a sua filosofia porque com simples formalismos não se pode penetrar na essência, na realidade roesma das coisas, como o filósofo pretende mais do que nenhum outro pensador.

Porém, há na vida do filósofo outra intuição que não é puramente formal, há outra intuição que, para contrapô-la a intuição formal, chamaremos "intuição real". Há outra intuição que penetra no fundo mesmo da coisa, que chega a captar sua essência, sua existência, sua consistência. Esta intuição que vai diretamente ao fundo da coisa é a que aplicam os filósofos. Não uma simples intuição espiritual, mas uma intuição espiritual de caráter real, por contraposição à intuição de caráter formal a que antes me referia. E esta intuição de caráter real, esta saída do espírito, que vai tomai contacto com a íntima realidade essencial e existencial dos objetos, esta intuição real, podemos, por sua vez, dividi-la em três classes, segundo predomine nela, ao verificá-la, por parte do filósofo, a atitude espiritual, ou a atitude emotiva, ou a atitude volitiva.

21.   A intuição intelectual, emotiva e volitiva.

Quando na atitude da intuição o filósofo põe principalmente em jogo suas faculdades intelectuais, então temos a intuição intelectual. Esta intuição intelectual tem no objeto seu correlato exato. Já sabemos que todo ato do sujeito, todo ato do espírito na sua integridade, se encaminha para os objetos, e o ato do sujeito tem então sempre seu correlato objetivo, consistente, para tal intuição, na essência do objeto. A intuição intelectual é um esforço para captar diretamente mediante um ato direto do espírito, a essência, ou seja, aquilo que o objeto é.

Mas existe, além. disso, outra atitude intuitiva do sujeito em que atuam predominantemente motivos de caráter emocional. Esta segunda espécie de intuição, que chamamos intuição emotiva, tem também seu correlato no objeto. O correlato a que se refere intencionalmente a intuição emotiva já não é a essência do objeto, já não é aquilo que o objeto é, mas o valor do objeto, aquilo que o objeto vale.

No primeiro caso a intuição nos permite captar o éidos, como se diz em grego, a essência ou a consistência do objeto. No segundo caso, ao contrário, o que captamos não é aquilo que o objeto é, mas aquilo que o objeto vale, ou seja, se o objeto é bom ou mau, agradável ou desagradável, belo ou feio, magnífico ou mísero.

Todos estes valores que estão no objeto são captados por uma intuição predominantemente emotiva.

E existe uma terceira intuição na qual as motivações internas do sujeito, que se coloca nessa atitude, são predominantemente volitivas. Esta terceira intuição em que os motivos que se entrechocam são derivados da vontade, derivados do querer, tem também seu correlato no objeto. Não se refere nem â essência, como a intuição intelectual, nem ao valor, como a intuição emotiva. Refere-se à existência, à realidade existencial do objeto.

Por meio da intuição intelectual propende o pensador filosófico a desentranhar aquilo que o objeto é. Por meio da intuição emotiva propende a desentranhar aquilo que o objeto vale, o valor do objeto. Por meio da intuição volitiva desentranha, não aquilo que é, senão que é, que existe, que está aí, que é algo distinto de mim. A existência do ser manifesta-se ao homem mediante um tipo de intuição predominantemente volitiva.

22.   Representantes filosóficos de cada uma.
Estes três tipos de intuição estão representados amplamente na história do pensamento humano.

A intuição intelectual pura encontramo-la na Antigüidade, em Platão; na época moderna, em Descartes e nos filósofos idealistas alemães, sobretudo em Schelling e Schopenhauer.

A intuição emocional ou emotiva também está amplamente representada na história do pensamento humano. Na antigüidade encontramo-la no filósofo Plotino; mais tarde, em alto grau, levada a um dos mais sublimes níveis da história do pensamento, encontramo-la em Santo Agostinho. Na filosofia de Santo Agostinho, a intuição emotiva chega a refinamentos e resultados extraordinários. Depois de Santo Agostinho, durante toda a Idade Média, combatem e lutam ‘uns contra outros os partidários da intuição intelectual e da intuição emotiva. As escolas, principalmente dos franciscanos, de caráter místico, contrapõem-se ao racionalismo de S. Tomás. Corre por toda a Idade Média este duplo fluir dos partidários de uma e de outra intuição.

Por último, a intuição emotiva, que em alguns casos não deixa de estar tingida de um elemento religioso, encontra-se em dois pensadores modernos, nos quais quase não foi notada até agora. Um ó Espinosa. Em muitíssimos livros de filosofia se diz que Espinosa não faz uso da intuição; que Espinosa demonstra suas proposições more geométrico, como puras demonstrações de teoremas de geometria, onde o elemento discursivo abafa por completo toda intuição. Todavia, isto é mera aparência. Na realidade, no fundo da filosofia de Espinosa, existe como que uma intuição mística; chega um momento, no último livro da Ética de Espinosa, em que, sob a forma de uma demonstração geométrica, aparece a intuição emotiva, que rompe os moldes lógicos da demonstração e se faz patente ao leitor, não sem uma comoção verdadeiramente tremenda da alma; é quando Espinosa, ao chegar quase ao término de seu livro, sente-se elevado, sente-se sublimado no propósito filosófico que desde o começo o anima, e escreve esta frase como o enunciado de um de seus teoremas: "Sentimus experimurque nos esse aeternos", que quer dizer: "Nós sentimos e experimentamos que somos eternos". Aí se vê bem até que ponto toda esta crosta de teoremas e de demonstrações estava recobrindo uma intuição palpitante de emoção, uma intuição quase mística da identidade do finito com o infinito e da eternidade no próprio presente.

Outro que, por estranho que pareça, pretende também esta intuição emotiva é nada menos que o filósofo inglês Hume. Para Hume a existência do mundo exterior e a existência do nosso próprio eu não podem ser objeto de intuição intelectual; não podem ser objeto nem de intuição intelectual nem de demonstração racional. Não se pode demonstrar a ninguém que o mundo exterior existe ou que o eu existe. A única coisa que se pode fazer é convidar alguém a dizer se acredita que existe o mundo exterior ou se crê que existe o eu, porque a idéia que temos do mundo exterior não é mais que um belief, uma crença. Cremos, temos fé; nossa crença no mundo exterior e na realidade de nosso eu é um ato de fé.

Quanto à intuição volitiva, tem na história da filosofia porta-vozes e representantes bem autorizados, dentre os quais aquele que talvez mais profundamente chegou a sentir esta intuição de caráter volitivo é o filósofo alemão Fichte. Fichte faz depender a realidade do universo e a própria realidade do eu de uma afirmação voluntária do eu. O eu voluntariamente se afirma a si mesmo; cria-se, por assim dizer, a si mesmo; põe-se a si mesmo. E ao pôr-se a si mesmo, põe-se exclusivamente como vontade, não como pensamento; como uma necessidade de ação, como algo que necessita realizar-se na ação, na execução de algo querido e desejado. E para que algo seja querido e desejado, o eu, ao pôr-se a si mesmo, põe-se, melhor dito, propõe a si obstáculos para seu próprio desenvolvimento, com o objetivo de poder transformar-se em solucionador de problemas, em ator de ações, em algo que rompe esses obstáculos. A realização de uma vida, que consiste era dominar obstáculos, é para Fichte a origem de todo o sistema filosófico. Aqui temos na sua maior plenitude uma intuição de caráter volitivo.

De modo que na história da filosofia moderna os três tipos principais de intuição estão ampla e magnificamente representados.

Na filosofia contemporânea, a dos filósofos que vivem ainda ou desapareceram faz pouco tempo, a intuição constitui também a forma fundamental do método filosófico. Em uma ou outra modalidade, a intuição constitui, em toda a filosofia contemporânea, o instrumento principal de que o filósofo se vale para lograr as aquisições de seus sistemas.

As modalidades em que esta intuição se apresenta na filosofia contemporânea são muito variadas. Seja dito de passagem, existe na filosofia contemporânea um imoderado afã de originalidade. Cada filosofo pretende ter um sistema. Se nós quiséssemos seguir em todos os seus variados matizes as divergências que há entre este, esse e aquele, essas pequenas divergências que há entre um e outro, com suas preocupações de originalidade e de dizer o que ninguém disse, perder-nos-íamos numa selva de minúcias, muitas vezes pouco significativas.

Fazendo uma classificação geral e tomando as principais figuras do pensamento contemporâneo, podemos encontrar até três modalidades no uso do método da intuição.

Estas três modalidades vamos expô-las com os nomes dos filósofos que melhor as representam.

Temos primeiramente a intuição como a emprega e pratica Bergson. A segunda modalidade está representada principalmente por Dilthey. A terceira modalidade está representada por Husserl, que formou uma escola bastante extensa pelo número de seus seguidores e que costumava levar o nome de "escola fenomenológica".

Vamos tentar caracterizar brevemente a classe de intuição que cada um desses três pensadores preconiza como o método da filosofia.

 Fonte
CONSCIENCIA.ORG 
http://www.consciencia.org/fundamentosfilosofiamorente3.shtml

Fundamentos de Filosofia de Manuel Morente

A INTUIÇÃO EM HUSSERL


Fundamentos de Filosofia 

de Manuel Morente

 
25.   A intuição em Husserl.

A intuição fenomenológica de Husserl, para caracterizá-la em termos muito gerais, e, por conseguinte, muito vagos, teria que ser relacionada com o pensamento platônico. Husserl pensa que todas as nossas representações são representações que devemos  olhar de dois pontos de vista. Desde logo, um ponto de vista psicológico segundo o qual têm uma individualidade psicológica como fenômenos psíquicos; todavia, como todos os fenômenos psíquicos, eles contêm a referência intencional a um objeto.

Cada uma de nossas representações é, pois, em primeiro lugar, uma representação singular. Em segundo lugar, esta representação singular é o representante, o mandatário, diremos, de um objeto, Assim, se eu quero pensar o objeto Napoleão, não posso pensá-lo de outra maneira que representando-me Napoleão, mas a representação que eu tenho de Napoleão terá que ser singular: ora imagino-o montado a cavalo na ponte de Arcole, ora suponho-o na batalha de Austerliz, com a cabeça baixa e a mão enfiada na sua túnica; ora figuro-o desesperado, após a derrota de Waterloo. Cada uma dessas representações por si mesma é singular; mas as três, embora sejam totalmente distintas umas das outras, referem-se ao mesmo objeto que é Napoleão.

Pois bem: a intuição fenomenológica consiste em olhar para uma representação qualquer, prescindindo de sua singularidade, prescindindo ,do seu caráter psicológico particular, colocando entre parente ses a existência singular da coisa; e então, afastando de si essa existência singular da coisa, para não procurar na representação senão aquilo que tem de essencial, procurar a essência geral, universal, na representação particular.
Considerar, pois, cada representação particular como não particular, colocando entre parênteses, eliminando de nossa contemplação, aquilo que tem de particular, para não olhar senão aquilo que tem de geral; e uma vez que conseguirmos lançar o olhar intuitivo sobre aquilo que cada representação particular tem de geral, teremos nessa representação, embora particular, plasticamente realizada a essência geral. Teremos a idéia, como ele diz, renovando a terminologia de Platão, e por isso se trata aqui, para Husserl, de uma intuição do tipo que denominamos intelectual.

Temos, pois, em linhas gerais aproximadamente o seguinte: que Bergson nos representa a intuição de tipo emotivo; que Dilthey nos representa  a intuição  existencial  volitiva;  e  Husserl  representa  a intuição intelectual à maneira de Platão ou talvez também à maneira de Descartes

Fonte
CONSCIENCIA.ORG  
http://www.consciencia.org/fundamentosfilosofiamorente3.shtml

Fundamentos de Filosofia de Manuel Morente

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A INTUIÇÃO - BERGSON


A INTUIÇÃO  EM  BERGSON

Fundamentos de Filosofia 

de Manuel Morente

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23.    A intuição em Bergson.
Para Bergson a filosofia não pode ter outro método que o da intuição. Qualquer outro método que não seja a intuição falsearia radicalmente a atitude filosófica. Por quê? Porque Bergson contrapõe (até que ponto com verdade, isso não vou discuti-lo agora) a atividade intelectual e a atividade intuitiva. Para Bergson a atividade intelectual consiste em fazer o que fazem os cientistas; consiste em fazer o que fazem os homens na vida ordinária; consiste em tomar as coisas como coisas inertes, estáticas, compostas de elementos que se podem decompor e recompor, como o relojoeiro decompõe e recompõe um relógio. O cientista, o economista, o banqueiro, o comerciante, o engenheiro, tratam a realidade que têm diante de si como um mecanismo cujas bases se podem desconjuntar e logo tornar a se juntar.O cientista, o matemático, considera as coisas que têm diante de si como coisas inertes, que estão aí, esperando que ele chegue para dividi-las em partes e fixar para cada elemento suas equações definidoras e logo reconstruir essas equações.

Segundo Bergson, este aspecto da realidade que o intelecto, a inteligência, estuda desta maneira, é o aspecto superficial e falso da realidade. Debaixo dessa realidade mecânica que pode se decompor e recompor à vontade, debaixo dessa realidade que ele chama realidade já feita, está a mais profunda e autêntica realidade, que é uma realidade que se faz, que é uma realidade impossível de decompor em elementos comutáveis, que é uma realidade fluente, que é que é, por conseguinte, uma realidade no fluir do tempo, que se escapa das mãos tão logo queremos aprisioná-la; como quando jogamos água numa cesta de vime e ela escapa pelas aberturas.

Do mesmo modo, para Bergson o intelecto realiza sobre essa realidade profunda e movediça uma operação primária que consiste em solidificá-la, em detê-la, em transformar o fluente em inerte. Deste modo facilita-se a explicação, porque, tendo transformado o movimento em imobilidade, decompõe-se o movimento em uma série infinita de pontos imóveis.

Por isso, para Bergson, Zenão de Eléa, o famoso autor dos argumentos contra o movimento, terá razão no terreno da intelectualidade, e não terá jamais razão no terreno da intuição vivente. A intuição vi-vente tem por missão abrir passagem através dessas concreções do intelecto, para usar uma metáfora. A primeira coisa que fez o intelecto foi congelar o rio da realidade, convertê-lo em gelo sólido, para poder entendê-lo e manejá-lo melhor; porém falseia-o ao transformar o líquido em sólido, porque a verdade é que, por baixo, é líquido, e o que tem que fazer a intuição é romper esses artificiais blocos de gelo mecânico para chegar à/’fluência mesma da vida, que corre sob essa realidade mecânica.

A missão da intuição é, pois, essa: opor-se à obra do intelecto, ou daquilo que Bergson chama o pensamento, ia pensée. Por isso, no seu último livro chegou talvez ao máximo refinamento na história da filosofia, que consiste em ter colocado no titulo mesmo do seu livro a última essência do seu pensamento: Intitula-o La pensée et le mouvant: "O pensamento e o movente". Intelectual é o pensamento. Mas o aspecto profundo e real é o movimento, a continuidade do fluir do mudar, ao qual só por intuição podemos chegar.

Por isso, para Bergson, a metáfora literária é o instrumento mais apropriado para a expressão filosófica. O filósofo não pode fazer definições porque as definições se referem ao estático, ao quieto, ao imóvel, ao mecânico e ao intelectual. Mas a verdade última é o morente e fluente que há debaixo do estático, e a essa verdade não se pode chegar por meio de definições intelectuais: a única coisa que pode fazer o filósofo é mergulhar nessa realidade profunda; e logo, quando voltar à superfície, tomar a pena e escrever, procurando, por melo de metáforas e sugestões de caráter artístico e literário, levar o leitor a verificar por sua vez essa mesma intuição que o autor verificou antes dele. A filosofia de Bergson é um constante convite para que o leitor seja também filósofo e faça também ele as mesmas intuições.


 

 Fonte:
CONSCIENCIA .ORG
http://www.consciencia.org/fundamentosfilosofiamorente3.shtml

Fundamentos de Filosofia de Manuel Morente

 

sexta-feira, 11 de junho de 2010

PROGRESSO DA NOOSFERA



Pierre Teilhard de Chardin

E o Progresso da Noosfera no futuro?

Assim, sob que forma, seguindo quais linhas, poderíamos conceber o progresso dos efeitos "noosféricos" no futuro ?

Eis a visão otimista de Teilhard, há mais de cinquenta anos (A Sobrevida, PH IV pp. 279-280, p. 287) :

    (p.279) "Sob que forma e seguindo quais linhas, --- na única hipótese aceitável de um sucesso, --- podemos imaginar que... irá se desenvolver o Progresso ?

    Antes de tudo, sob uma forma coletiva e espiritual - Desde a aparição do Homem, pudemos observar um certo retardamento de transformações passivas e somáticas do organismo, em benefício de metamorfoses conscientes e ativas do indivíduo quando em sociedade. O artificial alternando com o natural. A transmissão oral ou escrita sobrepondo-se às formas genéticas (ou cromossômicas) da hereditariedade..."

    (p.280) "Pode ser que, em sua capacidade e em sua penetração individuais, nosso cérebro tenha atingido seus limites orgânicos. Mas o movimento não cessa por causa disso. Do Ocidente ao Oriente, a Evolução está ocupada, daquí por diante, em toda parte, em um campo mais rico e mais complexo, construindo, com todos os espíritos reunidos, --- o Espírito --- acima das nações e das raças, como um todo inevitável e já se formando, da Humanidade."

    (p.287) "A Humanidade possui, diante de si, possibilidades imensas... Depois do Passo da Reflexão, graças às surprendentes propriedades do 'artificial' que, separando o instrumento do órgão, permite ao mesmo indivíduo intensificar e variar indefinidamente as modalidades de sua ação, sem perder nada de sua liberdade, - graças, ao mesmo tempo, ao poder prodigioso do Pensamento de aproximar e de combinar, em um mesmo esforço consciente, todas as partículas humanas, nós entramos em um campo absolutamente novo de Evolução. ...

Nós ainda não temos idéia 
da grandeza possível dos efeitos "noosféricos." 
A ressonância das vibrações humanas de milhões ! 

... O produto coletivo e aditivo 
de um milhão de anos de Pensamento !"

Como testemunham estas palavras de Jean-Pierre Luminet, astrofísico, diretor de pesquisas no CNRS , esse "produto coletivo e aditivo" da Consciência planetária é bem evidente com a Internet neste fim de segundo milênio ; o que dá realidade ao Progresso atual dos efeitos "noosféricos" :

"Com a Internet, essa consciência planetária, tão decantada por precursores como Teilhard de Chardin, torna-se palpável. No cybermundo, a noção de estrangeiro não existe."

E O PROGRESSO NOOSFÉRICO NO PRÓXIMO MILÊNIO ?
CABERÁ A NÓS !
Fonte:
Maria Luiza Glycerio
colaboração de Janice B. Paulsen.
http://www.dailymotion.com/video/x6c9ll_pierre-teilhard-de-chardin/ 

AS SOLUÇÕES DO MUNDO TERRESTRE

THEILHARD DE CHARDIN

Soluções possíveis para as Saídas do Mundo Terrestre

Em seu artigo " Noosfera e hypermundo", Pierre Berger, jornalista do Mundo Informático, cita estes pensamentos de Teilhard em seu livro "O Futuro do Homem",  a respeito de nossa "Sobrevida" :

    (AH, p. 360) "Omega é o grande atrator do regime de socialização compressiva, no qual acabamos de entrar ; nada nos permite prever uma atenuação e ainda menos o fim. Nessas condições, é evidente que não nos serviria de nada procurar escapar do turbilhão que se encerra ao redor de nós. Por outro lado, o que é importante ao extremo, é saber como, nesse turbilhão, orientar-nos e nos comportarmos espiritualmente, de tal modo que o apêrto totalizante ao qual estamos submetidos tenha por consequência não o fato de nos desumanizar através da mecanização, mas (como parece possível) superumanizar-nos através da intensificação de nossos poderes de compreensão e de amor.

    ... Até nas zonas mais espiritualizadas de nosso ser, certas necessidades interiores subsistem, sem dúvida, que forçam inexoravelmente a prosseguir sem parar a nossa caminhada para adiante. ... Imitando e, pouco a pouco, alternando com a tendência vinda de baixo, eis portanto que se descobre a aparição de um ponto de atração vindo de cima, como se fosse oganicamente indispensável para a continuação da operação : indispensável para sustentar o impulso evolutivo ; e indispensável, ao mesmo tempo, para criar, ao redor da Humanidade em vias de totalização, o calor psíquico, a atmosfera cordial, fora da qual o empreendimento técnico-econômico do mundo não faria outra coisa senão esmagar as almas umas contra as outras, sem chegar a ligá-las entre si e a unificá-las... não poderia nesse ponto existir... senão um Universo... convergente. Algum cume, alguma revelação vivificadora no fim da trajetória... "

    (AH, p.363) "... duas soluções parcialmente divergentes aparecem e se opõem... Segundo alguns ("solução coletivista"), bastaria, para grantir o sucesso biológico de nossa evolução, que o Humano conseguisse se acomodar um pouco, globalmente, em uma espécie de circuito fechado, segundo o qual cada elemento pensante... conectado com todos os outros, alcançasse uma certa claridade final de visão e um certo calor extremo de simpatia ... mas tudo isso sem a aparição... de nenhum centro... Segundo outros, pelo contrário ("solução personalista"), é justamente algum Centro de reunião, é precisamente algum fim global que é necessário prever e postular... Se, com efeito... uma forma real de amor apareça no coração da evolução --- amor mais forte do que todo egoismo individual e toda paixão particular --- como querem que algum dia a Noosfera se estabilize ? ... Na verdade, para ser coerente, sem pulvelizá-la, a multidão humana,... um campo de atração, ao mesmo tempo poderoso e irreversível, parece indispensável... Assim raciocinam e sentem (pelo menos implicitamente) todos os cristãos há dois mil anos. E assim, ... sob a urgência dos acontecimentos, um número sempre crescente de biólogos e de psicólogos sentir-se-á obrigado a pensar. Se bem que o maior acontecimento de agora, ao longo da História da Terra, seria talvez, precisamente, a descoberta gradual... não apenas de Alguma Coisa, mas de Alguém, no cume engendrado pela convergência sobre si mesmo do Universo em evolução."

Então, o que se pode predizer como saída para o mundo terrestre ?

Isso vai depender de NÓS, --- de nossa recusa ou de nossa aceitação desse "Alguém" segundo Teilhard. Ele prevê duas possibilidades quase que contraditórias ; mas sempre nos indicando que, em todo caso, nós devemos empregar nossos esforços em direção à boa. A Sobrevida, PH IV pp. 289-291) :

    (p. 289) "O fim do Mundo : mudança de equilíbrio, desprendendo o Espírito, por fim completo, de sua matriz material, para fazê-lo repousar daí em diante, com todo seu peso, sobre Deus-Omega.

    O fim do Mundo : ponto crítico, ao mesmo tempo de emergência e de emersão, de amadurecimento e de evasão."

    (p. 290) "... Mas também pode ser que, seguindo uma lei à qual nada ainda escapou no Passado, o Mal, crescendo ao mesmo tempo que o Bem, atinja no fim seu paroxismo, ele também sob uma forma especificamente nova. Não há cumes sem abismos."

    (p.291) "Recusa ou aceitação de Omega ?

    ... ao longo e em virtude do processo que a mantém unida, a Noosfera, chegada a seu ponto de unificação, possa se dividir em duas zonas, respectivamente atraídas por dois polos antagonistas de adoração...

    ... Uma última vez ainda a ramificação."

Então, a única saída possível seria de ordem espiritual, tendo Confiança no grande e trabalhoso processo da Evolução, que, tendo conseguido criar os seres humanos com tantos cuidados, não pode ser concebida como tendo se organizado ao acaso. É preciso afirmar, com Teilhard, que "Sim", é uma Evolução dirigida, consciente de si mesma ; porque há um "Motor" que a orienta e a atrai para Si, o Ponto Omega. Portanto, por que não dizê-lo ? Esse Motor é Deus, princípio gerador e ao mesmo tempo final, que realiza em Si o encontro dos dois polos de atração Alfa e Omega e dá ao Homem o pensamento, a consciência, a alma, a Fé e a Energia doAmor para continuar seu caminho de Paz e de Construçãodeum Futuro digno para todos nós. 1

    * Não é que já nos disse São Paul o em sua carta aos  Efiseus (1:0-10, LSG) ?

    "... Porque Deus nos fez " conhecer o mistério de sua vontade, segundo o plano benevolente que ele havia formado em si mesmo, para executá-lo quando os tempos houvessem chegado, de reunir todas as coisas em Cristo, aquelas que estão nos céus e aquelas que estão sobre a terra."

    É o que se chama "Pleroma" , 
como Teilhard nos explica 
no segundo capítulo do Meio Divino 
(p. 135) :

    "... Essa Realidade suprema e complexa, para a qual a obra divina nos constrói, qual é ela ? São Paulo, junto com São João, revelou-nos... ; é o misterioso Pleroma, quando o Uno substancial e o Múltiplo criado se encontram sem confusão, em uma Totalidade que, sem nada acrescentar de essencial a Deus, será pelo menos uma espécie de triunfo e de generalização do ser."
    
« O Cristo Evolutor » :

Teilhard dá testemunho 
da realidade de sua fé no "Cristo Evolutor" 
no Epílogo do  Fenômeno  Humano 
: O Fenômeno Cristão, 
(PM pp. 293-294) :

    ["Como lemos em São Paulo e em São João, lemos também que criar, construir e purificar o mundo é, para Deus, unificá-lo, unificando-o organicamente consigo mesmo. Como Ele o unifica ?

Imergindo-Se parcialmente nas coisas, tornando-Se 'elemento'; e depois, dessa posição vantajosa no coração da matéria, assumindo o controle e a direção do que chamamos de Evolução. 

O Cristo, princípio da vitalidade universal tendo Se manifestado como Homem entre os homens, colocou-Se na posição (sempre mantida) de englobar sob Si mesmo a ascenção geral das consciências nas quais Ele se inseriu. Através do ato perpétuo de comunhão e de sublimação, Ele agrega para Si mesmo o psiquismo total da Terra. 

E, quando Ele houver reunido tudo e tudo transformado, Ele tornará a se fechar sobre Si mesmo e Suas conquistas para retornar enfim, em um gesto final, ao lugar divino de onde Ele nunca saiu. Então, como nos disse São Paulo, Deus será Todo em tudo.

É a expectativa de uma unidade perfeita, mergulhada na qual cada elemento atingirá sua consumação ao mesmo tempo que o Universo.
    
   O Universo se realizando em uma síntese de centros em conformidade perfeita com as leis da união. Deus, o Centro dos centros. Nessa visão final, o dogma do Cristianismo se culmina. E tão exatamente, tão perfeitamente essa culminação coincide com o Ponto Omega, que, sem dúvida, eu não teria jamais me aventurado a antecipar Sua visão, ou formulado a hipótese racionalmente, se, em minha consciência de crente, eu não houvesse encontrado, não apenas seu modelo especulativo, mas também sua realidade viva." ]
Fonte
Maria Luiza Glycerio
colaboração de Janice B. Paulsen.
Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.