quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A MÁGICA DO SOM E LUZ





             Além de serem fenômenos de natureza distinta, som e luz diferem bastante pela extensão e valores das freqüências abrangidas.

            Na luz é percebida apenas o que em música denominamos "oitava" (Oitava é o intervalo entre duas notas sucessivas com o mesmo nome, entre dois "dós", por exemplo.)

          A  quociente  entre as freqüências de tais notas é sempre 2).
         A freqüência da cor violeta, última vista, é o dobro da do vermelho, a primeira cor vista. É nesse intervalo que se encontram todas as cores que vemos.

      No som, a última freqüência percebida é cerca de 1000 vezes o valor da primeira, dando uma extensão de cerca de 10 oitavas.

     Os instrumentos musicais abrangem uma faixa de 7 oitavas, aproximadamente de 32 Hz a 4200 Hz. É nessa faixa que distinguimos bem a harmonia entre os sons musicais, mais puros e onde se desenvolvem todas as obras musicais conhecidas. (Castro, 1999)

Assim, enquanto que a cor visível abrange, segundo a razão 2:1, apenas uma oitava, o som audível abrange, na mesma razão, 10 oitavas, (ver figura 9) mas em valores escalares diferentes e de naturezas distintas, razão pela qual qualquer comparação entre o som e a imagem deste ponto de vista é arbitrária, uma vez que existem diversas maneiras de combinar freqüências entre som e imagem. Este é o motivo pela qual não podemos estabelecer um ponto de apoio nas considerações freqüenciais.

Entretanto, há diversas outra instâncias em que o som e a imagem se casam com perfeição: ambas tendo naturezas vibratórias, estão sujeitas a leis similares, como por exemplo: reflexão, refração, absorção, transmissão, difração. Tais características são apenas observáveis em movimento, ou seja, em plena manifestação sonora ou luminosa, e isso é muito importante para considerar a questão temporal (duração, ritmo) comum entre ambas. Mas há outras características que nos são observáveis e que nos fornecem sensações semelhantes, ou seja, agrupamentos paradigmáticos comuns segundo a organização física manifestada. E percebemos segundo instâncias convencionais, cores, o timbre, contraste, a dinâmica, forma, ritmo e harmonia.

4.3.1. Cores (tons)

A primeira relação pesquisada cientificamente entre o som e a imagem foi a instância cromática. Uma vez que as cores são freqüências do espectro eletromagnético e o som freqüências mecânicas, mesmo sem que soubessem de suas distintas naturezas, a inter-relação entre ambos pela questão vibratória foi amplamente discutida. Muito pode ser atribuído a um conhecimento antigo que associava essas instâncias vibratórias em rituais de sacerdócio em diversas religiões, sempre acompanhados de determinada indumentária com cores específicas, além de mantras e incenso.

Isaac Newton, foi, naturalmente, seu precursor científico. Tendo justamente ele descoberto a composição da luz solar branca através de suas experiências com o prisma, imaginou que a luz era constituída por uma torrente de partículas e que sua transmissão se dava por ondas. Portanto, tais ondas deviam seguir a periodicidade de qualquer movimento vibratório, tendo freqüência e comprimento de onda.

A similaridade das ondas mecânicas do som neste aspecto, é imediata, e Newton, tendo observado 7 cores na decomposição da luz (em referência direta com as 7 notas da escala diatônica), foi o primeiro a colocar comparativamente o som e a cor lado a lado, presumindo que cada cor corresponderia a uma nota. Desta maneira, produziu dois discos: um, famoso nas experiências escolares, contém as 7 cores do espectro visível, que, ao ser girado, tem como resultante o branco, e outro, em que as cores são associadas às notas, conforme a figura 10.

Figura 10: Disco de cores e notas de Newton

Este disco parte de uma relação aparentemente arbitrária, a de colocar a menor freqüência cromática, o vermelho, no início em Ré, passando por todas as notas diatônicas até chegar novamente em Ré, na freqüência mais alta ainda visível, o violeta. Isso caracteriza uma escala no modo Dórico renascentista. Segundo Niels Hutchison (1997), esta determinação em começar em Ré era importante para que o disco pudesse servir, através de sua geometria, para calcular combinações cromáticas por analogia.

Pouco antes (séc. XVI e XVII), diversos outros autores, como o padre Kircher (1602-1680) e o padre Mersenne (1588-1648), também estabelecem uma lista comparativa. Mas o jesuíta Louis-Bertrand Castel (1688-1757), em 1743, cria um instrumento próprio, conhecido como cravo ocular, que baseia-se nas premissas de Newton e acrescenta o tratado de Harmonia de Rameau para criar um 'órgão de cores' (Cotte, 1995:29-30). Neste caso, um pouco mais sofisticado, ele incluiu cores intermediárias como os acidentes cromáticos da música. Este tipo de instrumento que combinava cores e sons foi produzido também em 1844 por D.D. Jameson, utilizando luz filtrada através de líquidos coloridos refletidos em placas de metal, e em 1893 por Alexander Wallace Rimington, que patenteou seu próprio órgão de cores, descrevendo-o no livro Color Music: The Art of Mobile Colour (1911).

Entretanto, o cientista alemão Hermann von Helmholtz, já em 1910 havia publicado um estudo sobre a propagação de ondas sonoras descrevendo suas equações segundo a teoria dos harmônicos. Essa obra, On The Sensations Of Tone (1954), uma das mais completas sobre a natureza do som, explicava a consonância e dissonância, bem como o comportamento dos timbres, pelos eventos harmônicos de cada som. Fascinado pela idéia da correspondência entre cor e som, estudou a teoria tricromática de Thomas Young e estabeleceu a primeira escala de correspondência baseado nas freqüências numéricas de cada suporte. Mas, sabendo das diferenças entre a posição do sentido visual e do sentido auditivo numa escala contínua de freqüências, estabeleceu alguns parâmetros arbitrários, cf. figura 11.

Figura 11:

 Correspondência de sons e cores segundo Helmholtz (fonte: Muller & Rudolph)

Na mesma época, 1911, Alexander Scriabin (v. adiante) escreveu seu Prometeu - Poema do fogo, para orquestra e órgão de luzes, baseando-se nos textos místicos de Helena Blavatski para compor sua própria escala de cores.
Assim, teríamos o seguinte resumo das correspondências entre cor e som:

Por este motivo, uma série de outros autores procuraram outros parâmetros que não a relação de freqüência para comparar harmonias musicais e cromáticas; muitas vezes argumentos puramente poéticos. O dramaturgo, escritor e poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) é um exemplo bastante contundente, em seu tratado Doutrina das Cores. Embora sua intenção fosse desvendar os fenômenos cromáticos na intenção estética que deles decorrem, a erudição e o profundo conhecimento do poeta das ciências físicas, especialmente a newtoniana, fez deste estudo algo muito mais importante que um tratado cromático para a arte; é um grande estudo científico, e que não deixa de comentar tal natureza simbiótica, nos capítulos "Coloração Harmônica" e "Tonalidade Autêntica":

Se a palavra tom ou tonalidade continuar no futuro a ser tomada de empréstimo à música e aplicada às cores, deverá ser empregada melhor do que atualmente.
Não seria ilegítimo comparar uma imagem de forte efeito a uma peça musical em tom maior, uma pintura de efeito suave a uma peça em tom menor. É possível encontrar ainda outras comparações para as modificações desses dois efeitos principais (Goethe, 1993:149).

Goethe devia ter em mente, ao estabelecer tal comparação entre os modos maior e menor com imagens pictóricas, a prática comum vigente no classicismo de tratar tonalidades menores de maneira mais sombria e sutil (normalmente, se o primeiro movimento de uma sonata ou sinfonia fosse escrito em modo maior, o segundo - o movimento lento - seria na sua relativa menor), mas a partir do romantismo, a tonalidade menor foi tratada com maior ênfase - vide a própria V Sinfonia de Beethoven, que abre com uma imagem 'de forte efeito' em dó menor. Entretanto, mais adiante, tratando especificamente de pintura, Goethe volta a adotar o termo harmonia para o perfeito equilíbrio de uma obra artística.
 
        Pois sem uma visão do todo, nosso fim último não será atingido. O artista deve se aprofundar em tudo o que já foi exposto. De nosso atual ponto de vista, somente através da harmonia entre luz, sombra, modulação e verdadeira coloração característica é que a pintura pode se mostrar perfeita (Goethe, 1993:51)

O que aqui nos importa é justamente, independente dos exemplos temporais citados, que o emprego do termo harmonia para as cores não é em vão. Muitos outros autores recentes a tomam na mesma medida, e temos ainda o exemplo concreto das experiências cromáticas na perfomance musical com a obra Prometeu de Alexander Scriabin, para piano, orquestra e órgão de luzes. Assim, em Prometeu, os acordes musicais são acompanhados por acordes correspondentes em luzes de diversas cores; embora sua correspondência entre sons e cores seja considerada arbitrária (cf. Tomás, 1993:69), há uma interpretação bastante pessoal que pode ser analisada sob o seguinte prisma: cada cor corresponde a uma freqüência do espectro, sendo as menores de tonalidade vermelha, alaranjada e amarela, passando pelo verde (intermediário) e chegando aos tons de azul, de freqüência maior e mais sutil, até chegar ao violeta, última cor percebida por nós. 


Analogamente, o dó maior, enquanto base harmônica, que no sistema tonal é a mais simples das tonalidades, é associado ao vermelho intenso, e o si maior, mais distante, é associado ao azul, fechando um ciclo cromático nos sons e nas cores. Da mesma maneira, todas as tonalidades cromáticas de baixa freqüência (amarelo, laranja e verde) são associadas às vontades humanas, enquanto que freqüências mais altas, (azul e violeta em várias gradações) associadas às vontades divinas (Tomás, 1993:129).

O mesmo conceito de acorde luminoso é evocado por Israel Pedrosa (1999), dividindo as tonalidades cromáticas em escalas de modo maior e escalas de modo menor, segundo o "equilíbrio dos elementos mais ativos da escala de tons". Mas Pedrosa é mais cuidadoso (como sugeriu Goethe) no uso destes termos, dividindo com muita propriedade os conceitos harmonia e acorde para cores:

        Comumente a harmonia é confundida com a combinação ou acorde de cores (...) Mas a harmonia, pressupondo o equilíbrio de um conjunto de partes ou de unidades para formar uma totalidade de novo tipo em relação aos elementos que a integram exige algo que ultrapasse o simples acorde. (...) Para que surja harmonia é necessária a superação do conflito das forças contrárias, expresso pela ação das complementares. Por isso, Newton afirmara que as complementares não são o princípio da harmonia, fundando-se esta numa maneira qualquer de identidade das partes, e não na simples oposição das mesmas. (Pedrosa, 1999:160)

E, mais adiante, Pedrosa cita exemplos de acordes cromáticos consonantes e dissonantes, conforme a figura 13.


Figura 13: Acordes cromáticos segundo Pedrosa


É importante notar que, apesar das inúmeras tentativas de estabelecer uma analogia de escalas entre sons e imagens por freqüência, elas sempre obedecem a razões específicas para cada autor. Mesmo assim, elas funcionam e não cessam de vir à tona, principalmente nas artes híbridas do séc. XX.

4.3.2. Timbre

O timbre é tido normalmente como um desdobramento da associação cromática, numa associação muito comum de "colorido" orquestral, bem como preto-e-branco do piano, por exemplo. Isso se dá por diferentes motivos: primeiramente, não há uma correspondência direta de timbre na luz, ou seja, a verificação da fonte de luz pela sua emissão não é precisa. Outro motivo decorre do espectrograma de cada timbre poder ser associado também ao espectrograma das cores, conforme Pierre Schaeffer menciona no seu Tratado dos Objetos Musicais (1993).

Outra maneira de abordar a questão do timbre é a que é usada em Fantasia: diretamente ligado ao desenho melódico. Isso advém da possibilidade de visualizar, através do sistema movietone, o som 'desenhado' na película, ou a tradução vibratória do som em escala visual. Cada som é representado por um desenho diferente, que possui um caráter segundo sua forma (mais suave, mais grosso, regular ou irregular, com ângulos agudos, arredondado, etc.), e que é muito próximo do desenho obtido pelo espectrograma do som em laboratório.


Exatamente no meio de Fantasia, entre as seções da Sagração da Primavera e da Sinfonia Pastoral, há um interlúdio em que o narrador nos apresenta a 'Banda Sonora', que é justamente a faixa movietone. Uma linha entra em cena e o narrador lhe pede que mostre um som. Primeiramente, um ruído é produzido, e uma faixa de ângulos irregulares e caóticos toma parte na imagem. Depois, sons específicos, divididos segundo o timbre: violino, flauta, fagote, harpa, trompete e instrumentos de percussão. Cada um apresenta um desenho diferente, muito característico e a propósito de seu timbre: é estabelecido um paradigma de correspondência entre os timbres e os contornos visuais.

4.3.3. Contraste / Dinâmica (forte-fraco)


Outra instância comum à ambos os suportes é a dinâmica. A dinâmica sugere leituras diferentes quando passada, por analogia, de um suporte para outro. É usada para designar sons fortes e fracos na música, e que é exatamente esta a acepção que usa Harnoncourt, em seu Diálogo Musical (1993), quando fala de Mozart: "O chiaro-oscuro, o contraste de luz e sombra, que na música se refere em geral à dinâmica, é indiscutivelmente uma das qualidades mais fortes em Mozart", ou ainda quando faz uma comparação como "É a música reduzida a um doce sorriso, uma harmonia tranquilizadora e perfeita." (Harnoncourt 1993:104-106). Um termo utilizado na pintura, é aqui evocado para tratar as dinâmicas da música, da mesma maneira que a harmonia desta é usada para a combinação de cores naquela.

Outros autores vão utilizar a mesma terminologia mas com outra interpretação. Ao invés de significar diferenças de contraste entre luz e sombra, é usada no sentido cinético, ou seja, de movimento. Arnheim nos fala de dinâmica do movimento da imagem, que seria na verdade, em música, uma fusão do ritmo com o andamento. A sugestão de movimento, a partir da composição de forças específicas dos elementos que constituem a imagem, nos fornecem a sensação de andamentos rápidos ou lentos, e estes dariam a dinâmica de uma imagem (Arnheim, 1986:405).

Seja qual for a interpretação, existem certas analogias possíveis na música com a imagem que se aproximam de ambas as instâncias. Em Fantasia, por exemplo, o uso da dinâmica musical forte-fraco é utilizado em várias direções: Na Toccata e Fuga de Bach um acorde grave e sombrio está associado às trevas, e prontamente os metais entoam harmonias fortes como que levando luz a um quarto escuro, e assim feixes de luz se sobrepõe conforme a progressão harmônica (aqui, a associação da luz com a harmonia de Bach é, também, proeminente); já na Sagração da Primavera, há mudança do plano cinematográfico. 


Em vários momentos, sons fortes e fracos alternados representam planos, respectivamente, mais abertos e mais fechados, embora em algumas ocasiões haja inversão desta regra. Mas no que diz respeito ao chiaro-oscuro, a associação de forte e fraco é nitidamente mais rara, sendo a comparação de Arnheim mais comum de se verificar. Em outras palavras, sons fortes são associados a movimentos bem marcados, como na Noite no Monte Calvo, na Dança das Horas e no Aprendiz de Feiticeiro.

Na dinâmica destes exemplos os elementos freqüentemente se cruzam, criando uma polifonia visual que mescla a linha melódica, o andamento, a harmonia e o ritmo numa dinâmica própria, num movimento das imagens do qual partilham igualmente o movimento dos personagens, os planos de enquadramento, as cores e as luzes, sendo que a questão da dinâmica musical forte-fraco varia imensamente na analogia visual de acordo com elementos que são proeminentes na coerência do discurso.

4.3.4. Desenho (linha melódica)

Contudo, se considerarmos elementos simples do desenho, uma outra forma de relacionar a dinâmica musical com a visual é considerar a espessura da linha, ou de um ponto, fazendo também referência à linha melódica e aos contornos mensuráveis de intensidade chiaro-oscuro conforme Harnoncourt. Obviamente, sendo a melodia um elemento análogo à frase de um texto, os elementos anteriormente citados, bem como mais os que virão, estão presentes, em variados graus, para compor a estrutura da melodia. Há nela, segundo a organização destes parâmetros, uma resultante de caráter, que pode ser comparada a outras instâncias similares, como por exemplo nas artes plásticas. O grande pintor russo Wassily Kandinsky (1866-1944) tinha uma grande afinidade com a música e frequentemente recorria a ela para estabelecer comparações entre esta e a pintura, bem como outras artes. 


Tais correspondências abrangiam, de certa forma, todos os elementos constituintes mencionados, cores, timbres, contraste, ritmo, etc., mas aqui chamo a atenção para sua análise no que diz respeito à melodia. Ele próprio se refere, em O Espiritual na Arte (1996:133), a duas possibilidades de construção na pintura: construções simples são melódicas, construções complexas são sinfônicas. Mas, em seu Ponto e Linha sobre Plano (1997), Kandinsky usa a analogia com a música para descrever características de traço, linha e ponto.
 
        É bem sabido o que é uma melodia musical. A maioria dos instrumentos musicais tem um caráter linear. O timbre dos diferentes instrumentos corresponde à abertura de uma linha: violino, flauta e piccolo produzem uma linha muito fina; viola e clarinete já produzem uma mais grossa; e pelo meio de outros instrumentos mais graves, alcança-se linhas mais e mais largas, para além das notas mais graves do contrabaixo e da tuba.
Além da largura, várias cores são produzidas pelas múltiplas cores de outros instrumentos.

       O órgão é tanto um típico instrumento-linha quanto o piano é um instrumento-ponto.


       Talvez seja sugerido que na música, a linha melódica oferece o maior estoque de recursos expressivos. Aqui, a linha opera exatamente na mesma forma temporal e espacial à vista na pintura. Como o tempo e o espaço relacionam estas duas artes, já é outra questão. A diferença entre as duas talvez tenha dado origem a uma inquietação exagerada, tendo como resultado que os conceitos de tempo-espaço e espaço-tempo ficaram muito distanciados um do outro.

       Os valores escalares do pianíssimo ao fortíssimo podem ser expressos pelo aumento ou decréscimo da intensidade da linha, ou pelo grau de luminosidade. A pressão da mão aplicada ao arco corresponde perfeitamente à pressão aplicada ao lápis. (Kandinsky,1997: 86-87)

Kandinsky aqui nos fornece uma variada gama de comparações, que juntas nos ajudam a formar uma imagem com uma precisão maior de sentidos, tornando o paradigma mais claro. Mas, apesar de falar sobre diversos itens da teoria musical, nos salta o caráter eminentemente visual que pode adquirir a música nestes termos.

Uma melodia musical pode ser expressa em termos gráficos, para fins comparativos ou mesmo didáticos, e este tipo de representação do desenho melódico foi levada às últimas conseqüências na notação musical contemporânea, onde um complexo gráfico indica ao intérprete a natureza daquele som. Como utilização didática da expressão gráfica de um som, temos exemplos bastante elucidativos no livro de R. Murray Schafer, O Ouvido Pensante (1991). Baseado em aulas de música ministradas nas escolas secundárias canadenses, Schafer faz diversas experiências com o potencial criativo dos jovens alunos incitando-os a abrir novos horizontes sobre a escuta do som e da música. 


Quase todos os seus exemplos sonoros são descritos graficamente, tanto os que os alunos escreveram para serem tocados quanto a anotação de um resultado sonoro duma improvisação qualquer. Algumas dessas notações têm legendas, ou seja, possuem código próprio, já em nível simbólico, e dizem respeito a maneiras específicas de produzir sons, ao passo que outras são gráficos icônicos e indiciais.


O exemplo da figura 14, diz respeito à notação gráfica de um som que se assemelhava a um feixe de luz saído de uma cortina de fumaça, ou neblina. Os alunos de Schafer fazem os dois caminhos: tanto a partir de uma sonoridade, representá-la graficamente, como a partir de um gráfico, traduzi-lo em termos sonoros.

Figura 14

Há representação gráfica também no Fundamentos da Composição Musical (1993) de Schoenberg, (figura 15) tratando especificamente de comparar diversas linhas melódicas. Para facilitar o entendimento do percurso melódico, Schoenberg transcreve a melodia para um gráfico, como no exemplo abaixo.

Figura 15

Ainda outra maneira de tratar esta relação no plano didático é na análise da canção feita pelo semiólogo Luiz Tatit, em Musicando a Semiótica (1997). Sua análise é voltada basicamente para as confluências entre a intenção verbal das palavras cantadas e o percurso melódico da canção, e para isso também se utiliza de recursos gráficos, cf. figura 16 (Tatit, 1997:123).

Figura 16
A música contemporânea, por sua vez, verificou que os recursos gráficos convencionais de notação musical já eram signos estabelecidos que tendiam à padronização interpretativa, que, se na história da música serviu muito bem aos compositores até o início do século XX, a partir da Segunda Guerra tornou-se insuficiente para realizar experiências musicais levando em conta diferentes graus de interpretação aleatória. Com isso em mente, buscaram novos sinais gráficos aparentemente aleatórios, mas que na verdade são capazes de dar diretrizes específicas na interpretação musical, sem contudo padronizar a execução. 


Assim, surgiram partituras que misturavam sinais convencionais, sinais novos, indicações verbais e até o puro desenho de traço. Algo como interpretar musicalmente um quadro. As diferentes tendências e resultados que a música contemporânea atingiu com estas experiências não são parte de nosso foco, e sim o quanto a representação gráfica é capaz de possibilitar uma livre mas uniforme correspondência entre o som e a imagem:

Figura 17

Esta representação visual da partitura do compositor húngaro György Ligeti, 'Artikulation' (1958 - figura 17) é um bom exemplo do potencial gráfico que a música sugere e vice-versa.

Figura 18
O mesmo ocorre no exemplo da figura 18, do compositor alemão Karlheinz Stockhausen, 'Kontakte', para piano (1959-1960), onde encontramos sinais híbridos de escrita convencional e outros novos, criados para atuar em conjunto na partitura.

Em ambos os casos, não há um código padronizado para leitura da escrita; há indicações convencionadas tanto pelo compositor como pela gramática musical vigente, mas com uma abertura interpretativa substancialmente maior, o que certamente vai ao encontro das intenções da música moderna em libertar-se ao máximo das regras de composição esquemáticas tradicionais. Entretanto, o compositor tem em mente este potencial interpretativo aberto, e sendo esta sua intenção, ele anota apenas alguns pontos fixos de referência para o intérprete. Assim, se compararmos duas ou mais leituras de uma mesma partitura deste tipo, certamente apenas os pontos em comum, os guias de referência legendados ou indicados, serão lidos da mesma forma e nos darão o índice de que se trata da mesma obra.

O oposto também é verificado, ou seja, a partir de uma determinada obra musical ou sonoridade indicada, é possível pensar em imagens gráficas ou pictóricas e assim verbalizar a sensação que o som nos causa. Este procedimento é muito mais comum do que se imagina na elaboração crítica, poética ou ensaística da análise musical, e não está - como seria intuitivo pensar - somente ligada à música descritiva.

A linha melódica é freqüentemente associada ao traço do desenho, e que pode ser estático ou contínuo, como no caso do cinema. O exemplo mais óbvio desta relação é o citado por Schoenberg, comparando diferentes linhas melódicas com gráficos de seus percursos. Constitui-se na premissa de que os sons mais altos, agudos, situam-se no patamar mais elevado de um plano qualquer, e os sons baixos, graves, no patamar mais baixo. Da mesma maneira, escalas ascendentes são semelhantes a movimentos para o alto, e escalas descendentes, a movimentos para baixo. A razão própria desta natural associação, já incorporada a nível arquetípico, talvez esteja na própria constituição física do som, onde a sustentação harmônica é dada pelas notas graves.


A música barroca desenvolveu o chamado baixo-contínuo (8), acompanhamento melódico grave que tinha a função de situar a harmonia enquanto a melodia era desenvolvida nos timbres mais agudos. A linha melódica tendia a se manifestar nos registros agudos para a clareza de sua compreensão, por ser de identificação mais rápida pelo ouvido (comprimentos de ondas menores, de maior freqüência, que situam com precisão a nota, enquanto que os sons graves, de comprimento maior, precisam de mais tempo para situar a mesma nota, e portanto, mais propícia para a sustentação harmônica). 


Assemelham-se às antigas catedrais góticas, que tinham uma enorme base e subiam em formas cônicas e piramidais até o ápice, sendo que a música se porta da mesma maneira, sendo as notas graves a sustentação dos ápices melódicos. Johann Sebastian Bach faz uso desta técnica com muita propriedade em sua música religiosa, as cantatas, paixões e missas. Sempre uma linha de baixo acompanha em contraponto a melodia aguda, elevando, como no caso do Magnificat BWV 243, os trompetes agudos à glória de Deus em fortíssimo enquanto os graves movimentam a harmonia para as localidades desejadas. 

Outro exemplo contundente é o início da Sinfonia Dante de Franz Liszt. Embora situada num universo bastante distinto daquele de Bach, a sinfonia descritiva baseada na Divina Comédia de Dante Alighieri abre com os trombones baixos e tuba entoando notas seqüenciais primeiro ascendentes e depois descendentes, em fortíssimo, como se descendo ao inferno (música tipicamente representativa), com intervenções dos tímpanos graves. Liszt, neste caso, utilizou os metais graves, de grande poder sonoro, para dar a sensação sufocante do inferno, mas as notas graves não necessariamente remetem a uma simbologia telúrica ou infernal.

Mas podemos observar, com outros exemplos, o quanto elementos formais diferentes podem ser remetidos às mesmas sensações, ou a imagens similares: considerando novamente a comparação entre as catedrais e a música de Bach, temos, em termos formais, elementos muito diversos atuando na Nona Sinfonia de Beethoven, por exemplo. No Quarto movimento, utilizou as cordas graves (violoncelos e contrabaixos) para anunciar o tema da Ode à Alegria, um ícone musical de esperança e fraternidade. 


As idéias musicais do recitativo da Nona nos graves nos dão uma imagem semelhante de ascenção, de subida, elevação espiritual. Primeiro, o tema aparece pianíssimo, depois os graves fazem apenas o acompanhamento, sendo a dinâmica percorrida em contínuo crescimento nas cordas agudas até a explosão do tema fortíssimo nos metais médios e agudos (trompetes e trompas) acompanhados pela orquestra inteira. 

A linha melódica percorre, portanto, um discurso musical inteligível, ainda que de maneira subconsciente, auxiliada por elementos timbrísticos, dinâmicos e harmônicos. Muito diferente de Bach, cuja harmonia se move nos baixos (no classicismo e romantismo os registros médios tomam esta função), e também nos quesitos dinâmicos, uma vez que a base das catedrais são pesadas e progressivamente mais leves. Beethoven inicia sua subida em pianíssimo, mas a sensação ascendente não é prejudicada pelo fortíssimo do clímax do tema.

Arnheim descreve assim a comparação das sensações advindas da observação de um elemento num espaço: "Levantar significa sobrepujar a resistência - é sempre uma vitória. Descer ou cair é render-se à atração de baixo, e por isso, experimenta-se submissão passiva. Conclui-se desta desigualdade de espaço que diferentes localizações são dinamicamente desiguais." (Arnheim, 1986:21). Temos nesse exemplo comparativo, uma constatação do paradigma representado pela sensação de subida e descida, e que justamente se aplica a diferentes instâncias, como os citados, em Bach, Liszt e Beethoven. Apesar de utilizarem elementos formais muito diferentes, as sensações obtidas são da mesma natureza, como que procedendo a identificação do caráter platônico em cada obra.

4.3.5. Ritmo

Diretamente associado ao movimento, o ritmo está numa relação íntima da música com o cinema, sendo uma seqüência de eventos temporais justapostos que criam uma unidade métrica qualquer, que pode ou não ser repetida.

Embora o ritmo tenha natural afinidade com o cinema, não somente pela própria afinidade temporal que compartilham música e cinema, ele também é elemento presente nas imagens estáticas. Arnheim (1986), descreve sentidos de movimentos em formas geométricas a partir de sensações naturais que o cérebro tem em seu arquivo de memória quanto ao peso, volume e perspectiva de um objeto qualquer (1986:12-28). O cérebro, através da visão propriamente dita, reconhece tais particularidades representadas e lhes dá valores que juntos hão de formar um jogo de forças tendo uma resultante que descreve sensações estáticas e dinâmicas num plano qualquer. 


Essas sensações nos informam sobre as relações de tensão e relaxamento dos elementos do quadro, que em música se traduz pelas relações harmônicas, ambas ligadas diretamente à questão do movimento. Mas uma conseqüência direta desta relação é justamente a noção de ritmo, dado pelo conjunto linha/peso.

Murray Schafer descreve desta maneira o ritmo:

          Ritmo é direção. Ritmo diz: 'Eu estou aqui e quero ir para lá'. É como o traço numa pintura de Paul Klee. Ele próprio diz: 'O pai do traço é o pensamento. Como ampliar meus domínios? Acima deste rio? Deste lago? Desta montanha?'. Originalmente, ritmo e rio estavam etimologicamente relacionados, sugerindo mais o movimento de um trecho que sua divisão em articulações (Schafer, 1991:87)

ou ainda "Ritmo é forma moldada no tempo como o desenho é espaço determinado" (Ezra Pound apud Schafer 1991:87), em que vemos novamente a questão do espaço-tempo ser diluído numa resultante final (o ritmo não poderia deixar de fazer parte desta confluência uma vez que ele é uma das instâncias mais importantes para marcar a percepção do tempo de uma obra).

O ritmo, aqui mais a propósito do cinema, também é responsável pela dimensão temporal de uma obra. Tanto no cinema quanto na música a disposição rítmica é um fator de relevância ímpar, que acrescenta ou diminui a sensação de tempo do espectador/ouvinte. Eisenstein trabalhou sistematicamente sobre a questão do ritmo, uma vez que a montagem do cinema é sua divisão temporal, e constatou o quanto os elementos rítmicos influenciam diretamente na maneira como é percebida a estrutura narrativa. Disse ele a este propósito: "No capítulo II discutimos a nova questão colocada pelas combinações áudio-visuais - a de solucionar um problema de composição totalmente novo. A solução deste problema de composição reside em encontrar a chave para a igualdade rítmica de uma faixa de música e uma faixa de imagem." (Einstein, 1990: 97)

Este é um aspecto fundamental na união entre a música e a imagem, pois justaposição ou sobreposição de ritmo e de movimento de imagem, em ponto ou contraponto, nos darão sensações específicas segundo os objetivos pretendidos. Por exemplo, considerando ritmos irregulares, Murray Schafer escreve: "Um ritmo irregular espicha ou comprime o tempo real, dando-nos o que podemos chamar de tempo virtual ou psicológico". (Schafer, 1991:87-88), conforme o que já havia sido constatado por Arlindo Machado (1997) e Pierre Schaeffer (1993).


Mas isso também é verificado na regularidade rítmica aliada ao andamento (ou velocidade de execução). Obras de ritmo curto e rápido parecem-nos maiores do que realmente são, ao passo que ritmos lentos nos parecem bem menores. São os tempos psicológicos que se alternam, causando efeitos curiosos nos ouvintes, como por exemplo, sua inversão, ao usar ritmos longos em andamento rápido ou ritmos rápidos em andamento lento.

Eisenstein ainda nos dá uma idéia desta relação segundo a percepção de caráter que resultará de uma união consciente entre música e imagem: "não podemos negar o fato de que a impressão mais surpreendente e imediata será obtida, é claro, a partir de uma coincidência do movimento da música com o movimento do contorno visual - com a composição gráfica do quadro (...); 'enfatizador' da própria idéia de movimento."(Eisenstein, 1990b:106)

E, ademais, Kandinsky também irá referir-se ao ritmo na pintura de uma maneira bastante original, propondo que em cada forma construtiva (visual), há uma sonoridade interior, uma linha melódica, e enfatiza o potencial ´rítmico´ destas linhas melódicas na arte do passado (Kandinsky, 1996:134).

A idéia de ritmo é muito abrangente e pode ser esmiuçada de maneiras muito diversas, desde a organização do movimento, com suas implicações matemáticas, até as sensações advindas das 'Anamorfoses temporais' (Schaeffer, 1993), ligadas à distorção do tempo que é percebido. De qualquer forma, o ritmo aqui nos interessa pela correspondência direta que exerce sobre os movimentos visuais, tal qual podemos constatar em Fantasia. No capítulo 5, análise da seção Sinfonia Pastoral, veremos como o ritmo mescla-se ao movimento da imagem promovendo uma pontuação mútua de velocidade e intenção narrativa.


4.3.6. Forma

As formas musicais, que sintetizam o uso destes vários parâmetros supracitados, constituem estruturas por sobre as quais todas as funções da música são revestidas. Por isso podemos falar de uma 'arquitetura musical' como referência análoga à forma, com sua infinidade de estilos e diversidades próprias. Tal arquitetura organiza sentidos de discurso musical da mesma maneira que a arquitetura convencional solidifica e organiza estruturas de construção, e permite seu desenvolvimento para o fim desejado. A escolha da forma, portanto, está diretamente ligada à maneira como os elementos que constituem uma estrutura qualquer se engendram; e esta seria basicamente a diferença entre as obras chamadas 'absolutas' e as chamadas 'descritivas'.

Em outras palavras, a intenção do compositor em descrever algo musicalmente ou utilizar um discurso musical por si mesmo será determinante na escolha da forma. Por exemplo, quando Vivaldi se aventurou a procurar representações da natureza na música, em sua série de concertos intitulada Quatro Estações, notamos uma nítida necessidade de expandir ou diluir a forma tradicional do concerto grosso, em especial nos concertos Outono e Verão.

O mesmo se pode dizer de Beethoven em sua Pastoral, precisando de 5 movimentos ao invés dos 4 tradicionais. Modernamente, até Richard Strauss, mestre da música descritiva, não deixou de lado alguns esquemas formais padronizados para expressar certas imagens. Utilizou a forma do rondó em seu Till Eulenspiegel, o tema-e-variações em seu Don Quixote, a forma-sonata em Don Juan, Zarathustra e Sinfonia Alpina (ainda que diluídos), bem como o prelúdio e fuga na Sinfonia Doméstica. Justamente algumas maneiras de estruturar a arquitetura para determinadas funções é que determinam a incidência ou não de imagens concretas predominantes na obra.

Se o compositor se vale da pureza da forma-sonata, ela em si não tem a intenção de se remeter a nenhuma imagem extra-musical, valendo uma interpretação termo-a-termo que muito provavelmente se traduzirá em imagens abstratas (Como a Tocata e Fuga no Fantasia de 1940 e a V Sinfonia de Beethoven no Fantasia 2000), ao passo que intenções visuais na música engendram estruturas que no conjunto têm a intenção de gerar um discurso híbrido, sendo que por vezes o próprio programa da obra (ou o conhecimento do discurso sobre o qual a obra foi baseada), já constituem elementos descritivos extra-musicais que nos fornecem diretrizes de interpretação fora da estrutura própria da música. 


Isso ocorre em Fantasia de forma proeminente. A música mais 'descritiva' utilizada é o Aprendiz de Feiticeiro, e o discurso visual tem um encaixe absolutamente perfeito com o discurso musical, ao passo que obras menos descritivas abrem espaço para interpretações visuais paralelas ao sentido primeiro do compositor (como a Sagração, o Quebra-Nozes, a Pastoral, e, no Fantasia 2000, Os Pinheiros de Roma de Respighi e o Concerto para Piano no.2 de Shostakovich - obra sem intenção descritiva nenhuma e que também tem um encaixe perfeito com o discurso visual proposto por Disney).

A forma, portanto, é índice da intenção do compositor, e já situa o ouvinte para diferentes universos visuais se houver pré disposição para tal.

4.3.7. Harmonia (música)

Harmonia aqui é tratada de duas maneiras distintas mas inter-relacionadas. A primeira é a ciência harmonia, que combina freqüências sonoras (notas) e que também atua nas cores do espectro pela mesma razão. A segunda é a Harmonia no sentido pitagórico, tão utilizada pelos teóricos e filósofos da arte, para designar a combinação dos elementos que compõe uma arte e determinam suas razões, conteúdos, equilíbrio e perfeição formal. Ambos estes aspectos parecem co-existir em todas as obras, uma vez que não basta apenas combinar isoladamente os elementos intrínsecos do suporte e da linguagem utilizada; é preciso que o mesmo ocorra em nível macroscópico, ou seja, que haja algum equilíbrio no conjunto da obra. Nessa dimensão, estamos no conceito pitagórico de harmonia.

Na primeira distinção do termo, a ciência harmonia é associada diretamente à cor e à luz da imagem, se bem que por vezes seja comparada ao timbre. Entretanto, como vimos nos estudos de Goethe e Pedrosa, assim como mencionado por Newton, a harmonia da sobreposição de freqüências sonoras entra em concordância direta com a harmonia de combinação cromática, e sua correspondência é normalmente associada desta maneira.

Há uma clara analogia com a funcionalidade harmônica, em que uma harmonia qualquer toma determinado contexto em função de uma estrutura harmônica proposta. Um acorde de dó maior é sempre dó maior, mas quanta diferença há entre um dó maior da Sinfonia Júpiter, da Sinfonia A Grande, ou da Sinfonia Fantástica, por exemplo. São músicas de caráteres e climas muito diversos, que se utilizam de funções harmônicas diferentes, porém, o acorde fundamental é o mesmo. Destarte, dependendo do grau e função da harmonia utilizada, há diferentes caráteres que expressam a representação pretendida pelo compositor.

4.3.8. Harmonia (arte)

Nesta segunda interpretação do termo, a Harmonia é abrangente e soberana, pois diz respeito ao conjunto de um todo qualquer, bem como a disposição e engendramento de suas partes em relação à intenção de uma obra. Como tal, esta harmonia tem a capacidade de fazer uma obra de qualquer tipo, gênero e suporte ser coerente e equilibrada em diversos graus, de tal forma que respeita algumas regras arquetípicas, tornando a intenção original clara e passível de um vasto leque de interpretações simbólicas.

Este é um conceito essencial para este estudo: há diversas maneiras de entender como se engendram as combinações entre a música e a imagem, sob diversos aspectos e pontos de vista, de acordo com a necessidade de construção de cada suporte e/ou objetivo estético. Como pudemos observar até aqui, através dos vários exemplos citados, as combinações variam em diversos graus, o que significa, em última análise, que há diversos sistemas de representação capazes de reger a correspondência som/imagem.


Estes sistemas, adotados em cada caso (como por exemplo situar a dinâmica segundo o movimento rítmico e não segundo o forte/fraco, ou escolher escalas ascendentes em instrumentos graves para simbolizar descidas, entre diversos outros), possuem, conforme dito no início do capítulo, uma abrangência muito grande, dado o grande número de possibilidades combinatórias entre ambos, e que talvez gere um número infinito de resultados diferentes para cada caso.

Por exemplo, é possível descrever musicalmente uma tempestade de diversas maneiras, desde elementos bastante subjetivos até elementos puramente imitativos, como trovões e relâmpagos nos bumbos, pratos e tam-tans. Richard Strauss utilizou-se exatamente destes elementos, em conjunto com outros (e até mesmo uma máquina de vento, representação direta) para descrever sua tempestade na Sinfonia Alpina. Já Beethoven, só precisou de uma orquestração clássica, com reforço de trombones e piccolo, na Pastoral.


E Vivaldi, só usou uma orquestra de cordas. Entretanto, em todas está presente o componente 'tempestade', enunciado por escalas ascendentes e descendentes curtas e rápidas, mas por vezes alternando-se com longas linhas melódicas, que enunciam diferentes situações em cada tempestade. Há outras situações em que a diferença de timbres será mais importante que o fato da escala ser curta, longa, rápida ou lenta.

Em suma, é bastante claro que há sistemas de correspondência, mas é impossível enumerá-los todos. O capítulo seguinte, em que analiso a seção da Sinfonia Pastoral em Fantasia, deixa em evidência o uso extremamente abrangente e inusitado de várias destas funções paradigmáticas.

E então, se quiséssemos tecer uma análise enunciando cada elemento correspondente do som e da imagem de uma obra, estaríamos apenas estabelecendo o sistema de representação adotado por um autor em uma obra, ou até num conjunto de obras, sempre dentro de um universo precisamente delineado. Mas, invariavelmente, teríamos que apontar todas as exceções, semelhanças e diferenças caso utilizássemos o mesmo sistema para estudar outra obra, ou outro autor. Ora, é certo que existem sistemas, mas, existiria um sistema que pudesse ser tomado como parâmetro para todos os casos? Se existe, podemos concluir que não é um fator objetivo, nem óbvio, pois senão todo este trabalho não teria sentido. 


O que existe, de fato, são diversos estudos específicos sobre sistemas de correspondência determinados - Trilha sonora no cinema, música descritiva, ópera, música visual, estudos sinestésicos, etc.

Aqui, procuro um sistema cuja razão seja unificadora, cuja concordância tenha sido sistematicamente abordada e referenciada no decorrer da história por diversos autores - e me deparo exatamente com a Harmonia, do sentido pitagórico.

Para Pitágoras, toda a matéria vibra em freqüências específicas, que justamente caracteriza o tipo e estado de matéria (Hoje sabemos que isso é verdade, sendo a matéria constituída por átomos e tais átomos vibram em certas freqüências), desde pequenos minérios e gases até planetas e sóis. Assim como a união de determinados sons (que também são de natureza vibratória) caracteriza a consonância ou dissonância de acordo com a interpolação das freqüências utilizadas, assim também com a matéria. 


Notemos que, independente da concepção estética de cada lugar ou época, em determinar o que é consonância ou dissonância, o fenômeno em si não deixa de existir, ou seja, a harmonia (consonante ou não) é gerada pela choque de freqüências. Ampliando este espectro, Pitágoras afirmava que o Universo todo produzia um grande acorde, decorrente das vibrações de cada planeta, e a isto ele chamou "Música das Esferas", ou "Harmonia das Esferas". Este conceito foi desdobrado em múltiplas interpretações no decorrer da história, mas seu princípio é o mesmo: Assim como as notas escolhidas compõe o acorde, a harmonia resultante, os elementos de um todo também determinam a resultante deste todo, a harmonia específica deste todo.

Entra aí a concepção de 'caráter', já bastante mencionado, que Platão utiliza para descrever as harmonias musicais mais propícias à educação dos jovens de sua República. Em outras palavras, ele escolhe um tipo de harmonia compatível com o caráter que quer imprimir ao ouvinte.

Aristóteles evoca o mesmo sentido ao descrever o conceito de 'todo' e de 'parte' na sua Poética: "Pois não faz parte de um todo o que, quer seja quer não seja, não altera esse todo" (Aristóteles, 1973:450). Temos claramente a idéia do uno todo e coeso de uma obra de arte, pois todos os elementos que o constituem devem estar alinhados com seu objetivo, suas intenções estéticas (no caso da tragédia, a imitação do caráter nobre, 'elevado'), a harmonia entre as partes.

A renascença foi prolífica no estudo e aprofundamento destes ideais, sendo compartilhado igualmente por cientistas (Copérnico, Galileu e Kepler, este que escreveu uma obra intitulada A Harmonia do Mundo) e artistas (Shakespeare, Leonardo). O próprio Goethe, já citado, se refere à harmonia neste sentido, assim como Schiller, seu contemporâneo, adota a mesma postura platônica em determinar que homens melhores farão uma sociedade melhor, recorrendo à arte para reunir o instrumental necessário. Schiller faz uso do termo harmonia exatamente neste sentido, evocando a perfeita união das partes para determinados propósitos: "Estas (...) limitações são superadas, como será demonstrado agora, pela beleza, que refaz no homem tenso a harmonia, e a energia no homem distendido, reconduzindo por essa maneira, segundo sua natureza, o estado limitado ao absoluto, tornando o homem um todo perfeito em si mesmo". (Schiller, 1991:98). 


E, modernamente, temos diversas citações mesma natureza, como a de Kandinsky, "Cada obra de arte se origina da mesma maneira como se originou o Cosmos: através de catástrofes que a partir do caótico fragor dos instrumentos formam enfim uma sinfonia chamada harmonia das esferas." (Kandinsky, 1996), ou mesmo de Eisenstein, que busca, na linguagem específica do cinema, a unidade fundamental da arte.

Para isso, utiliza a montagem como instrumento, teorizando sobre ela através de diversos termos comparativos à linguagem musical, como 'montagem polifônica': " devemos ter em mente que esta estrutura polifônica feita de muitas linhas independentes adquire sua forma final não apenas a partir do plano para o qual foi determinada previamente. Essa forma final depende em igual medida do caráter da seqüência do filme (ou filme completo) como um complexo" (Eisenstein, 1990b:53), e mais adiante, "Muitas horas foram gastas para fundir estes elementos num todo orgânico" (idem, 54).

É notória a mesma busca, o mesmo ideal de todo coeso que rege a natureza de qualquer arte, a precisão em administrar todos os elementos permitidos pelo suporte da linguagem escolhida para manifestar a idéia da maneira mais clara possível. Eisenstein faz uso de determinados elementos para sistematizar o seu método de engendrar as partes do todo, que, independentes do processo, visam ao mesmo objetivo, a harmonia das partes em função da harmonia do todo. 


Rudolf Arnheim também deixa muito claro a necessidade última de todo artista buscar a unidade e a harmonia entre os elementos que constituem a obra de arte, e para isso menciona, em seu capítulo sobre 'equilíbrio', que "Numa composição equilibrada, todos os fatores como configuração, direção e localização determinam-se mutuamente, de tal modo que nenhuma alteração parece possível, e o todo assume o caráter de 'necessidade' de todas as partes.Uma composição desequilibrada parece acidental, transitória, e, portanto, inválida." (Arnheim, 1986:13)

Essa idéia de busca pelo belo e perfeito harmônico (que deve ser bem entendido, não é sinônimo de 'simétrico', ou 'consonante') permeia todos os teóricos das artes desde Platão, e cuja manifestação artística é seu instrumento mais óbvio. Tão óbvio que, em geral, considera-se este ideal intrínseco à própria idéia de arte, de tal maneira que não é considerado como elemento fundamental segundo os quais os elementos irão unir-se para formar o todo orgânico que é a obra de arte.


Em outras palavras, se o artista busca sempre um equilíbrio dinâmico para sua obra, os elementos devem estar dispostos segundo a harmonia deste equilíbrio, para que ela efetivamente funcione, e essa disposição estética não é mensurável, não é possível quantificá-la racionalmente, pois o número de variáveis é infinito. Se quisermos nos referir a um exemplo simples, existe a ciência da harmonia musical, que possui suas regras e sua gramática. 

Se compositores como Beethoven ou Schubert tivessem seguido rigidamente as cartilhas de harmonia, não teriam escrito nem metade de suas obras tal como hoje conhecemos. Mas não há como apontar 'erros' de harmonia em suas obras, uma vez que, dentro do equilíbrio proposto, tais harmonias equilibram-se entre si.

Observemos, portanto, que é possível determinar algumas instâncias entre a correspondência som/imagem de maneira genérica, mas que, invariavelmente, há por trás um 'caráter', e é ele, efetivamente, que vai determinar o sentido exato da qualidade de associação.

Tomemos novamente o exemplo da tempestade, nas Quatro Estações de Vivaldi. Podemos determinar, a título comparativo, as diferenças formais entre a tempestade do Verão e a chuva do Inverno, e, através dos elementos formais precisar porque uma se assemelha à tempestade e a outra à chuva (andamento, melodia, uso de escalas em legatto, staccato ou em pizzicato, etc..). Entretanto, uma chuva ou uma tempestade podem assumir caráteres muito diferentes, um aspecto triste, melancólico, contemplativo, exaltante, etc.. 


Esse caráter, fundamental para a escolha de uma imagem que acompanhe a música, não está na forma, está no conteúdo, sendo resultante do engendramento de seus elementos em uma determinada harmonia. Este é o elemento subjetivo, sensível, que não pode ser calculado ou quantificado, a não ser segundo a necessidade da harmonia de um conjunto do qual faça parte.

Veremos, portanto, na análise da Sinfonia Pastoral, estes elementos subjetivos presentes e atuantes, coordenando um todo orgânico que é a obra cinematográfica. Aqui, poderemos constatar o quanto os elementos que associam paradigmas semelhantes entre som e imagem são importantes, pois são utilizados dentro de um concordância de caráter extrema, exaltando suas qualidades e acentuando a concepção estética da música.

(  AUTOR DESCONHECIDO
  06/02/2007 )

A história das coisas

Mundo atual,


Para refletir...

NOSSO UNIVERSO

Belo video



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A GLÂNDULA PINEAL



Novos conceitos e avanços nas pesquisas. 
Dr. Sérgio Felipe de Oliveira
Bela palestra

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COMPLEXO PINEAL - DR. SERGIO FELIPE - A MEDIUNIDADE ESTUDADA

Complexo Pineal
 
A MEDIUNIDADE ESTUDADA POR NEUROLOGISTAS -
PARTE 2 DE 2
 
Entrevista do Médico Sérgio Felipe, Mestre em Ciências pela USP, Pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo ao programa Comando da Madrugada, que era apresentado pelo Repórter Goulart de Andrade, na TV Bandeirantes.
 
Glândula Pineal  
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gl%C3%A2ndula_pineal  
 
A epífise neural, glândula pineal ou simplesmente pineal é uma pequena glândula endócrina localizada perto do centro do cérebro (...). Apesar das funções dessa glândula serem muito discutidas, parece não haver dúvidas quanto ao importante papel que ela exerce na regulação dos chamados ciclos circadianos,que são os ciclos vitais (principalmente o sono) e no controle das atividades sexuais e de reprodução. (...) 
 
A glândula pineal tem sido considerada - desde René Descartes (século XVII), que afirmava que nela se situava a alma humana - um órgão com funções transcendentes. Além de Descartes, um escritor inglês com o pseudônimo de Lobsang Rampa, entre outros, dedicaram-se ao estudo deste órgão. (...) A Doutrina Espírita dedica-se à formulação dessas explicações desde Allan Kardec (século XIX). 
 
Na obra Espírita Missionários da Luz, ditada pelo espírito de André Luiz, através da psicografia do médium Francisco Cândido Xavier, a epífise é descrita como a glândula da vida espiritual e mental. Para a Doutrina Espírita, a epífise é órgão de elevada expressão no corpo etéreo. (texto completo no endereço acima). Neurofisiologia da Mediunidade - Prof. Dr. Nubor Orlando Facure http://www.geocities.com/Nubor_Facure/tema2.html 
 
O desenvolvimento da Neuropsicologia apoiada por recursos propedêuticos sofisticados como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e a tomografia por emissão de pósitrons, tem permitido uma compreensão cada vez maior dos mecanismos envolvidos na fisiologia do cérebro. (...) Atualmente admite-se que a atividade mental é resultante em termos neurológicos, de um concerto de um grupo de áreas cerebrais que interagem mutuamente constituindo um sistema funcional complexo.
 
Com o conhecimento espírita aprendemos, porém, que os processos mentais, são expressões da atividade espiritual com repercussão na estrutura física cerebral. A participação do cérebro é meramente instrumental. (...) Após a morte o espírito permanece com seu corpo espiritual, o qual permite sua integração no ambiente espiritual onde vive. 
 
É por este corpo semi-material, de que dispõe também os espíritos desencarnados que se tornam possíveis as chamadas comunicações mediúnicas. (...) Podemos correlacionar, pelo menos hipoteticamente, quais as funções cerebrais já conhecidas que podem se prestar para a exteriorização da comunicação mediúnica. Analisando algumas áreas cerebrais podemos teorizar sobre as possíveis participações de cada uma delas, na expressão da mediunidade. (texto completo no endereço acima). CÓRTEX CEREBRAL. No córtex cerebral se origina a atividade motora, voluntária e consciente. 
 
Nele são decodificadas todas as percepções sensitivas que chegam ao cérebro e são organizadas todas as funções cognitivas complexas. A atividade cerebral para se expressar conscientemente, estabelece uma interação entre o córtex cerebral, o tálamo e a substância reticular do tronco cerebral e do diencéfalo onde se situa o centro da nossa consciência. (texto completo no endereço acima). GÂNGLIOS DA BASE. 
 
As estruturas nucleares constituídas por aglomerados de neurônios situados na profundidade da substância branca cerebral são denominadas de gânglios ou núcleos da base. Eles são responsáveis por uma série de funções motoras automáticas e involuntárias, fazendo parte do chamado sistema extrapiramidal. (texto completo no endereço acima). TÁLAMO. O tálamo é um núcleo sensitivo por excelência. Ele exerce um papel receptor, centralizador e seletor das informações sensitivas que se dirigem ao cérebro.
 
Os estímulos externos do tipo dor, tato, temperatura e pressão percebidos em toda extensão do nosso corpo percorrem vias neurais que terminam no tálamo, no centro do cérebro. (texto completo no endereço acima). GLÂNDULA PINEAL. 
 
A estrutura e as funções da glândula pineal passaram a ser estudadas com maior ênfase após a descoberta da melatonina por Lener em 1958. Embora a pineal já fosse conhecida desde 300 anos DC ( foi descoberta por Herophilus ), só após a descoberta da melatonina se descobriu sua relação com a luminosidade e a escuridão. (texto completo no endereço acima).
 
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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Filosofia explica o que é a Ética - Mario Sergio Cortella

O que é Ética

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HENRI BERGSON -Resumo,Pensamento


HENRI BERGSON

por J. M. Bochenski

Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
in A Filosofia Contemporânea Ocidental.
Herder, São Paulo, 1968

       A.PROCEDÊNCIA E PARTICULARIDADES.HENRI 
BERGSON (1859-1941) é o representante mais conceituado e originalda nova "filosofia da vida", a qual dele recebeu a forma mais acabada.Contudo, embora mais tarde se tenha posto à testa do movimento, não se podedizer que tenha sido ele o seu fundador. Na própriaFrança, a Action de BLONDEL precedeu o Essai sur lesdonnées immédiates deIa conscience de BERGSON. e também LEROY, que mais tarde seria discípulo de BERGSON, já anteriormente se haviamanifestado contra o mecanicismo.
Todo este movimento está em relação coma tendência espiritualista, voluntarista e personalista da filosofia francesa,que, iniciada por MAINEDE BIRAN, foiem seguida representada por Félix RAVAISSON-MOLLIEN (1813-1900),JULES LACHELIER (1832-1918) e ÉMILE BOUTROUX (1845-1921), de quem BERGSON foi discípulo. Contudo,BERGSONnão se deixou ifluenciar somente por estes filósofos,mas também pela "critica da ciência". Além disso, tomou igualmentemuitas idéias das teorias evolucionistas e utilitaristas inglesas; ele próprioconfessa que, de início, só a filosofia de HERBERT SPENCER lhe parecia ajustar-seà realidade, e sua própria filosofia proveio da tentativa de aprofundar osfundamentos do sistema spenceriano.

Contudo,semelhante tarefa levou-o finalmente a repudiar completamente o spencerismo, que não cessou de combater daí em diante. A atividadeespeculativa de BERGSONexerceu-se,sobretudo, em quatro obras que mostram claramente sua evolução espiritual.O Essai sur les données immédiatesde Ia conscience (1889) contém a sua teoriado conhecimento; Matière et Mémoire (1896) sua psicologia,L’Évolution créatrice(1907) sua metafísica fundada na biologia especulativa, Lesdeux sources de la Morale etde la Religion (1932)sua ética e filosofia da religião. Todas estas obras tiveram êxitoextraordinário, que se explica não só porque BERGSON  expunha uma filosofiarealmente nova e que correspondia às necessidades mais prementes da época,mas também porque a exprimia numa linguagem de rara beleza. Por esse motivolhe foi atribuído, em 1927, o prêmio Nobel de literatura. A uma prodigiosaclareza, a uma artística matização das expressões e a uma impressionante potênciade imaginação, alia ele extraordinária gravidade filosófica e uma acuidadedialética sem par. Além disso, suas obras apóiam-se em conhecimentos sólidos,adquiridos à custa de amplas e árduas pesquisas. Por tudo isto, BERGSONfoi capazde superar, a um tempo, o positivismo e o idealismodo século XIX. É um dos pioneiros do espírito novo de nosso tempo.

B. DURAÇÃOE INTUIÇÃO.  
Segundoa concepção do senso comum, admitida igualmente pela ciência, as propriedadesdo mundo são a extensão, a multiplicidade numérica e o determinismocausal. O mundo compõe-se de corpos sólidos extensos, cujas partes seencontram espacialmente justapostas; é caracterizado por um espaço totalmentehomogêneo e por separações precisas, e todos os acontecimentos sãode antemão determinados por leis invariáveis. A ciência da natureza nuncaconsidera o movimento, mas só as posições sucessivas dos corpos; nunca asforças, mas só os seus efeitos; a imagem do mundo traçada pela ciência naturalcarece de dinamismo e de vida; o tempo, tal como o encara a ciência, não é,em última instância, senão espaço; e quando a ciência natural pretende mediro tempo, na realidade não mede senão o espaço.

Todavia,podemos descobrir em nós mesmos, embora com esforço, uma realidade inteiramentediferente. Esta realidade possui uma intensidade puramente qualitativa,compõe-se de elementos absolutamente heterogêneos,que, entretanto, se interpenetram, de sorte que não é possível discriminá-losclaramente uns dos outros; e, por último, esta realidade interior é livre.Não é espacial nem calculável; de fato, não somente ela dura, senão que é duração pura,e, como tal, completamente diferente do espaço e do tempo das ciências danatureza. É um agir único e indivisível, umalor (élan) e um .devir que não pode ser medido. Esta realidadeencontra-se, em principio, em constante fluir, nunca é, mas perpetuamentedevém.

A faculdadehumana que corresponde à matéria espacial é a inteligência, e esta caracteriza-se por sua exclusiva orientação para a ação.É a ação que comanda, sem mais, a forma da inteligência.Como para a ação necessitamos de coisas exatamente definidas, o objeto principalda inteligência é o fixo corpóreo, inorganizado,fragmentário; a inteligência não concebe claramente senão o imóvel. Seu domínioé a matéria. Ela a capta para transformar os corpos em instrumentos; é o órgãodo homo faber e subordinado, essencialmente,à construção de instrumentos. Dentro do domínio da matéria e graças à suaafinidade essencial com a matéria, a inteligência não só capta os fenômenos,como também a essência das coisas. BERGSON abandonao fenomenismo de KANTe dospositivistas, e confere à inteligência, no domínio do corpóreo, a capacidadede penetrar na essência das coisas. Segundo ele, a inteligência é também analítica,ou seja, capaz de decompor segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de novo. Suascaracterísticas são a clareza e a capacidade de distinguir.

Mas, ao mesmotempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por natureza,lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de acordocom a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas, calculáveis,claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente vital únicae introduz nela a discontinuidade, o espaço e anecessidade. Não pode sequer comprender o simplesmovimento local, como o provam os paradoxos de ZENÃO.

Só podemosconhecer a duração graças à intuição;mas com ela conhecemo-ladiretamente e como algo íntimo. A intuição distingue-se por característicasque se contrapõem às características da inteligência. Órgãodo homo sapiens, a intuição não está ao serviço da prática; seuobjeto é o fluente, o orgânico, o que está em marcha; só ela pode captar aduração. Enquanto a inteligência analisa, decompõe, para preparar a ação,a intuição é uma simples visão, que não decompõe nem compõe, mas vive a realidadeda duração. Não se adquire facilmente a intuição; tão habituados estamos aouso da inteligência que se torna necessária uma viragemíntima violenta, contrária a nossas inclinações naturais, para podermos exercitara intuição, e só em momentos favoráveis e fugazes somos capazes de o fazer.

Em resumo, existem doisdomínios: de um lado, o domínio da matéria espacial e rígida, subordinadoà inteligência prática; de outro lado, o domínio da vida e da consciênciaque dura, ao qual corresponde a intuição. Sendo aatitude da inteligência exclusivamente prática, a filosofia não pode utilizarsenão a intuição. Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser expressosem idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis asdemonstrações. A só coisa, que o filósofo pode fazer, é ajudar os outros aexperimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riquezade imagens sugestivas que as obras de BERGSON oferecem.

      C. TEORIADO CONHECIMENTO E PSICOLOGIA. 
BERGSON aplicou seu método intuitivo em primeiro lugar aos problemasda teoria do conhecimento. Tais problemas, diz ele, receberam até ao presentetrês soluções clássicas: o dualismo corrente, o kantismo e o idealismo. Contudo,estas três soluções estribam totalmente na falsa afirmação de que a percepçãoe a memória são puramente especulativas, independentes da ação, quando narealidade são completamente práticas, subordinadas à ação. Por suavez, o corpo não é mais do que um centro de ação. Destes princípios se infereque a percepção não abarca senão uma parte da realidade; ela consiste, defato, numa seleção de imagens, das que são necessárias para cumprir a ação.O idealismo engana-se; os objetos, de que o mundo se compõe, são "imagens verdadeiras" e não únicamente elementos da consciência. Tanto o realismo habitualcomo o de KANT cometemerro ainda maior, ao situarem entre a consciência e a realidade exterior oespaço homogêneo, que consideram como indiferente.De fato, o espaço é só uma forma subjetiva, em correspondência unicamentecom a ação humana.

BERGSON consolida sua teoria do conhecimento mediante umapsicologia definida. Em primeiro lugar, repudia o materialismo, quetira toda sua força do fato de a consciência depender do corpo – como se,do fato de um vestido oscilar e cair com o gancho a que está suspenso, tivéssemosde concluir que o vestido e o gancho são idênticos. Entre os fenômenospsicológicos e os fisiológicos não existe sequer um paralelismo, o qual, aliás,nada provaria. A prova disto é a memória pura. Com efeito, importa distinguirdois tipos de memória: umamemória mecânica, corporal, que consiste unicamente na repetição de umafunção tornada automática, e a memória pura, que reside nas imagens da lembrança.Neste caso, não se pode falar de uma localização no cérebro, argumentoprincipal aduzido pelos materialistas. Se houvesse uma tal localização exata,deveriam perder-se porções inteiras da memória por causa de certas lesõescerebrais; na realidade muitas vezes só se verifica um enfraquecimento geralda memória. Mais acertadamente talvez se pudesse comparar o cérebro a umaespécie de gabinete destinado a transmitir sinais. Sua função não é a vidapropriamente espiritual. Por seu turno, a memória não é uma percepção atenuada,mas um fenômeno essencialmente diferente.

A psicologia associacionista estriba no duplo erro de concebera duração como um espaço e o eu como um conjunto de coisas decalcadas pelamatéria. Estes mesmos erros conduzem ao determinismo psicológico, queconcebe os motivos como coisas simultâneas e o tempo como um caminho no espaço,donde se infere, naturalmente, a negação da liberdade. Na realidade, nossasações provêm de nossa personalidade toda; a decisão cria algo de novo, o atosai do eu, unicamente do eu e, portanto, é inteiramente livre. O fato de aliberdade ser negada tão freqüentemente, apesar de sua evidência imediata,deve-se a que a inteligência forma um eu superficial, análogo ao corpo, eencobre dessa maneira o eu real mais profundo, que não é senão criaçãoe duração.

     D.VIDA E EVOLUÇÃO. 
As duas doutrinas clássicas, pelas quais se pretendeu explicara vida, a mecanicista e a teleológica, erram por igual, vistoambas negarem radicalmente a duração. Segundo a primeira, o organismo é umamáquina de antemão determinada porleis calculáveis, e, de acordo com a segunda, existe um plano acabado do mundo.Ambas, sob certo aspecto, ampliam demasiado a noção de inteligência;a inteligência é para operar e não para conhecer a vida. A filosofia precisasuperar estas duas doutrinas, especialmente o mecanicismo que nega simplesmentefatos evidentes.

      Do mesmo modo que no problemapsicofísico, também no problema da vida é possível observar um fenômeno quemostra a falsidade do mecanicismo. Este fenômeno consiste na produção de órgãosestruturalmente análogos em linhas evolutivas muito diferentes; assim, porexemplo, o olho nos moluscos e nos vertebrados, cujas linhas de evolução devemter-se separado muito antes do momento em que adquiriram a vista. Servindo-sedeste fato e de muitas outras observações, BERGSONrepele o mecanicismo darwinistae neodarwinista e, em geral, a concepção mecanicistado órgão vivo. O órgão vivo deve ser considerado como a expressão complexade uma função simples; pode ser comparado a um quadro composto demilhares de traços, mas que expressa a inspiração simples do artista. Semdúvida, o organismo contém um mecanismo, parece até ser um mecanismo. Masassim como num arco dividido em minúsculos segmentos, estes segmentos coincidemaparentemente com a tangente, assim também a vida examinada em suas minúciascom os métodos das ciências da natureza parece ser um mecanismo, mas não oé.

      A vida como um todo nãoé nenhuma abstração. Em determinado momento surgiu em certos lugares do espaçouma corrente vital que, através dos organismos desenvolvidos, vai passandode um germe a outro. A corrente vital procura vencer os obstáculos que a matérialhe opõe; a materialidade de um organismo representa a totalidade dos obstáculoscontornados pela vida. A vida não procede logicamente, erra de quando em quando,acumula-se em becos sem saída ou até volta para trás. Contudo, o ímpeto vitalgeral persiste. A fim de poder desdobrar-se, o alorvital (élan vital) divide-se em várias direções. Assim, surgiu, emprimeiro lugar, a grande divisão do reino vegetal e do reino animal: as plantasacumulam diretamente a energia, para que os animais possam hauri-la nelase disponham da mesma como de matéria explosiva para a ação livre. As plantasestão ligadas à terra e, nelas, a consciência aindase encontra entorpecida; só desperta no mundo animal.

O élanvital subdivide-se ainda no mundo animal em duas direções diferentes,como se experimentasse dois métodos: numa direção culmina nos insetos sociais,na outra encontra seu acabamento no homem. Na primeira direção, a vida buscamobilidade e flexibilidade mediante oinstinto, ou seja, mediante a capacidadede utilizar ou até mesmo de criar instrumentos orgânicos; o instinto conheceseus objetos por simpatia, desde dentro, e age de modo infalível mas sempreuniforme. Ao invés, nos vertebrados desenvolve-se a inteligência, isto é, a faculdade de fabricar e utilizar instrumentosanorgânicos. Por sua essência profunda, a inteligência não se orienta paraas coisas, mas para as relações, para as formas; conhece seu objeto só porfora. Contudo, suas formas vazias podem encher-se de inumeráveis objetivose indefinidamente. A Inteligência perfeita ultrapassa suas fronteiras primitivase pode até encontrar aplicação fora do campo prático, para o qual foi propriamentecriada.

Finalmente,aparece no homem, embora só em forma de fugazes arranques, a intuição, na qual o instinto se tornou desinteressadoe capaz de refletir sobre si mesmo. Além disso, o homem é livre. Todo estecurso evolutivo conduz, portanto, a libertação da consciência do homem, eeste aparece como o fim último da organização vital sobre o nosso planeta.

E. METAFÍSICA.
 
Se o filósofo consente em mergulhar no oceanode vida que nos cerca, pode tentar conceber a gênese dos corpos e da inteligência.Esta intuição mostra que não só a vida e a consciência, mas a realidadeinteira é um devir. Não existem coisas, mas somenteações, e o ser é essencialmentedevir. "O devir encerra mais do que o ser". Só a nossa inteligênciae , por conseguinte, a ciência nos representam os corpos como rígidos. Na realidade, o próprio mundo material é movimento, alor, embora certamente em descensoe dispersão. Com efeito existem no mundo duas espécies de movimento, ummovimento ascendente – o da vida – e outro movimento descendente – o da matéria.A lei da matéria é a lei da degradação da energia; a vida luta contra estalei, sem contudo poder aboli-la; quando muito, consegueretardar-lhe os efeitos. Poderíamos compreender este processo, comparando-oao vapor que sai em jatos pelas fendas de um vaso. Este vapor em contato como ar livre condensa-se em pequenas gotas que caem. Mas uma pequena parte dovapor não se condensa imediatamente e esforça-se por elevar as gotas que caem.De modo idêntico, do imenso reservatório da vida saem incessantemente unscomo que jatos, cada um dos quais caindo forma um mundo; as gotas que caemsão a matéria. Ou, para empregar outra imagem, o mundo com o movimento vitalé comparável a um braço erguido que torna a cair, em conseqüência do relaxamentodos músculos: a matéria é como que um gesto criador que se desfaz. Mas estasimagens são insuficientes, porque a vida é do domínio psicológico e é inespacial.

Processo idêntico se passa na consciência. A Intuição tem a mesma direção que a vida,a inteligência tem a direção contrária. Por isso a inteligência está essencialmentecoordenada à matéria. A intuição, pelocontrário, mostra-nos a verdadeira realidade, na qual aparece a vida comoonda gigantesca que se espraia e logo em seguida é contida em quase toda suaamplitude. Só num ponto foi vencido o obstáculo e o impulso encontra livresaída. Esta liberdade aparece na forma humana. Pelo que, não sem razão, afilosofia afirmou a liberdade do espírito em geral, sua independência relativamentea matéria e sua provável sobrevivência após a morte.

Entretanto, a filosofiaextraviou-se, por haver utilizado a inteligência e seus conceitos. Valendo-sede minuciosas análises, BERGSONmostracomo surgiu a idéia da desordem (a saber, da contingência das duasordens possíveis, a vital e a geométrica)e como se formou a idéia do nada, que é propriamente uma pseudo-idéia.BERGSON investe contra os maisimportantes sistemas filosóficos do passado. A metafísica de PLATÃO e de ARISTÓTELES, seguindo a propensão naturalda inteligência, conseqüência dos conceitos que não fazem mais do que imitar a linguagem, subjugou a duração. Outro tantoacontece fundamentalmente, embora com diferenças de pormenor, nos sistemasmodernos, como os de DESCARTES, SPINOZA, LEIBNIZ, no criticismode KANTe principalmente em SPENCER. Neste último é onde semanifesta com particular evidência ocaráter cinematográficode nosso pensamento: pretendecaptar e representar a evolução por uma sucessão de estados do ser que sedesenvolve, e desconhece assim totalmente a verdadeira duração.

F. ÉTICA. Segundo BERGSON, há duas espécies de moral,a moral fechada e a moral aberta. A moral fechada deriva dos fenômenosmais gerais da vida; consiste numa pressão exercida pela sociedade, e as açõesque lhe correspondem são levadas a cabo de modoautomático, instintivamente. Só em casos excepcionais se trava luta entreo eu individual e o social. A moral fechada é impessoal e triplamente fechada:visa a conservação dos costumes sociais, faz coincidir quase inteiramenteo individual com o social, de sorte que a alma se move constantemente dentrodo mesmo círculo, e, por último, é sempre função de um grupo limitado e nuncapode ser válida para a humanidade inteira, porque a coesão social, da qualé função, repousa em grande parte na necessidade de autodefesa.

A par destamoral fechada, que obriga absolutamente, existe amoral aberta. Esta aparece encarnada em personalidades. eminentes,em santos e heróis, e não é moral social, mas humana e pessoal. Não consistenuma pressão, mas num apelo; não é fixa, mas essencialmente progressiva ecriadora. É aberta no sentido que abarca a vida inteira no amor, proporcionaaté o sentimento da liberdade e coincide com o próprio princípio da vida.Procede de uma emoção profunda que, do mesmo modo que o sentimento provocadopela música, carece de objeto.

Todavia,na realidade nem a moral fechada nem a moral aberta se apresentam em formapura; toda aspiração procura consolidar-se numa obrigação e esta, por suavez, procura captar a aspiração. Estas duas forças, das quais uma é infra-intelectuale outra supra-intelectual, operam no campo da inteligência, e por isso omoral é uma vida racional.Como quer que seja, a moral fechada e a aberta constituem duas manifestaçõescomplementares do mesmo valor vital.

G. FILOSOFIA DA RELIGIÃO
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A mesma divisão que se fez na moral se aplica igualmentea religião: há uma religião estática e uma religião dinâmica. A religiãoestática consiste numa reação defensiva da natureza contra os efeitosda atividade da inteligência, que ameaçam oprimir o indivíduo ou dissolvera sociedade. A religião estática prende o homem à vida e o indivíduoà sociedade mediante fábulas que se assemelham a canções de berço.A religião é obra da "função fabuladora" da inteligência. A inteligência,em sentido estrito, ameaça desfazer a coesão social, e a natureza não podeopor-lhe o instinto, cujo lugar foi precisamente substituído no homem pelainteligência. Mas a natureza ajuda-se mediante a produção da função fabuladora.Se o homem sabe, pela inteligência,que tem de morrer, coisa que o animal não sabe, e se a inteligêncialhe ensina que entre a tentativa e o êxito desejado existe o espaçodesanimador do insondável, a natureza volta a ajudá-lo a suportareste conhecimento amargo, fabricando, graças a sua função fabuladora,deuses. O papel da função fabuladora nas sociedades humanas correspondeao do instinto nas sociedades animais.

Areligião dinâmica, o misticismo,é algo inteiramente diferente.Resulta deum retorno na direção donde procede o élan vital, enasce da pressentida captação do inacessível a quea vida aspira. Estemisticismo é próprio somente de homensextraordinários. Nãose manifestou ainda entre os velhosgregos, como nem em forma perfeita na Índia, ondenão deixoude ser puramente especulativo. Contudo surgiu entreos grandes místicos cristãos, que possuíam uma saúde espiritualque se pode qualificar de perfeita. Areligião cristã aparececomo a cristalização deste misticismo, mas, por outro lado,constitui o seu fundamento, porque os místicos são todos imitadoresoriginais, embora imperfeitos, daquele que nos deixouo Sermão da Montanha.

Aexperiência das místicos permite-nos defender não só aprobabilidade das concepções relativas à origem do élanvital, como também a afirmação da existênciade Deus, que não se pode provar com argumentos lógicos. Osmísticos ensinam também que deus é o amor, e nada impede queos filósofos desenvolvam a idéia, sugerida por eles, de o mundonão ser mais do que um aspecto palpável deste amor e da necessidadedivina de amor. A base da experiência dos místicos, corroboradapelas conclusões da psicologia, pode igualmente afirmar-se, com uma probabilidadeque toca nas raias da, certeza, a sobrevivênciaapós a morte.

Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
in A Filosofia Contemporânea Ocidental.
Herder, São Paulo, 1968

Última Modificação: 16 jul, 2009
Fonte:
CONSCIENCIA.ORG