quarta-feira, 7 de abril de 2010


Chopin's Nocturne Op.27 No.1

Arthur Rubinstein, 1965

FARAÓS  NEGROS
















O Egito foi, ao longo de sua história, alvo de diferentes processos de unificação e invasão. Ao contrário do que usualmente estudamos, essas invasões ocorreram durante outros momentos anteriores à dominação dos romanos no século I ou das nações européias no século XIX. Dessa maneira, as crises e hegemonias no interior da civilização egípcia é um assunto ainda pouco explorado pelos estudos historiográficos.

Na região sul do Rio Nilo, atual Sudão, um antigo império se formou no período em que o Egito vivia um período de decadência no Médio Império. Entre os séculos XVIII e XVI a.C., os núbios realizaram a expansão de suas fronteiras na região do extremo sul do Rio Nilo. O Egito, que dependia da exploração de zonas de exploração aurífera próximas ao Império Núbio, sentiam que a ascensão de um vizinho tão poderoso poderia vir a ameaçar a integridade de seus territórios.

Dessa forma, entre os séculos XVI e XIII a.C., o Egito realizou um processo de invasão e domínio sobre os núbios. Sem adotar uma política muito opressiva, os egípcios trouxeram à civilização núbia vários de seus costumes e hábitos. O que parecia ser um claro processo de aculturação dos egípcios sobre os núbios, veio mais tarde garantir a preservação de traços importantes da civilização egípcia. No final do século VIII a.C., o Egito estava politicamente fragmentado e sofria o controle dos líbios.

Em 770 a.C., Piye, rei da Núbia, empreendeu uma investida militar que reunificaria politicamente o Egito. Partindo com tropas para o norte, o exército núbio chegou à cidade egípcia de Tebas. Travando batalhas ao longo de quase um ano, Piye tornou-se o primeiro faraó negro do Egito. A ascensão de faraós negros no Egito trouxe à tona a supremacia de uma civilização africana que questionava as idéias dos pensadores e historiadores do século XIX, que colocavam os povos africanos enquanto sinônimo de atraso.

No ano de 715 a.C., Piye faleceu, deixando o trono sob o domínio de seu irmão Shabaka. Ascendendo ao poder, Shabaka assumiu o nome de faraó Pepi II. Entre suas principais ações, Pepi II empreendeu um notório conjunto de obras públicas. A cidade de Tebas, capital do Egito, e o templo de Luxor ganharam novos projetos. Em Karnak, ordenou a construção de uma estátua em sua homenagem e tratou de construir diques que impedissem a inundação das casas das populações que viviam às margens do Rio Nilo.

Preocupados com o avanço do Império Assírio, que na época viva a ampliação de seus domínios, os núbios formaram um exército que deveria conter a dominação assíria sobre as cidades de Eltekeh e Jerusalém. Apesar de não existirem detalhes mais claros sobre essa batalha, relatos dão conta de que o então rei assírio Senaqueribe recuou suas tropas, dando vitória à aliança militar dos hebreus e núbios. Segundo alguns historiadores, graças à contribuição militar núbia, a civilização judaica usufruiu de um longo período em que consolidou suas principais tradições culturais e religiosas.

Depois desse episódio, houve a consolidação do reinado de Taharqa, filho de Piye. Em seu governo, as vitórias militares garantiram grande estabilidade aos territórios egípcios. Além disso, uma seqüência de generosos períodos de chuva deu tranqüilidade a toda população por ele controlada. Aproveitando do período de prosperidade, Taharqa realizou a ampliação do templo de Amon. No monte Jebel Barkal, onde acreditava-se ser o local onde o deus Amon haveria nascido, Taharqa ordenou a construção de dois templos aos pés do monte.

Durante seu governo, os assírios afrontaram mais uma vez a dinastia núbia. Sobre o comando do rei Esarhaddon, os assírios tentaram obstruir o entreposto comercial egípcio às margens do Líbano. Confiante na prosperidade de seu reino e na força de seus exércitos, Taharqa enviou tropas incumbidas de aniquilar a ação militar assíria. Oferecendo grande resistência, os assírios venceram a batalha e invadiram o Egito, em 674 a.C.. Nos anos seguintes os assírios empreenderam novas vitórias que ameaçaram a dinastia dos faraós negros.

As investidas dos militares assírios foram estabelecendo o fim do reinado de Taharqa. Recuado para o sul, o último rei da dinastia núbia se viu obrigado, logo em seguida, a abandonar o Egito. Depois de perder o controle sobre o Egito, pouco se sabe a respeito dos últimos dias do rei Taharqa. Seu corpo foi enterrado em uma pirâmide em Nuri, às margens do rio Nilo. Com o fim dessa dinastia, a cultura egípcia ainda preservou características provenientes do contato com esse reino africano. 
 

Fonte:
http://civilizacoesafricanas.blogspot.com/2009/10/faraos-negros.html

O BERÇO DOS FARAÓS

Chopin's Grand Polonaise Brillante Op.22

Arthur Rubinstein, 1958
(Not in stereo due to encoding glitches)
.
O  BERÇO  DOS  FARAÓS
Dossiê Egito

Precedida por uma dinastia que os arqueólogos convencionaram denominar "Zero", a história do Egito faraônico começa por volta de 3150 a.C. com o rei Menés.

Período tinita (cerca de 3150 a.C. a 2700 a.C.) - I e II dinastias
A história do Egito faraônico começa com o rei Menés, responsável pela unificação entre o Alto e o Baixo Egito e pela fundação de Mênfis, a capital do Império. Interlocutor dos homens com os deuses, Menés ostenta a coroa branca do Alto Egito (hedjet) e a coroa vermelha do Baixo Egito (deshret).

Antigo Império (por volta de 2700 a.C. a 2140 a.C. ) - III e IV dinastias
Nesta época, o Estado egípcio se desenvolve consideravelmente e a sua administração centraliza-se na figura do faraó, que passa a ser venerado como verdadeiro deus. Djoser inaugura a III dinastia (cerca de 2700 a.C.). Seu conselheiro, o arquiteto Imotep, constrói a pirâmide em degraus de Saqqara, a primeira tumba real com essa forma arquitetônica.

A IV dinastia é marcada por reinados nos quais foram construídas as três grandes pirâmides de Gizé - Queóps, Quéfren e Miquerinos. Esses complexos funerários são o símbolo de um Estado forte e de uma civilização avançada.

É na V dinastia (aproximadamente 2480 a.C. a 2330 a.C.), originária de Heliópolis, que se verifica o culto ao Sol, o que não significa a rejeição aos outros deuses. O faraó é agora o "filho de Rá", o deus-sol.

Pepi I, representante da VI dinastia, reina por mais de 50 anos. Ele é também um grande construtor de pirâmides (Bubastis, Abydos, Dendérah). Pepi II sobe ao trono aos seis anos de idade e nele permanece por 94 anos.

Primeiro período intermediário (por volta de 2140 a.C. a 2040 a.C) - VII-X dinastias
Uma revolução, seguida pela invasão de povos asiáticos, põe fim à VI dinastia. Porém, nenhum nome dos reis da VII dinastia é conhecido. A VIII dinastia, a menfita, cuja capital era Mênfis, demonstra os sinais da decadência política do Egito. O país é dividido em três: o Delta, o Egito Médio - cujo centro político era Heracléopolis - e o Alto Egito, agrupado em Tebas. Inicia-se um período de anarquia e de recessão econômica (escassez de alimentos, desordem civil e violência). Uma série de conflitos ininterruptos entre as facções do sul (de Tebas) e do norte (Heracléopolis) ocorrem e cessam apenas na XI dinastia.

Estatuas de Osíris. templo de karnak Luxor, Antiga cidade de tebas.

Médio Império (por volta de 2040 a.C. a 1750 a.C.) - XI e XII dinastias
Mentuotep II, rei de Tebas, reunifica o Egito (aproximadamente em 2020 a.C.). Mas são os soberanos Amenemés e Sésostris (XII dinastia, por volta de 1900 a.C. a 1790 a.C.) que conduzem o Império ao seu apogeu. A expansão comercial abre-se para o mar Vermelho, mar Egeu, Fenícia, Núbia e Delta, e o país conhece a prosperidade econômica. Dessa época, há vários manuscritos literários, textos de instruções, profecias e contos.

Segundo período intermediário (1750 a.C. a 1560 a . C. ) - XIII-XVII dinastias
Nas XIII e XIV dinastias, o Império passa por um processo de declínio. Vulnerável e enfraquecido, sucumbe à tomada do poder por invasores estrangeiros. As XV e XVI dinastias são marcadas pelo domínio dos hicsos, chamados de reis pastores ou príncipes do deserto. O domínio estrangeiro trouxe muitas inovações técnicas para o Egito. Os hicsos introduzem a utilização do bronze, da cerâmica e dos teares, diferentes instrumentos de guerra, que incorporam o uso do cavalo e das carruagens, e estilos musicais, assim como novas raças de animais e técnicas de colheita. De certa forma, os hicsos modernizaram o Egito. Na XVII dinastia, a partir de Tebas (sul do Egito), os monarcas empreendem a reconquista do país, definitivamente concluída por Ahmose, que inaugura o Novo Império.

Novo Império (por volta de 1560 a. C. a 1070 a . C ) - XVIII-XX dinastias
Predomina na XVIII dinastia a intenção de expandir o império rumo à Ásia. O faraó Ahmose (em torno de 1560 a.C. a 1526 a.C.) organiza uma administração hierarquizada, dirigida pelo vizir, segundo homem do Estado. Sob os governos de Thutmose III (cerca de 1490 a.C. a 1436 a.C.) e Hatshepsut (1490 a.C. a 1468 a.C.), o Egito se torna uma temível potência militar. O enriquecimento do país é perceptível em todas as classes da sociedade, que aprende a gostar das artes e a ostentar o luxo. Dentre as construções da época, constam os templos funerários de Deir el-Bahari, de Luxor e de Karnak e o de Amenófis III (aproximadamente 1402 a.C. a 1364 a.C.).

O faraó Amenófis IV, ou Akhenaten, (por volta de 1364 a.C. a 1347 a.C.) transfere a capital de Tebas para Amarna. Ele impõe uma nova religião, dedicada ao culto do deus único Aton. O governante que o sucede é Tutankhamon (em torno de 1347 a.C. a 1338 a.C.), que retorna a sede do governo para Tebas, onde reincorpora o culto a Amon-Rá.

A XIX dinastia é o período dos constantes conflitos entre egípcios e hititas. Ramsés II (em torno de 1290 a.C. a 1224 a.C.) trava, contra o rei hitita Mouwatalli, a célebre batalha de Kadesh. É a época das grandes construções, o hipostilo de Karnak, o templo de Abu-Simbel e o templo de Medinet Habu. Sob a XX dinastia (cerca de 1185 a.C. a 1070 a.C.), o país se fragmenta. O grande sacerdote de Amon, Herihor, assume o trono.

Terceiro período intermediário (aproximadamente de 1070 a.C. a 715 a.C.) - XXI-XXIV dinastias
Nesta época, o Egito é dividido em dinastias locais cada vez mais independentes. O único fato notável em política exterior é a conquista da Palestina por Chechanq I (945).

Período Inferior (715-332) - XXV-XXXI dinastias
A conquista do Egito, em torno de 740 a.C., por um rei núbio, cujos sucessores instauram uma dinastia "etíope", chamada de koushita (XXV dinastia, de 715 a.C. a 664 a.C.), revela a decadência do império. Após o recuo dos etíopes para o sul, a XXVI dinastia (ou período saita, de aproximadamente 664 a.C. a 525 a.C.) é marcada pelo reinado de Psammetik I (664-610). Ele expulsa os assírios e, assim, consegue estabilizar o país. Seu sucessor, Necau, exerce a mesma política.

A XXVII dinastia (cerca de 525 a.C. a 404 a.C.) marca o início da dinastia persa. Ela começa com a conquista do Egito por Cambises. Com a morte de Dario II, em 405 a.C., os egípcios reconquistam a sua independência. Amirteu, faraó da XXVIII dinastia, expulsa os persas. Mas a XXIX e a XXX dinastias são marcadas por brigas políticas por sucessão.

Nectânabe é o último rei nativo. Os persas realizam nova investida ao território egípcio. Tomam a capital Mênfis, após a batalha de Pelusa. É a queda do último faraó egípcio.

A segunda dominação persa (por volta de 343 a.C. a 332 a.C.), de Artaxerxes III até Dario III, parece ter sido um período difícil para os egípcios. Assim, Alexandre da Macedônia, ao derrotar Dario, é considerado um libertador do Egito. Alexandre, considerado filho de deus (e faraó), funda Alexandria no delta do Nilo (332 a.C.).

Dinastia ptolomaica (305 a.C. a 30 a.C.)
Após a morte de Alexandre, o Grande, seus generais dividiram entre si o Império, estabelecendo o sistema de satáprias. Ao Egito coube a influência de um dos melhores generais de Alexandre, Ptolomeu, que governa entre 305 a.C. e 282 a.C. Ele constrói o farol e a biblioteca de Alexandria. A partir de Ptolomeu IV, as intrigas familiares enfraquecem a dinastia.

Em 51 a.C., o governo egípcio passa para a filha de Ptolomeu XII, Cleópatra, que é a última rainha do Egito (de 51 a.C. a 30 a. C.) Por interesses políticos, ela se casa com o imperador romano Júlio César, que coloca o Egito sob proteção de Roma. Após o assassinato de César, a rainha se casa com o general romano Marco Antonio, um dos membros do triunvirato que sucede César no poder do Império Romano, o que desperta a ira e a inveja de outras forças de Roma. Em conseqüência, Octávio se autoproclama imperador de Roma e decide invadir o Egito.

Em 30 a.C., na batalha do Ácio, os exércitos comandados por Cleópatra e Marco Antonio são derrotados pelas forças romanas. Quando Otávio, vencedor, entra em Alexandria, Cleópatra e Antonio se suicidam. O Egito torna-se província romana.

AS  SETE  PRAGAS  DO  EGITO

2ª Parte -->
O Egito fascina. E engana. Desde a Antigüidade, especula-se sobre as origens dessa civilização. Dessa especulação nasceram sete teses equivocadas a respeito do Egito faraônico.

1 - O Egito é a mais antiga civilização conhecida.
Falso.

Esta idéia, alimentada pelos próprios sacerdotes egípcios, e transmitida aos gregos por Pitágoras e Platão, é baseada em cálculos astronômicos projetados para o passado, aos quais os sacerdotes acrescentaram relatos míticos que remetem ao fim da Era Glacial (9000 a.C.). Entretanto,
escavações revelam sítios arqueológicos no Egito menos avançados
que os de Dordogne, civilização megalítica do oeste da Europa, que
ergueu o santuário de Stonehenge e de Carnac (ambos na atual Inglaterra).

Sua origem se dá por volta de 4500 a.C. A civilização sumeriana, originária do sul da Itália, por sua vez, data de 3800 a.C. Ambas são anteriores à egípcia. É provável que as civilizações paleoindianas, de Harappa e Mohenjo-Daro, também sejam anteriores ao Antigo Egito. Apenas a China é mais jovem do que o Egito.

2 - Existe um "milagre egípcio", pois o caráter repentino de sua civilização só pode ser explicado pela chegada de "invasores superiores", os filhos de Hórus, sobreviventes da Atlântida.
Falso.

As descobertas da arqueologia revelam a existência da dinastia "zero", anterior à formação do Egito faraônico (cujo início se dá por volta de 3150 a.C). Nesse período, formam-se os elementos que iriam estruturar a sociedade egípcia e ocorre a sua unificação política, o que contribui para a produção de um excedente de riquezas e permite sustentar uma casta de sacerdotes, os primeiros intelectuais modernos da humanidade. Nessa época, a escrita hieroglífica se desenvolve, os esboços das comunidades rurais começam a se organizar, e são construídos os primeiros diques do Nilo.

3 - As pirâmides são um gigantesco observatório astronômico que contêm os conhecimentos antediluvianos de uma civilização superior.
Falso.

Esta teoria, de origem pitagórica, foi elaborada no século 18 pelo astrônomo inglês Piazzi Smyth. De acordo com Flinders Petrie, renomado egiptólogo escocês do início do século 20, ela não tem fundamento, pois os arquitetos das pirâmides obtinham cálculos aproximados, em razão da insuficiência de seus instrumentos de medida. Para o especialista, não há dúvida sobre a perfeição do alinhamento astronômico das pirâmides de Gizé. Mas, segundo ele, isso é o resultado de uma pesquisa arquitetural e matemática iniciada dois séculos antes, em Saqqara, com as pirâmides em degraus construídas por Imotep para o faraó Djoser. O esforço humano é uma realidade mais admirável do que o mito da prisca sapientia, a sabedoria antiga.

4 - As colheitas improdutivas, ocasionadas pelo gigantesco trabalho nas pirâmides, determinaram o fim do Antigo Império.
Falso.

Em razão da penúria dos recursos, no reinado de Miquerinos, os egípcios são obrigados a construir uma terceira pirâmide, menor. Após a construção, o Antigo Império sobrevive em meio a dificuldades por mais um século e meio. A decadência do período pode ser o resultado de um acidente climático, que teria provocado seca e miséria e influenciado a ruptura da unidade do país, a partir de então dividido entre distritos ricos e pobres.

5 - As pirâmides foram construídas num local onde a esfinge já estava havia vários milênios.
Falso.

Esta teoria, muito em voga atualmente, baseia-se na deterioração verificada na pedra da esfinge, e atribui sua presença no local desde 6000 a.C., sob a forma de megálito. Essa idéia, sustentada por um geólogo norte-americano, o professor Scheock, não leva em conta nem os efeitos climáticos nem os relatos de Heródoto. Além disso, num recente artigo na revista Nature, a egiptóloga britânica Kate Spence, da Universidade de Cambridge, demonstra o alinhamento das pirâmides em relação a duas estrelas: Kochab, na constelação da Ursa Menor, e Mizar, na Ursa Maior, presentes no céu de Gizé no fim do terceiro milênio, e que possibilitam a orientação do conjunto na ausência de instrumentos precisos. As pirâmides e a esfinge são filhos de sua época: 2200 a.C.

6 - Akhenaton instaurou o monoteísmo.
Falso.

Os sacerdotes de Thot já praticavam o culto ao disco solar Aton sete ou oito séculos antes do governo do faraó Akhenaton. Para eles, só havia um único deus do qual emana toda a Criação. A descoberta em Saqqara, por Alan Zivie, da existência de um vizir semita chamado Aper-El (em hebreu, Ovedel), que serviu ao pai de Akhenaton, Amenófis III, também colabora para derrubar a tese de que o monoteísmo fora instaurado por Akhenaton. A menção ao deus El, o Elevado, no nome do vizir, indica a existência de fervorosos religiosos monoteístas na Palestina e na Síria, contemporâneos ao faraó. Portanto, não podem ser frutos da revolução religiosa egípcia.

7 - A história de Akhenaton seria o modelo da lenda de Édipo e os gregos teriam confundido as duas Tebas (a do Egito e a da Grécia).
Falso.

Esta hipótese formulada pelo psicanalista Velikovsky não é sustentável. Ela se baseia na prática do incesto na família real egípcia e no papel da esfinge. Mas quem seria a Antígona e o que seria o castigo de Édipo? Muito mais fecunda é a pesquisa das origens orientais da cidade grega de Tebas, fundada por fenícios egipcianos que difundiram, com Cadenos, a escrita alfabética.

UM PEQUENO FORTE QUE NADA TEM DE EGÍPCIO

Na zona fronteiriça entre o Sinai e o delta do Nilo, encontramos vestígios de conflitos entre o Egito e seus vizinhos orientais. O sítio fortificado de Tell el-Herr mostra os indícios de uma primeira dominação persa no século 5o. a.C.
O sítio fortificado de Tell el-Herr aparece sobre uma parede do hipostilo (sala, cujo teto é sustentado por colunas) do templo de Amon, em Karnak, como uma etapa do itinerário percorrido por Seti I durante sua campanha rumo ao Oriente Próximo.

Situada no limite de uma região continental formada pela península do Sinai, na proximidade imediata de uma área do delta, Tell el-Herr tinha interesse estratégico para as épocas contemporâneas de seus principais níveis de ocupação, do fim do século 6o. a.C. até o século 6º de nossa era.

Durante o Novo Império, a região foi uma espécie de cidade mercado, expressa pelo termo egípcio ïtmt que significa "entreposto fechado, câmara forte". Mais ao longe, no lado leste, a missão da Universidade de Beershéva, liderada pelo professor Oren, descobriu alguns sítios do Novo Império, principalmente os vestígios de dois pequenos fortes, situados em Bir el-Abd e Harrouvit.
As escavações efetuadas no sítio permitiram demonstrar a mais antiga construção identificada remonta ao fim do século 6o - ou ao início do século 5o. a.C. - , ou seja, ao início da primeira dominação persa no Egito.

Sem dúvida, pouco tempo depois da batalha de Pelusa, em 525 a.C., que teve a vitória de Cambises sobre as forças egípcias e que marca o início da ocupação aquemênida no país, uma guarnição multiétnica foi construída na porta oriental dessa nova província.

Essa fortaleza, arrasada na virada do século 5o. para o século 4o. a.C, foi substituída por uma nova, mais vasta, com mais ou menos 140 metros de lado, construída sobre o mesmo local no século 4o., isto é, durante as últimas dinastias nativas que retomaram o poder no Egito de 404 a 343.

ANKHESENPEPI II, A PRIMEIRA RAINHA IMORTAL DE MÊNFIS

Os Textos das Pirâmides da necrópole de Mênfis não estavam
reservados unicamente aos reis. Arqueólogos descobriram recentemente a tumba da primeira rainha que se beneficiou desse privilégio, garantia de imortalidade.

Desde 1963, sob a orientação do professor Jean Leclant, a missão arqueológica francesa de Saqqara (aldeia do Egito ao sul do Cairo, na margem oeste do Nilo), realiza pesquisas nas pirâmides sobre os textos da necrópole real de Mênfis. No fim do século passado, foram descobertos nelas, os famosos Textos das Pirâmides (Gaston Maspero), destinados a assegurar a imortalidade do rei.

[Entrada+do+Grande+Templo+de+Abu+Simbel.jpg]
Entrada do Grande Templo de Abu Simbel.

Durante mais de 20 anos, de 1966 a 1988, no sul de Saqqara, a pirâmide e o templo funerário do rei Pepi I, célebre soberano da VIa dinastia (por volta de 2300 a.C.), foram escavados, estudados e restaurados.

Os trabalhos desenrolaram-se com o seu quinhão habitual de surpresas - foram descobertos os vestígios de seis pirâmides até então totalmente desconhecidas, possibilitando a ampliação dos conhecimentos sobre a família real dos soberanos da última dinastia do Antigo Império.

Ao contrário do faraó, impedido por sua natureza divina, a rainha revelava em sua tumba os laços familiares terrestres. Por ordem de importância, ela afirma em primeiro lugar seus elos de descendência ("a mãe do rei"), em seguida seu elo matrimonial ("a esposa do rei") e, por fim, afirma eventualmente sua ascendência ("a filha do rei, de seu corpo"). Esses marcadores sociais são indispensáveis para entender a continuidade monárquica. O menor fragmento de texto relativo a uma rainha é essencial para tentar discernir melhor um encadeamento histórico.

Até a descoberta de suas pirâmides, nada se sabia sobre as tumbas das esposas de Pepi I. Os únicos elementos atribuíveis a uma rainha provinham de elementos reempregados no templo funerário do rei e referiam-se à rainha Sechséchet, mãe de Teti. Em dez campanhas de escavações, quatro esposas de Pepi I foram reveladas com as pirâmides de Inenek e Noubounet e com menções à rainha Méhaa, mãe do príncipe Horneterikhet, e a uma "filha primogênita do rei". Há também as pirâmides de duas outras rainhas de gerações posteriores, Ankhesenpepi III, uma esposa de Pepi II, e Meretités II, esposa de um rei Néferkarê. Por fim, há a menção a uma rainha Nedjefet em blocos esparsos. Resta ainda descobrir seis tumbas de rainhas.

A última campanha de escavações da missão francesa, realizada no início do ano 2000, coroou de maneira extraordinária os resultados já obtidos, com a descoberta crucial de Textos das Pirâmides na tumba da rainha-mãe Ankhesenpepi II. Esse privilégio de imortalidade, aparentemente reservado até aqui ao rei, surge pela primeira vez vinculado a uma esposa real. A personalidade da rainha Ankhesenpepi II, esposa de dois reis, mãe de um terceiro e regente do reino, uma mulher de inegável destaque nessa época, pode ter contribuído largamente para o fato.

Os Textos das Pirâmides
Descobertos em 1880 pelo egiptólogo francês Gaston Maspero, eles constituem a mais antiga compilação de preceitos religiosos da humanidade. Os textos são uma série de fórmulas mágicas destinadas a assegurar a ressurreição do soberano: o rei pode transformar-se em pássaro, estrela etc. Muitas inscrições permanecem inéditas.

Uma nova tecnologia nas escavações
A busca de um monumento mal localizado pode acarretar pesados fardos. Todo canteiro de escavações envolve consideráveis remoções de terra: na ausência de investigações prévias, muito tempo e recursos correm o risco de ser desperdiçados. Foi preciso recorrer a novos métodos geofísicos, que foram aplicados pela primeira vez na egiptologia: em 1987 a equipe do Mecenato Tecnológico de Eletricidade da França ofereceu ajuda à pesquisa, assim como o grupo da Companhia de Prospecção Geofísica Francesa. Essas equipes puderam fornecer à missão uma ajuda tecnológica a partir de importantes resultados obtidos com as várias sondagens do subsolo realizadas na época da construção de barragens. Para isso, engenheiros e arqueólogos trabalharam em conjunto, utilizando os resultados de várias tecnologias simultaneamente - eletromagnetismo, sondagens elétricas em ondas curtas, baixa freqüência e análise pelo magnetômetro de prótons das variações do campo magnético terrestre. Após uma semana de medições efetuadas no deserto, cinco locais que podiam conter estruturas de pedra, correspondendo a esquemas prováveis, foram indicados aos egiptólogos. Pouco depois, uma sondagem revelou o ângulo de uma pequena pirâmide conservada em uma altura de três andares.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010 

http://civilizacoesafricanas.blogspot.com/2010/02/dossie-egito-o-berco-dos-faraos-2-parte.html

A CIVILIZAÇÃO EGÍPCIA



A Civilização Egípcia

Uma das civilizações mais importantes
da história Antiga.

Desenvolveu-se na região do Crescente Fértil, mais exatamente no nordeste da África, uma região caracterizada pela existência de desertos e pela vasta planície do rio Nilo. A parte fértil do Egito é praticamente um oásis muito alongado, proveniente das aluviões depositadas pelo rio. Nas montanhas centrais africanas, onde o Nilo nasce, caem abundantes chuvas nos meses de junho a setembro provocando inundações freqüentes nas áreas mais baixas ( O “Baixo Nilo”). Com a baixa do Nilo o solo libera o humo, fertilizante natural que possibilita o incremento da agricultura. Para controlar as enchentes e aproveitar as áreas fertilizadas, os egípcios tiveram de realizar grandes obras de drenagem e de irrigação, com a construção de açudes e de canais , o que permitiu a obtenção de várias colheitas anuais.

Dada esta característica natural, o historiador grego Heródoto de halicarnasso dizia que “O Egito é uma dádiva do Nilo”. Leitura preconceituosa, que tende a desprezar o empenho, o denodo e a competência técnica da civilização egípcia que aprendeu a utilizar as cheias e vazantes do rio a seu favor.

O Egito, inicialmente, estava dividido num grande número de pequenas comunidades independentes: os nomos que por sua vez eram liderados pelos nomarcas. Essas comunidades uniram-se e formaram dois reinos: o Alto e o Baixo Egito. Por volta de 3200 a.C., o rei do Alto Egito, Menés, unificou os dois reinos. Com ele nasceu o Estado egípcio unificado, que se fortaleceu durante seu governo com a construção de grandes obras hidráulicas, em atendimento aos interesses agrícolas da população. Menés tornou-se o primeiro faraó e criou a primeira dinastia.

Os egípcios adoravam o faraó como a um Deus, a quem pertenciam todas as terras do país e para quem todos deveriam pagar tributos e prestar serviços, característica típica do Modo de Produção Asiático. O governo do faraó era uma monarquia teocrática, ou seja, uma monarquia considerada de origem divina. Como chefe político de um Estado poderoso, o faraó tinha imenso poder sobre tudo e sobre todos. Na prática era obrigado a obedecer às leis, muitas das quais haviam sido criadas séculos antes da unificação dos nomos, o que limitava em parte os seus poderes.

ANTIGO IMPÉRIO (3200 a.C. a 2300 a. C.)
Um Estado pacifista e dedicado à construção de Obras de drenagem e irrigação, que impulsionaram o desenvolvimento da agricultura. Foram construídas as célebres pirâmides de Gizé: Quéops, Quéfren e Miquerinos. A autoridade do faraó é enfraquecida pela ação dos nomarcas, apoiada pela nobreza.

MÉDIO IMPÉRIO (2100 a.C. a 1750 a. C. )
Os faraós reconquistaram o poder. Príncipes do Alto Egito restauraram a unidade política do Império e estabeleceram em Tebas a nova Capital. A massa camponesa, através de revoltas sociais, conseguiu o atendimento de algumas reivindicações, como por exemplo a concessão de terras, a diminuição dos impostos e o direito de ocupar cargos administrativos até então reservados às camadas privilegiadas. O Médio Império chega ao fim com a invasão dos hicsos, um povo de origem asiática. Os hebreus retirando-se da Palestina, chegaram ao Egito; mas foram os hicsos que criaram maiores dificuldades. Com cavalos e carros de combate que os egípcios desconheciam, dominaram o país e instalaram-se no delta do Nilo permanecendo na região aproximadamente dois séculos.

NOVO IMPÉRIO (1580 a.C. a 525 a. C. )
O período iniciou-se com a expulsão dos hicsos e foi marcado por numerosas conquistas. Outra característica fundamental deste período foi o expansionismo e o poderio militar, pois a luta contra o invasor desenvolvera no egípcio um espírito militar conquistador. No governo de Tutmés III, o domínio egípcio chegou a se estender até o rio Eufrates, na Mesopotâmia. No século XIV a. C., Amenófis IV, casado com a rainha Nefertite, empreendeu uma revolução religiosa e política, substituindo os deuses tradicionais por Aton, simbolizado pelo disco solar. Esta medida visava diminuir o poder dos sacerdotes que acabaram por fim expulsos. Amenófis IV passou a se chamar Aquenaton que significa supremo sacerdote do novo deus. Seu sucessor Tutancâmon, restaurou o culto aos deuses tradicionais e pôs fim à revolução.

O governo do faraó Ramsés II (1320 - 1232 a. C.) enfrentou novo obstáculo, como a invasão dos hititas. Inimigos ameaçavam as fronteiras; a resistência era enfraquecida pela rivalidade entre o faraó e grandes senhores enriquecidos pela guerra. Por volta do século VII a. C. os assírios invadiram o país. Em 525 a. C., o rei persa Cambises derrotou o faraó Psamético III, colocando fim à independência egípcia. Os povos do Nilo seriam ainda dominados pelos gregos e, a partir de 30 a. C., pelos romanos.

Organização


Faraó - soberano todo poderoso, considerado deus vivo, filho de deuses e intermediário entre estes e os homens. Era objeto de culto e sua pessoa era sagrada. O faraó tinha autoridade absoluta: concentrava em si os poderes político e espiritual. Ele ocupava o topo da hierarquia social, filho de Amon-Rá, o deus-sol, e encarnação de Hórus, o deus-falcão. Por isso, esse governo é chamado de teocrático.

Nobres - proprietários de grandes domínios, ocupavam também os principais postos do exército. Esta camada era formada por familiares do faraó, altos funcionários do palácio, oficiais superiores do exército e chefes administrativos.

Sacerdotes - muito cultos, enriqueciam com oferendas feitas pelo povo aos deuses. Eram dispensados do pagamento de impostos e eram proprietários de muitas terras. A função sacerdotal era lucrativa e honrosa, passando de pai para filho. Os sacerdotes tinham a cabeça raspada e uma de suas funções era transmitir as respostas das divindades às perguntas dos fieis.

Escribas - se encarregavam da cobrança dos impostos, da organização escrita das leis e de decretos e da fiscalização da atividade econômica em geral.

Soldados - viviam dos produtos dados em pagamento pelos serviços e dos saques realizados durante as guerras. Nunca atingiam os postos de comando, pois eram reservados à nobreza.

Artesãos - trabalhadores que exerciam diferentes ofícios e que eram geralmente contratados por empreiteiros de grandes obras. Trabalhavam como pedreiros, carpinteiros, desenhistas, escultores, pintores, tecelões, ourives etc. Eles exerciam suas atividades nas grandes obras públicas recebendo em troca apenas alimento.

Camponeses - compunham a maior parte da população, viviam submetidos a uma violenta repressão por parte da camada dominante, que a ameaçava constantemente com exércitos profissionais para forçá-la a pagar impostos. Trabalhavam nas propriedade do faraó e dos sacerdotes e tinham o direito de conservar para si uma parte dos bens por eles produzidos.

Escravos - originários da escravidão por dívidas e da dominação de outros povos através das conquistas militares. Faziam os serviços domésticos ou trabalhavam nas pedreiras e nas minas.

Na sociedade egípcia desenvolveu-se o chamado modo de produção asiático, em que todas as terras pertenciam ao Estado e os camponeses das aldeias tinham o direito de cultivar o solo desde que pagassem um imposto coletivo. Esse imposto era pago com cereais, que eram estocados nos armazéns reais. Nessa sociedade, a base da economia era a agricultura. Cultivavam-se principalmente trigo, cevada, frutas, legumes, linho e algodão. Dentre outras atividades destacamos o comércio a indústria artesanal de tecidos e de vidro, a construção de navios, a cerâmica e a criação de bois, carneiros, cabras, asnos etc. O Estado intervinha na economia controlando a produção, recrutando mão-de-obra e cobrando impostos.

Religiosidade
Quanto a religiosidade, os egípcios eram politeístas, isto é, adoravam vários deuses, inclusive alguns animais, como o gato, o boi e o crocodilo, que eles consideravam sagrados. Além de ser politeísta, era também antropozoomórfica, pois os deuses eram representados geralmente pela figura humana e animal. A religião dos antigos egípcios passou por várias etapas: de um simples politeísmo para a mais recuada expressão conhecida de monoteísmo, retornando depois ao politeísmo. Durante o período do Antigo Reino, o culto do sol, corporificado na adoração de Rá foi o sistema dominante de crença. Servia como religião oficial cuja função principal era dar imortalidade ao Estado e ao povo, coletivamente. Para os egípcios, a morte apenas separava o corpo da alma. A vida poderia durar eternamente, desde que a alma encontrasse no túmulo o corpo destinado a servir-lhe de moradia. Era preciso então, conservar o corpo, e para isso os egípcios se aperfeiçoaram na técnica da mumificação.

O estudo da civilização egípcia, da antiguidade aos nossos dias
As origens da antiga civilização egípcia não podem ser definidas com precisão. A descrição do desenvolvimento da civilização egípcia se baseia nas descobertas arqueológicas de ruínas, tumbas e monumentos.

Os hieróglifos proporcionaram importantes dados.

A história egípcia, até a conquista de Alexandre III, o Magno, se divide nos impérios antigo, médio e novo, com períodos intermediários, seguidos pelos períodos tardio e dos Ptolomeus.

As fontes arqueológicas mostram o nascimento, por volta do final do período pré-dinástico (3200 a.C.), de uma força política dominante que, reunindo os antigos reinos do sul (vale) e do norte (delta), se tornou o primeiro reino unificado do antigo Egito. Durante a I e II Dinastias (3100-2755 a.C.), algumas das grandes mastabas (estruturas funerárias que antecederam às pirâmides) foram construídas em Sakkarah e Abidos.

O Império Antigo (2755-2255 a.C.) compreende da III à VI Dinastias. A capital era no norte, em Menfis, e os monarcas mantiveram um poder absoluto sobre um governo solidamente centralizado. A religião desempenhou um papel importante, como fica evidenciado pela riqueza e número dos templos; de fato, o governo tinha evoluído para um sistema teocrático, no qual o faraó era considerado um deus na terra, razão pela qual gozava de poder absoluto.

A IV Dinastia começou com o faraó Snefru que, entre outras obras significativas, construiu as primeiras pirâmides em Dahshur. Snefru realizou campanhas na Núbia, Líbia e o Sinai. Foi sucedido por Queóps, que erigiu a Grande Pirâmide em Gizé. Redjedef, filho de Queóps (reinou em 2613-2603 a.C.), introduziu uma divindade associada ao elemento solar (Rá) no título real e no panteão religioso. Quéfren e Miquerinos, outros membros da dinastia, construíram seus complexos funerários em Gizé.

Com a IV Dinastia, a civilização egípcia conheceu o auge do seu desenvolvimento, que se manteve durante as V e VI Dinastias. O esplendor manifestado nas pirâmides se estendeu para numerosos âmbitos do conhecimento, como arquitetura, escultura, pintura, navegação, artes menores, astronomia (os astrônomos de Menfis estabeleceram um calendário de 365 dias) e medicina.

A VII Dinastia marcou o começo do Primeiro Período Intermediário. Como conseqüência das dissensões internas, as notícias sobre a VII e VIII Dinastias são bastante obscuras. Parece claro, no entanto, que ambas governaram a partir de Menfis e duraram apenas 25 anos. Nesta época, os poderosos governadores provinciais tinham o controle completo de seus distritos e as facções no sul e no norte disputaram o poder. Os governadores de Tebas conseguiram estabelecer a XI Dinastia, que controlava a área de Abidos até Elefantina, perto de Siene (hoje Assuã).

O Império Médio (2134-1784 a.C.) começa com a reunificação do território realizada por Mentuhotep II (reinou em 2061-2010 a.C.). Os primeiros soberanos da Dinastia tentaram estender seu controle de Tebas para o norte e o sul, iniciando um processo de reunificação que Mentuhotep completou depois de 2047 a.C., limitando o poder das províncias. Tebas foi a sua capital.

Com Amenemés I, o primeiro faraó da XII Dinastia, a capital foi transferida para as proximidades de menfis. O deus tebano Amon adquiriu nessa época mais importância que as outras divindades, e foi associado ao disco solar (Amon-Rá).

Os hicsos invadiram o Egito a partir da Ásia ocidental, instalando-se no norte. Sua presença possibilitou uma entrada massiva de povos da costa fenícia e palestina, e o estabelecimento da dinastia hicsa, que deu início ao Segundo Período Intermediário. Os hicsos da XV Dinastia reinaram a partir da sua capital, situada na parte leste do delta, o que lhes permitia manter o controle sobre as zonas média e alta do país. O soberano tebano Ahmosis I derrotou os hicsos, reunificando o Egito e criando o Império Novo (1570-1070 a.C.).

Amenhotep I (1551-1524 a.C.) estendeu os limites até a Núbia e a Palestina. Com uma grande construção em Karnak, separou sua tumba do seu templo funerário e iniciou o costume de ocultar sua última morada. Tutmés I continuou a ampliação do Império Novo e reforçou a preeminência do deus Amon; sua tumba foi a primeira a ser construída no vale dos Reis. Tutmósis III reconquistou a Síria e a Palestina, que tinham se separado anteriormente, e continuou a expansão territorial do Império.

Amenófis IV foi um reformador religioso que combateu o poder dos sacerdotes de Amon. Trocou Tebas por uma nova capital, Aketaton (a moderna Tell el-Amarna), que foi construída em honra de Aton, sobre o qual se centrou a nova religião monoteísta. No entanto, a revolução religiosa foi abandonada no final do seu reinado. Seu sucessor Tutankhamen é conhecido hoje, sobretudo, pela suntuosidade do seu túmulo, encontrado praticamente intacto no vale dos Reis, em 1922.

O fundador da XIX Dinastia foi Ramsés I (reinou em 1293-1291 a.C.), que foi sucedido por seu filho Seti I (reinou em 1291-1279 a.C.); esse organizou campanhas militares contra a Síria, Palestina, os líbios e os hititas. Foi sucedido por Ramsés II, que fez a maior parte das edificações em Luxor e Karnak, ao construir o Ramesseum (seu templo funerário) em Tebas, os templos esculpidos na rocha em Abu Simbel e os santuários em Abidos e menfis. Seu filho Meneptá (1212-1202 a.C.) derrotou os invasores provenientes do mar Egeu, feitos narrados em um texto esculpido na esteira na qual figura a primeira menção escrita conhecida do povo de Israel.

O Terceiro Período Intermediário compreende da XXI à XXIV Dinastias. Os faraós que governaram a partir de Tânis, no norte, entraram em choque com os sumos sacerdotes de Tebas. Os chefes líbios deram origem à XXI Dinastia. Quando os governadores líbios entraram em um período de decadência, vários rivais se armaram para conquistar o poder. De fato, as XXIII e XXIV Dinastias reinaram ao mesmo tempo que a XXII, bem como a XXV (cusita), que controlou de forma efetiva a maior parte do Egito quando ainda governavam as XXIII e XXIV Dinastias, no final do seu mandato.

Os faraós incluídos da XXV à XXXI Dinastias governaram a Baixa Época. Os cusitas governaram de 767 a.C. até serem derrotados pelos assírios, em 671 a.C. Quando o último faraó egípcio foi derrotado por Cambises II, em 525 a.C., o país caiu sob domínio persa (durante a XXVII Dinastia).

A ocupação do Egito pelas tropas de Alexandre Magno, em 332 a.C., pôs um fim ao domínio persa. Alexandre designou o general macedônio Ptolomeu, conhecido mais tarde como Ptolomeu I Sóter, para governar o país. A maior parte do período que seguiu à morte de Alexandre Magno, em 323 a.C., foi caracterizada pelos conflitos com outros generais, que tinham se apoderado das distintas partes do império. Em 305 a.C., assumiu o título real e fundou a dinastia ptolemaica. Cleópatra VII foi a última soberana dessa Dinastia. Tentando manter-se no poder, aliou-se a Caio Júlio César e, mais tarde, a Marco Antônio. Depois da morte de Cleópatra, em 30 a.C., o Egito foi controlado pelo Império Romano durante sete séculos. Nessa época, a língua copta começou a ser usada independentemente da egípcia.

Com a finalidade de controlar a população e limitar o poder dos sacerdotes, os imperadores romanos protegeram a religião tradicional. Os cultos egípcios a Ísis e Serápis se estenderam por todo o mundo greco-romano. O Egito foi também um centro importante do cristianismo primitivo. A Igreja Copta, que aderiu ao monofisismo, se separou da corrente principal do cristianismo no século V.

Durante o século VII, o poder do Império Bizantino foi desafiado pela dinastia dos Sassânidas da Pérsia, que invadiram o Egito em 616. Em 642, o país caiu sob o domínio dos árabes, que introduziram o islamismo.

Nos séculos que se seguiram, teve início um lento processo de islamização que com o tempo produziu a mudança de um país cristão de fala copta para um outro, muçulmano de fala árabe. A língua copta se converteu em uma língua litúrgica.

Durante o califado abássida, surgiram freqüentes insurreições por todo o país provocadas pelas diferenças entre os sunitas, maioria ortodoxa, e a minoria que aderiu aos xiitas. Em 868, Ahmad ibn Tulun transformou o Egito em um estado autônomo, vinculada aos abássidas apenas pelo pagamento de um pequeno tributo. A dinastia de Tulun (os tulúnidas) governou durante 37 anos um império que englobava o Egito, a Palestina e a Síria.

Depois do último governo dos tulúnidas, o país entrou em um estado de anarquia. Suas frágeis condições o tornaram presa fácil para os fatímidas, que em 969 invadiram e conquistaram o Egito e fundaram o Cairo, convertendo-a na capital do seu império. Os fatímidas foram derrotados pelos ayyubis, cujo líder Saladino (Salah ad Din Yusuf ibn Ayubb) se proclamou sultão do Egito e estendeu seus territórios até Síria e Palestina, tomando dos cruzados a cidade de Jerusalém (ver Cruzadas). A debilidade de seus sucessores levou a uma progressiva tomada do poder pelos mamelucos, soldados de diversas origens étnicas que os serviam e terminaram por proclamar-se sultões com Izza al Din Aybak, em 1250.

No final do século XIII e começo do século XIV, o território dos mamelucos se estendia para o norte até os limites da Ásia Menor. A segunda dinastia de sultões mamelucos, os buris, era de origem circassiana; governaram de 1382 a 1517, quando o sultão Selim I invadiu o Egito e o integrou ao Império otomano.

Embora o domínio real dos turcos otomanos sobre o Egito tenha durado apenas até o final do século XVII, o país pertenceu nominalmente ao Império otomano até 1915. Em vez de acabar com os mamelucos, os otomanos utilizaram-nos em sua administração. Na metade do século XVII, os emires mamelucos (ou beis) restabeleceram sua supremacia. Os otomanos aceitaram a situação, com a condição de que pagassem um tributo.

A ocupação francesa do Egito em 1798, levada a cabo por Napoleão I Bonaparte, interrompeu por um curto intervalo de tempo a hegemonia mameluca. Em 1801, uma força britânico-otomana expulsou os franceses. Mehemet Ali assumiu o poder e, em 1805, o sultão otomano o reconheceu como governador do Egito. Mehemet Ali destruiu todos os seus oponentes até se tornar a única autoridade no país. Para poder controlar todas as rotas comerciais, realizou uma série de guerras expansionistas.

Os britânicos ocuparam o Egito de 1882 a 1954. O interesse da Grã-Bretanha se centrava no canal de Suez, que facilitaria a rota britânica até a Índia. Na I Guerra Mundial, a Grã-Bretanha estabeleceu um protetorado. Em 1918, surgiu um movimento nacionalista para garantir a independência. Eclodiu uma revolta violenta no país, razão pela qual a Grã-Bretanha suprimiu o protetorado em 1922 e foi proclamada uma monarquia independente, governada pelo rei Fuad I.

Em 1948, o Egito e outros Estados árabes entraram em guerra com o recém-criado Estado de Israel. Com a derrota, o Exército se voltou contra o rei Faruk I. Em 1952, um golpe de estado depôs o rei e proclamou a República do Egito.

O primeiro presidente, o general Muhammad Naguib, foi uma figura nominal, pois o poder foi exercido por Gamal Abdel Nasser, presidente do Conselho do Comando da Revolução. Em 1956, foi eleito oficialmente presidente da República. No começo, Nasser seguiu uma política de solidariedade com outras nações africanas e asiáticas do Terceiro Mundo e se converteu no grande defensor da unidade árabe. A negativa dos países ocidentais de proporcionar-lhe armas (que provavelmente utilizaria contra Israel) provocou uma reviravolta na política externa de Nasser, que o aproximou dos bloco dos países do Leste.

No que diz respeito à política interna, Nasser suprimiu a oposição política, estabeleceu um regime de partido único e socializou a economia. Essa nova ordem foi chamada de socialismo árabe. Em 1967, continuou a luta contra Israel, que desembocou na guerra dos Seis Dias, ao final da qual Israel assumiu o controle de toda a península do Sinai. O canal de Suez permaneceu fechado durante a guerra e posteriormente foi bloqueado. Nasser recorreu à União Soviética.

Nasser morreu em 1971 e foi sucedido pelo seu vice-presidente, Anwar al-Sadat. Sadat promoveu uma abertura política e econômica, além de procurar uma saída para o problema israelense mediante a negociação; como não conseguiu, planejou outro ataque contra Israel, dando início à guerra do Yom Kippur. Em 1974 e 1975, Egito e Israel concluíram uma série de acordos que resultou na retirada das tropas do Sinai. Em 1975, o Egito reabriu o canal de Suez e Israel se retirou de certos pontos estratégicos e de alguns dos campos petroleiros do Sinai.

A questão econômica começou a ganhar cada mais importância; em 1977, Sadat pediu para que os assessores militares soviéticos abandonasse o país e se aproximou dos Estados Unidos. Em uma conferência tripartite com o presidente norte-americano Jimmy Carter, realizada em 1978, Sadat e o primeiro-ministro israelense Menahem Begin assinaram um acordo para a solução do conflito egípcio-israelense. Grupos fundamentalistas islâmicos protestaram contra o tratado de paz, e Sadat foi assassinado em 1981.

Hosni Mubarak sucedeu Sadat. Abriu politicamente o país e melhorou as relações com outros Estados árabes. Participou da coalizão que lutou contra o Iraque na guerra do Golfo Pérsico, em 1991. Em 1992, os fundamentalistas islâmicos começaram a lançar violentos ataques com o objetivo de substituir o governo de Mubarak por outro baseado no estrito cumprimento da lei islâmica. Em outubro de 1993, Mubarak foi reeleito para um terceiro mandato presidencial, embora continuasse a violência por parte dos militantes islâmicos. 
Valter Pitta

segunda-feira, 5 de abril de 2010

COSMO - EGIPTOLOGIA

Mozart
Great Mass in c minor kv. 427 - 5. Domine Deus


Arleen Auger
Frederica von Stade
Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Leonard Bernstein

Cosmo -Egiptologia


Ao imaginar aquilo que poderia ter sido a antiga civilização Egípcia, as nossas mentes transportam-nos para um tempo remoto da história Humana, um tempo demasiado longínquo para nos apercebermos do maravilhoso legado daí resultante. Estamos perante o inicio de toda uma concepção ideológica da humanidade há já 5000 anos.

Ao pensarmos "Egipto", vem-nos logo à memória uma imagem redutora de uma pirâmide com os preços de uma viagem de pensão completa ou semi-completa para duas pessoas com direito a passeio de barco pelo Nilo. Mas o Egipto é mais do que um simples postal... para além dessa visão, existe um mundo complexo de crenças que influenciaram todo o conceito científico, existem as fundações da nossa consciência enquanto seres... as bases da nossa ciência, da nossa escrita e da nossa arte.

Viajar pela consciência egípcia, é viajar num mundo repleto de simbolismos, num mundo em que o Sol e o Nilo regentes de toda a existência davam largas a imaginação fértil do homem.

A Astronomia egípcia nasce de toda uma preocupação cosmogónica da continuidade, nasce para dar resposta ao inexplicável, a existência de deuses e de um porquê qualquer... mas sempre com uma consciência crítica e científica.

O Egipto é hoje uma riqueza de saberes para quem procura juntar todas as peças de um puzzle ainda demasiado desconhecido. 

COSMOGONIA  EGÍPCIA

Cosmogonia é o termo utilizado para determinar uma ou mais teorias sobre a formação do nosso universo. Actualmente, não existem muitas dúvidas acerca do principal autor dessa "melodia secreta"- a energia, no entanto há cerca de 6000 anos atrás o homem necessitou de uma explicação para o inexplicável, para aquilo que não se conseguia explicar com simples palavras e simples actores. E no entanto, aquela que mais fez foi sem sombra de dúvidas a mais complexa de todas - a Natureza, nela se escondiam as bases da criação.

Para os Antigos Egípcios, que depressa iniciaram as suas bases cosmogónicas nos primórdios da sua civilização, a natureza era uma fonte rica em personagens mistificadas e adoradas. As tribos nómadas que durante o período pré-histórico e pré-dinástico (cerca de 4000 anos antes de Cristo) dominaram as planícies e oásis no actual Saara, construíram as fundações para aquilo que seria uma das cosmogonias mais espantosas do género humano. Essas ideias cosmogónicas representam o primeiro aspecto da civilização egípcia a chegar até nós. Graças a elas o clero1 pode explicar a criação do mundo e do cosmos cuja visão da época dava conta de duas forças antagónicas em constante luta: a Ordem e o Caos.

Paletas de Narmer – prova da Unificação do Alto e Baixo Egipto.
Ao longo de centenas de anos, as diferentes tribos que viviam naquilo que ainda não era o Egipto, aglomeram-se ao longo de um rio fértil - o Nilo, formando deste modo tribos maiores e mais complexas, com esta complexidade surgiram as primeiras dificuldades em unir as diferentes crenças. Mas estes diferentes dogmas viriam a criar apenas um só com a unificação do Alto e Baixo Egipto (última divisão) cerca de 3000 a.C. pelo rei Narmer (alguns Egiptólogos defendem que outro rei, o rei escorpião, iniciou essa unificação).

Nesse último dogma, os sacerdotes tiveram a rude tarefa de agradar a todas as tribos unificadas. É no entanto evidente que não houve passividade em tal acto, surgindo diversas guerras internas que duraram todo o período da 0 Dinastia.

Mas qual a relação com a astronomia?

Existe evidentemente uma relação directa entre os conceitos cosmogónicos e as concepções do cosmos para os antigos egípcios. A arqueo-astronomia é hoje uma ciência sobejamente estudada, no entanto ainda permanecem centenas de mistérios por resolver. A Astronomia egípcia – Cosmo-Egiptologia - não é excepção à regra, e é necessário para todo o estudioso desta ciência saber os conceitos religiosos que levaram ao conhecimento do cosmos.

Voltando à historia em si…

Desde o período pré-histórico os egípcios olharam para os céus diurnos e nocturnos, cedo aperceberam-se da periodicidade de certos corpos celestes, como é o nascer e ocaso do Sol. Para além destes fenómenos naturais de que voltaremos a falar ao longo das próximas semanas, é importante relacionar estes fenómenos com a própria natureza envolvente, isto é, relacionar determinado fenómeno natural com poderes sobrenaturais dos animais. Assim sendo, um dos animais mais frequente dos céus egípcios – o falcão, tornou-se um dos maiores deuses do panteão Egípcio.

Apesar de aceite por todas as diferentes tribos, o deus falcão Horus – deus do bem e protector do Egipto unificado, é frequentemente confundido e inter-conectado com outros aspectos. Horus identifica-se sobre vários aspectos:
  • Identificação de origem solar com o falcão "senhor dos céus", filho de Hathor (relacionada com Ísis) que surge como criadora.
  • Identificação de origem Osiriana "filho de Ísis" e Osíris, nascida da morte do seu pai, surge aqui como ponto de união a pequena e a grande Eneida de Heliópolis.
  • Identificação com os deuses da Eneida mediana, o Horus irmão de Ísis e Osíris, concebido de forma mágica quando seus pais se encontravam no seio materno de Nut.
  • Identificação de Horus com o rei.
Todas as figuras dos distintos deuses Horus têm uma iconografia similar, tendo por vezes aspectos estranhos, mas existindo sobre forma mais comum como um falcão ou um homem de cabeça de falcão com o disco solar (Horajty) sobre a cabeça ou a coroa dupla2. Existem também outros deuses que apesar de não possuírem uma relação directa com Horus são representados como um falcão, chegando em alguns casos a ter alguns atributos de Horus. A sua caracterização carece de rigidez dependendo da versão e da passagem de textos que se consulta, como também da época e do lugar.

Apesar de Horus ser um deus adorado em diferentes centros religiosos que se edificaram ao longo das primeiras dinastias, essa versão de um deus único não explicava a complexidade das leis do Maat (a ordem cósmica), surgindo no reinado do faraó Unas (2355 a 2325 a. C. – V Dinastia) para resposta a esse dilema, um complexo conjunto de textos, denominados de "Textos das Pirâmides".

Descobertos em 1881 em Saqqara, os "Textos das Pirâmides" despertaram a curiosidade dos académicos do mundo inteiro, sendo Gaston Maspero o primeiro a tentar decifrar a sua lógica. A primeira publicação é da autoria de K. Sethe, Die altagyptischen pyramidentexte, 4 volumes, Leipzig, 1908-1922.

Os textos das pirâmides fazem parte de uma colecção de textos religiosos gravados nas paredes das pirâmides a partir da V dinastia. Estes textos constituíam rituais fúnebres, fórmulas mágicas e cerimónias religiosas para facilitar ao faraó a sua longa caminhada pela morte até a vida no Além, isto é, para aquilo que os Egípcios acreditavam ser o Além – as Estrelas. As ideias cosmogónicas representadas nas paredes das pirâmides datam do início da ideologia da civilização egípcia, havendo passagens que se assemelham em parte a Estelas da I Dinastia, isto demonstra-nos existir, já naquele tempo, um sistema religioso complexo, existente antes mesmo dos textos serem reescritos no interior das pirâmides.

Nestes textos está particularmente bem patente uma ordem lógica da cosmogonia em relação contínua com a astronomia. Na época, Heliópolis era um dos centros religiosos mais importantes, os restantes centros eram: Hermanópolis, Menfis e Tebas, todos eles com sua própria cosmogonia.

A datação das suas cosmogonias são incertas, no entanto os primeiros passos foram dados no pré-dinástico. Estes estão ligados entre eles por princípios fundamentais no "Oceano Primordial" - o Nun, de onde saiu o poder da vida, aquilo que para nós se pode assemelhar ao nosso Universo antes do suposto "Big Bang":
  • Aqui existe um paralelismo estreito com o rio Nilo. Os habitantes do Delta entendiam o Cosmos como um espaço limitado, a vida fluía e o renascimento era periódico como as cheias do rio Nilo;
  • Outra ligação era a "Colina Primogénita", local onde se origina a vida periodicamente devido as cheias do Nilo;
  • A terceira ligação era o Sol, como entidade de poder que provoca o renascimento.
As lutas contínuas entre os diferentes centros religiosos, em particular entre o deus Seth (Nagana) e Horus (Hieracompolis) levaram a que Heliópolis se torna-se o centro religioso mais poderoso do antigo Egipto, nele se prestava o culto ao deus Rá e posteriormente a Horus:
  • A existência na época pré-dinástica de diferentes divindades com cabeça de falcão demonstra a importância dada pelos egípcios às observações do céu e consequentemente ao que por lá voa;
  • O culto de Horus sobre as suas diversas formas foi-se assimilando ao longo da evolução dos conceitos cosmogónicos a partir da II dinastia, assim, Horus transformou-se num dos principais deuses do panteão egípcio a partir de Guerzense o Nagada II.
Heliópolis mostra-nos os passos progressivos para estabelecer uma ordem no Cosmos sem se preocupar com os elementos de desordem em si. Criada em três fases diferentes em redor de um deus: Rá, possui uma simbologia clara e específica para cada uma delas, dando uma sensação de uma estrutura geométrica que se cuida de entrelaçar elementos e divindades do sul e do norte (Seth e Osíris).


A lenda de Heliópolis - ordem cosmogónica.
Assim sendo, a cosmogonia inicial foi:
  • Rá – Deus solar e criador. O grande deus Egípcio e senhor do Maat, a Harmonia Universal. Tríada de Heliópolis com – Atum (Sol do anoitecer), Rá (Sol do meio-dia) e Khepri (Sol da manhã). Aparece pela primeira vez associado ao Deus-Faraó na II dinastia - Nebra (2800 a.C.), e a três nomes da IV dinastia – Didufri, Kefren e Mikerinos, estes intitulam-se filhos de Rá, um dos apelidos clássicos dos faraós a partir da V dinastia.
  • Geb – Deus da Terra. No Egipto o céu é um factor feminino, a terra um factor masculino. Na Origem Geb e Nut encontram-se estreitamente unidos. Pedem a Shou (a Atmosfera) que os separe, sobre ordem de Rê. Geb é representado como um homem dominado por Nut.
  • Nut – Deusa do céu estrelado, não se quer unir com Geb, Nut é representada como uma mulher atravessando o hemisfério. Nut é também a mãe do Sol, que decresce antes de ser engolido por Ela e renasce todas as manhãs. 
  •  
  • Este casal constitui o segundo casal primordial, 
  • depois de Shou (o Ar / Fogo) e Tefnou (a Água).
Para além dos "Textos das Pirâmides", surgiram vários outras fontes de conhecimentos das suas relações com o cosmos, o "Livro dos Mortos" é o fac-símile de maior importância para completar a nossa compreensão.

As Pirâmides do Egipto

No último artigo falamos das ideias cosmogónicas do antigo Egipto, aquelas que foram utilizadas para toda a concepção do Cosmos por parte dos antigos egípcios. Juntamente com os “Textos das Pirâmides”, o “Livro dos Mortos” é um fac-símile de maior importância para completar a nossa compreensão de toda a filosofia egípcia.

O Livro dos Mortos (Prt m hru), é o livro ilustrado mais antigo do mundo. Surge-nos pela primeira vez, como com conjunto organizado de textos na XVIII dinastia (c. 1550 a. C.). No entanto toda a sua origem data do reinado de Unas (c. 2345 a. C.), último rei da V dinastia, que teve a primeira pirâmide “não muda”, devido a existência dos textos inscritos no seu interior.

O egiptólogo alemão Richard Lipsius deu a este conjunto de textos o nome de Livro dos Mortos. Lipsius catalogou-os num fac-símile da época ptolemaica dividido em 165 capítulos ou fórmulas

A “Recensão Tebana” ,no início da XVIII Dinastia, trouxe com ela mudanças a todos os níveis. Um dos maiores feitos deste período foi a compilação e escolha criteriosa de todos os textos funerários escritos até então, sem, no entanto, qualquer preocupação com a organização sequencial interna.

Assim sendo a evolução foi dada desta forma:


Posteriormente, na XXVI dinastia (650 a. C.) irá surgir uma nova recensão, a “Recensão Saíta”, que se caracterizará exactamente por procurar uma ordem na sequência das fórmulas (capítulos).

A Filosofia dos textos escritos em hieróglifos cursivos (mais tarde escrito em hierático (XXI Dinastia)), é na sua maioria, acompanhada por ilustrações. Por vezes existem apenas as vinhetas (ilustrações) para representar as ideias e transmitir aquilo que os antigos nos quiseram legar.

O Livro dos mortos, ao contrário dos textos das pirâmides, era permitido a qualquer pessoa no antigo Egipto, dependendo apenas da capacidade económica para a obtenção de um livro melhor do que o outro.

Na vinheta, visualizamos o sarcófago sobre a barca solar que transportará o morto, à semelhança de Rá, isto é a semelhança do Sol que circula diariamente no céu nocturno desde o ocaso até o nascer. Os egípcios preocupavam-se particularmente com o destino dos seus corpos e mentes após a morte, daí a preocupação de assemelhar tal acto a um deus maior – o Sol.

As Pirâmides e seus primórdios

Por volta de 2789 a.C. e durante todo o Império Antigo (dinastia III a VI), a necessidade de se estender o braço de um deus na terra deu origem a um período de grandes construções, a arquitectura (sobretudo menfita) teve um extraordinário desenvolvimento e uma rápida expansão.

Nesse período a pedra substituiu de forma radical o barro, e a diferenciação volumétrica nos edifícios teve aqui o seu impulso e êxtase. Esse período viu nascer perto de uma centena de complexos piramidais no lado ocidental das margens do Nilo.

As construções fúnebres típicas das primeiras dinastias tinham o nome de Mastaba1 (Figura 2.1). As suas origens remontam a pequenas colinas ou túmulos pré-históricos que indicavam o lugar onde o defunto repousava. O seu objectivo seria de prolongar a vida a quem nele fosse enterrado, consoante o estatuto social apresentava elementos complementares como os baixos-relevos, pinturas, estelas, mobiliário funerário, estatuas e inscrições. Nesse tipo de sepulturas, convenientemente ampliadas e nalguns casos adornadas interiormente foram enterrados os primeiros reis do Egipto.

Foram encontradas muitas mastabas de diferentes períodos da história egípcia, no entanto apenas as primeiras tem um perfil real, como as Mastabas dos reis Uadji e Udimu da primeira Dinastia. A mais interessante, a nível arquitectónico, é a Mastaba do rei Nebetka, formada por diferentes super-estruturas e transformando-se assim num protótipo do que mais tarde viria a ser a pirâmide escalonada.


Figura 2.1 – Mastaba - A – Pátio de entrada, B – Acesso ao tumulo, C – Corredor de entrada, D – Antecâmara, E – Capela 
 
Tudo leva a crer que a forma piramidal tenha surgido no reinado de Horus Neter-ir-Khet o segundo faraó da III Dinastia (2690 -2613 a.C.)), mais conhecido pelo nome de Djoser. Situada próxima de Mênfis (então capital do Egipto) a necrópole de Saqqara, que já tinha os complexos fúnebres de vários faraós anteriores, veio a ser o local escolhido para aquilo que se pode considerar o primeiro ensaio de uma pirâmide. Toda a técnica egípcia de construção de pirâmides baseou-se na experimentação (figura 2.2).

Jean-philippe Lauer, egiptólogo que trabalhou inúmeros anos em Saqqara, diz-nos que a pirâmide escalonada de Dsojer, “aquele que é mais divino do que a confraria dos deuses”, consiste numa simples Mastaba (Figura 2.2). Houve evidentemente uma evolução arquitectónica, mas apesar de parecer ser na sua estrutura externa que a diferença reside, é no seu interior que encontramos as maiores mudanças, com a sua sala sepulcral de granito rosa vindo de Assuão e um número considerável de galerias e mobiliário.

O faraó dá ideia de querer construir um local funerário para toda a família, o que explica as salas contidas na Mastaba , originalmente com 6 metros de altura e que deu lugar a uma pirâmide de seis graus com altura próxima dos 60 metros.

Outra modificação visível é o revestimento de calcário branco das minas de Tourah, próximas de Menfis, o que permitia à pirâmide ser vista a uma distância considerável. O seu brilho poderia assemelhar-se ao de uma estrela, e impressionar quem dela se aproximasse, demonstrando assim o grande poderio do faraó. Todo esse complexo, de cerca de 15 hectares foi rodeado por um muro de pedra em que a única entrada era feita pelo lado oriental.

Toda essa construção baseava-se num único pressuposto: imitar o monte primogénito de onde surgiu o primeiro deus, e facilitar a subida do faraó para junto dos deuses.

Imhotep, “Aquele que vem em paz”

Para construir tal complexo piramidal foi necessário uma organização impar, uma boa gestão dos recursos e uma forte liderança. O faraó Djoser contava com um arquitecto (também astrónomo) de uma capacidade inata para as grandes construções, o seu nome era Imhotep. Imhotep, gozou em vida um prestígio incalculável vindo a ser considerado, depois da morte, pai da arquitectura no Egipto. Adorado pelos seus seguidores foi, na época Saita, considerado filho de Ptah. Para além da própria pirâmide, esse arquitecto está na base da construção de vários outros complexos arquitectónicos dentro do complexo de Saqqara, como é o templo mortuário da fachada Norte ou a serdab construída em pedra talhada e abrigando uma estatua do próprio faraó. Através dessas outras construções os antigos egípcios acreditavam na ressurreição do seu faraó e na circulação livre da sua essência espiritual, o Ka.

Em termos Astronómicos

Para analisar as ligações das pirâmides à astronomia, e deixando as lindas pirâmides do faraó Seneferu para trás, olharemos para as grandiosas pirâmides do planalto de Gizé. Sobre o planalto de calcário do planalto de Gizé, não muito longe daquela que é hoje uma das maiores metrópoles do mundo - O Cairo, encontra-se um complexo magnifico dominado pela construção de três pirâmides, arquitetonicamente perfeitas. Essas três maravilhas do mundo antigo foram construídas por três dos mais ilustres faraós da IV Dinastia: Khufu, Khafra e Menkaura, cujo reinado não ultrapassou o quarto de século para cada um deles.

Um dos pontos comuns entre todas as pirâmides existentes no Egipto, é a sua entrada direccionada para o eixo Norte. A importância que os egípcios davam a uma orientação cardinal nas suas construções levou a um grande domínio de certas ferramentas como a trigonometria e a astronomia.

Do complexo piramidal do faraó Khufu (Quéops) filho e sucessor de Senéferu subsiste apenas a pirâmide central baptizada de Grande Pirâmide. A sua perfeita construção tanto a nível arquitectónico como a nível astronómico, marca o apogeu da era das grandes construções.

Uma abertura feita pelos homens do Califa Al-Mamoun no final do milénio anterior (990 d. C.), deixa transparecer o interior da pirâmide, única em muitos pontos. Uma das características que salta logo a vista é a quasi-sobreposição das três câmaras segundo o eixo da pirâmide. A primeira, a sala subterrânea encontra-se na perfeição no eixo, a segunda, a chamada sala da rainha encontra-se um pouco desviada da anterior. Por fim, a sala do rei também ela ligeiramente desfasada do eixo. Esta ultima sala, toda ela feita de granito rosa proveniente das minas de Assuão, tem acesso por um longo corredor inclinado de vários metros de comprimento e com uma magnífica estrutura de adoba “de Berço” fazendo lembrar uma pirâmide de degraus invertida. Nas paredes da sala sepulcral do faraó encontram-se algumas condutas de ar, que apesar de se acreditar na sua utilidade em renovar o ar dentro da pirâmide, teve uma função muito mais simbólica do que utilitária.

É aqui que a Astronomia tem um papel fundamental na resposta a certas questões. Porque razão existiam condutas minúsculas com uma certa orientação? Para os antigos egípcios as pirâmides eram máquinas de renascimento, para tal era necessária uma determinada orientação que vigorasse e que estivesse de acordo com todas as crenças religiosas e cosmogónicas. As pirâmides eram em si: “O monte da criação”, a montanha primordial de onde surgiu. Era por isso importante que a pirâmide fosse um monumento perfeito que se assemelha-se aos céus e que fizesse a junção entre a Terra e o Céu.

Na Grande pirâmide de Gizé, para além dessa orientação segundo a direcção Norte-Sul, existem outras condutas que nos leva a determinadas zonas do céu nocturno.

Alexander Badawy e Virgínia Trimble foram os primeiros a suspeitar de uma determinada orientação para esses corredores (Figura 2.3). A conduta de ar da fachada Sul da sala leva-nos em determinado período do ano a culminação sucessiva das três estrelas da constelação de Orion: Alnitak, Alnilam e Mintaka. Recorde-se que Orion era para os antigos egípcios uma representação nos céus de Osíris. Do outro lado, na fachada Norte, temos a saída de ar orientada para aquela que era a estrela polar há cerca de 5000 anos, a estrela de Thuban, uma das estrelas da constelação do Dragão.

Por outro lado, temos a dita “sala da rainha”, também ela com as suas próprias saídas de ar orientadas para determinado local nos céus, fazendo aqui sentido essencialmente a orientação Sul para a Estrela Soped (Sirius) que era entre outras a representação da deusa Isis nos céus.

Alguns vestígios foram encontrados na proximidade da pirâmide central de Gizé que confirmam um plano geral, praticamente idêntico entre as diferentes pirâmides do planalto. Desta forma existia nessas três pirâmides um templo junto a fachada oriental com uma ligação perpendicular ao rio Nilo.

Esse simbolismo, assim como a orientação estelar vem a completar o nosso conhecimento acerca da compreensão do universo pelos antigos egípcios, que mais tarde viria a ser escrito no interior das pirâmides sobre forma de “texto das pirâmides”.



Figura 2.3 – Orientação astronómica da pirâmide de Quéops

A grande esfinge de Gize

No sopé da pirâmide de Gizé, os arquitectos do reinado de Kafrê transformaram uma grande rocha naquilo que é hoje uma escultura viva. Adoptando uma posição de sentada, um Leão com cabeça de homem foi aí erigido olhando para o oriente.

Este magnífico exemplar da grandiosidade do Egipto só foi conservado graças aos seus sucessivos esquecimentos que permitiram que as areias vindas do deserto o cobrissem evitando a erosão. Dentro dessa esfinge existe um templo.

Porquê corpo de Leão?

Acreditava-se que o Leão personificava a força e a bravura do faraó. Nesse caso particular poderíamos dar uma outra explicação, essa ligada a factores astronómicos, isto é, na direcção do olhar da esfinge podemos observar o nascer helíaco do Sol logo no Equinócio, tendo por detrás a constelação do Leão. Não existem provas evidentes do conhecimento por parte dos egípcios nesse determinado período, da constelação do Leão, no entanto podemos traçar aqui esta coincidência (figura 2.4).

Para além desse factor, tudo indica que uma cerimónia era celebrada todos os dias, em honra dos três aspectos complementares do deus Sol: Khépri, Rá e Atoum, prova disso são as três salas cerimoniais no interior do colosso, uma para nascente, uma no centro e outra para poente.

Existe uma outra particularidade que os arqueólogos e astrónomos referem com frequência, a de que os antigos egípcios tentaram ao longo das suas construções “faraónicas”, construir algo que se assemelhasse aos céus, de tal forma que o próprio complexo de Gizé assemelha-se ao cinturão da constelação de Orion (conhecida nesse tempo e personificando o deus Osíris).

1Palavra árabe que significa banco.

Os primeiros relógios estelares e os tectos astronómicos

Antes de passar ao tema desta semana, convém acrescentar algo mais ao artigo da semana passada. É evidente que haveria ainda muito mais para dizer acerca deste tão fascinante assunto, no entanto queria acrescentar algo que julgo ser importante na compreensão de um certo acontecimento:

Porque é que a saída de ar da fachada Norte da pirâmide de Quéops está direccionada para a estrela de Thuban?

De facto, não existe nada de particular nessa direcção, pelo menos é o que o habitante da Terra actualmente acha. Mas achar tal factor desprovido de um sentido particular, seria o mesmo que dizer que os marinheiros de hoje não olham para a estrela Polar, embora existam hoje sistemas de posicionamento que, inevitavelmente, substituíram as estrelas na orientação. Há 3500 anos, essa estrela chamada hoje de Thuban indicava o pólo norte dos antigos egípcios. Tal circunstância não se deve a uma escolha dos antigos egípcios mas sim a uma realidade astronómica. De facto, a nossa Terra efectua um terceiro movimento (para além da translação e da rotação) chamado precessão.


Figura 3.1 – Precessão da Terra 
O movimento de precessão, descoberto por Hiparcos, é um fenómeno que se produz continuamente com a nossa Terra, no entanto ele é tão lento que no espaço limitado de uma centena de anos não conseguimos notar qualquer diferença. Em suma é como se a nossa terra fosse um pião gigante e rodasse sobre ele próprio formando um cone com o vértice no pólo Sul (figura 3.1) - esse fenómeno completa uma volta em apenas 26 000 anos. A precessão pode não ter uma enorme importância na nossa vida comum, no entanto, quando olhamos para um longínquo passado apercebemo-nos das diferenças que advêm dela. A construção das pirâmides é um acontecimento tão longínquo que a diferença dada pela precessão é já significativa – em suma, há 3 500 anos, Thuban era a estrela que indicava o norte geográfico.

Sirius, o calibrador do ano

Desde o quarto milénio antes da nossa era, as cheias do Nilo ocorrem anualmente em finais de Julho. Este fenómeno acontece pouco depois do aparecimento helíaco de Sirius, a estrela mais brilhante do céu egípcio no horizonte oriental. Já mencionei a importância de Sirius (Soped para os Egípcios) para os antigos egípcios, pois ela personificava a deusa Isis nos céus.


Figura 3.2 – O papiro de Carlsberg I constitui a cópia do livro de Nut, parede destes textos situam-se nos túmulos de Seti I e de Ramsés IV, nele se encontram provas de acontecimentos astronómicos essencialmente ligados ao nascimento Sirius no céu oriental
 
Um dos documentos mais importantes que refere tal acontecimento é o papiro Carlsberg I (Figura 3.2), que nos diz que, depois do desaparecimento por 70 dias de Soped no céu ocidental, ele reaparece ao lado do deus Khépri. Assim sendo, o nascimento helíaco de Sirius repete-se ano após ano com a periodicidade próxima do ano trópico, ou seja, em data fixa durante 3000 anos.

Os Primeiros relógios estelares
Através do papiro Carlsberg I e das tampas dos sarcófagos em madeira do Primeiro Período Intermédio, os egiptólogos e astrónomos concluíram a importância dada à estrela Sirius – pois ela era a “calibradora dos céus” .

Sobre o interior dos sarcófagos de madeira vemos a deusa do céu, Nut, reconhecível devido ao signo hieroglífico pet (figura 3.3). Ao lado foi desenhada a pata de um bovino contendo sete estrelas, uma evidente representação da constelação da ursa maior, a constelação circumpolar que os egípcios nomearam de Meskhetiu, que significa “a pata da frente do céu setentrional”.

Logo a seguir, vêm imagens de dois deuses representando Osíris e Isis, são eles Sah e Soped (Sirius). Ambos apresentam os símbolos da realeza e da divindade, o ceptro was e o signo da vida ankh. O termo Sah corresponde a uma das constelações mais representativas do nosso céu, a constelação de Orion.

Não é de todo errado apresentar Soped junto a Sah pois, na verdade, eles estão ao lado um do outro no firmamento, no entanto encontram-se invertidos nas suas posições, pois Orion fica a direita de Sirius, a estrela alfa da constelação do cão maior (figura 3.4).


Figura 3.3 – Fragmento da tampa do sarcófago de Idy (Assiout, fim do 1º Período Intermédio)



Figura 3.4 – Parte do sarcófago de Idy (Assiout, fim do 1º Período Intermédio)
 
Esta imagem celeste figura dividida num quadro constituído por 40 colunas e doze linhas. Sobre as linhas horizontais encontram-se escritos os seguintes termos hieroglíficos: tepy-sw, hery-ib sw e hery-pehouy sw, significando respectivamente “primeira década1”, “década central” e “ultima década”, acompanhados pelo número do mês e estação (Achet, Peret ou Shemou).

A título de exemplo: a terceira década do quarto mês da estação Achet é chamada de: hery-pehouy sw; a segunda década do primeiro mês de estação Peret foi nomeada hery-ib sw.

O Diagrama
As 36 primeiras colunas correspondem a uma década, o que possibilita um ano de 360 dias. Sendo assim é distribuída desta forma (representação actual feita por astrónomos):


O acréscimo de cinco dias efectuado pelos antigos egípcios teve origem na observação dos astros ao longo de muitos anos levando, de forma empírica, à determinação dos 365 dias do ano. A divisão de 360 em 36 decanos foi posteriormente acolhida pelos astrónomos egípcios e implementada. Os últimos cinco dias eram considerados sagrados, cada um representando um determinado deus do panteão egípcio - eram os heryou-renpet, i.e. “dias que estão para lá do ano” - mais tarde os gregos deram-lhes o nome de Epagómenes.

Cada uma das doze linhas deste quadro corresponde a uma hora da noite. Tanto a noite como o dia tinham a duração de 12 horas, no entanto, a suas durações modificavam consoante a estação do ano. Estas primeiras divisões apareceram já no período das construções das pirâmides com o surgimento do “texto das pirâmides”, no fim da V dinastia.

Cada uma destas doze horas representa uma estrela ou um conjunto de estrelas, cada qual com seu nome.

Assim sendo, a primeira estrela que nasce no horizonte ocidental no primeiro dia do ano [numero 1] é Tjemat Heret - “aquela que se encontra por cima de Tjemat”; da mesma forma a última estrela a aparecer no céu nocturno no primeiro dia do ano é a estrela tabelada numero 12. A contagem era feita assim consecutivamente por quatro escribas sentados aos pares frente a frente.

Entre as 6h e as 7h da noite existe um texto escrito que pouco difere nos 12 sarcófagos encontrados, nele é dito:

“Uma oferenda é feita a Rá, senhor dos céus, em todos os seus lugares, oferendas de pão e de cerveja, de carne, para N; uma oferenda é feita a Meskhetiu no céu do norte; uma oferenda é feita a Nut; uma oferenda é feita a Sah no sul do céu; uma oferenda é feita a Soped; uma oferenda é feita ao Semed do sul e ao Semed do Norte; uma oferenda é feita ao deus que atravessa o céu (Sah) e ao braço superior de Sah; uma oferenda é feita a Soped e aos seguidores de Soped... Oferenda de N aos deuses, para o amarem.”

Os Egípcios foram portanto os primeiros a observar as estrelas para a contagem do tempo, certa esta mesma contagem tem mais a ver com questões de necessidades na economia do país, no entanto, é de dar a devida importância ao facto de terem associado todos os movimentos dos corpos celestes a um acto tão importante que é o domínio do tempo.

Os primeiros tectos astronómicos

Curiosamente um dos primeiros tectos a ter a simbologia dos céus, e representando uma carta dos céus, não pertencia a um faraó mas sim a um alto funcionário da famosa faraó Hatchepsout, o seu nome era Senmout e era arquitecto pessoal da rainha faraó (dinastia XVIII).

O túmulo funerário de Senmout situado em Deir el-Bahari, não muito longe do vale dos reis, é um dos mais espantosos a nível arquitectónicos, e apresenta um dos tectos mais significativos da representação do céus de então.

O que conseguimos ver é que a parte meridional desse mesmo tecto (Figura 3.5) é praticamente idêntico ao sarcófago de madeira de Shemes um dos mais recentes.


Figura 3.5 – Parte meridional do tecto de Senmout (Deir el-Bahari – XVIII Dinastia)

O relógio estelar, sendo um relógio que acompanhava os movimentos das estrelas tinha evidentemente de se rever em determinadas alturas. Os egípcios contabilizaram um período de 40 anos para no final repor o relógio a “horas”. Esta pode vir a ser a explicação mais lógica em relação as diferenças existentes nos sarcófagos de madeira.

Sendo a contagem das horas uma tarefa primordial na existência dos egípcios, uma revisão teve lugar entre o final da XIIª dinastia e o início da XIIIª dinastia, isto é entre o final do Médio Império e o início do Império Novo.

A partir desta época os Egípcios dividiram a esfera em 36 partes todas elas referentes a 10º de intervalos. A contagem era feita da mesma forma do que no Primeiro Período Intermédio e Médio Império mas, aqui, de uma forma matemática e cientifica. A Partir deste período a designação decano pode-se utilizar conforme a conhecemos hoje. Este novo sistema baseia-se sobre a sucessão das culminações dos decanos no meridiano2 do local.

Representação pictográfica

O tecto astronómico do faraó Seti I (XIX dinastia) apresenta semelhanças com o tecto de Senmout (XVIII dinastia), assim como do Ramaseum – templo funerário de Ramsés II (XIX dinastia). Por sua vez Senmout utilizou figuração semelhante as clepsidras de Karnac (Figura 3.6), feitas no reinado de Amenofis III (XVIII dinastia).

Figura 3.6 – Clepsidras de Karnac (XVIII dinastia) para cada estação do ano.

Diferenciação Norte-Sul

Existe em todas as representações uma forte diferenciação entre o céu Norte e o céu Sul. Esta diferenciação não fez evoluir a forma simbólica da representação do céu, mas fez evoluir o seu modo de expressão. Neste caso, apercebemo-nos de uma sobreposição de imagens até então inexistente, procura-se uma maior identificação com as posições das estrelas e constelações nos céus, no entanto nem sempre bem conseguida.

Detalhes do céu Norte

Meskhetiu – a ursa maior, aparece juntamente com outras constelações, tal a constelação actual do dragão, aqui representada por um hipopótamo com um crocodilo no seu dorso (Figura 3.7). Entre as suas mãos, o hipopótamo segura uma “estaca” na qual Meskhetiu também esta ligada, sinal inevitável da circumpolaridade da constelação.

Para alem destas constelações setentrionais, existem cerca de vinte deuses com um disco solar, representando as circumpolares, aquelas estrelas que não estão ligadas a nenhuma constelação mas que “orbitam” aparentemente em volta do pólo norte.


  Teto de Seti I , as constelações e as circumpolares.



Figura 3.7 – Tecto setentrional de Senmout (XVIII dinastia)
Se existe um ponto comum entre os painéis setentrionais dos diferentes faraós (Seti I, Ramsés II, Ramsés IV, Ramsés VI, Ramsés XI) e Senmout, este ponto é a figuração. Todos tem como base a imagem empregue no túmulo de Senmout (Figura 3.7), em todos eles reencontra-se a constelação da ursa maior sobre a forma de touro (o rabo deste bovino esta ligado a aquilo que supostamente seria o pólo Norte), simbolicamente essa ligação demonstra que essa constelação existia ligada a aquele ponto do firmamento que ficava sempre imóvel. Esta mesma “estaca” é também utilizada na simbologia da constelação do dragão, constelação que ao longo do tempo sofreu algumas modificações em termos de nome.

Na proximidade destas duas constelações figuram três personagens: a deusa Serquet, adornada pelo disco solar e a direita da ursa maior nos tectos de Senmout e do Ramaseum, tende sido deslocado para a esquerda e substituído por um deus no tecto de Seti I. O Deus Anu, com cabeça de falcão que simbolicamente espeta a sua lança em Meskhetiu. Existe ainda outra personagem com as mãos levantadas (Cepheu?), como se em sinal de domínio sobre o crocodilo situado a sua frente.

Para alem desses, podemos ainda encontrar outras figurações de animais, como a de um Leão que possivelmente representaria a constelação do Leão, essa última próxima da constelação da Ursa Maior.

Em outros tectos astronómicos como é o caso do tecto de Ramsés VI (Figura 3.8) existe ainda um escorpião desenhado, no entanto não se tem provas evidentes da sua veracidade.

A listagem dos meses do ano


Figura 3.8 – Tecto de Ramsés VI (Tebas Ocidental, XX dinastia)
 
Pela ligação feita através de comparações tanto a nível arqueológicas como a nível astronómica, existe um parentesco entre os tectos de Senmout e do Ramaseum, ligação também ela valida para as clepsidras de Karnac, datada do reino de Amenofis III. Por outro lado os tectos de Seti I e de Ramsés VI encontram-se arqueologicamente ligados. No entanto O tecto de Senmout possui uma particularidade que não é encontrada em nenhum outro tecto da época, a existência de doze discos contendo cada um 24 raios (Figura 3.9).

O numero de raios faz logo alusão a divisão das vinte e quatro horas do dia, enquanto que os doze círculos a divisão dos doze meses do ano – três estações de 4 meses cada. Existe a particularidade de por décima de cada círculo haver um nome associado, esse nome era dado a festa que nesse determinado mês seria celebrado.



Figura 3.9 – Tecto de Senmout, divisão dos doze meses do ano e das vinte e quatro horas do dia.

Encontram-se provas dessas divisões e desses nomes no templo de Ramsés II assim como nas clepsidras de Karnac, no entanto aqui não figuram círculos nem raios, apenas os nomes constam.

Assim sendo teremos:

Nome dos Meses Tecto de Senmout Clepsidra de Karnac Tecto do Ramaseum
I Achet
II Achet
III Achet
IV Achet
Tekhy
Menkhet
Hour Her
Ka Ka
Tekhy
Ptah
Hour Her
Shemet
Tekhy
Ptah Resy Ibenef
Hour Her
Shemet
I Peret
II Peret
III Peret
IV Peret
Shefbedet
Rekeh [Our]
Rekeh [Nedjes]
Renenout
Amon Ra Nesou N.
Rekeh Our
Rekeh Nedjes
Renenout
Amon
Rekeh Our
Rekeh Nedjes
Renenout
I Shemut
II Shemut
III Shemut
IV Shemut
Khensou
Khent Khety P.
Ipet Hemet
Wep Renpet
[Khensou]
[Khent Khety]
Ipet Hemet
Ra Her Akhty
Khensou
Khent Khety
Ipet Hemet
Ra Her Akhty

Estes termos listados anteriormente demonstram em definitivo a ligação entre os três tipos de calendários.

Detalhes do céu Sul
Para a representação da parte Sul do céu, existe uma evolução em termos de nomenclatura, i.e. desde o sarcófago de Shemes em que as estrelas (ou conjunto de estrelas) não eram associadas directamente a deuses do panteão egípcio, a partir do Novo Império estas mesmas estrelas estão associadas a Eles. Prova disso é o escrito encontrado:

“ Aqueles que estão nos seus lugares, os deuses do céu são em número de 36”

Mas a maior diferença, ou seja evolução, do ponto de vista astronómico, é que os cinco épagomenos aparecem associados aos cinco planetas visíveis (conhecidos) nessa época, sem deixar evidentemente a estarem associados a determinado deus do panteão egípcio. Estes são bem visíveis no tecto do Ramaseum (Tebas - XIX dinastia) (Figura 3.10).



Figura 3.10 – Figuração sul do Ramaseum (XIX dinastia)


Olhando para a listagem das décadas figuradas no sarcófago de Shemes, e comparando-a com os decanos sobre os tectos e as clepsidras notamos uma semelhança aparente. Três destas listas são particularmente semelhantes a Shemes, são eles: Senmout, Karnac e o Ramaseum. Para o tecto de Seti I existem nova listagem de estrelas que não figuram em outro lado, estas novas estrelas são essencialmente constituintes da constelação de Sah (Orion).

No tecto da sala sepulcral de Seti I, estas diferenças foram listadas de maneiras bem diferentes: algumas divindades foram assemelhadas a outras estrelas, e algumas estrelas foram assemelhadas a outras divindades como: Geb, Ba, Sekhmet e Hathor, porquê?
  • Factor Histórico: Túmulo de Seti I foi construído antes do Ramaseum.
  • Factor Astronómico: O Tecto do Ramaseum assemelha-se com tectos de dinastias anteriores.
Não se sabe.

Os cinco planetas do sistema solar

A partir do tecto astronómico de Senmout assistimos a coabitação dos dias épagomenos e dos planetas conhecidos a esta época.

No tecto de Senmout e sobre as clepsidras de Karnac (Figura 3.11) figuram no seguimento da listagem dos decanos regulares, a apelação hieroglífico e figuração de quatro dos cinco planetas conhecidos na época (pressupõem-se que Marte ainda não tinha sido reconhecido como planeta): Júpiter, Saturno, Mercúrio e Vénus.

Tudo leva a querer que para os antigos egípcios a classificação desses corpos era feito em dois, aquele que estavam próximos do deus Sol, e aqueles mais distantes… Esta classificação poderá ser dada pela perspectiva dada pelo movimento desses planetas.


Figure 3.11 – Tecto de Senmout e clepsidra de Karnac

A partir de Seti I o planeta Marte é figura presente dos tectos astronómicos (figura 3.12).

Esta diferença é testemunhada na apelação hieroglífico de cada planeta, em cada vestígio estudado os planetas Marte, Júpiter e Saturno aparecem como homens com cabeça de falcão – alusão do deus Horus, com uma estrela por cima da cabeça atravessando na barca solar os céus nocturnos.

MercúrioSebeg
VénusEstrela que atravessa o céu
MarteHorus do Horizonte; Estrela do céu que se desloca em sentido retrógrado
JúpiterHorus que delimita as duas terras; Estrela meridional do céu
SaturnoHorus, Touro do céu; estrela oriental que atravessa o céu


Figura 3.12 – Tecto de Seti I 
 
O Planeta Mercúrio é chamado Sebeg, é intrinsecamente ligada ao deus Seth. Vénus está associado a Horus mas de uma forma secundária através da sua representação como o pássaro Bennu, pássaro sagrado no antigo Egipto.

A presença do termo Seba (estrela) próximo dessas representações, denota uma aproximação dos planetas as estrelas feita pelos astrónomos egípcios. Se a sua classificação em dois grupos distintos é justificada pelas suas translações aparentes, a sua disposição nos tectos é feita de forma totalmente aleatória, traduz as suas incapacidades em deduzir os períodos de resoluções respectivos.

O Livro de Nut

No tecto de Seti I em Abidos e no túmulo de Ramsés IV em Tebas, encontramos duas formas de contabilizar os decanos, no primeiro: o aparecimento dos decanos no Este no céu, no segundo: a culminação dos decanos no meridiano.

É a partir daqui que se introduz o Livro de Nut, que representa o corpo da Deusa Nut com os nascimentos a oriente dos 36 decanos listado no seu próprio corpo. Entre o corpo e Nut e de Geb (deus terra) de ambos dos lados do deus Shou (deus vento) figuram as culminações (Figura 3.13) dos 36 decanos no meridiano do local.


Figura 3.13 – Deusa Nut segura por Shou

Esta forma representativa conhecida sobre o nome de livro de Nut, também nos indica a viagem do deus Sol na sua viagem ao longo do dia. Em suma o deus Sol , irá nascer todas as manhas no horizonte oriental e ao anoitecer é engolido pelo corpo da deusa Nut.

 

O templo de Hator em Dendera:uma porta para os céus

"O Zodíaco de Dendera representa uma carta do Céu, tendo como base as constelações do Zodíaco."
in, Le Zodiaque d’Osiris, S. Cauville

O Zodíaco de Dendera,peça mais importante do departamento das antiguidades egiptologias do museu do Louvre, entusiasma o espírito humano desde décadas.

Descoberto em 1799 pelo general Desaix, tendo sido Vivant Denon o primeiro a estudar o Zodíaco com exactidão, dele obteve desenhos e figuras. No entanto teria que esperar alguns anos para que pudesse decifrar o significado dos seus hieróglifos, pois Jean-François Champollion ainda não tinha descoberto a chave para a leitura dessa escrita tão característica.

A peça foi levada para França por Le Lorain com autorização de Méhémet-Ali, chegando ao porto de Marselha em 1821 e por fim a Paris em 1822. Vendido a Louis XVIII foi inicialmente exposto no Louvre, passando para a Biblioteca nacional entre 1823 e 1919, data a qual regressa ao Louvre.

O santuário de Dendera foi concebido para o culto da deusa Hathor, deusa que falaremos mais tarde.

Uma cópia foi posta no lugar original no sítio de Dendera em 1920… uma cópia!

Dendera: um lugar carregado de historia

Diversas campanhas de escavações realizadas no sítio de Dendera (Figura 4.1), em particular a realizada por Fliders Pétrie no final do século XIX, demonstram a existência de diversas sepulturas, datadas para algumas da época arcaica. Dendera fica perto dos locais pré-dinasticos de Nagada e Maghara o que ajuda a suster a teoria da existência de actividade desde a época pré-dinastica. Foram encontradas provas de varias passagens da historia do antigo Egipto, como uma estatueta do faraó Pepi I ( 2270 a. C) e construções feitas no reinado de Tutmósis III (1450 a. C).

Desde da sua descoberta, diferentes estudiosos especularam sobre a datação do templo e do seu Zodíaco, para alguns datava de 15 000 a.C. para outros 12 000, hipóteses que levantaram guerras com o clero, pois consoante a tradição bíblica o mundo existia desde 4 000 a.C.

É evidente que esta euforia inicial deixou lugar a um estudo mais aprofundado e científico sobre a datação do mesmo. O templo do nascimento de Isis (Figura 4.2) construído no reinado de Augusto ( 30 a. C) está construído sobre as fundações de um templo da época ptolemaica do reinado de Nectanébo I (381 a. C) e acabado por Ptolomeu X Alexandre I (107 a. C.), este ultimo apresenta uma orientação Oriente-Ocidente, por sua vez o templo da época de Augusto tem orientação Norte-Sul idêntica a orientação do grande templo de Hathor. No entanto entre um e outro existe uma ligeira inclinação de cerca de 2º30’.

Doze séculos depois de Ramsés II, Ptolomeu Aulete manda construir um novo templo em Dendera o 16 de Julho 54 a.C. no entanto este morre em 51 a.C. Depois da morte do pai Cleópatra segue César para Roma e volta depois do assassinato deste ultimo, associando como co-regente do trono o seu filho Cesarião, nascido a 27 Junho 47 a.C. durante esta co-regencia e desde 51 a.C, os cartuchos reais não foram preenchidos com o nome do faraó. No templo onde foi encontrado o Zodíaco, também não existem cartuchos reais escritos. Era portanto lógico o Zodíaco datar dessa altura.


Figuras 4.1 e 4.2 – Sítio de Dendera e templo do nascimento de Isis.












É. Aubourg procurou neste lapso de tempo, 51 a 43 a.C, o lugar dos planetas no ceio das constelações do zodíaco, é de relembrar que os planetas circulam numa zona chamada de eclíptica, por vezes alguns planetas ultrapassam a nossa terra, outros são ultrapassados durante o período de translação a volta do sol.

Colocar a data de 54 a.C num software de astronomia, permite-nos ter uma listagem de algumas estrelas no seu nascimento nocturno ou helíaco.

A lista de estrelas da qual possivelmente se basearam os antigos egípcios para orientação do templo de Hathor e do templo de Augusto, é a seguinte:

Alpha Canis Majoris (m=-1,44) - Sirius : Céu nocturno
Beta Orionis (m=0,18) - Rigel: Aparecimento heliaco
Kappa Orionis (m=2,07) - Saiph: Aparecimento heliaco
Delta Scorpii (m=2,29): Céu nocturno
Beta Corvi (m=2,65): Aparecimento heliaco
Beta Aquarii (m=2,90): Aparecimento heliaco
Epcilon Aquarii(m=3,78): Céu nocturno

Devido a grande magnitude visual de Sirius e Rigel, é muito provável que seja esta a orientação de construção do templo.

Por sua vez, a parte ptolemaica do templo do nascimento de Isis em Dendera, com orientação Este-Oeste, está direccionada para o nascer helíaco de Sirius naquela época, isso acontecia no dia 15 de Julho em 54 a. C. a esta orientação é dado o nome de orientação ramesida, devido a Ramsés II e ao Ramaseum. Cientistas encontraram blocos do tempo do Império Novo nos blocos da parte ptolemaica e nas suas fundações. Estas fundações levam a querer que o templo de orientação ptolemaica foi portanto construído por cima de ruínas do período do Império Novo.

Mais dados para a datação do Zodíaco

Através dos fenómenos astronómicos a datação pode surgir em diferentes fases:














No Zodíaco de Dendera vemos a representação de um eclipse lunar ao lado da constelação do Peixe, é por isso normal acreditar que a sua datação é dessa época.

Existe também um eclipse do Sol:









Portanto, é evidente que o Zodíaco representa os acontecimentos celestes desse determinado período na história Egípcia a contar do período Ptolemaico.

A Deusa Hathor:

A Deusa Hathor "moradia celeste de Horus", deusa do céu, é frequentemente representada como divindade com orelhas de bovino, símbolo da fecundidade. É ela a regedora do amor divino, humano e da alegria. O seu local de maior culto era em Dendera.

O céu escrito:
O circulo celeste, representado pelo Zodíaco, é suportado por doze deuses, quatro femininos e oito de joelhos (Figura 4,3). Os deuses com cabeça de falcão simbolizam a eternidade, dando assim um princípio intemporal a cena celeste. As deusas dão o quadro espacial, cada uma indica um ponto cardinal perfeitamente orientado. Ao lado de cada deusa está escrita em hieróglifo o seguinte ritual:

"Suporto o céu sobre o cimo da minha cabeça, sem me deslocar cada dia que passa, o Horizonte do meu mestre, este circula enquanto Sah (Orion) na sua mãe Nut "

Outro texto, trás ainda mais precisão acerca do significado de tal monumento:
"O céu de ouro, o céu de ouro, é Isis a grande, mãe de Deus,
mestre do monte primogénita onde nasceu a deusa que toma lugar em Dendera,
é o céu de ouro.


Os grandes deuses são suas estrelas:
Harsiesis, seu deus da manha (Vénus)
Sokar, a sua via láctea
O Jovem Osíris, a sua estrela visível (Canope)
Osíris, a Lua
Orion, seu deus
Sothis, sua deusa (Sirius)
Entram e saíam para os mortos no vale infernal. "
Paradoxalmente, embora este monumento seja sobejamente conhecido, nenhum estudo desta tradução foi feito ao longo dos tempos, ficando desta forma diferentes figuras hipoteticamente mencionadas, é o caso de Sokar e de Canope.

É.Aubourg (Astrofísico) e S. Cauville (Arqueóloga) deslocaram-se até o local e observaram as estrelas no céu de Outubro, pouco antes do nascimento do sol depois do "afundamento" da ursa maior identificaram a via láctea, Vénus, Orion, Sirius e Canope. Todos esses elementos estão desenhados no Zodíaco.

Mas antes de passar a visualização "tintin-por-tintin" do zodíaco, convêm referir mais alguns dados:

Características:
2,55 x 2,55 m
Orientação cardinal
Existência das 12 constelações do zodíaco.
Existência dos 5 planetas conhecidos.

A Divisão do Zodíaco:














Os Planetas:
O nome planeta vem do grego, que significa "astro que se move", entre os mais antigos (conhecidas: Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno) e os três (ou dois) restantes (Urano, Neptuno e Plutão) três milénios os separam.

Mercúrio: O deslocamento de Mercúrio aparece rapidamente e algo difícil de observar ao olho nu. Mercúrio surge tanto no Oeste depois do por do sol, como a Este antes do nascer e sempre próximo do horizonte. Um dos nomes Egípcios de Mercúrio era "O Inerte", como se os antigos astrónomos egípcios quisessem demonstrar a sua preguiça em viajar mais acima na abobada celeste.

Vénus: Vénus é o astro mais brilhante do céu, depois do Sol e da Lua. O seu brilho pode atingir até 12 vezes o de Sirius. A semelhança de Mercúrio, Vénus parece viajar muito próximo do Sol. Na iconografia Egípcia, Vénus tem duas caras, talvez se referem aqui a uma visão diurna e outra nocturna. Para os Egípcios Vénus era o filho de Osíris – Harsiesis, mas também em alguns casos personificava Isis.

Marte: A Ideia de Marte deus da guerra foi concebida um milénio antes dos gregos pelos Egípcios, para eles era Horus o Vermelho, o guerreiro, vingador de seu pai (lenda de Osíris).

Júpiter: Júpiter foi assimilado pelos Egípcios como deus Osíris, isto é, o Deus mais querido dos Egípcios. Para eles Osíris representava o poder supremo, e era depositado nele toda a lei do Maat e a regência dos deuses.

Saturno:Horus, o touro.

Em suma, temos a representação dos cinco planetas conhecidos na época, com as suas apelações e atributos divinos. Para os antigos Egípcios a visualização destes planetas nos céus nocturnos e a sua representação no zodíaco de Dendera permitia um determinado domínio sobre os seus inimigos, pois a ciência era algo dado apenas a quem tinha domínio sobre os outros.

Figura 4.3 – Zodíaco de Dendera

As Constelações:

Figura 4.4 – representação da eclíptica
 
No Zodíaco de Dendera, encontramos a representação pictográfica das doze constelações do zodíaco, como as conhecemos hoje. Ao longo do ano o Sol vai aparentemente "circular" numa faixa que se estende de 8,5º acima e abaixo da linha da eclíptica ( linha imaginaria que liga todas as constelações do zodíaco). Para alem do Sol, a Lua e os planetas também passam por essa zona do céu. Por esse motivo não é surpreendente ver planetas no meio de duas constelações zodiacais no zodíaco de Dendera. Esta delimitação, pensada pelos homens, inicia o seu percurso no equinócio de primavera – 21 de Março (Figura 4.4). No Egipto, as primeiras representações do zodíaco datam da época ptolemaica, época de domínio grego. Até então, os Egípcios fechados ao mundo (só algumas trocas comerciais se efectuavam) não tinham esse tipo de representações, embora se encontram algumas influências vindas de fora e algumas características egípcias influenciaram o exterior. Outro templo em que a figuração das constelações do zodíaco é por demais evidente, é o templo de Khnoum a Esna.












Figura 4.5 – representação das constelações do zodíaco do Zodíaco de Dendera


As outras constelações:
É aqui que se encontra a maior ligação entre a astronomia do tempo de Ramsés e Seti I e a época Ptolemaica, a figuração, apesar de ter sofrido alguma evolução, permanece no seu geral idêntica a figuração antiga. Aqui voltamos a ver o hipopótamo a representar a constelação actual do Dragão, a pata do bovino a representar Mesketiu (a ursa maior). No entanto, é em relação a ursa menor que houve uma maior evolução na concepção do universo para os antigos Egípcios. Pois, como vimos no artigo anterior, na época das pirâmides a ursa menor não representava o pólo Norte, e era uma constelação de menor importância… agora, na época Ptolemaica, ela apodera-se da posição mais importante no zodíaco - a posição central, o que lhe dá o titulo de "indicadora do pólo Norte" (Figura 4.6).
A Cassiopeia é aqui representada na região Norte (como deveria ser) com a figura de babuíno. O Cisne, a Lira e o Boieiro também constam nesse novo mapa estelar.

Na região Equatorial, temos Oficus, que é considerada como a 13ª constelação do zodíaco, normalmente ela representa um homem com uma serpente, mas neste caso representa o deus Rá sentado num trono com a serpente a servir de barca.

Orion, é aqui representado como sempre o foi, desde o texto das pirâmides (cerca de 2300 a. C.) Orion é o condutor das estrelas no céu do Sul e é considerado a alma de Osíris.














 

 Figura 4.6 – As constelações Norte no Zodíaco de Dendera.

Sirius esta colocado ao lado da constelação de Orion, assimilada a Sothis – imagem de Isis, na região de Assouão. Esta estrela importantíssima para os egípcios em relação ao calendário, era também ponto de partida para o posicionamento e orientação dos templos egípcios, assim sendo, em 54 a.C. o eixo sagrado do templo de Hathor em Dendera é dado pela orientação de Sirius depois do azimute do nascer a 108º40’.

No Zodíaco também estão representadas constelações do hemisfério Sul, entre as quais: Canope e a coroa astral.

Conclusão:
Em suma, o Zodíaco situado em Dendera, é a representação mais fiel dos céus datada da época Ptolemaica, dele podemos reter algumas conclusões acerca da vivência e modos de encarar os céus dos antigos egípcios. Existem ainda muitas perguntas acerca da astronomia dos antigos egípcios, da sua concepção do cosmo, e da sua relação perante ela.

É de facto importante estudar-mos o nosso passado, 
pois através dele entendemos melhor o nosso presente 
e prepara-mos melhor o nosso futuro. 

Fonte : Portal do Astrônomo - Portugal 
Autoria:  José Pimentão - CAAUL
http://www.portaldoastronomo.org/tema.php?id=18