A MORTE DE DEUS E A IDEALIZAÇÃO DO HOMEM SEGUNDO A ÓTICA MORAL DE FRIEDRICH NIETZSCHE*
EDUARDO RIZZATTI SALOMÃO**
RESUMO
Wilhelm Friedrich Nietzsche (1844-1900) é um dos filósofos contemporâneos que mais suscita discussões na atualidade. Concentrando nosso tema na crítica de Nietzsche ao cristianismo, temos por objetivo principal apresentar o seu pensamento acerca da religião cristã – incluindo, primeiramente, a sua crítica à filosofia, à razão e à moral – e confrontá-lo com algumas produções filosóficas que questionem e discorram acerca de suas premissas e conclusões, propondo, num desafio à obra do filósofo, que a sua constatada “morte de Deus”, e o seu anúncio a um novo tipo de homem, o sobre-homem, não nos oferecem um questionamento eficaz ao teísmo e aos pressupostos filosóficos cristãos, sendo mais válidos como denúncia do que como suporte a uma nova filosofia.
Palavras-chave: razão, moral, verdade, morte de Deus.
LISTA DE ABREVIATURAS
ABM – Além do Bem e do Mal; GM – Genealogia da Moral; e GC – Gaia Ciência.
1. INTRODUÇÃO
Wilhelm Friedrich Nietzsche (1844-1900) é um dos filósofos contemporâneos que mais suscita discussões na atualidade. Suas obras discorrem sobre arte, educação, estética, moral, política, religião, sexualidade, entre outros temas, permitindo uma igualmente variada gama de debates em torno de sua produção intelectual, assuntos que não são de domínio exclusivo da Filosofia, mas ocorrendo em campos variados, como a Educação e a Psicanálise, para não estendermos a lista, o que revela senão a atualidade do seu pensamento, o seu alcance e diversidade.
A força de sua poesia e de sua prosa também foram, durante décadas, questionadas pela sua ênfase a máximas e conclusões pretensamente antidemocráticas e racistas, sendo inclusive apontadas como instigadoras do nacional-socialismo alemão.
Tal percepção fora fruto, segundo a nossa ótica, de erros de interpretação, mistificações e falsificações que envolveram o seu pensamento, e não tanto por culpa daqueles que se equivocaram em seus julgamentos com base em textos e publicações duvidosas, a exemplo do livro Vontade de Potência, surgido da reunião de anotações do filósofo, sob a coordenação de sua irmã, Elizabeth Foster Nietzsche (organizadora do Arquivo Nietzsche, em Weimar), a qual dera um tom anti-semita e nacionalista não existente no projeto original (cf. prefácio a Obras incompletas, 2000, pp. 13-15).
Não impedindo, indiferentemente da intenção dos intérpretes, obviamente, que esses equívocos contribuíssem para que Nietzsche recebesse a alcunha de racista, defensor do nacionalismo militarista e expansionista, entre outras colocações que deturparam suas idéias, a exemplo da apropriação do seu sobre-homem (Übermensch), e das suas críticas à moral, à razão e à religião, em prol do projeto da ultradireita alemã. Mas como ignorar a contestação a essas afirmações, se o próprio Nietzsche – já falecido quando dessa hedionda apropriação de sua filosofia – dá a resposta antecipada aos futuros deturpadores de seu pensamento:
[...] tampouco me agradam esses novos especuladores em idealismo, os anti-semitas, que hoje reviram os olhos de modo cristão-ariano-homem-de-bem, e, através do abuso exasperante do mais barato meio de agitação, a afetação moral, buscam incitar o gado de chifres que está no povo [...] (GM, terceira dissertação, § 26, p 145).
Ou no aforismo: Máxima: não manter relações pessoais com nenhum homem que participe do enganoso delírio racista. (Quanto engodo e esgoto é preciso haver para, no atual entremesclamento europeu, fomentar e fermentar questões raciais!)
(Fragmentos Finais, § 5 (52), p 33).
Obviamente que se reconhece em suas obras uma aguda crítica à democracia e ao socialismo -numa veemente recusa à valorização do “comum” em contraste com o nobre, o aristocrático – mas uma crítica correlatamente dirigida ao totalitarismo de direita, e sobretudo encontramos uma manifesta aversão e repúdio à crença da servidão do homem ao Estado:
[...] estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o Estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez. (Considerações Extemporâneas. Apud.: Prefácio a Obras Incompletas, 2000, p.14)
Crítica também encontrada no seu poético Assim falou Zaratustra (1883), quando do encontro de Zaratustra com o “cão do fogo”, passagem na qual ele incluiu um ataque à Igreja, quase que num prenúncio a sua pregação contra as instituições religiosas e aos valores cristãos que inspiraram o seu O Anticristo (1888) e O Crepúsculo dos Ídolos (1889) : “Igreja – respondi – é uma espécie de Estado, e a espécie mais enganosa. [...] O Estado é um cão hipócrita como tu; como a ti, agrada-lhe falar fumegando e uivando, para fazer crer, como tu, que fala saindo das entranhas das coisas.” (Assim falou Zaratustra, segunda parte, p. 109).
Mas, querer incluir Nietzsche no debate dos prós e contras dos sistemas de governo, da política enquanto manifestação do posicionamento à esquerda ou à direita – como querem as correntes políticas que buscam em suas obras afirmações que lhe são simpáticas – é no mínimo nublar o propósito das obras do filósofo, para não dizer uma total incapacidade de compreensão do seu pensamento, que via acima de tudo o imperativo do homem buscar a sua superação na recusa de uma moral que, segundo Nietzsche, o asfixia, condenando-o à resignação que impede a sua ascensão a um homem “supra” ou “sobre-humano”, sendo um homem para o homem, um homem em si e para si, acima da submissão ao Estado.
Aqui Nietzsche faz, inclusive, uma menção crítica ao contratualismo de Rousseau e Hobbes, expressa na sua obra Genealogia da Moral (1887), quando de sua exaltação das “bestas louras”, raça de “conquistadores e senhores”, que deram ensejo ao nascimento do “Estado”: “Quem pode dar ordens, quem por natureza é “senhor”, quem é violento em atos e gestos – que tem a ver com contratos!” (GM, segunda dissertação, § 17, p. 75).
Na atualidade, superado os equívocos que o vinculavam ao projeto nacional-socialista alemão, sua produção intelectual tem reacendido debates acerca da crítica à modernidade e ao racionalismo conceitual, entre outras temáticas, gerando novas possibilidades interpretativas sobre suas obras. E nesse sentido, o de discutir sua produção intelectual e os problemas por ela abordados, respeitando-se as limitações inerentes ao conteúdo e ao objetivo acadêmico dessa monografia, abordaremos o tema A Morte de Deus e a Idealização do Homem segundo a ótica moral de Friedrich Nietzsche, título que por si só revela alguns dos assuntos a serem abordados.
Concentrando nossa proposta na crítica de Nietzsche ao cristianismo, temos por objetivo principal apresentar o pensamento nietzscheano acerca da religião cristã – incluindo, primeiramente, a sua crítica à filosofia, à razão e à moral – e confrontá-lo com algumas produções filosóficas que questionem e discorram acerca de suas premissas e conclusões.
Será o cristianismo negador da vontade de poder, e conseqüentemente entrave ao desenvolvimento do que Nietzsche chama de “homem superior”? Em O Anticristo (1888), obra que reúne os seus principais aforismos contra a religião cristã, o filósofo postula, entre outras colocações, que o cristianismo contribuiu tão somente para impedir o progresso do homem, sufocando seus instintos, e conseqüentemente a sua vontade de superação, de ir-além, reprimindo a sua vontade forte de poder direcionada para um “mais alto valor”:
O problema que aqui apresento não é qual o lugar que a humanidade deve ocupar na seqüência dos seres (o homem é um fim), mas que tipo de homem se deve criar, se deve pretender, como o de mais alto valor, mais digno de viver, mais seguro do futuro.
Este tipo de elevado valor já existiu bastantes vezes; mas como um feliz acaso, como uma excepção, nunca como um tipo desejado. Pelo contrário, foi precisamente ele o mais temido até ao presente, quase a própria realidade temível em si – e a partir desse temor o tipo inverso foi desejado, criado, conseguido; o animal doméstico, a rês gregária, o doente animal humano – o cristão. (O Anticristo, § 3, pp. 16-17).
Propomos, num desafio ao antropocentrismo nietzscheano, que anunciou um novo tipo de homem, que sua crítica ao cristianismo e ao fundamento de seus valores morais, com a afirmada morte de Deus, “[...] é mais válida naquilo que denuncia do que naquilo que oferece.” (ESTRADA, 2003, p. 186).
O tom “denuncista” de Nietzsche, e o seu novo-humanismo calcado na vontade de poder, não anulam, ao nosso ver, os fundamentos do cristianismo, revestindo-se mais com o “caráter” de uma crítica às filosofias morais do que ao fundamento da crença em Deus e aos valores do cristianismo que corroboram essa crença.
Mas daí também surge a questão: estaria Nietzsche, com toda sua ênfase em demolir a moral cristã, atacando necessariamente o fundamento da crença em Deus, ou direcionando sua crítica principalmente à nossa formulação conceitual de Deus e à Teologia que lhe sustenta?
Cremos, e procuraremos corroborar esse ponto de vista mais adiante, que ao decretar a “morte de Deus”, não se torna central a questão do ateísmo nietzscheano, pois o filósofo não dedicou muita atenção à discussão “Deus existe?”, pois já asseverara em Assim falou Zaratustra que “Deus já morreu” (p. 25).
A questão, para Nietzsche, acreditamos, era derrubar as premissas que davam sustento ao cristianismo e à filosofia moderna: o que chamava de dogmas da verdade, moral e razão, são seus alvos, e aí se encontra incluída a religião.
Nosso propósito principal ao atacar o que denominamos antropocentrismo nietzscheano é identificar e questionar o que Nietzsche nos oferece como suporte para suas afirmações contra os conceitos e o cristianismo.
Idealizando o homem, o qual, segundo o pensamento nietzscheano, deverá superar a sua condição histórica, alcançando o que deveria ter sido e jamais foi, o sobre-homem (Übermensch), não estará Nietzsche, mais do que oferecendo um questionamento eficaz contra o cristianismo enquanto crença em Deus, e na justificativa dessa crença (crença compartilhada), tecendo uma aguda crítica contra os postulados e práticas do cristianismo?
Cristianismo entendido enquanto sistema instituído e calcado em juízos que o filósofo aponta como falsos, pois estariam apoiados numa moral questionável, a qual limitaria o homem ao refrear seus instintos, sua vontade enquanto força que quer ter poder; e em troca estaria supervalorizando a busca do paraíso, o medo do inferno, a supremacia do Estado e das instituições perante o indivíduo, desconsiderando o homem como fim em si mesmo, no sentido da busca do homem pelo seu auto-aperfeiçoamento intelectual e espiritual, alijados de preconceitos morais e religiosos pretensamente universais.
Correlatamente discutiremos, também, a possibilidade de que a alternativa nietzscheana, da forma como nos é apresentada, nos oferece somente o caos, conclamando o homem à resignação perante o acaso, ao ceticismo e à submissão perante as necessidades que se apresentam aos nossos questionamentos sobre a existência, pois nada mais oferece ao homem do que o próprio homem.
Deus está morto, e devemos cultivar nossa vontade de potência, nossos instintos, restando-nos o quê? O vazio existencial? O “se Deus está morto, tudo é permitido”, de Dostoievski?
Ou Nietzsche estaria anunciando a superação da necessidade de se buscar conceitos absolutos, moral, razão, verdade, Deus, na busca da independência do homem em relação à metafísica?
Essas questões serão discutidas ao longo do texto. Por último, temos consciência que nosso trabalho possa parecer, aos olhos dos leitores mais íntimos da obra nietzscheana, demasiado pretensioso, tendo em vista a sua diminuta dimensão, mas afirmamos que dirigir um olhar questionador à obra de Nietzsche, mesmo que num desafio incipiente, é mais do que produzir e exercitar uma crítica, é reverenciar a produção de um filósofo que não se preocupou em buscar seguidores ou afirmar convicções como absolutas, redigindo a sua obra filosófica com um estilo próprio e arrojado, demonstrando, sobretudo, preocupação com o exercício da sua reflexão, e não com as convenções acadêmicas, formas e modelos vigentes, que muitas vezes se vêem, ao longo da produção acadêmica recente da Filosofia, mais valorizadas do que o pensamento e a sua discussão.
2. A CRÍTICA NIETZSCHEANA À FILOSOFIA
2.1 A CRÍTICA À MORAL E À RAZÃO
Nietzsche, como nenhum outro filósofo que lhe foi contemporâneo, dedicou sua reflexão a uma veemente e acirrada crítica à filosofia moderna, questionando seus postulados, e em especial os conceitos de moral, razão e verdade, por ela sustentados.
E mais precisamente exerceu essa crítica atacando as diversas manifestações na cultura e na política do século XIX; seu “gosto” nas artes, na música, a democracia liberal, enfim, direcionando um vigoroso questionamento aos valores da sociedade que lhe era contemporânea, e que segundo ele sofria, entre outros males, de um perigoso “apequenamento e nivelamento do homem europeu” (ABM. § 203, p. 103 e GM. § 12, p. 35).
Nietzsche questiona, com destaque para as suas obras Além do Bem e do Mal (1886) e Genealogia da Moral (1887), a crença na verdade como valor, de forma absoluta e dogmática, acusando os filósofos que o precederam, de terem chegado a ela sem questionar a validade dessa necessidade (ABM. § 16, p. 22).
Essa postura dogmática, da crença na verdade com um valor absoluto, segundo Nietzsche, é uma marca patente na filosofia ocidental, percorrendo um caminho que começou com Platão: “o pior, mais persistente e perigoso dos erros até hoje foi um erro de dogmático: a invenção platônica do puro espírito e do bem em si.” (Idem. Prólogo. p. 8). Osvaldo Giacóia Junior, em seu artigo O Platão de Nietzsche.
O Nietzsche de Platão, refere-se ao projeto nietzscheano de “reversão” do dogmatismo platônico como o desígnio fundamental da filosofia de Nietzsche: a transvaloração de todos os valores, ou sob outras palavras, reversão do platonismo (GIACÓIA, 1997, p.1).
Nietzsche afirma que a filosofia do “bem em si” e do “puro espírito”, pretende-se absoluta e inabalável, refugiando-se num dogmatismo dominado pela busca da verdade, submetendo e escravizando o homem:
“O homem objetivo é de fato um espelho. Habituado a submeter-se ao que quer ser conhecido, sem outro prazer que o dado pelo conhecer, “espelhar” (ABM, § 207. p. 110).
O filósofo nada mais faz
do que se submeter, na busca ao conhecimento,
ao que se quer conhecer; e não há outro prazer
para ele do que essa busca,
dogmática, da verdade:
[...] honraram-no em demasia e não viram nele o essencial – ele é um instrumento, algo como um escravo, certamente a mais sublime espécie de escravo, mas nada em si – presque rien! O homem objetivo é um instrumento, um precioso, facilmente vulnerável e embaçável instrumento de medição e jogo de espelhos, que devemos poupar e respeitar; mas ele não é uma meta, não é uma conclusão e elevação [...] (idem, § 207, p. 111).
O filósofo, na sua busca incondicional do conhecimento, sob o dogmatismo da verdade como valor absoluto, nada mais é do que um escravo que “só compreende o que é tirânico” (ib. § 46, p. 53). E na sua ânsia de manter essa posição, é conduzido ao niilismo, num sinal de fraqueza, de uma “alma em desespero”, preferindo “um punhado de “certeza” a toda uma carroça de belas possibilidades” (ib. § 10, p. 16).
Essa postura condena o homem a viver numa “simplificação e falsificação”, apoiada graças à ilusão da certeza imediata, criando um mundo sustentado pela oposição entre a aparência e a verdade.
Nietzsche afirma que a busca da verdade, da forma dogmática como é apresentada, nada mais é do que um preconceito moral, apoiado na oposição de valores, e numa pretensa superioridade atribuída à verdade (ib. § 2, p. 10), dando aos nossos sentidos um “passe livre para tudo o que é superficial, e ao nosso pensamento um divino desejo de saltos caprichosos e pseudo conclusões!” (ib. § 24, p. 31).
Nietzsche relaciona o erro da busca da verdade
com a ilusão da moral, que acusa de terem edificado
um mundo apoiado na oposição
entre a aparência e a verdade.
E essa oposição entre a aparência e a verdade é fruto do dogmatismo platônico, que começa, segundo Nietzsche, com Sócrates, responsável por semear a crença de que o conhecimento é capaz de penetrar conscientemente no “fundo das coisas”, desprezando-se as aparências, e assim encontrando a sua verdadeira essência. Sócrates, na busca do conhecimento, atribuía ao erro uma falsidade de juízo que conduzia ao mal, e assim postulava que o restabelecimento da verdade conduziria ao bem (ib. § 190, p. 90).
Esse propósito supremo – a busca da verdade – passou a possuir, desde então, um valor inegável e absoluto, acima da aparência, sendo afirmado como o próprio fundamento da metafísica. Mas, para Nietzsche nada mais revelava do que um preconceito moral da oposição de valores e da pretensa elevação da busca da verdade a uma condição superior:
Como poderia algo nascer do seu oposto?
Por exemplo, a verdade do erro?
Ou a vontade de verdade da vontade de engano? Ou a ação desinteressada do egoísmo? [...] as coisas de valor mais elevado devem ter uma origem que seja outra, própria [...] Devem vir do seio do ser, do intransitório, do deus oculto, da ‘coisa em si’ [...]
Este modo de julgar constitui o típico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafísicos de todos os tempos; tal espécie de valoração está por trás de todos os seus procedimentos lógicos; é a partir desta sua “crença” que eles procuram alcançar seu “saber”, alcançar algo que no fim é batizado solenemente de “verdade”. A crença fundamental dos metafísicos é a crenças nas oposições de valores (ib. § 2, p. 10).
Essa crítica à busca da verdade – fundamentada na suposição de ser este conceito fruto do preconceito moral da oposição de valores, e da pretensa superioridade de sua busca, como busca do “bem em si” – conduziu Nietzsche a afirmar que toda a moral é uma tirania contra a natureza e contra a razão.
A moral, segundo Nietzsche, atua de forma arbitrária, sujeitando o pensamento a uma disciplina “a fim de pensar sob uma diretriz eclesiástica ou cortesã ou com pressupostos aristotélicos, a duradoura vontade espiritual de interpretar todo acontecimento segundo um esquema cristão, e redescobrir e justificar o Deus cristão em todo e qualquer acaso”; e ao sujeitar o homem, impondo a busca pelo “provar algo”, e ao “deves obedecer”, aonde se encontra
o fundamento do imperativo categórico de Kant, estreita suas perspectivas, e o ensina a odiar o “laisser aller” (deixar ir), (ib. § 188, p. 88).
Encontramos aqui uma passagem que expressa a continuação da crítica de Nietzsche à religião na forma de uma continuação de sua crítica à moral e à razão, revelando que, ao questionar a validade do dogmatismo socrático-platônico, o filósofo incluiu a sua condenação às bases conceituais da moral e da razão, que também se incluem na filosofia que sustenta os preceitos filosóficos cristãos: o bem como valor supremo, a crença num imperativo moral que nos conduz a diferenciar o “certo” do “errado”.
A coerção da moral, sua ação sobre o indivíduo com vistas a promover a sua “felicidade”, nada mais seriam do que uma proposta de conduta. Nietzsche identifica nessa generalização da verdade como valor à vontade dos mais fracos de dominar os mais fortes. Dominação que se daria através de valores antinaturais que estabeleceram um valor pretensamente universal à verdade e à moral, criando um mecanismo compensatório dos fracos, que nada mais é que um instrumento de sujeição cultural e disciplinar, o qual atua através da tirania das leis (Ib. § 188, pp. 87-89 e § 198, p. 96). Mas, não faz isso sem antes afirmar que a questão não é o juízo de valor constituir em si uma objeção, mas sim “em que medida ele promove ou conserva a vida” (ib. § 4, p.11) .
“O temor é o pai da moral”, e em nome “do amor ao próximo” se estabeleceram juízos de valor moral que representam verdadeiramente o “temor ao próximo”.
Os impulsos considerados fortes e perigosos, o espírito empreendedor, a sede de vingança, a astúcia, a rapacidade, a ânsia de domínio, que Nietzsche afirma que até então deveriam ser não apenas considerados socialmente úteis, mas cultivados e cultuados, foram sendo estigmatizados, pois sentidos cada vez mais na sua “periculosidade”, faltando-lhes “canais de escoamento”. O “instinto de rebanho” passou a identificar em tudo o que “ergue” o indivíduo acima do “rebanho” e infunde temor, o “mau”, o reprovável, enaltecendo a “mediocridade dos desejos” (ib. § 201, pp. 99-100):
“Moral é hoje, na Europa,
moral de animal de rebanho”
(ib. §202, p. 101).
Nietzsche, enfim, acusa os valores da sociedade democrática como valores de “décadence”, que diminuem e mediocrizam o homem, apontando na transvaloração e reversão dos valores a sua esperança:
Ensinar o homem o futuro do homem como sua vontade, dependente de uma vontade humana, e preparar grandes empresas e tentativas globais de disciplinação e cultivo, para desse modo pôr um fim a esse pavoroso domínio do acaso e do absurdo que até o momento se chamou “história” [...] para isto será necessária, algum dia, uma nova espécie de filósofos e comandantes [...] uma tresvaloração dos valores, sob cuja nova pressão e novo martelo uma consciência se tornaria brônzea (ib. § 203, p. 103).
2.2 RAZÃO VERSUS INSTINTOS
Seguindo a proposta de Nietzsche, identificamos em sua filosofia a análise das motivações inconscientes e das forças que movem a vontade humana:
[...] o “instinto” é a mais inteligente das espécies de inteligência até agora descobertas.(ABM, § 218, p. 125)A maior parte de nossa atividade intelectual acontece inconscientemente, sem serpercebida por nós; [...] o pensamento consciente [...] é o mais fraco. [...] a consciênciapode ser considerada secundária, quase indiferente e supérflua, provavelmente destinadaa desaparecer e a ser sobrepujada pelo automatismo perfeito. (Apud. DURANT, 2000,pp. 388-89).
Ao longo de Além do Bem e do Mal, Nietzsche afirma a recusa à doutrina moderna do sujeito consciente, afirmando, a exemplo da citação acima, a predominância dos instintos sobre a razão.
Os instintos são impulsos inconscientes,
inatos à natureza humana,
e determinantes de nossa consciência.
Não existe, portanto, oposição entre os instintos e a razão, pois os impulsos instintivos se encontram na raiz do pensamento consciente. Nietzsche expressa, através de sua interpretação fisiológica do sujeito consciente, a sua reversão do platonismo: não há autonomia na consciência, mas no impulso inconsciente!
Quanto à superstição dos lógicos, nunca me cansarei de sublinhar um pequeno fato que esses supersticiosos não admitem de bom grado – a saber, que um pensamento vem quando “ele” quer, e não quando “eu” quero; de modo que é um falseamento darealidade efetiva dizer: o sujeito “eu” é a condição do predicado “penso” (ABM, § 17,23).
Por longo período o pensamento consciente
foi tido como pensamento em absoluto:
apenas agora começa a raiar para nós a verdade de que a atividade de nosso espíritoocorre, em sua maior parte, de maneira inconsciente e não sentida por nós (GC, § 333, p. 221).
Portanto, o domínio de nossos impulsos se dá pelo instinto, e não pela razão. Nietzsche passa a distinguir na vontade de poder uma vontade forte, guiada pelos instintos, e uma vontade fraca, guiada tão somente pela razão, opondo-se à natureza impulsiva. Nesse predomínio da razão, da vontade fraca de poder, subordinando os instintos de forma antinatural, Nietzsche identifica o germe do que chama de décadence.
O “homem superior” se vê limitado, condenado ao arbítrio da razão; mecanismo que estabelece o domínio dos mais fracos, os quais “lutam pela “igualdade de todos perante Deus”, julgando e condenando moralmente os que lhe são superiores (ABM, § 219, p. 125).
A história da filosofia ocidental é para Nietzsche a história da debilitação dos instintos. Desde Sócrates, o racionalismo conceitual relegou a natureza do homem – as verdadeiras raízes de sua consciência – a uma condição vergonhosa, enfim, o que o homem tem de melhor foi pela filosofia condenada ao ostracismo.
A proposta de Nietzsche é resgatar ao homem a sua natureza instintiva (idem, § 230, p. 138), não no sentido de oposição e negação da razão simplesmente, mas de que o impulso instintivo é a raíz da consciência, e portanto anterior à razão.
O dogmatismo da busca
da verdade absoluta perde-se no vazio.
O pensamento, sendo resultante dos impulsos, sempre se encontra em constante mutação, sujeito ao fluxo instintivo/impulsivo sobre a razão. Como poderemos falar em “verdade absoluta”? em “certeza”?
Os conceitos são armadilhas; o instinto sempre atua influenciando-os; a vida é a manifestação da expressão de nossos impulsos mais íntimos; e crer em conceitos universais é desconhecer as bases que constituem a origem da nossa razão. Não há por que crer que o “pai da filosofia” foi um “impulso ao conhecimento”, mas sim um outro impulso, pois “toda a grande filosofia foi até o momento a confissão pessoal de seu autor (…) e também se tornou claro que as intenções morais (ou imorais) de toda filosofia constituíram sempre o germe a partir do qual cresceu a planta inteira” ( Ib. § 6, p. 13).
Como já abordado anteriormente, para Nietzsche, a verdade não é o critério superior, pois não podemos interpretar o juízo pela dualidade do certo e do errado, mas, sim, em que medida esse juízo de valor serve para promover e conservar a vida (Ib. § 4, p. 11 e § 9, p. 11).
Nietzsche expressa que ao longo do filosofar sobre a razão e os conceitos, o homem foi esquecido enquanto “animalidade”. Portanto, o pensamento não pode ser interpretado como absoluto, pois é resultado da soma de nossos impulsos. A vida é, conseqüentemente, regida por nossos instintos. Ela é o critério máximo do conhecimento, em alternativa ao dogmatismo da verdade absoluta.
A perspectiva nietzscheana afirma que o nosso conhecimento, fruto da nossa percepção, não pode ser um guia à certeza, pois, nossos sentidos são falhos (ib. §34, p. 40 e § 192, p. 92); e as ciências físicas se encontram aí inseridas, nos permitindo apenas uma interpretação possível, mas errônea, do mundo (ib. § 14, p. 20).
Não há por que aceitarmos que as chamadas leis naturais são realidades factíveis, pois são oriundas de nossas interpretações, sendo, portanto, possibilidades, e sobretudo resultantes da imposição humana, em nossa busca por uma visão mais inteligível do mundo (ib. § 21, p. 27). Enfim, o filósofo criticado por Nietzsche, guiado pela moral, supervaloriza o conceito de “verdade” e de “certeza”, que nada mais são do que a expressão dos seus preconceitos (ib. § 5, p. 12 e § 289, p. 193).
Para Nietzsche,
a busca da verdade deve ser vista em perspectiva:
como uma busca de possibilidades interpretativas
e não de certezas absolutas.
Até onde vai o caráter perspectivista da existência, ou mesmo se ela tem algum outro caráter, se uma existência sem interpretação, sem “sentido” [Sinn], não vem a ser justamente “absurda” [Unsinn], se, por outro lado, toda a existência não é essencialmente interpretativa – isso não pode, como é razoável, ser decidido nem pela mais diligente e conscienciosa análise e auto-exame do intelecto: pois nessa análise o intelecto humano não pode deixar de ver a si mesmo sob suas formas perspectivas e apenas nelas. Não podemos enxergar além de nossa esquina: é uma curiosidade desesperada querer saber que outros tipos de intelecto e de perspectiva poderia haver [...] (GC, § 374, p. 278).
A crítica de Nietzsche à verdade
vai se revelando como uma busca de uma condição
de vida que ele reporta como superior,
revelando-se como sua proposta alternativa.
Guiado pela vontade de poder, abandonando os falsos conceitos, o homem deverá alcançar uma moral superior, uma moral de senhores em oposição a uma moral de escravos (ABM, § 260, pp. 172-173). Nietzsche aponta que à religião judaico-cristã coube a inversão dos valores nobres, aristocráticos, sobrepondo-se a eles os valores dos fracos e falhados (GM, primeira dissertação, § 7, p. 25).
Em sua luta contra os valores superiores, deturparam o sentido originário de “bom”, pregando uma moral dos fracos e dos infelizes (idem. § 3, § 4 e § 5, pp. 18-21). Chegaram até, em seu esforço deturpador, a infundir na consciência dos mais fortes a vergonha pela sua condição superior (Ib. terceira dissertação, § 14, pp. 111-114).
Assim, com o passar do tempo, no esforço de inverterem os valores nobres, domaram e submeteram as raças aristocráticas (Ib. primeira dissertação, § 11, pp. 31-34).
Nietzsche afirma que para conduzir o homem a uma “moral superior” é imprescindível reverter, transvalorizar, essa falsa moral.
A justiça não reside em afirmar
que o certo para a maioria
é o certo para todos!
É preciso forçar as morais a inclinar-se antes de tudo frente à hierarquia, é preciso lhes lançar na cara sua presunção, até que conjuntamente se dêem conta de que é imoral dizer: “o que é certo para um é certo para o outro” [...] (ABM, § 221, p. 127). [...] que o que é justo para um não pode absolutamente ser justo para outro, que a exigência de uma moral para todos é nociva precisamente para os homens elevados, em suma, que existe uma hierarquia entre homem e homem, e, em conseqüência, entre moral e moral [...] (idem. §228, p. 134).
A moral vigente deve ser superada, revertida por uma moral além do bem e do mal, vencendo-se a vontade fraca de poder, que nada mais faz do que privilegiar os mais fracos, e a auto-conservação dos indivíduos, em detrimento da possibilidade do indivíduo mais forte expandir-se, superar-se, alcançando o que deveria ter sido e jamais foi: o sobre-homem. A vida, o mundo, são fruto do processo orgânico e instintivo da atuação da força “O mundo visto de dentro, o mundo definido e designado conforme os seu “caráter inteligível” – seria justamente “vontade de poder”, e nada mais” (ib. § 36,
p. 43).
A vontade de poder é o sentido da vida, ela é a alternativa à falsificação dos valores, e como tal deve nos guiar à superação dos conceitos de moralidade e imoralidade (ib. § 259, p. 171).
3. A CRÍTICA AO CRISTIANISMO: DEUS ESTÁ MORTO?
No curso de suas obras, Nietzsche afirmou a filosofia socrático-platônica como precursora dos valores de decadência do cristianismo, desenvolvendo um agudo questionamento ao idealismo por ela estabelecido, a que chama de ilusões da razão e origem da fraude das convicções da filosofia ocidental. Recusando a moral cristã, e negando seus postulados, Nietzsche condena o que assevera ser a negativização da existência humana, fruto da negação dos instintos e da resultante incapacidade de se aceitar a finitude da vida, crendo-se numa ilusória vida no além-túmulo – verdadeiro refúgio no nada, na fuga do mundo – , conduzindo somente ao declínio da vontade forte de poder.
Assim sendo, a humanidade não representou até o momento uma evolução para “algo de melhor”; o progresso é uma idéia moderna, e como esta é uma afirmação falsa (O Anticristo, § 4, p. 17).
De forma geral – e aqui abordado superficialmente – os pensadores da Igreja, a exemplo de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino – para não estendermos a lista – como intérpretes das obras de Platão e Aristóteles, e no desenvolvimento de uma filosofia e interpretação próprias, contribuíram para “aproximar” os filósofos gregos ao pensamento filosófico medieval, ou melhor, aproximando o pensamento desses filósofos ao pensamento cristão, incorporaram a filosofia grega à Igreja. Desta forma, a história da filosofia cristã, e o desenvolvimento de seu pensamento, estão intrinsecamente relacionados ao desenvolvimento da filosofia ocidental como um todo.
A crítica dirigida aos juízos de valor, a distinção do certo e do errado, ao “bem em si”, a noção Socrática de que a verdade conduz ao bem (ABM, § 190, p. 90), ao imperativo categórico moral de Kant (idem, § 5, p. 12 e § 11, p. 17), enfim, a crítica que Nietzsche dirige à filosofia engloba, igualmente, a sua crítica ao cristianismo. Portanto, não é a afirmação “Deus está morto” – sem contemplarmos as possibilidades interpretativas que essa afirmação encerra – ou o ateísmo de Nietzsche, a questão central, mas o que Nietzsche nos oferece em troca da crença em Deus.
Não podemos ignorar que a decretada “morte de Deus” é um dos mais debatidos enunciados de sua filosofia, merecendo atenção não somente da filosofia da religião – sob a qual ocorre o questionamento de vários postulados do pensamento nietzscheano – mas, incluindo-se no debate de várias especialidades da Filosofia, em especial por sua crítica acerca da moral e da razão subjacentes à pregação anticristã do filósofo, propiciando um fértil campo de discussão para a ética. Mas, retornando à “morte de Deus”, estaria Nietzsche constatando o ocaso da religião cristã? Ou, numa outra perspectiva, fazendo uma exposição visceral do que considera sua inevitável superação?
Ou, acima de tudo, criticando o racionalismo conceitual do pensamento ocidental (o valor do saber, a moral etc), ou atribuindo a “morte de Deus” à necessidade do Homem reelaborar o conceito de Deus e os valores vigentes da religião, em prol de um “Deus dos fortes” e da valorização dos instintos? Na obra A Gaia Ciência (1882), no aforismo 125 do Livro III encontramos:
O homem louco. – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? perguntou um deles.
Ele se perdeu como uma criança? disse um outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! [...] Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! (GC, § 125, pp. 147-48).(Deus é vida e quem vai matar a vida? )
Esse anúncio ressurge na sua obra poética Assim Falou Zaratustra. Ao se encontrar com um “santo”, Zaratustra ouve-o reportar-se a Deus, e pergunta a si mesmo “Será possível que este santo ancião ainda não ouviu no seu bosque que Deus já morreu” (Assim falou Zaratustra, preâmbulo, p. 25) . Portando Deus já está morto, e Nietzsche denuncia a falta de percepção daqueles que desconhecem esse fato. Segue-se a esse anúncio uma acirrada crítica ao que Nietzsche acusava como a mutiladora do homem e negadora de seus instintos mais nobres: a fé cristã (ABM, § 46, p.52).
Podemos identificar que a questão central da crítica de Nietzsche ao cristianismo não é necessariamente a recusa a Deus como possibilidade, mas a crítica ao cristianismo e conseqüentemente à sua base teísta, inserido-o em sua crítica aos juízos de valor, aos conceitos de verdade e certeza, ao predomínio da razão sobre os instintos.
Através da negação do instinto, numa atitude de fuga à natureza humana, enaltecendo o ascetismo religioso e suas “três prescrições dietéticas perigosas: solidão, jejum e abstinência sexual” (Idem. § 47, p.53.), afastando-se da “vida” e conclamando a vitória dos fracos contra o “homem superior”, Nietzsche afirma, calcando sua premissas numa abordagem fisiológica, que o cristianismo condena o homem à degenerescência física e conseqüentemente psicológica. Sufocando a vontade de poder, o cristianismo, e toda a filosofia e prática afim a ele (os conceitos morais, os juízos de valor) conduzem ao domínio dos valores de décadence:
Entendo a corrupção, como já se está a adivinhar, no sentido de décadence; a minha afirmação é que todos os valores em que agora a humanidade condensa os seus desejos supremos são valeurs de décadence. Considero corrupto um animal, uma espécie, um indivíduo, quando perde os seus instintos, quando escolhe e prefere o que lhes é prejudicial. [...]
Mas a própria vida é para mim o instinto de crescimento, de duração, de acumulação das forças, o instinto de poder; onde falta a vontade de poder, há degenerescência. A minha afirmação é que esta vontade falta em todos os valores supremos da humanidade que, sob os mais sagrados nomes, dominam os valores da decadência, os valores niilistas [...] (O Anticristo, § 6, pp. 18-19).
Para Nietzsche, o cristianismo e a filosofia moderna ocupam-se de causas e efeitos imaginários, numa espécie de comércio entre seres imaginários. E a causa do que chama de moral e religião falsas é o predomínio dos sentimentos de desprazer sobre os sentidos de prazer, o antinatural ao natural, constituindo a fórmula para a décadence (idem. § 15, p. 28).
Nietzsche concluiu que justamente essa predominância de juízos de valor antinaturais, sustentadores de uma “moral de rebanho”, seriam a essência e a sustentação do cristianismo: sob o signo do medo (pecado) o cristão se condena, reprimindo-se, mutilando-se e julgando o mundo (e os homens que lhe são superiores), oportunizando o direcionamento de seu descontentamento, de seu ódio, e de seu “ressentimento” contra a vida, falsificando-a (ABM, § 62, pp. 64-66). E que a crença em Deus nada mais seria do que um artifício necessário:
Julgar e condenar moralmente é a forma favorita de os espiritualmente limitados se vingarem daqueles que o são menos, e também uma espécie de compensação por terem sido descurados pela natureza [...]
No fundo do coração lhes faz bem que haja um critério segundo o qual mesmo os homens acumulados de bens e privilégios do espírito se igualem a eles – lutam pela “igualdade de todos perante Deus”, e para isso precisam crer em Deus (Idem. § 219, p. 125).
O filósofo afirma que somente ao homem superior, movido pela vontade de poder, cabe superar o sentido de décadence inerente à doutrina cristã, derrubando os ídolos que suportam o seu edifício. Assim, o homem decretará a morte do conceito de Deus, superando os falsos juízos de valor da tradição judaico-cristã e socrático platônica, assumindo o seu lugar na história.
O que ocorre exatamente, você está erguendo ou demolindo um ideal?”, talvez me perguntem… Mas nunca se perguntaram realmente a si mesmos quanto custou nesse mundo a construção de cada ideal?
Quanta realidade teve de ser denegrida e negada, quanta mentira teve de ser santificada, quanta consciência transtornada, quanto “Deus” sacrificado? Para se erigir um santuário, é preciso antes destruir um santuário: esta é a lei – mostrem-me um caso em que ela não foi cumprida!… [...] Já por tempo demais o homem considerou suas propensões naturais com “olhar ruim”, de tal modo que elas nele se irmanaram com a “má consciência”. Uma tentativa inversa é em si possível – mas quem é forte o bastante para isso?
[...] Para aquele fim seria preciso uma outra espécie de espíritos fortalecidos por guerras e vitórias, para os quais a conquista, o perigo e a dor se tornaram até mesmo necessidade; [...]
Algum dia, porém, num tempo mais forte do que esse presente murcho, inseguro de si mesmo, ele virá, o homem redentor, o homem do grande amor e do grande desprezo [...]
Esse homem do futuro, que nos salvará não só do ideal vigente, como daquilo que dele forçosamente nasceria, do grande nojo, da vontade de nada, do niilismo [...] esse anticristão e antiniilista, esse vencedor de Deus e do nada – ele tem que vir um dia… (GM, § 24, pp. 83-85).
No seu Assim falou Zaratustra Nietzsche igualmente anuncia a superação do homem pelo seu “sobre-homem”: “o homem é uma coisa que dever ser superada; o homem há de ser uma ponte, e não um fim.” (Assim falou Zaratustra, p. 154).
Qual a alternativa proposta? Resgatar ao homem a sua natureza instintiva é um primeiro passo, como vimos anteriormente. Deve-se fugir do ressentimento originário, da “má consciência”, da sufocação do instinto: “Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro – isto é o que chamo de interiorização do homem” (GM. § 16, p. 73); a negação da vontade forte de poder solapa o que de melhor há no homem; sufoca o seu instinto em prol de uma “moral de rebanho” .
O que é bom ou mau? O que alguns consideram más virtudes são tão essenciais aos homens fortes que sem elas nada de bom teria se alcançado: força, violência, ódio, egoísmo. O que é a ética? a moral?. “Todos os nossos motivos conscientes são fenômenos de superfície: por trás deles se trava a luta de nossos instintos e estados, a luta em torno do poder” (Fragmentos Finais, p.107).
O homem deve superar-se, ir além! E Deus? Não poderíamos prosseguir sem abordar o conceito de Deus para Nietzsche. Em Crepúsculo dos Ídolos o filósofo pergunta “Como?
É o homem apenas um erro de Deus? Ou é Deus unicamente um erro do homem?” (§ 7, p. 14). Quem “criou” quem? ou seria como se “criou”?
Um povo que ainda acredita em si tem também ainda o seu Deus próprio. Nele venera as condições que o tornam vitorioso, as suas virtudes – projecta o prazer que tem em si, o seu sentimento de poder, num ser a quem por isso possa dar graças. Quem é rico quer dar; um povo orgulhoso precisa de um Deus a quem sacrificar…
A religião é, nestascondições, uma forma de agradecimento. É um agradecimento a sim mesmo: eis para que se precisa de um Deus. Semelhante Deus deve poder ser útil e prejudicar, deve poder ser amigo e inimigo – é admirado tanto no bem com no mal.
A castração antinatural de um Deus
para dele fazer um Deus unicamente
do bem ficaria aqui fora
de toda a esfera do desejo.
Tanto se precisa do Deus mau como do bom [...] quando um povo entra em colapso; quando sente esvair-se para sempre a fé no futuro, a sua esperança na liberdade [...] há também que mudar o seu Deus. Torna-se agora sonso, medroso, humilde, aconselha a ‘paz da alma’ [...] Moraliza constantemente [...] faz-se o Deus de toda a gente [..] Outrora, representava um povo, a força de um povo, tudo o que de agressivo e sedento de poder existe na alma de um povo: agora é simplesmente o Deus bom… De facto, não há para os deuses outra alternativa: ou são a vontade de poder – e enquanto o forem serão deuses de um povo – ou são a impotência do poder – e então tornam-se forçosamente bons… (O Anticristo, §16, pp. 29-30).
Deus, mais que uma possibilidade, é visto com uma conseqüência. Povos fortes, altivos, comungam da crença em um Deus acima do bem e do mal. Povos decadentes, degenerados, crêem num conceito de um Deus bom, protetor dos fracos. Um conceito que revela uma perspectiva sociológica. Um conceito de Deus atrelado à cultura de cada povo, conforme sua expectativas e prerrogativas, fruto de seu “estado de espírito” perante os acontecimentos. Mas, estaria Nietzsche, propondo um novo conceito de Deus?
Ou, alertando para que abandonemos essa tentativa, a qual mais do que nos impulsionar nos limitará a uma busca infrutífera, fazendo-nos esquecer do objetivo superior, o seu sobre-homem? Na nota aos Fragmentos Finais, o professor Flávio R. Kothe, alertando-nos para erros de interpretação, oriundos da “má” filologia, que nada mais fazem do que nos presentear com erros grosseiros, contribuindo para a perpetuação de equívocos graves, faz uma consideração que consideramos pertinente:
[Nietzsche] falava de um “afeto moral”, de um “sentimento moral”, de uma “sensação moral”, em contrapartida a uma tabela moral como as “tábuas da lei”, os “Dez mandamentos”, calcada em uma instância metafísica.
Ao contrário da proposição registrada por Dostoievski, de que “se Deus está morto, tudo é permitido”, era para ele com a “morte de Deus” que a questão ética realmente começava, pois até então ela havia sido delegada a uma inquestionável instância extra-humana. A sua obra mostra, todavia, que
“Deus não está morto”,
pois ressurge sobe a forma de mil fantasmas.(sementes) (p. 8).
“Deus não está morto!”, parece até um contra-senso à proposta de Nietzsche, mas decretá-la no sentido de que Deus não é o foco, e sim o nosso conceito de Deus, nos parece razoável até determinado ponto. Estaríamos nos sujeitando a uma instância sobrenatural, a qual determinaria os desígnios de nossa existência, esquivando-nos da responsabilidade por nosso “aperfeiçoamento”, e senão a ela, aos seus representantes terrenos, e às prerrogativas morais que se querem universais, sujeitando-nos a uma ditadura das convicções?
Essa possibilidade interpretativa, mesmo sendo compatível com muitos dos aforismos citados, não renuncia ao ponto de sua crítica que consideramos fundamental: Nietzsche, ao afirmar a falsidade dos postulados cristãos, decretando a morte de Deus, recusa a possibilidade do teísmo, de uma instância divina, denominado-a de imaginária e, ao fazê-lo, não nos oferecendo em troca senão o seu eterno retorno e o seu sobre-homem, o que julgamos insuficiente para abandonarmos muitos dos pressupostos cristãos, como veremos em nossa conclusão.
4. CONCLUSÃO
Nietzsche, ao criticar a filosofia e os conceitos, afirma a complexidade do ser, analisando o seu processo histórico, e concluindo que a razão e a verdade de modo absoluto não existem, pois, ambas sempre se constituíram sob diversas perspectivas culturais e lingüísticas.
A razão, portanto, é um arbítrio. Os conceitos nada mais são do que construções da vontade de poder, projeções arbitrárias e subjetivas, impostas ao homem. A recusa de Nietzsche à perspectiva kantiana, que estabelece o primado da razão, afirma que o julgamento racional, posto como imperativo, nega e falsifica o papel de nossos impulsos instintivos.
Nietzsche decretou
que não há verdade absoluta.
A crença na verdade como meta, como busca, relegou a compreensão da sua subjetividade ao esquecimento, falseando nosso julgamento, levando-nos à percepção errônea da crença na validade de nossas projeções. Ao aceitarmos nossas projeções acerca do mundo como verdades e ao estabelecermos essas verdades como verdades universais, afirmando a sua validade objetiva, nada mais fazemos do que decretar o primado das ilusões da razão.
O filósofo afirma, como vimos na sua crítica ao racionalismo, que o ser social e a consciência interagem. Nossas convicções, como abordado acima, estão fundamentadas em nossa cultura e são veiculadas por nossa linguagem. Portanto, ao crermos em nossa razão esquecemos nossos instintos e estabelecemos que nossas projeções criadoras de valores são verdades absolutas e universais.
Mas, o que Nietzsche nos oferece como superação? Ao afirmar a “morte de Deus”, ele não deixa de buscar a necessidade de se eliminar o teísmo filosófico, eliminado o ser divino que “dá subjetividade e substancialidade ao homem” (ESTRADA, p. 178), eliminando, assim, o fundamento humanista da crença num Ser Supremo. Estrada, ao analisar a negação de Nietzsche a Deus, como princípio fundador e lógico de valores transcendentes que determinam a conduta humana, afirma ainda que:
Nietzsche é o grande defensor do finito,
do mundano e do presente.
A alternativa do caos e do acaso, inerente à inocência do devir, se opõe aos intentos de sistematização e aos projetos finalistas que permitiriam traçar uma gênese de sentido. Deve-se viver o aqui e agora do indivíduo e do instante histórico. Pelo contrário, a filosofia busca o transcendente, supramundano ou imanente à história e acredita em uma evolução linear com progresso, metas e valores que , em última instância, fazem parte da herança judeu-cristã.
Deve-se assumir a fragmentariedade da vida,
a inocência do devir, a convergência estóica
de necessidade e liberdade, e o amor ao finito
contra as fuga mundi interioristas e
as metas da história (religião secularizada).
(idem. p. 179).
Nietzsche prega a adoção de novos valores – o “homem em si” em troca do “bem em si”, entre outras propostas – que não deixam de ser um resgate de valores antigos da filosofia grega, em oposição ao rumo da filosofia a partir de Sócrates e Platão, negando o mundo da idéias, a tradição judaico-cristã, a concepção cartesiana da razão e o imperativo categórico de Kant. Mas, qual a alternativa em face da nossa finitude, da nossa necessidade de interrogar o universo na busca de respostas sobre a nossa inquietação perante a morte?
O seu eterno retorno, o devir, a permanência manifestada pela repetição, pela passagem cíclica do tempo, são a sua alternativa. Assim, Nietzsche nos oferece uma transcendência temporal, o que mais nos parece um paradoxo.
E ao seguir esse caminho, afirmando a transvaloração de todos os valores, e negando o dogmatismo metafísico, Nietzsche propõe, em troca, uma metafísica tão questionável quanto a primeira. Afinal, sua transvaloração e seu eterno retorno não se apóiam justamente no uso da razão? E isto não seria, segundo o próprio Nietzsche, incorrer na pretensão de que nossas projeções e percepções são universalmente válidas?
O filósofo chega a nos lembrar o paradoxo do positivismo que, ao negar a validade da filosofia como ciência, decretando a sua superação e conseqüente desaparecimento, esquece-se que também é uma filosofia!
Nietzsche, na construção de seu edifício filosófico, afirma que o homem deve buscar a sua auto-afirmação, abandonado falsos conceitos. A crença em Deus, a religião enquanto crença compartilhada, é um entrave à ascensão ao sobre-homem, obstruindo as possibilidades da vontade de poder em face das prerrogativas morais. Mas o seu platonismo invertido nos oferece um ceticismo completo perante o curso do mundo. A verdade como conceito é subjetiva, portanto não podemos nos ater à crença no absoluto, na verdade inquestionável.
Esse aspecto de sua crítica é, de acordo com a nossa reflexão, válido ao propor que nos despojemos da “escravidão” da razão no sentido de nos livrarmos de dogmatismos anacrônicos, a exemplo do que constatamos na história da filosofia ocidental, e da ciência, quando da superação de antigas convicções e preconceitos morais que nos impediam de expor a público idéias e conclusões, pois estaríamos sempre temerosos da tutela do Estado e da Igreja, sempre alertas a quem questionasse as “verdades” estabelecidas.
E, igualmente, a sua crítica ressalta a importância de estarmos atentos ao fato de que a filosofia e as ciências naturais não podem se outorgar detentoras de certezas absolutas que sirvam de edifício a pretensas filosofias morais. Mas o sentido que Nietzsche atribui a toda convicção, como prisão que nos impede de ver além, e principalmente, a sua afirmativa da verdade como falsa, nos deixam poucas alternativas.
Ao negar a metafísica, como analisado acima, Nietzsche se apóia, paradoxalmente, na metafísica do eterno retorno, e na vontade de potência como impulso primordial. Assim, apontamos a possibilidade de que ao estabelecer o homem num papel central, numa proposta antropocentrista, como “fim em si”, sujeito às ilusões da razão, e vendo a moral como falsa, sua busca e questionamento a nada conduzem, levando-nos a crer na falsidade dos ideais.
E substituindo a transcendência espiritual pela transcendência do eterno retorno, cremos que Nietzsche nos deixou o que ele mais abominou: uma atitude niilista, de expectativa diante do caos e do acaso, pois, sem a razão e sem a moral, a que o homem recorreria? Ao homem? Mas, esse sobre-homem, acima do bem e do mal, não correria o risco de nada mais comprovar do que justamente o que a religião contempla, a finitude do homem perante o universo?
Mas, por outro lado, se sua negação da religião, que julgamos não ser suficientemente desenvolvida quanto à crítica aos fundamentos da crença em Deus enquanto instância sobrenatural, não nos convence, a sua crítica à religião enquanto crítica às instituições e à civilização nos parece fundamental para questionar a validade de certos postulados. A religião, ao estabelecer a supremacia do mito edênico – Adão e o pecado original – decreta a perda da inocência do homem perante o mundo, desde o seu nascimento.
O homem é incriminado e condenado por sua culpa perante Deus, aguardando a consumação de seu castigo divino, sendo a vida uma seqüência de tormentos, e nada há a se fazer senão expiar os pecados ganhos como herança. Submissão total perante as instituições: a Igreja como uma espécie de Estado, e não como a reunião dos homens que crêem em Cristo.
O terror perante o juízo final, a expiação dos pecados sob diversas formas, as interpretações se tornam tão diversas quanto as penas: abrem-se as portas ao fanatismo, à intolerância, ao sadismo e ao masoquismo. A crueldade para consigo e para com os outros se sobrepõe à busca interior, ao amor ao próximo, à meditação dos textos religiosos.
Abordamos anteriormente que Nietzsche não se detém em discutir a questão da existência de Deus numa percepção atéia, mas conceitual, de sujeição do homem a conceitos e valores, e neles incluídos, Deus. Seus alvos são nossos instintos, a nossa fisiologia, e conseqüentemente, as raízes psicológicas da nossa necessidade de crer em Deus.
Portanto, mesmo rejeitando a morte do teísmo decretada por Nietzsche, afirmamos que a validade de sua crítica está em seu questionamento à Teologia e à prática religiosa como instrumentos institucionais, mundanos, como sustentáculos do que chama de ideologia do sofrimento, que aterroriza o homem, invocando o castigo divino perante o pecador, diminuindo-o, negando a possibilidade de um homem livre dessa mácula.
Da mesma forma o asceta e o sacerdote são vistos por Nietzsche como opressores por excelência, que em primeiro lugar negam a si, a sua condição natural, decretando uma conduta antinatural como o caminho a Deus, e em segundo lugar, são instrumentos de canalização do ressentimento, da intolerância e do fanatismo de seus fiéis (
O Anticristo, § 26, pp. 42-44; § 43, pp. 64-66 e § 56, p. 88).
Mas, ao mesmo tempo, admite que de uma possível explosão de ódio surge a resignação, contendo-o, mas daí nasce a igualmente antinatural autoflagelação.
Concluindo nosso trabalho, acredito que alcançamos o objetivo de nossa crítica ao pensamento nietzscheano. Apontamos, até aqui, o que acreditamos ser válido quanto a sua crítica à religião e às instituições, mas, concluímos, num desafio ao seu pensamento, que a sua crítica aos fundamentos do teísmo filosófico não são suficientes para validar a máxima “Deus está morto”.
Cabe, ainda, a título de fecho, uma última colocação. O conjunto de sua obra filosófica escrutina de forma intrigante o pensamento humano, nossa moral, leis e instituições – não só as religiosas – possibilitando um questionamento rico e filosoficamente instigante.
Devemos a ele a fuga do velho estilo de se fazer filosofia, e a criação de um autêntico “filosofar a marteladas”. Sua prosa, seu uso dos aforismos, e principalmente a inexistência do uso do ponto em seus fragmentos finais, nos indicam que mais que um pensamento supostamente não concluído, é um convite a ver que Nietzsche não pretendia um “término”, um ponto final, “cancelando a evolução e a involução das coisas”, como no esclarece o Professor Flávio R. Khote em sua nota aos Fragmentos Póstumos (p.12).
Seus pensamentos nos oportunizam refletir acerca da origem de regras socialmente estabelecidas, e suas conseqüências no desenvolvimento ou entrave do homem. Nietzsche, com sua inegável capacidade intelectual e autenticidade, é preciso frisar, avançou em muitos “terrenos” do saber e, criticando seus antecessores, somou uma rica produção a esse rol de notáveis.
Por fim, graças a sua crítica arrojada, possibilitou às novas gerações o exercício de se fazer filosofia com os “olhos atentos” e uma “mente aberta”, libertos do temor de derrubar velhos ídolos, questionando para compreender, num exercício crítico que, acreditamos, presta um tributo à atualidade da obra do “imoralista” e do seu tão reverenciado Zaratustra.