terça-feira, 6 de julho de 2010

SPINOZA - Mozart, Eine Kleine Nachtmusik, 1st movement, Allegro



Prefácio do Tratado Teológico-Político
Baruch de Espinosa
Tradução: Diogo Pires Aurélio

PREFÁCIO
    Se os homens pudessem, em todas as circunstâncias, decidir pelo seguro, ou se a fortuna se lhes mostrasse sempre favorável, jamais seriam vitímas da superstição. Mas, como se encontram freqüentemente perante tais dificuldades que não sabem que decisão hão de tomar, e como os incertos benefícios da fortuna que desenfreadamente cobiçam os fazem oscilar, a maioria das vezes, entre a esperança e o medo, estão sempre prontos a acreditar seja o que for:, se tem dúvidas, deixam-se levar  com a maior das facilidades para aqui ou para ali; se hesitam, sobressaltados pela esperança e pelo medo em simultâneo, ainda é pior; porém, se estão confiantes, ficam logo inchados de orgulho e presunção. Julgo que toda a gente sabe que é assim, não obstante eu estar convicto de que a maioria dos homens se ignoram a si próprios. 

Não há, com efeito, ninguém que tenha vivido entre os homens que não se tenha dado conta de que a maior parte deles, se estão em maré de prosperidade, por mais ignorantes que sejam, ostentam uma tal sabedoria que até se sentem ofendidos se alguém lhes quer dar um conselho. Todavia, se estão na adversidade, já não sabem para onde se virar, suplicam o conselho de quem quer que seja e não há nada que se lhes diga, por mais frívolo, absurdo ou inútil, que eles não sigam. Depois, sempre por motivos insignificantes, voltam de novo a esperar melhores dias ou a temer desgraças ainda piores. Se acontece, quando estão com medo, qualquer coisa que lhes faz lembrar um bem ou um mal por que já passaram, julgam que é o prenúncio da felicidade ou da infelicidade e chamam-lhe, por isso, um presságio favorável ou funesto, apesar de já terem se enganado centenas de vezes.

Se vêem, pasmados, algo de insólito, crêem que se trata de um prodígio que lhes revela a cólera dos deuses ou do Númem sagrado, pelo que não aplacar com sacríficios e promessas tais prodígios constitui um crime aos olhos desses homens submergidos na superstição e adversários da religião, que inventam mil e uma coisas e interpretam a natureza da maneira mais extravagante, como se toda ela delirasse ao mesmo tempo que eles. Tanto assim é, que quem nós vemos ser escravo de todas as superstições são sobretudo os que desejam sem moderação os bens incertos. Todos eles, designadamente quando correm perigo e não conseguem por si próprios salvar-se, imploram o auxílio divino com promessas e lágrimas de mulher, dizem que a razão é cega porque não pode indicar-lhes um caminho seguro em direção às coisas vãs que desejam, ou que é inútil a sabedoria humana; em contrapartida, os devaneios da imaginação, os sonhos e as extravagâncias infantis, parecem-lhes respostas divinas. 

Até julgam que Deus sente aversão pelos sábios e que os seus decretos não estão inscritos na mente, mas sim nas entranhas dos animais, ou que são os loucos, os insensatos, as aves, quem por instinto ou sopro divino os revela.

    A que ponto o medo ensandece os homens! O medo é a causa que origina, conserva e alimenta a superstição. Se, depois do que já dissemos, alguém quiser ainda exemplos, veja-se Alexandre, que só se tornou supersticioso e recorreu aos adivinhos, quando, às portas de Susa, começou pela primeira vez a temer por sua sorte (vide Q. Cúrcio, Livro V, §7); assim que venceu Dario, desistiu logo de consultar os adivinhos e arúspices. Até ao momento em que, uma vez mais aterrado pela adversidade, abandonado pelos Bactrianos, atacado pelos Citas e imobilizado devido a uma ferida, recaiu (como diz o mesmo Q. Cúrcio, Livro VII, §7) na superstição, esse logro das mentes humanas, e mandou Aristandro, em quem depositava uma desconfiança cega, explorar por meios de sacríficios a evolução futura dos acontecimentos. 

Poderíamos acrescentar muitos outros exemplos que provam com toda a clareza o mesmo: os homens só se deixam dominar pela superstição enquanto têm medo: todas essas coisas que já alguma vez foram objetos de um fútil culto religioso não são mais do que fantasmas e delírios de um caráter amedrontado e triste; finalmente, é quando os Estados se encontram em maiores dificuldades que os adivinhos detém maior poder sobre a plebe e são mais temidos pelos seus reis. Mas como tudo isto, ao que presumo, é suficientemente conhecido de todos, não insistirei mais no assunto.

    Se esta é a causa da superstição, há que concluir, primeiro, que todos os homens lhe estão naturalmente sujeitos (digam o que disserem os que julgam que ela deriva do fato de os mortais terem todos uma qualquer idéia, mais ou menos confusa, da divindade); em segundo lugar, que ela deve ser extremanete variável e inconstante. como todas as ilusões da mente e os acessos de furor; e, por último, que só a esperança, o ódio, a cólera e a fraude podem fazer com que subsista, pois não provém da razão, mas unicamente da paixão, e da paixão mais eficiente. Daí que seja tão fácil os homens acabarem vítimas de superstição de toda espécie quanto é difícil conseguir que eles persistam numa só e na mesma superstição. Precisamente porque o vulgo persiste na sua miséria é que nunca está por muito tempo tranqüilo e só lhe agrada o que é novidade e o que ainda não lhe enganou, inconstância essa que tem sido a causa de inumeráveis tumultos e guerras atrozes. Na verdade (como se prova pelo que já dissemos e como Cúrcio muito bem observou, no livro IV, cap. X), não há nada mais eficaz que a superstição para governar as multidões. Por isso é que estas são facilmente levadas, sob a capa da religião. ora a adorar os reis como se fossem deuses, ora a execrá-los e a detestá-los como se fossem uma peste para todo gênero humano. 

Foi, de resto para prevenir este perigo que houve sempre o cuidado de rodear a religião, fosse ela verdadeira ou falsa, de culto e aparato, de modo a que se revestisse da maior gravidade e fosse escrupulosamente observada por todos. Entre os turcos, isto foi tão bem sucedido que até o simples discutir eles consideram crime, deixando a inteligência de cada um ocupada com tantos preconceitos que não há mais lugar na mente para a reta razão, nem sequer para se duvidar.

    Se, efetivamente, o grande segredo do regime monárquico e aquilo que acima de tudo lhes interessa é manter os homens enganados e disfarçar, sob o especioso nome de religião, o medo em que devem ser contidos para que combatam pela servidão como se fosse pela salvação e acreditem que não é vergonhoso, mas sumamente honroso, derramar o sangue e a vida pela vaidade de um só homem, em contrapartida, numa  República livre, seria impossívem conceber ou tentar algo de mais deplorável, já que repugna em absoluto à liberdade comum sufocar com preconceitos ou coartar de algum modo o livre discernimento de cada um. E no que diz respeito aos conflitos desencadeados a  pretexto da religião, é evidente que eles surgem unicamente porque se estabelecem leis que concernem matéria de especulação e porque as opiniões são consideradas crime e, como tal, condenadas. Os seus defensores e prosélitos são, por isso, imolados, não ao bem público, mas apenas ao ódio  e à crueldade dos adversários. Porque se o direito estatal fosse de modo a que os fatos fossem incrimináveis, mas as palavras fossem impunes, semelhantes conflitos não poderiam jamais invocar qualquer espécie de direito, nem as controvérsias se converteriam em sedições. 

E já que nos coube em sorte esta rara felicidade de viver numa República, onde se concede a cada um inteira liberdade de pensar e de honrar a Deus como lhe aprouver e onde não há nada mais estimado nem mais agradável do que a liberdade, pareceu-me que não seria tarefa ingrata ou inútil mostrar que esta liberdade não só é comnpatível com a liberdade e paz social, como inclusivamente, não pode ser abolida, sem se abolir, ao mesmo tempo, a paz social e a piedade. Foi sobretudo isto o que decidi demosntrar nesse tratado.

Para tanto, foi necessário, antes de mais, apontar os maiores preconceitos em matéria religiosa, isto é, os vestígios da antiga servidão, bem como se referem aqueles que se referem ao direito das autoridades soberanas, direito que muitos se esforçam, com descarado atrevimento, por lhes usurpar em boa parte, tentando, a pretexto da religião, pôr contra elas o ânimo das multidões, submetido ainda à superstição dos gentios, para que todos caiam de novo na servidão. Direi a seguir, em breves palavras, qual a ordem pela qual são apresentados os assuntos; mas antes, vou expor as razões que me levram a escrever.

      Inúmeras vezes fiquei espantado por ver homens que se orgulham por professar a religião cristã, ou seja o amor a alegria, a paz, a continência e a lealdade para com todos, combaterem-se com tal ferocidade e manifestarem cotidianamente uns para com os outros um ódio tão exarcebado que se torna mais fácil reconhcer a sua fé por estes do que por aqueles sentimentos. De fato, há muito que as coisas chegaram a um ponto tal que é quase impossível saber se alguém é cristão, turco, judeo ou pagão, a não ser pelo seu vestuário, pelo culto que pratica, por freqüentar esta ou aquela igreja, ou finalmente porque perfilha esta ou aquela opinião e costuma jurar pelas palavras deste ou daquele mestre. Quanto ao resto, todos levam a mesma vida. 

Procurando então a causa deste mal, conclui que ele se deve, sem sombra de dúvidas, a consideram.se os cargos da Igreja como títulos de nobreza, os seus ofícios como benefícios, e consistir a religião, para o vulgo, em cumular de honras os pastores. Com efeito, assim que começou na Igreja este abuso, logo se apoderou dos piores homens um enorme desjo de exercerem os sagrados ofícios, logo o amor de propagar a divina religião se transformou em sórdida avareza e ambição; de tal maneira que o próprio temple degenerou em teatro onde não mais se veneravam doutores da Igreja mas oradores que, em vez de quererem instruir o povo, queriam era fazer-se admirar e censurar publicamente os dissidentes, não ensinando senão coisas novas e insólitas para deixarem o vulgo maravilhado. Daí o surgirem grandes contendas, invejas e ódio, que nem o correr do tempo foi capaz de apagar.

    Não admira, pois, que da antiga religião não ficasse nada a não ser o culto externo (com que o vulgo mais parece adular a Deus do que adorá-lo) e a fé esteja reduzida a crendices e preconceitos.  E que preconceitos estes, que de racionais transformaram os homens em irracionais, que lhes tolhem por completo o livre exercício da razão e a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, parecendo expressamente inventados para apagar em definitvo a luz do entendimento! A piedade, ó Deus imortal, e a religião consistem em mistérios absurdos e são os que condenam em absoluto a razão, os que tem aversão e rejeitam o entendimento como coisa corrompida por natureza, são esses, suprema iniquidade, que passam por possuir a luz divina. Certamente que, se eles tivessem uma centelha que fosse da luz divina, não andariam tão cheios de soberba idiota e aprenderiam a honrar a Deus e distinguir-se-iam uns dos outros pelo amor, da mesma forma que se distinguem agora pelo ódio. Nem perseguiriam com tanta animosidade os que não partilham da suas opiniões; pelo contrário, sentiriam piedades deles ( se é, de fato a salvação alheia e não a própria fortuna que os preocupa). Além disso, se realmente tivessem alguma luz divina, ela ver-se-ia pela sua doutrina. 

Confesso, porém, que apesar da sua insuperável admiração pelos profundissímos mistérios da escritura, nunca os vi ensinar senão as especulações dos aristotélicos ou dos platônicos, a que adaptaram aquela, ainda assim não parecessem pagãos. Não lhes bastasse já delirarem com os gregos, quiseram também que os profetas delirassem com eles, o que mostra claramente que nem por sonho reconhecem a divindade da Escritura e que quanto mais se inclinam perabte os seus mistérios, melhor demonstram que o que sentem por ela não é tanto fé como submissão. Isto, aliás, resulta claro do fato de a maior parte deles supor como fundamento (para compreender e encontrar o verdadeiro sentido da Escritura) que ela é sempre verdadeira e divina, coisa que afinal, só deveria contar após a sua compreensão e exame rigoroso: aquilo que através dela, sem necessidade, sem necessidade de qualquer artifício humano, aprenderíamos muito melhor, é o que eles põe limiarmente como regra de sua interpretação.

    Refletindo sobre tudo isto -a saber, que a luz natural é, não só desprezada, mas até condenadas por muitos como fonte de impiedade; que as invenções humanas passam por documentos divinos e a crendice por fé; que as controvérsias dos filosófos desencadeiam na Igreja e no Estado as mais vivas paixões, originando os ódios e discórias mais violentos, que facilmente arrastam os homens para sublerações e tantas outras coisas que seria longo descrever aqui- fiquei seriamente decidido a empreender um novo e inteiramente livre exame da Escritura, recusando-me a afirmar ou admitir como sua doutrina tudo o que dela não ressalte com toda a clareza.

Com esta precaução, elaborei um método para interpretar os Livros Sagrados e, uma vez na posse dele, comecei por perguntar, antes de mais, o que é a Profecia, como se revelou Deus aos profetas, porque foram estes escolhidos por ele, isto é, se foi por terem pensamentos sublimes acerca da natureza  e de Deus ou em virtude apenas da sua piedade. Resolvidas estas questões, facilment pude concluir que a autoridade dos profetas só tem algum peso no que diz respeito à vida prática e à verdadeira virtude. Quanto ao resto, pouco nos interessam suas opiniões.

    Foi a partir daí que tentei averiguar por que motivo se designaram os hebreus por eleitos de Deus. E como visse que isto signifique apenas que Deus escolheu para eles uma certa região do mundo onde pudessem viver em segurança e comodidade, conclui que as leis reveladas por Deus a Moisés não eram senão o direito particular do Estado hebraico e, por conseguinte, ninguém, a não ser os judeus, lhe estava sujeito. E mesmo estes, só enquanto durasse o referido Estado. 

Depois, para saber se podia concluir da Escritura que o entendimento humano está por naturza corrompido, fui investigar a religião católica, ou seja, a lei divina revelada a todo gênero humano pelos profetas e pelos apóstolos, seria diferente daquela que a luz natural também ensina: e em seguida, se os milagres acontecem ao arrepio da ordem natural e provam a existência e a providência de Deus de maneira mais certa e mais clara do que as coisas que entendemos clara e distintamente pelas suas causas primeiras. Mas como não encontrasse, naquilo que a Escritura expressamente ensina nada que não tivesse de acordo com o entendimento ou lhe repugnasse, e como, por outro lado, visse que os profetas só ensinavam coisas extremamente simples e acessíveis a todos, além de recorrerem ao estilo e à argumentação que melhor pudessem incitar os ânimos da multidão à devoção para com Deus, fiquei completamente persuadido de que a Escritura deixa a razão em absoluta liberdade e não tem nada em comum com Filosofia, assentando, pelo contrário, cada uma delas nas suas próprias bases. E para que isto ficasse apodicticamente demonstrado, mostro qual o método a seguir na interpretação da Escritura e bem assim que todo o conhecimento sobre a esta ou sobre as coisas espirituais, se deve extrair nela mesma e não daquilo que conhecemos por luz natural.

    Passo em seguida a analisar os preconceitos que surgem pelo fato de o vulgo (sujeito à superstição e preferindo reliquías do passado à própria eternidade) adorar os livros da Escritura em vez do próprio Verbo de Deus. Depois, mostro que o Verbo de Deus revelado não consiste em determinado número de livros, mas sim num conceito simples da mente divina revelada aos profetas, a saber, obedecer inteiramente a Deus, praticando a justiça e a caridade. E provo  que esta doutrina é ensinada na Escritura de maneira adequada ao poder da comprensão e às opiniões daqueles a quem os profetas e os apóstolos costumavam pregar a palavra de Deus, de modo a que os homens a pudessem aceitar integralmente e sem qualquer repugnância.
  
  Uma vez assim apresentados os fundamentos da fé, concluo, finalmente, que o conhecimento revelado não tem outra finalidade senão a obediência e que, tanto pela finalidade como pelos fundamentos e pelo método, ele é completamente diferente do conhecimento natural, não tendo nada em comum com este, pois cada ocupa a sua área sem que o outro se insurja e sem que nenhum tenha de considerar subordinado. Como, além, disso, os homens são por temperamento bastante diferentes, e como uns preferem esta, outros aquela opinião, inspirando a uns sentimentos religiosos o que a outros só provoca escárnio, concluo ser necessário deixar a cada um a liberdade de julgar e a possibilidade de interpretar os fundamentos da fé segundo a sua maneira de ser, e não se ajuizar de ninguém, a não ser pelas suas ações, conforme piedosas ou impías. Só assim poderão todos obedecer a Deus de livre e inteira vontade e dar valor apenas à justiça e a caridade. 

Após evidenciar a liberdade que a lei divina revelada concede a cada um, passo a outro aspecto da questão, o qual consiste em mostrar que essa mesma liberdade pode e deve ser concedida, sem que isso lese a paz social e o direito das autoridades soberanas, e que, pelo contrário, não pode ser suprimida sem graves riscos para a paz e em detrimento de todo o estado. para demonstrar esse ponto, começo, porém, pelo direito natural do indivíduo, que vai até onde for o seu desejo e o seu poder, sem que alguuém esteja, com base em tal direito, obrigado a viver a mando  de outrem e sendo, em vez disso, cada um o responsável pela sua própria liberdade. A seguir, mostro que, em realidade, ninguém renuncia a  esse direito, a não ser que transfira para outrem o poder de se defender, e que, nesse caso, aquele para quem todos transferiram o direito de viver à sua vontade e, ao mesmo tempo, o poder de se defenderem possui necessariamente um direito natural absoluto. 

Demonstro então que os que detém o poder supremo a tudo o que estiver em seu poder e são os únicos responsáveis pelo direito e pela liberdade, ao passo que os outros devem fazer tudo de acordo apenas com o que eles determinam. Todavia, como ninguém pode privar-se a um ponto tal do seu poder de se defender que deixasse de ser um  homem, resulta daí que ninguém pode ser absolutamente privado do seu direito natural e que os súditos mantém, quase como um direito da natureza, alguns privilégios que lhes não pode ser recusado sem grave perigo para o Estado e que, ou lhes são tacitamente concedidos, ou eles estipulam expressamente com aqueles que detém o poder. Posto isto, passo ao estado hebraico, que descrevo em pormenor, para explicar por que razão e por ordem de quem a Religião passou a ter força de lei, bem como outras coisas, que, de caminho pe pareciam dignas de registro. 

A terminar, mostro como é que os que detém o poder soberano são os responsáveis e os interprétes, não só do direito civil, mas também do direito canônico, e que só eles possuem o direito de discernir o que é justo e o que é injusto, o que é piedoso e o que é impío, concluindo enfim, que para manterem em plenitude esse direito e conservarem tranqüilamente o poder eles devem consentir a cada um pensar aquilo que quiser e dizer aquilo que pensa.

    É isto, leitor filósofo, o que submeto aqui à tua apreciação, na esperança de não ser mal acolhido, tendo em conta a importância e a utilidade do tema, quer da obra, quer até de cada um dos capítulos. Tinha ainda mais coisas a dizer, mas não quero que este prefácio se alongue ao ponto de parecer um volume, sobretudo porque julgo que o essencial é soberanamente conhecido dos filósofos. Quanto aos outros, não tento sequer recomedar-lhes este tratado, pois nada me leva a esperar que ele, por qualquer razão, lhes possa agradar. 

Sei, efetivamente, quão arriscado estão na mente os preconceitos a que se adere como se de coisa piedosa se tratasse; sei, além disso, que é impossível libertar o vulgo da supertição e do medo: e sei, finalmente, que a constância no comum dos homens é obstinação e que, em vez de ser a razão que os guia, é a tendência para louvar ou vituperar que os arrebata. Não convido, portanto, o vulgo, nem aqueles que compartilham das suas paixões, a lerem esse livro. É preferível que o desprezem a que me aborreçam com interpretações tendenciosas, como costumaz fazer sempre, não aproveitando eles nem deixando que aproveitem os que poderiam filosofar mais livremente se a tanto os não impedisse o julgarem que a razão deve ser serva da teologia: porque a estes, ainda tenho, efetivamente, esprança de que a obra venha a ser de extrema utilidade.
   
E posto que a muitos talvez falte o vagar ou a paciência para ler tudo, vejo-me obrigado a prevenir, aqui como no fim deste tratado, que não escrevi nada que de bom grado não submeta ao exame das autoridades soberanas da minha Pátria: se elas acharem que algo do que eu digo vai contra as leis deste país ou é prejudicial aos interesses da coletividade, retiro o que disse. Seo que sou homem e poderei ter-me enganado; mas fiz todo possível para que isso não acontecesse e, sobretudo, para não escrever nada que não esteja em conformidade absoluta com as leis da pátria, a piedade e os bons costumes.


 Fonte:
CONSCIENCIA.ORG
Tradução: Diogo Pires Aurélio
 http://www.consciencia.org/espinosatratado.shtml


Quantos romances nasceram 
ao som desta Serenata?

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DEUS - Mozart, Symphony No. 40 in G minor, first movement



Deus

 

Reflexão sobre a divindade integra a filosofia

Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Reprodução
Deus, segundo Michelangelo, no teto da Capela Sistina

Segundo Aristóteles (384-322 a.C.), a filosofia nasce de uma atitude de assombro do homem em relação às coisas do mundo, um estado de encanto e surpresa, que o leva a procurar explicações para elas. Desde que as explicações mitológicas (sobrenaturais) para a origem e o existir do mundo e das coisas deixaram de satisfazer aos primeiros pensadores, a filosofia se desenvolveu na Grécia antiga. Os filósofos buscavam outras explicações, de caráter natural, para o que viam ao seu redor.

Nessa procura pelas explicações, no entanto, nunca deixaram de esbarrar no "sobrenatural", em algo que estava além do visível, quando não do pensável. Por conseguinte, Deus - seja lá o que se entenda por esta palavra - foi sempre uma das grandes questões filosóficas ao longo dos últimos 2,5 milênios.

A reflexão sobre Deus é quase inerente à filosofia. Ao contrário da ciência, que, voltada para objetos específicos, pode dispensar interrogações sobre Deus e concentrar-se no seu alvo, a filosofia é mais ambiciosa e procura respostas para questões que, num certo sentido, as ciências nem precisam se colocar, para verificar leis ou dimensões dos fenômenos naturais (não custa relembrar que o radical de fenômeno, em grego antigo, significa "aparência").

Quatro linhas de raciocínio

Para a filosofia e para o ser humano, porém, Deus sempre foi um imenso ponto de interrogação. Quem ou o que é Deus? Como se pode ou não provar sua existência? Foram essas as questões fundamentais que os filósofos, a partir dos pré-socráticos, se colocaram. Ao serem respondidas - ao longo de mais de dois milênios da história da filosofia -, quatro linhas de raciocínio foram estabelecidas. Elas se desenvolveram de acordo com:

1) A relação de Deus com o mundo, considerando-se Deus como causa do mundo;
2) A relação de Deus com a ordem moral, identificando-se Deus com o Bem;
3) A relação de Deus consigo mesmo, pois, de acordo com as diversas concepções, ele pode ser um ou vários entes;
4) A relação de Deus com os homens ou quais os acessos do homem a Deus.

O primeiro motor

Examinando a primeira relação, nota-se que ela foi entendida de três modos diferentes. O mais antigo deles, encontrado em Anaxágoras (c. 500-428 a.C.), foi também desenvolvido por Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles. Platão concebe Deus como "artífice do mundo", porém com um poder limitado pelo modelo que ele imita: o mundo das ideias ou das realidades eternas.

Já Aristóteles considera que Deus é o "primeiro motor" ao qual necessariamente se filiava a cadeia de todos os movimentos, pois tudo o que se move é movido por outra coisa. Não pode existir efeito sem causa.

No entanto, para Aristóteles, além de causa primeira, Deus é também a causa final que cria a ordem do universo. O filósofo compara o universo a um exército "que consiste de sua ordem e de seu comandante, mas especialmente deste último, pois ele não é o resultado da ordem, mas a ordem depende dele". (Note a sutileza do raciocínio.)

Panteísmo

O segundo modo da primeira relação não exclui o anterior, mas parte da proposição de que a natureza do mundo é um prolongamento da vida de Deus. Platão, por exemplo, chamava o mundo de "Deus gerado [por ele mesmo]". Essa concepção se concretiza no panteísmo (o prefixo grego pan significa "cada um, todos, totalidade") que cria um laço entre Deus e o universo: ambos se identificam, são concebidos como uma única realidade integrada.

O panteísmo adquiriu forma com os estóicos, mas amadureceu entre os neoplatônicos, com destaque para Plotino (205-270). Este filósofo considera o mundo como uma emanação de Deus, assim como ocorre com uma luz em relação a sua fonte. Para Plotino, Deus não só é superior ao mundo, mas também inexprimível em termos do mundo.

Ele só é apreensível ao êxtase místico. Por isso, ele não pode ser objeto de uma ciência positiva que determine sua natureza. Muito pelo contrário, só uma teologia negativa ajuda a compreendê-lo - a partir do que ele não é.

Concepções panteístas se manifestam não só em filósofos da Antiguidade, mas também da Idade Média, como Escoto Erígena (819-877) e Nicolau de Cusa (1401-1464); da Idade Moderna, como Espinosa (1632-1677) e Hegel (1770-1831), e de filósofos do século 20, como Alfred Whitehead (1861-1947) e Henri Bergson (1859-1941).

Cristianismo

Finalmente, há filósofos que consideram Deus como o "criador" do mundo, o Ser do qual provêm os outros seres. Esta visão advém do cristianismo e coloca a fé como coadjuvante da razão. Com Cristo, Deus se revelou ao homem e é a partir dessa crença (não racional) que a razão entra em cena para solucionar os problemas postos pela realidade.

Essa linha filosófica acentua a eternidade e a imutabilidade de Deus diante da temporalidade e da mutabilidade do mundo. Antes da criação não existia o tempo. Portanto, nem faz sentido falar em antes ou perguntar-se o que Deus fazia então, diz Santo Agostinho (354-430), em suas "Confissões" (o físico inglês contemporâneo Stephen Hawking, autor de "Uma Breve História do Tempo", de certa forma concorda com isso, pois considera que o tempo passou a existir após o Big Bang).

Contemporaneamente, desenvolveu-se a impressão de que a filosofia está ligada ao ateísmo ou, no mínimo, que ela se opõe aos dogmas cristãos. Essa impressão, porém, não tem fundamento histórico: filósofos como Kant e Hegel, por exemplo, estavam longe de ser ateus, da mesma maneira que Kierkegaard (1813-1855) foi cristão e filosofou a partir das crenças cristãs. Já Bergson, de origem judaica, aproximou-se do catolicismo ao final de sua vida.

Deus e a ordem moral

Quanto à segunda relação - Deus com a ordem moral -, também se podem distinguir três pontos de vista básicos.

1) Deus é a garantia da ordem moral no pensamento do iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804), filósofo que é um divisor de águas na história dessa disciplina. Para Kant, em termos metafísicos ou teóricos, no âmbito da razão pura, aquela que orienta uma ciência como a matemática, por exemplo, é impossível demonstrar a existência ou a inexistência de Deus.

"Deus é um postulado da razão prática [aquela que orienta a ação], pois torna possível a união da virtude e da felicidade, em que consiste o sumo bem que é o objeto da lei moral". Em termos mais simples: só de uma vontade perfeita, a divina, se pode esperar o bem supremo que a lei moral nos obriga a ter como objetivo de nossos esforços.

2) Muito antes de Kant, porém, os estóicos já identificavam Deus com a própria ordem moral, considerando Deus como Providência e Destino, uma entidade de ordem racional que compreende em si mesma, os eventos do mundo e as ações do homem. Essa visão também pode ser encontrada em Hegel que considera a história do mundo o plano da Providência.

3) O último ponto de vista, essencialmente cristão, coloca Deus como criador da ordem moral e, nesse sentido, atribui ao homem o livre arbítrio de segui-la ou não. Nesses termos, filosofia e teologia se confundem, mas as duas conseguem uma expressão perfeita, em termos éticos, nas palavras de São Paulo: "tudo é permitido, mas nem tudo me convém".

Politeísmo e monoteísmo

A terceira linha de raciocínio examina a relação de Deus consigo mesmo ou a de Deus com a Divindade. Dela decorrem as concepções politeístas e monoteístas. O politeísmo concebe Deus como diferente da divindade, assim como um homem é diferente da humanidade. Portanto, podem existir muitos deuses.

As doutrinas que admitem qualquer distinção entre Deus e a divindade têm em mente que esta pode ser compartilhada por muitos entes. O próprio Aristóteles, o da "causa primeira", acreditava que a demonstração da existência de um primeiro motor servia também para a existência de tantos motores quanto são os movimentos das esferas celestes, que eram 47 ou 55, respectivamente ao ponto de vista de dois astrônomos em quem o filósofo acreditava.

Além disso, é interessante notar que Plotino - aquele que falava acerca de um Deus que se emana no mundo - não identificava unidade com unicidade. A unidade também contém a multiplicidade para o sábio neoplatônico. Premissa maior: Deus é uno. Premissa menor: Todas as coisas dele emanam. Conclusão: Deus não é único. Um silogismo perfeito.

Também não se pode deixar de destacar o fato de o politeísmo não se restringir ao paganismo da Antiguidade. O panteísmo de filósofos modernos ou contemporâneos não deixa de ser um politeísmo. O empírico escocês David Hume (1711-1776) atribuiu valor positivo ao politeísmo, que é um verdadeiro obstáculo à intolerância religiosa. Se há muitos deuses na minha religião, seria uma contradição eu me opor aos deuses de outras crenças religiosas (repare na atualidade dessa ideia, num mundo como o nosso em que o fanatismo se transforma em terríveis espetáculos terroristas).

São Tomás de Aquino

Por outro lado, quando se identificam Deus e divindade, sendo esta uma característica que só se pode atribuir ao próprio Deus, eis o monoteísmo, advogado pelo filósofo cristão Tomás de Aquino (1227-1274), na "Suma Teológica", uma obra célebre. Segundo São Tomás, também chamado de "doutor angélico", aquilo que torna algo singular, único, não é comunicável a outras coisas.

Mais ainda, aquilo que torna Sócrates homem não se confunde com aquilo que torna Sócrates somente o homem que ele, e mais ninguém, é. Do contrário, não poderia haver mais de um Sócrates ou mais de um homem. Ora, esse é precisamente o caso de Deus. Além disso, como a divindade é incomunicável, ela não pode ser compartilhada por mais de um Deus. Conclusão: há um só Deus (Sua trindade é um mistério impenetrável).

Essas considerações sobre o monoteísmo e o politeísmo devem levá-lo a filosofar um pouco: politeísmo não é a manifestação de mentalidades primitivas, em termos culturais, como se costuma pensar. Ele se apresenta mais como uma alternativa filosófica legítima, que talvez ajude a inovar o conceito de Deus.

O acesso a Deus

Finalmente, na quarta relação - do acesso do homem a Deus - também se distinguem três pontos de vista: a) o conhecimento de Deus é alcançado pela iniciativa do homem, através da filosofia, da especulação racional sobre Deus; b) o conhecimento só se dá através da revelação divina; c) a revelação é a conclusão do esforço do homem para chegar a Deus.

Sem dúvida, o primeiro ponto de vista é o mais filosófico, enquanto os outros são mais religiosos. Mesmo assim, o princípio de que a revelação não anula nem inutiliza a razão está na base de toda a filosofia escolástica da Idade Média. No Renascimento, a revelação inspira e sustenta a racionalidade. Fé e razão colaboram entre si, não são uma antítese.

No séculos 16, 17 e 18, foi feita progressivamente uma distinção entre a ideia de revelação histórica e revelação natural, que ocorre através da razão. No Romantismo, a revelação é uma manifestação de Deus na realidade natural e histórica, como pensaram Hegel e Schelling (1775-1854). O filósofo e político italiano Vincenzo Gioberti (1801-1852) considera como base do conhecimento a intuição, que, segundo ele, é a revelação imediata de Deus ao homem.

A cifra da transcendência 

Contemporaneamente, o ateísmo ganhou força, mais no âmbito científico do que filosófico. Grande parte das reflexões filosóficas atuais, quando não cristãs, têm caráter panteísta. Apesar de se tratar de um conceito datado do século 18, há quem fale mais recentemente num panenteísmo, uma conciliação entre o monoteísmo e o panteísmo, que admite que tudo o que existe, existe em Deus, consistindo em revelação e realização de Deus.


Para terminar, é bom lembrar de linhas de pensamento que põem ênfase na transcendência de deus. Para Karl Jaspers (1883-1969) a inatingibilidade de Deus, o fracasso inevitável do homem em sua tentativa de alcançar a transcendência é a única revelação possível. Esta é o que ele chama de a "cifra" da transcendência, o símbolo sob o qual o transcendente pode estar presente na existência humana, sem adquirir caracteres objetivos, e, simultaneamente, sem fazer parte da nossa vida subjetiva.





É, a mágica se desdobra.
Mozart, se visse esta escrita de sua sinfonia,por certo também amaria. E vivam os autores desta maravilha!

Barbara Bonney "Ach, Ich Fühl's" Wolfgang Amadeus Mozart

De novo a beleza se impõe e se iguala à voz dos anjos

Barbara Bonney - Et incarnatus est

Mozart

Mozart
Meu Amor!

domingo, 4 de julho de 2010

SOM da "Partícula de Deus"

Som da "Partícula de Deus"

Cientistas tentam recriar som da "Partícula de Deus"

Cientistas tentam recriar som da
O processo de transformar dados científicos em sons é chamado sonificação. Até o momento, a equipe de Asquith havia criado diversas simulações baseadas em previsões do que aconteceria durante as colisões no LHC.[Imagem: CERN]

Sons de Deus?
Cientistas simularam o som de partículas subatômicas produzidas no Grande Colisor de Hádrons (LHC), na Suíça.
O objetivo é facilitar a identificação da chamada "partícula de Deus" - o bóson de Higgs - cuja existência ainda não foi confirmada, mas que, segundo teorias, daria massa a todas as outras.
A cientista Lily Asquith coordenou a equipe que desenvolveu o modelo que transforma dados do gigantesco experimento Atlas, no LHC, em sons.

O experimento mostra que "ouvir os dados" tem uma função prática, muito além de um significado poético. Carl Sagan explorou o tema em seu livro Contato, em que a cientista prefere "ouvir" as transmissões vindas do espaço do que confiar nas análises precisas feitas pelos computadores.
"Se a energia estiver perto de você, você ouve um som grave, e se estiver mais longe, mais agudo", disse Asquith.





Colisões de prótons
O colisor é um projeto bilionário construído na fronteira entre a França e a Suíça para tentar responder algumas perguntas fundamentais para a física.
O experimento acontece em um túnel circular de 27 quilômetros de comprimento, repleto de imãs que "conduzem" prótons pelo imenso anel.
Em certos pontos do trajeto, os feixes de prótons mudam de trajetória e se chocam em quatro experimentos, que são minuciosamente monitorados pelos cientistas.
É nessas colisões que os estudiosos esperam encontrar novas partículas subatômicas, como o bóson de Higgs, que ajudariam a entender a origem do Universo.



Sonificação
Atlas é um dos quatro experimentos do colisor. Um instrumento batizado de calorímetro é usado para medir energia e é composto de sete camadas concêntricas.
Cada uma dessas camadas é representada por um tom diferente, dependendo da quantidade de energia contida nele.
O processo de transformar dados científicos em sons é chamado sonificação. Até o momento, a equipe de Asquith havia criado diversas simulações baseadas em previsões do que aconteceria durante as colisões no LHC.
Só agora eles começaram a utilizar dados de experimentos reais.


Sons de dados
"Quando você ouve as sonificações, na realidade, o que você está ouvindo são dados. Elas são fiéis aos dados e dão informações sobre os dados que não seriam possíveis de se obter de qualquer outra maneira", disse Archer Endrich, um desenvolvedor de software que trabalha no projeto.
Pela sonificação, os cientistas esperam poder identificar diferenças sutis para detectar novas partículas.
Um compositor envolvido com o projeto, Richard Dobson, destacou ter ficado impressionado com a musicalidade das colisões.

"É possível ouvir estruturas claras nos sons, quase como se tivessem sido compostas. Cada uma parece contar uma pequena história. São tão dinâmicas e mudam o tempo todo, que se parecem muito com as composições contemporâneas", disse o músico.

Atlas era um dos titãs da mitologia grega, condenado para sempre a sustentar os céus sobre os ombros. Aqui, Atlas é um dos quatro gigantescos detectores que farão parte do maior acelerador de partículas do mundo, o LHC, que está em fase adiantada de testes e deverá entrar em operação nos próximos meses.
LHC é uma sigla para "Large Hadron Collider", ou gigantesco colisor de prótons. Parece difícil exagerar as grandezas desse laboratório que está sendo construído a 100 metros de profundidade, na fronteira entre a França e a Suíça. A estrutura completa tem a forma de um anel, construída ao longo de um túnel com 27 quilômetros de circunferência.

As partículas são aceleradas por campos magnéticos ao longo dessa órbita de 27 Km, até atingir altíssimos níveis de energia. Mais especificamente, 7 trilhões de volts. Em quatro pontos do anel, sob temperaturas apenas levemente superiores ao zero absoluto, as partículas se chocam, produzindo uma chuva de outras partículas, recriando um ambiente muito parecido com as condições existentes instantes depois do Big Bang.
Nesses quatro pontos estão localizados quatro detectores. O Atlas, mostrado na foto nas suas etapas finais de montagem, é um deles. O Atlas, assim como o segundo detector, o CMS ("Compact Muon Detector"), é um detector genérico, capaz de detectar qualquer tipo de partícula, inclusive partículas ainda desconhecidas ou não previstas pela teoria. Já o LHCb e o ALICE são detectores "dedicados", construídos para o estudo de fenômenos físicos específicos.

Bóson de Higgs
Quando os prótons se chocam no centro dos detectores as partículas geradas espalham-se em todas as direções. Para capturá-las, o Atlas e o CMS possuem inúmeras camadas de sensores superpostas, que deverão verificar as propriedades dessas partículas, medir suas energias e descobrir a rota que elas seguem.
O maior interesse dos cientistas é descobrir o Bóson de Higgs, a única peça que falta para montar o quebra-cabeças que explicaria a "materialidade" do nosso universo. Por muito tempo se acreditou que os átomos fossem a unidade indivisível da matéria. Depois, os cientistas descobriram que o próprio átomo era resultado da interação de partículas ainda mais fundamentais. E eles foram descobrindo essas partículas uma a uma. Entre quarks e léptons, férmions e bósons, são 16 partículas fundamentais: 12 partículas de matéria e 4 partículas portadoras de força.

A Partícula de Deus
O problema é que, quando consideradas individualmente, nenhuma dessas partículas tem massa. Ou seja, depois de todos os avanços científicos, ainda não sabemos o que dá "materialidade" ao nosso mundo. O Modelo Padrão, a teoria básica da Física que explica a interação de todas as partículas subatômicas, coloca todas as fichas no Bóson de Higgs, a partícula fundamental que explicaria como a massa se expressa nesse mar de energias. É por isso que os cientistas a chamam de "Partícula de Deus".

O Modelo Padrão tem um enorme poder explicativo. Toda a nossa ciência e a nossa tecnologia foram criadas a partir dele. Mas os cientistas sabem de suas deficiências. Essa teoria cobre apenas o que chamamos de "matéria ordinária", essa matéria da qual somos feitos e que pode ser detectada por nossos sentidos.

Mas, se essa teoria não explica porque temos massa, fica claro que o Modelo Padrão consegue dar boas respostas sobre como "a coisa funciona", mas ainda se cala quando a pergunta é "o que é a coisa". O Modelo Padrão também não explica a gravidade. E não pretende dar conta dos restantes 95% do nosso universo, presumivelmente preenchidos por outras duas "coisas" que não sabemos o que são: a energia escura e a matéria escura.

É por isso que se coloca tanta fé na Partícula de Deus. Ela poderia explicar a massa de todas as demais partículas. O próprio Bóson de Higgs seria algo como um campo de energia uniforme. Ao contrário da gravidade, que é mais forte onde há mais massa, esse campo energético de Higgs seria constante. Desta forma, ele poderia ser a fonte não apenas da massa da matéria ordinária, mas a fonte da própria energia escura.

Em dois ou três anos saberemos se a teoria está correta ou não. Ou, talvez, nos depararemos com um mundo todo novo, que exigirá novas teorias, novos equipamentos e novas descobertas.

 som de 'partícula de Deus'

O bóson de Higgs daria massa a outras partículas
Cientistas simularam o som de partículas subatômicas produzidas no Grande Colisor de Hádrons (GCH), na Suíça. 

O objetivo é facilitar a identificação da chamada "partícula de Deus" – o bóson de Higgs – cuja existência ainda não foi confirmada, mas que, segundo teorias, daria massa a todas as outras.
A cientista Lily Asquith coordenou a equipe que desenvolveu o modelo que transforma dados do gigantesco experimento Atlas, no GCH, em sons.
"Se a energia estiver perto de você, você ouve um som grave, e se estiver mais longe, mais agudo", disse Asquith.

O colisor é um projeto milionário construído na fronteira entre a França e a Suíça para tentar responder algumas perguntas fundamentais para a física.
O experimento acontece em um túnel circular de 27 quilômetros de comprimento, repleto de imãs que "conduzem" partículas de prótons pelo imenso anel.

LHC
O LHC operou pela primeira vez em setembro de 2008
Em certos pontos do trajeto, os feixes de prótons mudam de trajetória e se chocam em quatro experimentos, que são minuciosamente monitorados pelos cientistas.
É nessas colisões que os estudiosos esperam encontrar novas partículas subatômicas, como o bóson de Higgs, que ajudariam a entender a origem do Universo.

Atlas é um dos quatro experimentos do colisor. Um instrumento batizado de calorímetro é usado para medir energia e é composto de sete camadas concêntricas.
Cada uma dessas camadas é representada por um tom diferente, dependendo da quantidade de energia contida nele.
O processo de transformar dados científicos em sons é chamado sonificação. Até o momento, a equipe de Asquith criou diversas simulações baseadas em previsões do que aconteceria durante as colisões no GCH.
Só agora, começaram a utilizar dados de experimentos reais.

"Quando você ouve as sonificações, na realidade, o que você está ouvindo são dados. Elas são fieis aos dados e dão informações sobre os dados que não seriam possíveis de se obter de qualquer outra maneira", disse Archer Endrich, um desenvolvedor de software que trabalha no projeto.
Pela sonificação, os cientistas esperam poder identificar diferenças sutis para detectar novas partículas.
Um compositor envolvido com o projeto, Richard Dobson, destacou ter ficado impressionado com a musicalidade das colisões.

"É possível ouvir estruturas claras nos sons, quase como se tivessem sido compostas. Cada uma parece contar uma pequena história. São tão dinâmicas e mudam o tempo todo, que se parecem muito com as composições contemporâneas", disse o músico.
Fonte:INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?
artigo=som-da-particula-deus&id=010150100623
BBC-Brasil- BBC - 23/06/2010

O que é Geometria Sagrada?

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Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.Sejam abençoados todos os seres.
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