sexta-feira, 1 de julho de 2011

MERLEAU-PONTY,SARTRE E HEIDEGGER - TRÊS CONCEPÇÕES DE FENOMENOLOGIA



Merleau-Ponty, Sartre e Heidegger: 
três concepções de fenomenologia, 
três grandes filósofos



Rafael Ramos GonçalvesI;
Fernanda Alt Fróes GarciaII
Jurema de Barros DantasIII
Ariane P. EwaldIV
RESUMO
Este artigo expõe três concepções da fenomenologia, todas elas provenientes da fenomenologia de Husserl. Primeiramente, pretendemos mostrar que, ao enfatizar a percepção, Merleau-Ponty reconduziu a Psicologia às suas origens. Posto que ela deriva da Filosofia, cujo nascedouro é o mundo sensível, este filósofo parece sugerir que o amor ao saber/perceptivo é imprescindível aos que exercem a “ciência da alma”. 

Sartre, no seu encontro com a Fenomenologia, parte da intencionalidade como pressuposto fundamental para uma concepção de consciência que foge a noções substancializadas. 

A busca de uma “filosofia concreta” encontra ali a raiz necessária para seu florescimento em direção a uma filosofia da contingência. No bloco final, a Fenomenologia hermenêutica de Heidegger aparece em sua possibilidade de relação com a psicoterapia. Neste texto a Fenomenologia é apresentada como uma postura que considera o modo de ser do homem, a existência, sempre em jogo no tempo.

Palavras-chave: Fenomenologia, Merleau-Ponty, Sartre, Heidegger, Hermenêutica.      

1. Considerações sobre a Fenomenologia
Reconhecida como uma das mais notáveis manifestações filosóficas do século XIX, a Fenomenologia formulada por Edmund Husserl desperta ainda grande interesse por parte de profissionais e pesquisadores dos mais diferentes campos do conhecimento.

A Fenomenologia, acentuadamente, 
tem exercido uma influência considerável
no pensamento filosófico e científico contemporâneo. 

Diversos filósofos se inspiraram nas intuições de Husserl e em seu projeto, e teceram, com suas reflexões próprias, novos caminhos e compreensões para a fenomenologia. Martin Heidegger, Merleau-Ponty, Jean-Paul Sartre, Emmanuel Lévinas, Paul Ricoeur, entre outros, foram alguns dos pensadores que se permitiram afetar por este “movimento”, o qual se situa no seio de uma tradição filosófica cujo eixo central é a dimensão contemplativa do homem. 

A Fenomenologia, desde Husserl até os seus desdobramentos atuais, pode se apresentar como fértil contribuição às Ciências Humanas. Muitos profissionais e pesquisadores, sobretudo no âmbito das ciências humanas, têm, com efeito, buscado na fenomenologia um suporte, uma inspiração, subsídios metodológicos ou, até mesmo, um parceiro de diálogo, visando à auto-reflexão crítica, responsável pelo clima de mais rigor nas investigações e compreensão da realidade.

A obra de Edmund Husserl criou toda uma revolução nas perspectivas de produção do conhecimento na Civilização Ocidental. Husserl partiu de uma crítica da metafísica, e de uma crítica do positivismo, para constituir uma abordagem epistemológica e uma ontologia fundamentadas não em pressupostos teóricos, mas na própria vivência de consciência pré-reflexiva do sujeito cognoscente, em sua correlação intrínseca com o mundo. 

Elege assim a vivência de consciência pré-reflexiva do sujeito cognoscente como o critério de produção do conhecimento. É contra o psicologismo, contra o pragmatismo, contra uma etapa do pensamento ocidental que a fenomenologia refletiu e combateu. 

O pensamento científico-natural, ou seja, os estudos das ciências da natureza eram fortemente impregnados pela influência dos modelos galileicos e newtonianos da física. Não tardou a tais influências também incidirem sobre os domínios da biologia e da fisiologia.

A psicologia, que há muito buscava seu estatuto de cientificidade, tem na psicologia fisiológica de Wundt o almejado caminho que poderia distanciá-la dos domínios da filosofia da consciência, conduzindo-a para sua autonomia científica. Fortifica-se a partir de então o pensamento em uma psicologia tida como uma ciência da consciência.
 
Ao primar os fatos observáveis, e por isso mensuráveis, a psicologia passava também a estar em perfeita sintonia com o positivismo, assim como todas as ciências da época. Com a filosofia não foi diferente e os argumentos positivistas direcionavam a busca de uma teoria do conhecimento. A teoria kantiana ganha uma nova roupagem com o movimento denominado neo-kantianismo, direcionada desta feita para a busca de uma ciência da consciência, que desse conta da estrutura do conhecimento. 

Esta valorização do estudo da consciência, tanto pela psicologia quanto pela filosofia, faz com que a psicologia científica, neste caso positivista, seja elevada a ciência básica da filosofia e de todos os outros campos de conhecimento. Nasce assim o “psicologismo” que será futuramente um dos principais conceitos criticados por Husserl.

A fenomenologia será uma ciência rigorosa, mas não exata. Que procede por descrição e não por dedução. Ela se ocupa dos fenômenos vividos da consciência a partir de um conceito que é fundamental nesta tentativa de relançar a temática da percepção - a consciência intencional.  O princípio da intencionalidade é que a consciência é sempre “consciência de alguma coisa”, que ela só é consciência estando dirigida para um objeto.

Bem como o objeto só pode ser definido em sua relação com a consciência, na medida em que ser objeto é sempre ser objeto para um sujeito. Poderemos falar então, já inspirados em Brentano, de uma existência intencional do objeto na consciência. Por sua vez, isto não quer dizer que o objeto está inserido na consciência como que dentro de um recipiente, mas que só há sentido de objeto para uma consciência, que nunca esgotaremos as possibilidades de sentido do objeto, que sua essência é sempre o termo de uma visada de significação e que sem tal visada não se poderia falar de objeto nem de uma essência de objeto.

Isto significa que as essências não têm existência própria, que as essências não têm existência alguma fora do ato de consciência que as visa e do modo pelo qual ela os apreende na intuição. Sendo assim, se o objeto é sempre objeto para uma consciência, ele não será jamais objeto em si, mas objeto-percebido, pensado, experienciado.

Consciência e objeto não são, 
com efeito, duas entidades separadas na natureza, 
que num segundo momento entrariam em relação. 

Pelo contrário, consciência e objeto se definem respectivamente a partir desta correlação que, podemos dizer, é co-originária. Se consciência é sempre consciência de algo e se o objeto é sempre objeto para consciência, é inconcebível que possamos sair dessa correlação, já que fora dela, não haveria consciência nem objeto. 

Segundo Dartigues (1973, p. 23), assim se define o campo de análise da fenomenologia: “ela deve elucidar a essência dessa correlação na qual não somente aparece tal ou qual objeto, mas se estende ao mundo inteiro”.
Husserl chamará noesis a atividade da consciência e noema ao objeto constituído por essa atividade, entendendo que se trata de um mesmo campo de análise, no qual a consciência aparece como se projetando para fora de si mesma em direção ao seu objeto e o objeto como se referindo sempre aos atos da consciência:

Para Husserl, a consciência se define essencialmente em termos de intenção voltada para um objeto. Perceber não é receber sensações na psique. Não nos é possível separar fenômeno e coisa em si. O fenômeno é conhecido diretamente, sem intermediários, ele é objeto de uma intuição originariamente doadora (CAPALBO, 1987, p.14).
Quando paramos para pensar num ato de percepção, como por exemplo ver uma casa na rua, geralmente dividimos tal percepção em duas partes. Pensamos que há um objeto casa, que existe empiricamente na rua, e, em relação a ela, uma imagem representada da casa “dentro” da consciência do sujeito. 

Temos assim duas casas, uma casa em-si, na rua, e outra representada por um sujeito. Para a fenomenologia esse modo usual de compreender a percepção parece equivocado, pois não se pode saber nada de uma casa em-si ou muito menos sobre supostas casas representadas por um sujeito porque “todo objeto é sempre objeto-para-uma consciência e nunca objeto em-si e toda consciência é sempre consciência-de-um-objeto e nunca consciência ‘vazia’”, como indica Sá (2004, p.1).

O ser em si não se esconde atrás das aparências ou do fenômeno, mas a percepção do real só pode ser apreendida em perspectiva, em perfis. É a finitude irremediável da percepção.  

É da essência do percebido,
não poder ser objeto da exploração exaustiva, 
mas sim de desvelar-se progressivamente
e de ser apreendido em perspectiva”. 
(CAPALBO,1987,p.15).

Acreditamos que, na sua originária volta ao que é efetivamente vivido, ou o retorno às coisas mesmas, a fenomenologia tem muito a contribuir para o campo da Psicologia. 

A fenomenologia husserliana é, sem dúvida, em primeiro lugar, uma atitude ou postura filosófica e, em segundo lugar, um movimento de idéias, com método próprio, visando sempre o rigor radical do conhecimento. Considerar o fenômeno na sua pureza absoluta foi a única forma como pareceu possível a Husserl começar por um fundamento inteiramente radical, em busca da construção de uma filosofia de absoluto rigor científico.

Na visão do fenômeno puro, 
o objeto não está fora do conhecimento,
fora da consciência.

Ele apresenta-se, ao mesmo tempo, como autoposição absoluta do que é puramente visto. Esta intuição originária é, para Husserl, a característica fundamental da verdadeira evidência.
 
A fenomenologia husserliana será, portanto o estudo dos fenômenos puros ou absolutos, isto é, uma fenomenologia pura. Trata-se de um método derivado de uma atitude, que se presume ser absolutamente sem pressupostos, tendo como objetivo proporcionar ao conhecimento filosófico as bases sólidas de uma ciência de rigor, com evidência apodítica. 

A fenomenologia implica uma reflexão racional e,
portanto, pretende descrever fielmente os fenômenos, 
considerados como meros aparecimentos na consciência. 

Não se trata assim de uma descrição dedutiva, passando do efeito à causa para buscar uma significação outra, mais profunda. Proceder assim seria atestar que ainda não se estaria começando pelo fundamento último. A fenomenologia será caracteristicamente analítica ou descritiva, atendendo simplesmente àquilo que se manifesta, fomentando para este efeito uma atitude particularmente apta a apreender a realidade na sua plenitude.

Sem ter a pretensão de negar a realidade do objeto em si, Husserl pretende considerar o objeto imanente em si mesmo, e, por conseguinte, desligá-lo da relação com o objeto em si.  Uma das idéias principais da fenomenologia é a de que “toda consciência é consciência de alguma coisa”. A intencionalidade da consciência já fora pensada por Brentano. 

Quer para Brentano, de tradição escolástica, quer para o idealismo, empirismo ou realismo, esta separação entre sujeito e objeto, entre consciência que percebe e objeto que é percebido, era um pressuposto básico e, por isto, o mundo existente para uma consciência só o era a título de representação.

Para Husserl, no entanto, a consciência se define essencialmente em termos de intenção voltada para um objeto. Perceber não receber sensações na psique. Não nós é possível separar fenômeno e coisa em si.

O fenômeno é conhecido diretamente, 
sem intermediários, ele é objeto de uma intuição
originariamente doadora.  

De acordo com Capalbo (1987), para a fenomenologia husserliana não há fenômeno que não seja fenômeno para uma consciência, não há consciência sem que ela seja consciência de algo, sem que ela seja determinada como uma certa maneira de visar os objetos, o mundo. Para toda modalidade da consciência intencional temos uma correspondência ou uma certa maneira do objeto se apresentar à consciência. 

A todo conteúdo visado, 
a todo objeto (noema), 
corresponde uma certa modalidade
da consciência (noesis). 

A fenomenologia não prioriza nem sujeito nem objeto, mas sim, a indissocialização de um aspecto e outro na própria estrutura da vivência da experiência intencional. Por esse prisma, é possível visualizar a superação da dicotomia sujeito-objeto, afirmando que toda consciência é intencional e, para Husserl, não há consciência desvinculada de um mundo para ser percebido e nem há mundo sem uma consciência para percebê-lo ou, melhor dizendo, não há “consciência pura”, apartada do mundo, como afirmam os racionalistas, uma vez que toda consciência tende para o mundo. 

Igualmente, não há objeto em si independente de uma consciência que o perceba, conforme a visão dos empiristas. Para a fenomenologia, o objeto é sempre para um sujeito que lhe atribui significado.

O ser em si não se esconde atrás das aparências ou do fenômeno, mas a percepção do real só pode ser apreendida em perspectivas, em perfis. É a finitude irremediável da percepção. É da essência do percebido não poder ser objeto da exploração exaustiva, mas sim de desvelar-se progressivamente e de ser apreendido em perspectiva. O objeto será alvo da descrição por parte da consciência, e nele se verá que existe um núcleo central invariante, que permanece ao longo de todas as variações imaginárias. Husserl chamará Eidos ou essência a essa estrutura invariante, cuja presença permanente define a essência do objeto.

A visão das essências é uma intuição, 

ou seja, um ato de conhecimento direto, sem intermediários, que nos põe em presença, que desvela o objeto tal como aparece para o sujeito ingênuo. Ele chamará de intuição doadora este ver que constitui seus objetos. Conhecer é ver, colocar-se à distância dos objetos, dirigir-se a eles e visá-los progressivamente.

A relação entre sujeito e objeto não é, então, uma relação entre duas realidades externas independentes, mas sim entre dois pólos correlativos da relação intencional na consciência. Perceber um objeto é intencioná-lo e torná-lo significativo. 

O chamado ego transcendental 
é visto, portanto, como o fundamento, 
a origem, de toda significação. 
Ele é doador de intenção e de significação. 

Logo, a fenomenologia husserliana pretendia liberar o nosso olhar para a análise do vivido, das experiências puramente vivenciais.
 
E, esse vivido não poderia ser definido,
mas apenas descrito. 

Com base nestas argumentações, a fenomenologia questionou a filosofia positivista do século XIX pelo acento dado à viabilidade de um conhecimento exato, objetivo e neutro, obtido por meio das ciências naturais, que atribuem ao método experimental o único caminho válido para investigar a verdade.

Husserl (1945) criticou também o naturalismo, que permeou tanto a filosofia quanto a Psicologia, por ter nivelado os fenômenos psíquicos aos fatos naturais, argumentando que a ciência natural lida com fatos observáveis, isto é, com seres e acontecimentos que, em condições especiais de laboratório, podem ser submetidos a observações controláveis. Os resultados obtidos no decorrer deste processo evidenciam seu modo de ser no mundo, cujo produto do experimento pode ser repetido, medido e classificado. 

Desde que se obedeça às mesmas condições de controle, obteremos os mesmos resultados. Essa especificidade do método experimental não encontrará ressonância quando o objeto de estudo for o próprio homem. Sendo assim, Husserl defendeu a construção de uma Psicologia eidética, cujo objetivo era o domínio das evidências originárias, ou seja, a revelação do objeto em seu ser ou sua essência, permitindo a análise das experiências vividas pelo homem.

A Fenomenologia possibilitou à Psicologia uma nova postura para inquirir os fenômenos da existência, já que procura abordá-los a partir daquilo que se manifesta por si mesmo, não se preocupando em explicá-los a partir de conceitos prévios, crenças ou afirmações, mas sim, pretende abordá-lo diretamente, interrogando-o, tentando descrevê-lo e procurando captar sua essência.

A fenomenologia se apresenta 
como uma postura mantida 
por aquele que indaga. 

A fenomenologia propõe um caminho diferente do método experimental utilizado pelas ciências naturais, que muito influenciaram a psicologia experimental, ou ainda, distante do método materialista histórico dialético, cuja presença ainda se faz sentir num número elevado de pesquisas não só no campo da Psicologia como também em outras áreas do conhecimento. Na realidade, a fenomenologia busca a compreensão de um fenômeno, baseando-se na premissa de que o homem é sujeito e objeto do conhecimento e vivencia intencionalmente sua existência, atribuindo-lhe sentido e significado. 

2. Merleau-Ponty e o primado da percepção
A fenomenologia tem por vocação original a tarefa de suprir a ausência de considerações sobre a realidade concreta dos sujeitos, operando o retorno ao mundo-da-vida, no qual estamos enredados.  No caso de Merleau-Ponty, o contato com as descobertas científicas de sua época permitiu-lhe abordar este nível fundamental das experiências com um rigor simultaneamente filosófico e científico, pondo em evidência o funcionamento da percepção, núcleo de sua filosofia. 

Embora tenha se envolvido com temáticas específicas da fisiologia, psicologia e psicopatologia, o privilégio da percepção testemunha sua ligação com a fenomenologia, pois foi esta que o impulsionou a uma meticulosa análise do modo como a experiência se dá a um sujeito, fundamentando a exigência do compromisso com a existência concreta das pessoas. 

Uma filosofia enraizada na existência 
é possível porque nada do que somos e fazemos
pode prescindir dos atos perceptivos. 

A fenomenologia serve, pois, para desenvolver uma renovação da própria psicologia, a partir dos seus métodos. Um dos aspectos importantes, destacados pelo próprio filósofo para justificar o recurso à fenomenologia no estudo psicológico, é a contestação da opinião segundo a qual a consciência seria composta por um agregado de impressões sensoriais. Ele encontrou na fenomenologia uma possibilidade de revisar as noções de consciência e sensação, concebendo, assim, um novo modo de entender as operações da consciência.

O filósofo ensina que o corpo 
não é um mero autômato, sujeito às forças externas,
tampouco o abrigo de uma consciência pura
capaz de controlá-lo.

Ele tenta mostrar que o organismo reage mais a “constelações” de estímulos do que a elementos isolados. Mesmo os comportamentos animais orientam-se a um sentido dado pela situação em que se encontra, articulada ao finalismo instintivo, que confere, desde o interior do organismo, uma predisposição a determinado estilo de relacionamento com o meio.

Aspectos semelhantes são observados no funcionamento cerebral. As pesquisas mais recentes sobre o funcionamento do sistema nervoso já lhe indicavam que não existe relação unívoca entre conduta e substrato orgânico cerebral. Não há, portanto, para cada conduta, uma região específica do cérebro que a produza. 

Tudo se passa como se houvesse uma fusão 
entre o “psíquico” e o “corporal”, 
dificultando o estabelecimento 
de limites nítidos entre eles. 

Se as investigações sobre o psiquismo conduziram o filósofo ao funcionamento do sistema nervoso e indicaram os limites das teorizações acerca dele, isto não implica que os fenômenos psicológicos sejam independentes do corpo. A estrutura orgânica é necessária aos fenômenos psíquicos, mas não são suficientes para explicá-los. Por este motivo, a conduta perceptiva vai se tornar um paradigma em sua filosofia, pois a percepção emerge precisamente destas relações com a situação, as quais não são, para ele, objeto de um puro sujeito do conhecimento, mas produto da ação de um sujeito no mundo, em seu ser-corporal (MERLEAU-PONTY, 2000).

Entre as contribuições científicas consultadas, merecem destaque os trabalhos da Gestalttheorie, realizados por Köhler e Kofka. Ao contrário das correntes psicológicas que a antecederam, a Psicologia da Gestalt – como ficou conhecida – não considerava que os dados primeiros da consciência são as sensações individuais, as quais ativariam regiões específicas do aparelho sensorial.

De acordo com esta concepção, a qualidade subjetiva dos dados é resultado de operações mentais nas quais se associam memória, saber e julgamento, responsáveis pela forma coerente dos estímulos, originalmente dispersos. Para Merleau-Ponty (1990), a novidade da Psicologia da Gestalt é que ela reputa à estrutura da percepção o que as demais escolas atribuíam à faculdade intelectual. 

O conceito de Gestalt diz respeito a 

 “uma organização espontânea
do campo sensorial que faz depender 
os pretensos ‘elementos’ do ‘todo’, 
articulados em todos mais extensos”
(MERLEAU-PONTY, 1990, p.24). 

O fato de que as conclusões da Gestalttheorie contestavam as teses sobre a relação entre consciência e experiência sensível, vigentes naquele período, foi um motivo relevante para o tratamento filosófico das questões psicológicas. Faz-se necessário, então, demonstrar de que modo a noção de estrutura, extraída da Psicologia da Gestalt, adquire importância filosófica no desenvolvimento de uma nova compreensão do comportamento humano. 

1. O objetivo de seu estudo sobre a estrutura do comportamento, no início dos anos 40, era compreender as relações entre consciência e a natureza orgânica, psicológica, ou mesmo social. Sua metodologia consistiu num desenvolvimento do trabalho partindo de “baixo”, isto é, tendo como ponto de partida a noção de comportamento, por considerá-la “neutra com relação às distinções clássicas do ‘psíquico’ e do ‘fisiológico’” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.3) servindo, assim, ao seu propósito de redefinir estes dois conceitos de maneira unificada, aproveitando-se do comportamento – elemento comum entre ambos – para realizar este propósito.

Uma de suas tarefas era resolver a oposição entre racionalismo e empirismo. O primeiro considera que a razão é responsável pela organização da experiência, sendo preponderante sobre o conteúdo empírico.

O empirismo desloca a ênfase para a experiência
, considerando que as idéias não precisam 
de um princípio organizador transcendente,
pois se associam espontaneamente.

Merleau-Ponty tentou mostrar que as duas tendências não precisam se anular mutuamente. Ao contrário, era preciso indicar que a sensibilidade já possui uma inteligibilidade, isto é, um sentido imanente, de modo que a razão e o empírico não se opõem. Há razão na experiência sensível, e há o sensível na razão. Por este motivo ele busca, na percepção, um meio para tentar problematizar a oposição entre subjetivo e objetivo.

As descobertas dos gestaltistas questionavam as teses do Behaviorismo e do Atomismo quanto à pretensão de apoiarem os estudos psicológicos nas leis oriundas da ciência dos fenômenos físico-químicos, de modo que os eventos de ordem subjetiva ficavam reduzidos aos termos da física ou da fisiologia. 

Nestes moldes teóricos, a compreensão da experiência está inscrita na estrutura fisiológica do comportamento, e o âmbito psicológico deve ser tratado, conseqüentemente, como produto de fenômenos que lhe são extrínsecos. A fisiologia e suas leis de funcionamento tornam-se, assim, a referência maior na investigação dos eventos psicológicos, e a verdade da experiência fica atrelada à estrutura orgânica.

Merleau-Ponty vai destacar a importância de questionar as teses científicas sobre o papel da estrutura orgânica na compreensão dos comportamentos humanos, especialmente as premissas sobre o funcionamento do sistema nervoso. Trata-se, fundamentalmente, de questionar a aplicação das leis de causalidade ao comportamento humano. 

O significado do termo estrutura, obtido das experiências da Psicologia da Gestalt, tem um papel importantíssimo na condução de sua crítica. É a noção de estrutura que lhe permitirá fundar uma nova compreensão sobre os processos fisiológicos e sua influência na vida dos sujeitos, desfazendo dualismos como corpo-espírito, sujeito-objeto, homem-mundo. Entendida como fusão entre idéia e existência, a estrutura permite superar as dificuldades apresentadas por certas explicações de fenômenos psicológicos pautadas na fisiologia.

Ele se opôs a distância estabelecida entre os dados objetivos e os aspectos da experiência que escapam à objetivação, em virtude de sua ambigüidade. Merleau-Ponty acredita que a estrutura “é significação encarnada” (CHAUÍ, 2002, p.225), que varia em função das dimensões de realidade, a qual repercute na própria subjetividade. Isto porque o

“sujeito que percebe já está engajado 
no ser por campos perceptivos de sentidos,
mais geralmente um corpo que é feito para explorar o mundo”
(MERLEAU-PONTY, 1969/1974, p.133, grifo do autor) 

Marilena Chauí (2002) nos oferece uma síntese valiosa sobre a influência que a noção de estrutura adquire nas considerações de Merleau-Ponty sobre o comportamento:

A noção de comportamento é filosoficamente estratégica porque, além de não trazer em si mesma a distinção entre o ‘físico’, o ‘psíquico’ e o ‘orgânico’, também é usada em física, biologia e psicologia, permitindo redefinir as próprias idéias de físico, vital e psíquico. Ademais, nos três empregos está referida a noção de estrutura e torna possível um tratamento dialético e não causal do comportamento (p.246, grifo nosso).
Considerar o comportamento a partir da noção de estrutura significa afirmar que ele é uma “totalidade auto-regulada de relações dotadas de finalidade imanente” (CHAUÍ, 2002, p.246), ou seja, composto de diferenças e relações internas, o que afasta a idéia de um processo composto de partes isoladas umas das outras e regidas por algum tipo de causalidade.

Cada parte só pode ser analisada 
em referência às demais.

Merleau-Ponty notou que este modo de funcionamento era adequado a uma compreensão do funcionamento do sistema nervoso que dispense o princípio de causalidade.  A noção de estrutura não viola o caráter sistêmico do cérebro e suas ramificações, mas revela um novo modo de conceber a interação entre seus componentes.

Para o estudo do psiquismo, a estrutura introduz uma significativa mudança, pois ela se mostra como um significado que se constitui para a consciência na relação perceptiva com o mundo. 

O significado é captado pela consciência, 
mas esta não tem poder sobre a sua constituição 
(PINTO, 2007). 

O estudo sobre a estrutura do comportamento gerou a necessidade de investigar a percepção, pois Merleau-Ponty notou que a estrutura não é uma realidade física, mas objeto do ato perceptivo, o qual precisa ser estudado com mais rigor, dando continuidade, assim, às descobertas obtidas nas análises sobre o comportamento. 

Na Fenomenologia da Percepção, publicada em 1945, ele firma sua recusa de hipóteses que estabeleçam a estrutura anatômica como fundamento dos comportamentos. Desde A estrutura do comportamento o organismo não é concebido passivamente, os comportamentos não são efeitos desencadeados por causas fixadas pela estrutura orgânica, mas seu funcionamento é analisado em relação intrínseca com o meio, no qual o corpo atua, pelo sensível.
Neste segundo trabalho, considerado sua obra magna, o filósofo estuda as relações entre o sujeito, seu corpo e o mundo. 

A psicologia e fisiologia de sua época já ensinavam que o corpo não é como qualquer outro objeto do ambiente, mas o lugar onde a subjetividade pode ser revestida de uma situação física e histórica (MERLEAU-PONTY, 2000). É pelo corpo que sabemos o que acontece ao redor. São as posturas corporais que oferecem a cada momento uma noção de nossas relações com as coisas e outros corpos. Contudo, o corpo é mais do que um instrumento de ação no mundo, “ele é nossa expressão no mundo, a figura visível de nossas intenções” (MERLEAU-PONTY, 2000, p.39) de modo que os movimentos afetivos mais íntimos influenciam, em alguma medida, nossa percepção.

A percepção, deste modo, unifica as funções motoras e afetivas, e revela a importância de se voltar para a existência. A sensibilidade deixa de ser algo obscuro, sem importância para o conhecimento do sujeito. As coisas percebidas não são objetos cujas leis de constituição detemos, mas um certo estilo de desenvolvimento, um processo de elaboração que jamais é concluído. Perceber, diz o filósofo, 

“é tornar algo presente a si com a ajuda do corpo,
tendo a coisa sempre seu lugar
num horizonte de mundo e consistindo a decifração
em colocar cada detalhe nos horizontes 
perceptivos que lhe convenha” 
(MERLEAU-PONTY, 1990, p.93). 

Cada experiência fica aberta a uma nova possibilidade de realização, assim como o deslocamento em torno de uma escultura revela novas perspectivas, ao mesmo tempo em que oculta as demais. 

Assim, se remetemos o psiquismo à estrutura do comportamento (MERLEAU-PONTY, 2006, p.341) a consciência jamais é plena, mas está sempre “por fazer, ou seja, por realizar na existência” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.341). Neste sentido, a ênfase na percepção diminui a importância da consciência no estudo psicológico, colocando em seu lugar o corpo e a existência.

A partir de tais parâmetros a concepção de sujeito se modifica consideravelmente. Descobrimos que os atos subjetivos são igualmente objetivos porque a subjetividade se manifesta misturada aos vestígios do mundo natural ou cultural. Em outros termos, ela tem um corpo e uma história. O sujeito da percepção, portanto, é tributário de um 

“pacto, estabelecido em nosso nascimento,
entre nosso corpo e o mundo, 
entre nós mesmos e nosso corpo” 
 (MERLEAU-PONTY, 2000, p.41).

A análise do comportamento a partir da percepção também permite compreender que a liberdade não nega a situação em que nos encontramos, mas a emprega como meio de expressão. Se a constituição fisiológica obedece a uma intenção prescrita pela estrutura orgânica, podemos considerar que o mundo, ao qual a esfera psíquica está direcionada, pertence à ordem da história, enquanto abertura para novos acontecimentos. 

Além de termos de lidar com o a priori natural de nossa espécie, precisamos também nos haver com o a priori histórico e cultural que conforma a conduta social. E se não decidimos sobre a cor de pele, olhos e cabelo que teríamos ao nascer, tampouco o sujeito da história é capaz de criar o seu papel por inteiro (MERLEAU-PONTY, 1999).

Se as vestes, o amor e certos instrumentos são, eventualmente, expressões de necessidades biológicas, o a priori histórico do mundo cultural também possui uma forma contingente de se manifestar para nós. Donde se conclui que a história não é perpétua novidade nem repetição ininterrupta, mas um movimento que cria e dissolve formas estáveis:

O organismo e suas dialéticas monótonas não são portanto estranhos à história e como que inassimiláveis por ela. O homem concretamente considerado não é um psiquismo unido a um organismo, mas este vai-vém da existência que ora se deixa ser corporal e ora se dirige aos atos pessoais (MERLEAU-PONTY, 1999, p.130)
Os eventos psíquicos e fisiológicos podem articular-se porque não há movimentos corporais desprovidos de alguma intenção psíquica, e nem atos psíquicos que não estejam vinculados às condições fisiológicas:

“Um doente sente uma segunda pessoa 
implantada em seu corpo. 
Ele é homem em uma metade de seu corpo, 
mulher na outra metade.
Como distinguir nos sintomas as causas fisiológicas 
e os motivos psicológicos?”  
(MERLEAU-PONTY, 1999, p.131). 

Isto acontece porque a união entre o sujeito e o seu corpo “se realiza a cada instante no movimento da existência” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.131) e por isso não são elementos exteriores entre si, mas mutuamente realizados nos atos do sujeito.

Esta proposição é uma amostra da originalidade argumentativa deste filósofo. Apesar do esforço para “enraizar” a consciência na existência, ele conseguiu evitar a preferência por um objetivismo materialista ou pelo subjetivismo intelectualista. Conservando uma atitude dialética no tratamento das questões, não considerou que a filosofia ou a ciência fossem detentoras da verdade, mas promoveu o diálogo incessante entre ambas, expandindo-se para outros saberes como a arte, literatura, antropologia e psicanálise.

A percepção permitiu a este filósofo cumprir a tarefa primordial da fenomenologia: retornar às coisas mesmas. O uso que ele faz do método fenomenológico consiste na denúncia de que os experimentos científicos sobre o comportamento negligenciam a existência sensível, no qual seus postulados se apóiam:

“A percepção não é uma ciência do mundo, 
não é nem mesmo um ato, 
uma tomada de posição deliberada;
ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam
e ela é pressuposta por eles” 
(MERLEAU-PONTY, 1999, p.6). 

Tudo que as pesquisas científicas elaboraram está baseado na experiência vivida, fundada na percepção, “campo privilegiado do entrelaçamento corpo-mundo” (COELHO & CARMO, 1991, p.45).

A intencionalidade, isto é, a abertura para as coisas do mundo, que a fenomenologia tradicionalmente considera como propriedade da consciência, torna-se atributo do corpo na fenomenologia de Merleau-Ponty. Se o homem está comprometido com o mundo, não é mais pela consciência constituinte, mas pela percepção, a qual impede-nos de considerar o ser humano como totalmente livre, pois sua liberdade supõe um envolvimento com as coisas e pessoas, anterior a qualquer deliberação.

Esta concepção de liberdade tem conseqüências políticas em sua filosofia, pois, se reconhecemos que o mundo encontra-se dado quando nascemos, por outro lado, sempre haverá algo a fazer, novas possibilidades abertas por cada ato perceptivo que dirigimos a realidade. Esta nos solicita, sem dúvida, e muitas vezes sem termo consciência disso, mas juntamente com essa convocação revelam-se novas possibilidades de agir. Tanto a solicitação do mundo constituído quanto a possibilidade de responder de um novo modo são dados simultaneamente. 

Não há determinismo do corpo,
da cultura, mas tampouco escolha absoluta  
(MERLEAU-PONTY, 1999).

O interesse pela psicologia e também pela psicanálise acompanhará este filósofo até o fim de sua obra. Em 1960, por exemplo, ele participou do VI Colóquio de Bonneval, organizado por Henry Ey, e dedicado ao tema “O Inconsciente”. Como nos assinala Coelho & Carmo (1991) “Merleau-Ponty deve ser reconhecido como o primeiro fenomenólogo a pensar a questão do inconsciente sem preconceito” (p.50). 

A idéia de inconsciente o ajudou na elaboração de sua última obra – O Visível e Invisível – embora sua interpretação de tal conceito seja diferente da Psicanálise: “A dupla fórmula do inconsciente (‘eu não sabia’ e ‘sempre soube’) corresponde aos dois aspectos da carne, a seus poderes poéticos e oníricos” (MERLEAU-PONTY, 1969, p.140).

Assim, ele entende o inconsciente como propriedade do ato perceptivo, ou seja, articulação do campo de ação efetuado pela percepção, situando-o, portanto, na carne do mundo

Desde a Fenomenologia da Percepção já se verifica um afastamento do tema da consciência, passando-se gradualmente a suposição de uma consciência perceptiva, pré-reflexiva, isto é, in-consciente.

O Inconsciente, em sua filosofia,
é o sentir mesmo, a faculdade de perceber,
substituta da consciência. 

Ao contrário desta, a sensibilidade não é posse intelectual do mundo, mas despossessão de si em seu proveito. Por exemplo, quando se aperta a mão de alguém, captamos sua presença porque sua mão se coloca no lugar da nossa. O aperto de mão permite uma adesão do corpo de outrem ao nosso, como uma reflexão. Nossas mãos passam a co-existir, e o outro aparece como extensão desta co-presença de um corpo ao outro. Os dois pertencem à mesma intercoporeidade.

Merleau-Ponty encontra no corpo o meio de superar as dicotomias que dominavam a filosofia até então, pois somente ele é vidente e visível simultaneamente. Ao mesmo tempo toca e é tocado. O que encontramos no ato perceptivo, num primeiro momento, não é outro sujeito, mas uma “sensibilidade”, e, a partir disso, uma pessoa ou pensamento.

O corpo possibilita ao filósofo efetuar a síntese dos opostos, dissolvendo os dualismos sujeito/objeto, eu/outro, consciência/corpo. Para ele, o enigma da intersubjetividade só pode ser resolvido na experiência corporal, e por isso a fenomenologia da percepção tornou-se imprescindível em sua filosofia.
 
É no livro O Visível e Invisível onde se desenvolve de modo radical a proposta de resolver o problema da relação entre consciência, corpo e mundo. Ele assume a reversibilidade do sensível como solo primeiro das experiências e apresenta o corpo apresentado como simultaneidade do sujeito e do objeto no ato sensível. 

Trata-se, no entanto,  de uma reversibilidade iminente, pois jamais se conclui. Embora suponha uma dialética, ele não a resolve em uma síntese dos opostos. Se tocamos nosso próprio corpo ou o mundo, jamais haverá coincidência entre as duas partes da experiência. Cada uma deixa algo escapar da outra quando estão prestes a se encontrar. O filósofo dá como exemplo o toque da mão direita pela esquerda: como determinar, em absoluto, qual delas toca e qual é tocada?

A fenomenologia da percepção permitiu-lhe conceber a experiência do mundo como quase indiferenciação, como se no plano do sensível as diferenças fossem quase abolidas por uma unidade de vida.  É a noção de carne, no final de sua obra, que vai permitir-lhe alcançar uma formulação definitiva sobre a imbricação do corpo no mundo pela sensibilidade.

Corpo e mundo se comunicam porque são carne,
isto é, possuem o mesmo estilo de ser,
radicado na corporeidade.

O que acontece no corpo e para o corpo não pode ser negligenciado por quem estuda o comportamento humano. A filosofia de Merleau-Ponty mostra que desvincular corpo e mundo é um equívoco que oculta a dimensão originária da experiência física, social e cultural. Especialmente as duas primeiras obras, que devem ser lidas na ordem em que foram publicadas, exigem leitura cuidadosa e paciente em razão da novidade filosófica que representam. Trata-se de um pensamento que interessa a todos que se ocupam das condições naturais, políticas e sociais que fundam a existência humana.


3. O encontro que nasce da crítica: Sartre e a intencionalidade de Husserl.
O já famoso encontro de Sartre com a fenomenologia aconteceu, como conta Simone de Beauvoir (1984, p.138) em 1933 em um café de Paris com a própria Simone e Raymond Aron, que passava o ano no Instituto francês em Berlim. Eles passaram uma noite juntos no Bec de Gaz, na rua Montparnasse e, diz Simone, pediram a especialidade da casa: coquetéis de abricó. Há dúvida sobre a bebida em questão, escreve a biógrafa Annie Cohen-Solal (1986, p.136), mas o certo é que este encontro foi o responsável pelo contato de Sartre com as idéias de Husserl, o que o levou a Berlim ainda neste mesmo ano. 

Tais idéias traziam possibilidades que Sartre já almejava, pois sentia a necessidade de uma “filosofia concreta”, uma filosofia que permitisse falar de um “copo”, por exemplo, e isto ser filosofia. “Estás vendo, meu camaradinha”, disse-lhe Aron apontando seu copo, “se tu és fenomenologista, podes falar deste coquetel, e é filosofia” (BEAUVOIR, 1984, p. 138). O que ele perseguia, em outras palavras, era a possibilidade de fazer filosofia admitindo a concretude do mundo. Segundo Cohen-Solal (1985), Sartre comprou neste mesmo dia o livro de Emmanuel Lévinas, Teoria da Intuição na Fenomenologia de Husserl, e folheou o livro às pressas “com a sensação de descobrir em cada página coisas que já lhe eram familiares, que já conhecia” (p.136).

Foi provavelmente através desta experiência que Sartre compreendeu que a fenomenologia tornava possível falar das coisas tais como as via e tocava, tal como elas apareciam para sua consciência. Foi assim, afirma Simone de Beauvoir (1984), que Sartre encontrou o que vinha procurando: 

“ultrapassar a oposição 
do idealismo e do realismo,
afirmar a um tempo a soberania da consciência 
e a presença do mundo, tal como se dá a nós” 
 (p.138). 

O significado disto era crucial para as demandas filosóficas de Sartre e a fenomenologia permitia acabar com a apologia do subjetivismo, na qual a consciência seria constituinte do objeto e deste modo o mundo resultaria de um produto de nossas próprias idéias (o que caracteriza um pensamento idealista).

Por outro lado, a posição materialista, como o próprio nome indica, postula a primazia da matéria na qual o sujeito do conhecimento desaparece por completo, gerando a posição de que os objetos explicam-se por si, sem qualquer consciência que os revele. (MAHEIRIE, 1994, p.109). Diferentemente destas duas posições, idealista e materialista, Sartre desejava estabelecer uma visão do conhecimento que se apresenta como produto da relação dialética entre subjetividade e objetividade.

O jovem Sartre, desde seu primeiro contato com a filosofia de Husserl, já havia compreendido que a fenomenologia o permitiria questionar a concepção clássica da idéia de consciência. Tal concepção entendia a consciência como uma espécie de caixa, um lugar, onde as sensações e as imagens se agrupariam (MOUTINHO, 1995, p.32). 

Sartre sempre teve horror a chamada “vida interior”, o que o levou a adotar radicalmente a noção de consciência intencional de Husserl e assim postular suas críticas às idéias empregadas pelo estudo da consciência feito pela psicologia. Mas as críticas não eram só dirigidas à psicologia; a fenomenologia permitia também a superação de certos dualismos que, segundo Sartre (2005a), “embaraçavam” a filosofia. Na introdução de O Ser e o Nada,ele se propõe a realizar esta tarefa.

O primeiro dualismo a ser superado, então, é o que opõe o interior ao exterior. Não devemos ver o existente escondido por uma “pele superficial” – aparência - tendo em seu interior sua “verdadeira natureza” – essência. Isto significa que para a fenomenologia o fenômeno é o que aparece: “a aparência não esconde a essência, mas a revela: ela é a essência”, afirma Sartre (2005a, p.16). Por conseguinte, supera-se neste mesmo raciocínio o dualismo 
essência/aparência1. Sartre questiona justamente essa visão amplamente difundida de que “as aparências enganam”, de que ela “‘era aquilo que não é o ser’; não possuía outro ser, salvo o da ilusão e do erro” (2005a, p.15).

Baseado na fenomenologia, Sartre quer restituir legitimidade ao aparecer antes resguardado a uma suposta essência interior que deveria ser desvelada. A idéia de fenômeno postulada pela fenomenologia de Husserl é de que ele é “absolutamente indicativo de si mesmo” (p.160). Isto posto, outro dualismo, o aristotélico potência/ato2, também não tem como se manter, já que a idéia de potência remete às de interioridade e de essência já comentadas. Na visão fenomenológica tal dualismo não faz sentido, visto que Husserl postula que tudo está em ato, ou como resume Boechat: “não há por detrás do ser nenhuma potência ou virtualidade.

O fenômeno já encerra em si 
toda a realidade de ser, 
assim como a aparência encerra toda a essência” 
(2004, p.24). 

A fenomenologia fala, portanto, dos fenômenos visados pela consciência, pois um fenômeno é justamente esta manifestação do ser a uma consciência que o apreende ainda que este ser não se esgote nesta aparição3. Se o ser é algo distinto do fenômeno, se ele o sustenta mas não se reduz ao fenômeno, se justamente o ser é o que aparece, já que superamos o dualismo aparência/essência, como podemos então fazer esta distinção? Para Sartre, a resposta está em entender que a “aparição” do fenômeno é uma das infinitas manifestações do ser, que o ser é o que aparece mas não se reduz a este seu aparecer. 

Boëchat (2004) ressalta que a filosofia de Sartre, mantendo-se atrelada ao mundo concreto e a vida cotidiana do homem, aborda o ser através de suas infinitas manifestações. Para explicitar essa questão, Sartre (2005a) faz a distinção entre o “ser-do-fenômeno” e o “fenômeno-do-ser”.  O “ser-do-fenômeno” é o que transcende a consciência, o que não pode ser apreendido na sua totalidade, é o inacabamento.

O “fenômeno-do-ser” 
nos é dado pela percepção 
e nos é dado através da série de suas manifestações. 

Perceber um objeto é percebê-lo através desta série infinita das suas manifestações que revelam sua essência. Mas se mantivermos as coisas reais entre parênteses, como o fez Husserl, jamais alcançaremos a essência pois ela está no infinito e cria-se assim outra dualidade: finito/infinito. Portanto, a essência é infinita e inesgotável, é isto significa que ela nos escapa e que não temos acesso à sua totalidade.

Para não cair numa nova dualidade, Sartre mostra que não necessitamos do infinito da série de aparições de uma cadeira para sabermos, reflexivamente, que a cadeira é cadeira. O aparecer da cadeira (fenômeno-de-ser, objeto para a consciência) já revela nele mesmo a sua essência: a essência de cadeira é o seu próprio aparecer. Daí não haver dualidade e sim continuidade entre o fenômeno-do-ser e o ser-do-fenômeno e vice-versa. O ser-do-fenômeno, para Sartre (2005a), é dado pela reflexão, ele é o “todo-do-mundo”, é fundo para qualquer conhecimento.

A essência só existe
enquanto essência da aparição do objeto,
fenômeno-de-ser; ela só existe como conseqüência fática
da nossa relação com o objeto e nos é acessível
através do fenômeno-de-ser, das aparições.

O ser não se esgota em suas aparições e ele existe para além de suas manifestações, mas todo e qualquer acesso ao ser-do-fenômeno dá por essa manifestação, daí Sartre afirmar que “não podemos dizer nada sobre o ser salvo consultando este fenômeno de ser, a relação exata que une o fenômeno-de-ser ao ser-do-fenômeno deve ser estabelecida antes de tudo” (2005a, p.20). 

Ao salvaguardar o ser-do-fenômeno como transfenomenal, Sartre escapa recair no idealismo onde o ser se reduziria a série de manifestações sem que nada restasse além do fenômeno de ser e supera-se assim tais dualismos, inclusive o do finito/infinito

A oposição de Sartre ao idealismo está exatamente em que este último, ao subjetivar o fenômeno, acabou por subjetivar o próprio ser do fenômeno. Além disso, o sentido fundamental desta constatação é que não se pode reduzir a realidade ao conhecimento que se tem dela.

Para ele (Sartre), a realidade, os objetos, o ser, transcendem a consciência que se possa ter deles, existindo de forma independente do sujeito que formula um conhecimento a seu respeito. Neste sentido, se quero conhecer uma identidade, devo saber que o sujeito/objeto de meu estudo transcende o conhecimento que estabeleço a seu respeito. (MAHEIRIE, 1994, p.106).
Todas estas idéias serviram de argumento para contrapor a chamada primazia do conhecimento, como veremos mais adiante. Por ora, devemos apenas ressaltar que tal constatação supera mais um importante dualismo: o do sujeito/objeto, visto que esta é a relação típica do conhecimento.
Para Paulo Perdigão (1995), tradutor brasileiro de O Ser e o Nada, a fenomenologia permitiu ao filósofo não só a superação de dicotomias como também a de “verdades estabelecidas”. 

Segundo este autor, Husserl propôs um “retorno às coisas mesmas” para contestar o positivismo e suas “verdades eternas” e à fenomenologia era possível descrever o fenômeno tal como se apresenta à consciência, por um método descritivo.

Assim, dá-se por evidente por si mesmo o que é uma “percepção”, quando precisamos é saber o que é isso, qual a essência da percepção. Daí porque a fenomenologia é chamada de ciência eidética (do grego eidos: “essência”). Em outras palavras, em geral só se entende as coisas superficialmente: o ser humano dá como “já sabido” precisamente aquilo que ainda precisa ser elucidado. (PERDIGÃO, 1995, P.32).
O ponto de partida é o sujeito do conhecimento, 
e não o conhecimento.

A fenomenologia permite, então, que o filósofo investigue a própria consciência em relação eterna com o mundo, que se caracteriza pela significação. Para Sartre (2007), o psicólogo considera o estado psíquico de modo a lhe retirar qualquer significação e o fenomenólogo, ao contrário, parte do princípio que todo fato humano é por essência significativo e é a esta significação que ele deve dirigir-se.

E por isso mesmo, é a consciência que ele interrogará, pois este sentido não é algo vindo de fora, “ele só existe na medida em que aparece, isto é, em que é “assumido” pela realidade-humana” (p.28). Por esta razão, Sartre acredita que “Husserl reinstalou o horror e o encanto nas coisas” (2005b, p.57) e, segundo Boëchat (2004), esta preocupação com o sentido tornou-se a característica básica da fenomenologia.

Sartre, portanto, se apropria dessa visão e constata que uma psicologia do sentido deveria preceder uma psicologia experimental (BOËCHAT,2004,p.24). Luiz Damon Moutinho (1995b) aponta que desta constatação partiram as críticas de Sartre a psicólogos objetivistas como William James e Pierre Janet, por tratarem de maneira objetiva os “estados de consciência” como alegria e cólera. Segundo este mesmo autor, somente através da subjetividade o fato psíquico significa, e só com ela tem uma finalidade. 

Como veremos a seguir, a consciência intencional é um movimento em direção a alguma coisa, por isso, ela está sempre voltada para o futuro, ela “tem um alvo, um fim, e para esse fim ela se dirige”, afirma Moutinho (1995b, p.57). “Todo fato psíquico”, continua ele, “todo vivido, tem finalidade, sentido. Não é o passado que determina o presente, no sentido de causa e efeito, mas a consciência é no presente conforme o futuro que ela visa” (1995b, p.57).


3.1. Uma idéia fundamental para Sartre: a intencionalidade
“Husserl não cansa de afirmar que não se pode dissolver as coisas na consciência” concorda Sartre (2005b, p.55). Ao percebermos um objeto, ele está localizado, situado, espaço-temporalmente no mundo, não há como captá-lo para “dentro” da consciência, posto que não podemos entendê-la como um lugar, uma caixa, o que impossibilita que possamos pensá-la através de noções substancialistas como dentro e fora. Diz Sartre:

 “Husserl mostrou que a consciência é um eterno movimento para fora de si, para além de si, ao que não é si mesmo, e essa necessidade de existir como consciência de outra coisa que não ela mesma, ele a chama de intencionalidade” (2005b, p.57).
É nesta idéia husserliana que Sartre baseia todo o seu pensamento, inclusive contra seu próprio mestre, o que desde início aponta sua radicalidade em relação a este conceito. 

A intencionalidade está presente a todo o momento principalmente em seus primeiros textos A imaginação, A Transcendencia do Ego, O Imaginário e O esboço para uma teoria das emoções, culminando em O Ser e o Nada, e funciona como pedra fundamental de toda sua construção teórica. Deste modo ao falarmos de consciência intencional, nos referimos a uma noção abstrata, algo sem substância4, translúcido. O objeto, por sua vez, é opaco e isto significa que a consciência não pode nunca ser confundida com o objeto já que não possuem a mesma natureza. Sartre leva ao grau máximo a idéia de “expulsar” da consciência tudo aquilo que a obscurecia, que a impedisse de ser pura espontaneidade:

Toda consciência, mostrou Husserl, é consciência de alguma coisa. Significa que não há consciência que não seja posicionamento de um objeto transcendente, ou, se preferirmos, que a consciência não tem “conteúdo”. É preciso renunciar a esses “dados” neutros que, conforme o sistema de referências escolhido, poderiam constituir-se em “mundo” ou em “psíquico”. Uma mesa não está na consciência, sequer a título de representação. Uma mesa está no espaço, junto à janela, etc. (SARTRE, 2005a, p.22).
A consciência é um movimento, um fluxo contínuo em direção ao mundo e este se dá por uma sucessão de consciências (isto é, intenções), como indica Moutinho (1995, p.45). Se fosse possível entrar “dentro” da consciência, diz Sartre (2005b), “seríamos tomados por um turbilhão e repelidos para fora [...], pois a consciência não tem “interior”; ela não é nada senão o exterior em si mesma, e é essa fuga absoluta, essa recusa de ser substância, que a constitui como uma consciência “(p.56). Não devemos, portanto, tentar entendê-la através de noções espaciais, como se em tal sucessão de consciências ocorressem intervalos ou vazios, tampouco podemos aplicar a ela leis causais, como aos objetos, ela é espontaneidade pura, o que significa dizer que encontra sua fonte em si mesma. Desta forma, distingui-se radicalmente a maneira de ser da consciência do ser-em-si, ou seja, o ser dos objetos.

A consciência, autoconstituinte, 
translúcida para si mesma,
existe em uma outra região do ser, 
existe como ser-para-si que significa existir 
como relação a si, onde  “toda existência consciente 
existe como consciência de si” 
(SARTRE, 2005a, p.25)


3.2. Conteúdos de consciência: Sensação e imagem
Ao entendermos que a consciência intencional é um movimento para fora de si, e que ela não possui conteúdos, como devemos entender as sensações e as imagens? Esta questão foi para Sartre um problema a ser solucionado que envolvia as idéias da psicologia e da filosofia em relação aos chamados “conteúdos de consciência”. 

O que Sartre então queria, como vimos, 
era expulsar esses conteúdos da consciência, 
retirar dela tudo o que pudesse torná-la opaca,
pesada, inerte, tudo enfim que levasse a pensá-la
como um meio espacial.

No Esboço para uma teoria das emoções Sartre (2007) critica as a concepções clássicas de sensação que remontam século XVII a filósofos como Descartes, até o início do XX pelo também filósofo Brunschvicg, passando pela “psicologia científica” do século XIX. A visão comum das teorias clássicas é que a sensação é gerada pelos objetos físicos, que funcionariam como estímulos para os sentidos, assim, posteriormente, nossos sentidos gerariam então sensações que seriam agrupadas na consciência e completaria o processo de percepção. 

Para William James, por exemplo, indica Sartre, as nossas emoções são produzidas somente por mudanças fisiológicas, neste caso, sentiríamos medo porque trememos, o que transformaria a consciência em efeito de projeções das manifestações corporais.

Luis Damon Moutinho (1995b) sinaliza que uma das primeiras críticas às teorias clássicas foi postulada por Ehrenfels através dos princípios de percepção da Gestalt, onde o todo não corresponde a simples soma das partes: “uma melodia não é a simples soma das notas que a compõem” (p.27). Ainda segundo este mesmo autor, no mesmo caminho de Ehrenfels, Merleau-Ponty afirma que a combinação de estímulos pode ocasionar sensações diferentes daquelas que os estímulos objetivos exigiriam. 

Portanto, de acordo com a teoria clássica das sensações, o que alcançaríamos dos objetos seria somente a sua representação, como um reflexo no espelho. Desta forma, uma mesa ou um rochedo seriam, antes de mais nada, um conjunto de conteúdos de consciência perdendo toda a sua substância. É como se os objetos se diluíssem na consciência, fossem digeridos pelo “espírito-aranha”, que, segundo Sartre, “atraía as coisas para sua teia, cobria-as com uma baba branca e lentamente as deglutia, reduzindo-as à sua própria substancia” (2005b, p.55).

A mesma linha de raciocínio é seguida por Sartre ao discorrer sobre a noção clássica de imagem que a entende como uma “reprodução menor” do objeto na consciência, como um pequeno quadro ou uma foto. Sartre (1996) chamou de ilusão da imanência tal concepção, que considera as imagens como conteúdos que estão na consciência, da mesma forma que os objetos da imagem estariam na imagem, para ele novamente devemos nos afastar da maneira de entender todos os modos de existência segundo o tipo da existência física (2008, p.9). 

Neste último a consciência seria “um lugar povoado de pequenos simulacros” (1996, p.17), e esta visão que encontrava sua expressão máxima em Hume, era também compartilhada pela maioria dos psicólogos e filósofos. Segundo Sartre, embora haja uma diversidade teórica de concepções clássicas dos grandes metafísicos do século XVII e XVIII estas resultavam numa teoria única: “Descartes, Leibniz, Hume, têm uma mesma concepção de imagem. Somente cessam de estar de acordo quando é preciso determinar as relações da imagem com o pensamento. A psicologia positiva conservou a noção de imagem tal como a herdara desses filósofos” (2008, p.11). 
 
Sartre denomina de “metafísica ingênua da imagem” esta maneira de “fazer da imagem uma cópia da coisa, existindo ela própria como uma coisa” (2008, p.9). A imagem não é a coisa em miniatura, se fosse coisa a imagem seria inerte como os objetos do mundo, e assim as confundiríamos com eles, mas desde início sabemos se estamos diante da presença real da mesa ou da imagem da mesa. “Para Hume [...] ter uma idéia de cadeira é ter uma cadeira na consciência” (SARTRE, 1996, p.17). Na concepção sartriana a imagem não está alojada na consciência, como guardada em uma caixa, a consciência que imagina é uma consciência imaginante, ela é um movimento de recriação de um objeto ausente.

A cadeira não está jamais na consciência. Nem mesmo como imagem. Não se trata de um simulacro da cadeira que penetra imediatamente na consciência [...] trata-se de um certo tipo de consciência, isto é, de uma organização sintética que se relaciona diretamente com a cadeira existente e cuja essência íntima é precisamente relacionar-se de tal e tal maneira à cadeira existente (SARTRE, 1996, p.19).
A imagem é uma relação e esta se dá através de um modo particular de consciência, a qual Sartre chamou de consciência imaginante. Diz Sartre (1996): “seria um erro grave confundir essa vida da consciência imaginante, que dura, se organiza, se desagrega, com a do objeto dessa consciência, que, durante esse tempo, pode muito bem ficar imutável” (p.20). Não devemos confundir, portanto, a imagem com o objeto ao qual ela está relacionada, devemos então diferenciar a consciência imaginante da consciência perceptiva.
Na percepção ocorre uma apreensão do objeto por seus perfis, o objeto só me é dado de um lado a cada vez. 

A cada momento em que percebo o mesmo objeto, posso apreender um novo perfil, e lentamente aprendo sobre ele. Diferentemente da percepção, a imagem se dá por inteiro na medida em que a consciência imaginante, ao imaginar o objeto, o faz baseada no conhecimento do que ele é, pois “encontrarei na imagem apenas aquilo que eu próprio tiver colocado nela” (MOUTINHO, 1995b, p.36).

[...] a imagem não ensina nada, não dá jamais a impressão do novo, não revela jamais uma face do objeto. Ela oferece-se em bloco. Nenhum risco, nenhuma espera: uma certeza. Minha percepção pode enganar-me, mas não minha imagem. Nossa atitude em relação ao objeto da imagem poderia chamar-se quase-obsevação. Estamos colocados na atitude de observação, mas é uma observação que não ensina nada. Se faço uma imagem do livro, estou na atitude de leitor olho as linhas impressas. Mas não leio. E, no fundo, nem olho sequer, pois já sei o que está escrito. (SARTRE, 1996, p.23-24).
Sartre usa um cubo para exemplificar tal distinção. Para que eu possa saber que tal objeto é um cubo, eu devo “dar a volta” e apreender as outras faces. Mesmo assim, a existência do cubo permanecerá sempre duvidosa, pois há sempre a possibilidade que as faces anteriores se anulem durante a minha mudança de posição (SARTRE, 1996, p.20). Já quando imagino um cubo, não há mais a necessidade de dar a volta, “o cubo como imagem se dá exatamente pelo que é” (p.21) Ao mesmo tempo, posso girar o cubo ou transformá-lo em alguma outra imagem. 

A consciência imaginante é, portanto, 
“espontânea e criadora; sustenta, mantém 
através de uma criação contínua 
as qualidades sensíveis de seu objeto” (p.30).

A consciência imaginante é um modo particular de consciência, assim como a consciência de percepção e outras consciências chamadas reflexivas. Para entender tais consciências, irrefletidas e reflexivas, é necessário retomar a distinção entre consciência e conhecimento.  

3.3. A primazia do conhecimento
Utilizando-se da noção fenomenológica de consciência intencional, Sartre pôde argumentar contra o que considerava ser a primazia do conhecimento. Para ele, o conhecimento tornou-se o absoluto para os racionalistas do século XVII, onde “ser é conhecer”. O absoluto sartreano é o da existência:

“Realmente, o absoluto aqui, 
não é resultado de construção lógica
no terreno do conhecimento, 
mas sujeito da mais concreta das experiências”  
(SARTRE, 2005a, p.28). 

O ser, portanto, não se reduz ao conhecer, como no cogito cartesiano: penso, logo existo. O “penso” sartreano implica em uma reflexão feita a partir de consciências pré-reflexivas, ocorre, portanto, em um segundo momento, diz Sartre:
 
“A consciência que diz eu penso 
não é precisamente a que pensa”
(2003,p.44-45).

Mesmo quando não refletimos ainda assim somos consciência, pois a maneira de existir da consciência é ser consciente de si e tal pressuposto é condição de possibilidade da consciência cognoscente, ou seja, de conhecimento. Sartre coloca da seguinte maneira: “a condição necessária e suficiente para que a consciência cognoscente seja conhecimento de seu objeto é que seja consciência de si como sendo esse conhecimento”(2005a, p.23). 

Resulta disto que somos “consciência de ponta a ponta” (SARTRE, 2005a, p.27), mas nem sempre somos conhecimento de nossa própria consciência. Se toda consciência é consciência de alguma coisa como afirma Husserl, o conhecimento ocorre quando esta “alguma coisa” é a própria consciência tomada como objeto da reflexão, e a essa consciência Sartre denomina refletida

Acontece que a consciência reflexiva que posiciona a refletida deve ser consciente de si, visto que este é o princípio fundamental do modo de ser da consciência. Logo, existe um modo de ser consciente de si que não é posicional (ou não tético) que é imediato (não possui mediação) e é neste modo de ser que se sustentam as estruturas ontológicas do ser para-si e que Sartre postula como seu ponto de partida: o cogito pré-reflexivo.

Para se referir a este modo de ser da consciência, Sartre utiliza o recurso de colocar o de entre parênteses, assim podemos compreender que a consciência é sempre consciência (de) si de forma não posicional. Isto significa que não há diferença entre consciência (de) crença e crença, consciência (de) prazer e prazer, etc. Desta forma Sartre sustenta que o ser para-si é permanentemente consciente, e tem condição de possibilidade para a reflexão.

Resta dizer somente que para o filósofo, o que ocorre freqüentemente em nosso cotidiano e sermos consciência posicional dos objetos, somos freqüentemente consciência irrefletida, mergulhados no mundo, nos objetos de nossa percepção ou sob forma de imaginação. É esta mesma consciência que sofre uma transformação ao ser objetivada ao tornar-se refletida e possibilita assim a aparição de um “eu”, portanto é nela mesma que Sartre sustenta a idéia de uma consciência (de) si, porém, impessoal.


3.4. O Problema do Eu na consciência
O sentido da consciência intencional, oferecido por Husserl, foi profundamente incorporado por Sartre. Tal visão, que o levou a fenomenologia, serviu de argumento para se opor ao próprio mestre quando este surgiu com a noção de Eu transcendental. Sartre discordou veementemente deste conceito que significava uma “morte da consciência” (SARTRE, 2003, p.40), pois para ele é justamente a intencionalidade que torna completamente inútil o papel unificante e individualizado do Eu. 

Na Transcendência do Ego Sartre argumenta que Husserl, em Investigações,considerava o Eu como uma produção sintética e transcendente da consciência, enquanto que em Idéias “regressou a tese clássica de um Eu transcendental que estaria como que por detrás de cada consciência; que seria uma estrutura necessária destas consciências5” (2003, p.37)

A intencionalidade mostrou que tudo está no mundo e Sartre manteve esta idéia inclusive na teorização do Eu, ele postula que do mesmo modo que coisas do mundo, este também está fora, e é um objeto transcendente. Ao discordar de Husserl, ele afirma que não pode haver nada anterior à própria consciência: “[...] nada, exceto a consciência, pode ser a fonte da consciência” (SARTRE, 1996, p.51). Como vimos, a consciência antecede mesmo ao conhecimento, e, se nela introduzirmos um Eu, destruímos seu caráter intencional. 

Para o filósofo, nesse caso, nós “a congelamos, a escurecemos, já não é uma espontaneidade” (1996, p.41) o que mostra que além de supérfluo este Eu seria até nocivo à consciência. Maheirie (1994) mostra que a consciência é antropologicamente anterior ao reflexivo, “o que traz como conseqüência, o Eu, ou a identidade, personalidade, como produtos da consciência e não ao contrário” (p.113, grifo nosso). O Eu é, então, posterior as relações da consciência com o mundo, ele surge após o vivido concreto, isto significa dizer que ele surge como objeto para a consciência reflexiva e não existia antes dessa objetivação.

Ao rejeitar a presença do Eu na consciência, Sartre se propõe a explicar que este é uma síntese dos conteúdos psíquicos. Ao mesmo tempo, critica as teorias da psicologia que o objetivam. Boëchat (2004) ressalta que este foi o equivoco dos psicólogos, pois ao objetivarem o psíquico, reduziram a consciência às leis causais e a apartaram do mundo, transformando-a e uma instância separada deste. O psíquico para Sartre não é um conjunto de conteúdos de consciência, como vimos anteriormente, e ele se propõe a revê-lo e explicá-lo:

Para a maioria dos filósofos o Ego é um habitante da consciência [...] psicólogos, em sua maioria – crêem descobrir sua presença material, como centro dos desejos e atos, em cada momento de nossa vida psíquica. Queremos mostrar aqui que o Ego não está nem formal nem materialmente na consciência: está fora, no mundo, é um ser no mundo, como também é o Ego do próximo (SARTRE, 2003, p.29)6.
Segundo Silva (2004, p.34) tradicionalmente o Ego é entendido na filosofia como uma instância que deveria garantir a unidade das representações do sujeito. Segundo este autor em Descartes esse núcleo esta posto como substancia essência. Já para Kant o Eu transcendental aparece como formal, como condição de possibilidade de toda e qualquer síntese. Mas Sartre argumenta que se Kant postula que “o eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representações”, o deve poder anuncia que ele mesmo institiu o Eu transcendental como possibilidade:

a consciência transcendental só é para ele o conjunto de condições necessárias para que exista uma consciência empírica. Consequentemente, realizar o Eu transcendental, fazê-lo companheiro inseparável de cada uma de nossas ‘consciências’, é julgar sobre o fato e não sobre o direito; é situar-se em um ponto de vista radicalmente diferente do de Kant (SARTRE, 2003, p.33)7.
O próximo argumento contra o Eu formal se dirige como vimos, a Husserl, pois para Sartre a fenomenologia não necessita recorrer a este eu unificador e individualizador, já que ele produz interioridade e retira da consciência sua translucidez intencional. (2003, p.37-38). Por outro lado, a psicologia supõe a presença de um Eu material, o que Sartre chamava de “teoria dos moralistas do amor próprio”, pelo fato de afirmar em todos os atos uma “relação ao Eu: “De maneira generalizada, o eu desejaria para si mesmo, em função deste amor que se tem, todos os objetos que deseja. A estrutura essencial de cada um de meus atos seria um fazer referência a si mesmo.” (p.54) 

Na Transcendência do Ego, Sartre expôs então suas críticas a ambos os lados e se propôs a fazer uma revisão da psicologia. Para isso, procurou fundamentar o Ego transcendente e todo o campo do psíquico. Devemos, pois, ressaltar, que ele se opôs ao Eu transcendental de Husserl, enquanto afirmou que o Eu é transcendente assim como qualquer objeto no mundo. A transcendência do objeto está justamente no fato de que seu ser não se reduzi ao fenômeno de ser, como falamos anteriormente. Assim também é o Eu sartriano, um objeto transcendente, que afirma sua permanência além da consciência particular e de todas as consciências (MOUTINHO, 1995a, p.49).

Para que possamos compreender esta idéia utilizaremos o exemplo oferecido por Sartre no seu texto A Transcendência do Ego. Quando digo que odeio alguém, afirmo mais do que posso saber, pois engajo também o futuro, realizo assim, o que o filósofo chama de reflexão impura. O ódio é um sentido transcendente, como o amor e o ciúme. Ele se manifesta através de consciências particulares, como por exemplo, através de uma experiência de repulsa. 

No entanto, este mesmo sentido pode manifestar-se de diversas maneiras. Posso ter, ao invés de repulsa, uma experiência de asco, cólera, etc., que são manifestações do mesmo sentido. Por esta razão, dizemos que o ódio transcende a experiência particular, e, ao mesmo tempo em que existe através de suas manifestações, “não é nenhum destes movimentos: escapa a todos ao afirmar sua permanência” (SARTRE, 2003, p.65)8. Se me prendo somente à minha experiência particular e digo que “neste momento sinto repulsa”, realizo uma reflexão pura, pois aqui não ultrapasso o vivido de forma a manter a instantaneidade da consciência irrefletida. Sartre chama de estados tais sentidos transcendentes, que são as unidades das consciências particulares, e além destes, há também as ações e as qualidades e estas também funcionam como “unificadoras”.

As ações são, como os estados, unidades transcendentes de consciências, mas são também realizações concretas, já as qualidades são as unificações dos estados. No exemplo do ódio, vimos que o sentido transcendente ódio se manifesta através de experiências de cólera, etc. Se experimento muitas vezes tais manifestações, posso reflexivamente, chegar à conclusão de que “sou rancoroso”, e atribuir-me uma qualidade.  

Finalmente, o Eu aparece como a unificação de tudo, a síntese dos estados, ações e qualidades. De acordo com os exemplos acima, podemos perceber que “o eu surge sempre tardiamente em relação ao vivido concreto, e tal como um objeto, não como consciência, na medida mesma que o eu não se reduz a nenhuma consciência particular. 

Ele é objeto, isto é, seu ser não se reduz ao seu aparecer”. (MOUTINHO, 1995b, p.52). Além disso, os exemplos de reflexão pura e impura nos mostram que os estados, ações e qualidades se dão por uma reflexão. O Eu aparece então, como diz Sartre (2003), “na reflexão como um objeto transcendente que realiza a síntese permanente do psíquico”9(p.75).

Devemos ressaltar, no entanto, que o Ego não é somente um produto do psíquico, ele também faz parte de sua produção. Segundo Moutinho (1995a), Sartre chama este tipo de produção de “poética” e afirma que “O Ego, objeto e, portanto, passivo, aparece paradoxalmente como produtor, como espontâneo, no momento mesmo de sua constituição” (p.40). Sartre descreve este processo desta maneira:

... o Ego é um objeto apreendido mas também constituído pela ciência reflexiva [...] o que acontece  realmente primeiro são as consciências, através das quais se constituem os estados, e logo, através destes, o Ego. [...] as consciências se dão como emanando dos estados, e os estados, como produzidos pelo Ego. De onde se segue que a consciência projeta sua própria espontaneidade no objeto Ego para conferir-lhe o poder criador que lhe é absolutamente necessário (2003, p.83-84)10.
Podemos finalizar dizendo Sartre manteve a primazia da consciência, mesmo em relação a uma concepção de Eu. Para ele o Eu é contemporâneo do mundo, não o criou e não foi criado por ele. “Ambos são objetos para a consciência absoluta, impessoal, e é por ela que se encontram unidos. Esta consciência [...] não tem nada de sujeito, e não é tampouco uma coleção de representações: é, simplesmente, uma condição primária e uma fonte absoluta da existência” (SARTRE, 2003, p.110)11

Fundamentado neste pensamento, Sartre fala de um Eu ao mesmo tempo em que mantém sua oposição ao idealismo e à relação “puramente lógica” sujeito-objeto. O filósofo exprime assim o sentido fundamental da máxima existencialista onde a existência precede a essência.


4. A fenomenologia hermenêutica de Heidegger e a psicoterapia
4.1. Fenomenologia e Psicoterapia
A psicologia fenomenológico-existencial ou simplesmente existencial foi a via de acesso da fenomenologia ao campo da psicoterapia.  Embora não fosse o próprio Husserl considerado um pensador existencialista, dificilmente se fala em Existencialismo sem associá-lo de imediato à Fenomenologia. Edmund Husserl foi um grande influenciador e, por muitos anos, um eixo de referência para Heidegger, Sarte e Meleau-Ponty, que afirmavam estar em dívida com ele, especialmente no que se refere à questão do método.

O fato de que a obra de Husserl é passível de diferentes interpretações, torna difícil determinar de maneira segura a amplitude de sua influência sobre o Existencialismo. Tomemos como eixo principal aquele que acreditamos melhor se alinhar com os pressupostos existencialistas, que consiste na impossibilidade de se construir um conjunto sistemático, do estabelecimento de regras gerais para a compreensão e explicação do comportamento humano, recusando-se, assim, a um enquadre estritamente científico.

A coisificação imposta ao campo da psicoterapia mostra a prevalescência do tecnicismo. Neste sentido, a perspectiva do pensamento existencial é fundamental para o resgate da compreensão da condição humana a partir de aspectos a ela inerentes, relegados pela tradição a uma condição de menor importância. Ao contrário das teorizações vigentes em outros campos da psicoterapia, dogmáticas em suas asserções e explicando a realidade a partir de pressupostos transcendentes à existência, a psicoterapia existencial propõe uma reflexão sobre o homem a partir daquilo que lhe é mais inerente: a existência. 

Este modo de pensar dista o pensamento existencialista de forma significativa das teorizações psicológicas usuais.

O simples fato de propor uma compreensão da existência de forma única, despindo-se de amarras teóricas de padronização e generalização, faz com que a Psicoterapia Existencial seja menos sedutora de ser abraçada pelos psicoterapeutas ou estudantes quando ainda estão em processo de formação. Tal fato é plenamente compreensível quando falamos de uma sociedade tecnocrata onde muitas vezes somos demandados a descrever e explicar, precisa e claramente, o encadeamento lógico e causal dos comportamentos tidos como anômalos com os quais nos deparamos no contexto terapêutico.

Na contra mão deste sentido, aceitar cada pessoa, como sendo única e sem nenhuma teoria apriorística a explicar-lhe os sofrimentos e desatinos existenciais, seguramente, é uma proposta muito difícil de ser aceita num mundo padronizado e até mesmo robotizado. 

Os reflexos mais significativos da fenomenologia na dimensão da psicoterapia se deram inicialmente sobre a Psicologia da Gestalt e sobre a Psiquiatria, até então, fortemente orientada pelos preceitos científico-naturais da medicina e da psicanálise. Neste percurso, Jaspers, Minkowski, Binswanger, Victor Frankl e J. H. van den Berg procuraram iluminar a ótica psiquiátrica com os feixes existenciais da fenomenologia. 

O psiquiatra suíço Medard Boss, depois de ter estudado psicanálise em Viena com Freud e trabalhado durante 10 anos com Jung na Universidade de Zurique, viu na análise das estruturas ontológicas e existenciais do Dasein proposta por Martin Heidegger, um novo campo de compreensão da psicoterapia. Desenvolve assim a sua Daseinsanalyse, termo este já utilizado anteriormente por Binswanger, totalmente afinada com o pensamento heideggeriano, assimilado ao longo de quase 30 anos de amistoso relacionamento com o filósofo alemão.
As designações da “analítica do Dasein” apareceram pela primeira vez numa obra que marcou época – Ser e Tempo – publicada em 1927 pelo alemão Martin Heidegger. Tal termo tinha como único objetivo denominar a explicitação filosófica das “existenciárias”, ou seja, das características ontológicas do existir humano. 

A fenomenologia de Heidegger (2001) não se reduz apenas à descrição das estruturas do ser – homem, elabora de forma radical este ser-homem como “ser-no-mundo”, abandonando qualquer determinação do homem como sujeito psicológico ou transcendental.
 
O verdadeiro intuito de Heidegger
não foi nunca o de esclarecer simplesmente
a essência do homem.  

Visou na realidade, desde o início, esclarecer o sentido do Ser enquanto tal. Logo, apesar de influenciar decisivamente o existencialismo, recusou tal denominação, por acreditar que suas reflexões acerca do existir seriam apenas uma introdução a questão do sentido do Ser.


4.2. A Daseinsanalyse
O psiquiatra suíço Ludwig Binswanger é considerado o iniciador da chamada “psiquiatria existencial”. A influência do pensamento heideggeriano o fez lançar mão do termo “Daseinsanalyse” para identificar sua linha de trabalho. Graduado em Zurique e tendo estudado com Carl Jung, refletiu sobre a obra de Freud e do próprio movimento psicanalítico em seu início. Ao ir ao encontro da obra de Heidegger, compreendeu que o pensamento deste oferecia os subsídios necessários para a sua prática psiquiátrica.

Em 1933, publicou o seu primeiro trabalho mostrando desde o início já algum distanciamento das idéias de Heidegger. Tal fato provocou críticas do próprio Heidegger e também de Medard Boss, psiquiatra que se manteve fiel às idéias heideggerianas. Binswanger reconhece assim a necessidade do uso de uma nova terminologia para o seu trabalho, mais próximo à fenomenologia husserliana do que heideggeriana, e o faz nomeando-o de “fenomenologia antropológica”.

No que se refere à Daseisanalyse tal qual proposta por Heidegger, nenhum outro pensador se manteve tão fiel às formulações heideggerianas do que o psiquiatra suíço Medard Boss. Tendo estudado medicina em Zurique, foi em seguida para Viena, onde cursou psicanálise com Freud. Continuou os estudos em Londres com Ernest Jones e em Berlim, com Karen Horney, Fenichel, Schulz-Henkel e Wilhem Reich. A partir de 1939, trabalhou durante 10 anos com Jung na Universidade de Zurique.

Posteriormente, a partir de uma amizade com Martin Heidegger, aproximou-se da fenomenologia existencial. Boss é autor de uma vasta obra na qual apresenta os fundamentos existenciais num contraponto com os métodos e modelos existentes de compreensão do homem. Em suas análises, Boss, evocando a analítica existencial ontológica de Heidegger, propõe uma atitude na qual os fenômenos patológicos da existência são compreendidos a partir de si próprios, e não por uma prática sistematizada com preceitos e normas delimitados formalmente. 

A Daseinsanalyse constitui-se assim como um importante viés de compreensão da atividade clínica da psicoterapia, apresentando-se como uma vigorosa alternativa no campo de entendimento de uma prática psicoterápica menos instituída pela perspectiva técnica de atuação, encobridora dos fenômenos enquanto tais e determinística em suas formas de compreensão da realidade.
Vale ressaltar, que a relação da fenomenologia hermenêutica com a clínica não pode ser aquela de um novo método que venha substituir os antigos. Isto porque o que caracteriza o exercício clínico da atitude fenomenológica não é, portanto, o método que ela emprega enquanto psicologia aplicada, mas o fato de que este deve estar subordinado a uma compreensão fenomenológico hermenêutica da existência. 

4.3. Heidegger, hermenêutica e a psicoterapia
A partir de uma crítica radical à tradição filosófica, da metafísica ocidental que se origina em Platão, Heidegger procurou dar um novo rumo, um novo sentido à filosofia, que fosse também a busca de algo mais originário e mais fundamental: a retomada da ontologia, a superação do “Esquecimento do Ser”, que teria se produzido nesta tradição.

A crítica à tradição filosófica parte de uma caracterização dessa tradição como essencialista, que confunde a idéia de ser e ente e que resulta na divisão do ser em substância e acidente, tal como acontece em Aristóteles, bem como nas tendências a classificar e a categorizar o ser, objetificando-o. Contra esta tendência, predominante na metafísica ocidental, era necessário recuperar a ontologia. Segundo o texto de abertura de Ser e Tempo, é precisamente a questão do sentido do ser que deve ser retomada.

Contra essa tendência dominante, Heidegger visa trazer à luz o ser, pesquisando o seu sentido enquanto desvelamento e manifestação. É necessário uma análise ontológica e hermenêutica (interpretativa, de compreensão de sentido) que revele “o ente que nós somos”, o ser-aí, o Dasein. Para Heidegger, o homem é o único ente que busca o ser. Logo, para que se possa chegar ao Ser, é necessário empreender uma analítica do único ente que tem a possibilidade de acesso a seu ser que é o Dasein. 

Em sua terminologia, Dasein deve substituir “sujeito” ou “eu”, devido ao sentido de ser simplesmente dado que estes termos adquiriram na filosofia da consciência e da subjetividade do período moderno, incluindo aí a própria concepção husserliana de sujeito. Assim, surge o termo Dasein no pensamento de Heidegger. 

É possível compreendermos, assim, como a fenomenologia se mostrou a Heidegger como uma maneira de se alcançar o Ser por intermédio da analítica do Dasein. Por isso se diz que a fenomenologia em Heidegger é ontológico-hermenêutica uma vez que, por intermédio da analítica do Dasein, é possível alcançar uma compreensão de seus aspectos essenciais. Além disso, Heidegger, em sua analítica do Dasein utilizou-se da descrição fenomenológica, ou seja, da retomada do ser-aí tal como se manifesta. 

Quando se caracteriza o modo de ser deste ente que nós mesmos somos como existência, entende-se este termo de um modo diferente do que tradicionalmente estamos acostumados a pensar, ou seja, presença empiricamente comprovada. Ao contrário, Heidegger fala de uma concepção de existência que está associada a um modo de ser que está sempre em jogo no devir histórico-temporal desse ente. Ele não pode ser, assim, ser  caracterizado por qualquer sentido à priori, atemporal, portanto uma essência no sentido tradicional do termo.

Do ponto de vista clínico, a compreensão heideggeriana traz importantes implicações para a concepção da psicoterapia. Fica com isso descontextualizada a expectativa da constituição de um saber sobre o homem, sobre este ente cujo modo de ser é fundamentalmente temporal. A concepção de clínica como teoria aplicada parte do pressuposto que se tem uma teoria ou uma representação adequada deste ente que somos. 

A partir dessa representação adequada tem-se uma aplicação prática dela, portanto uma técnica fundamentada num saber que, supostamente, nos permitiria, a partir de um diagnóstico, de uma compreensão da situação, uma intervenção com um grau minimamente razoável de previsibilidade. Fica evidente que estamos falando da própria concepção tradicional de ciência.
 

A compreensão fenomenológico-hermenêutica de Heidegger situa-se numa perspectiva outra que torna inviável esta visada essencializada e cientifizante do homem. O tipo de saber que se pode ter do homem, se é que se pode ter algum, não tem mais este caráter essencialista do qual se pode derivar uma técnica, nesta compreensão de técnica como teoria aplicada e que é de produção de um sujeito, cuja aplicação pode ser controlada e manipulada segundo a sua vontade. 

Ao contrário, compreende-se aqui a clínica mais como um lugar de não saber, não em um sentido niilista do termo, do que saber. Um não saber no sentido ingênuo do termo, e aí nos reportamos à douta ignorância socrática. Um não saber e uma ignorância que são conquistadas, duramente conquistadas.
Percebemos que uma grande contribuição da psicologia fenomenológica – existencial é a de evitar que a psicologia se afogue num mar de teorias que perderam o contato com o cotidiano e com a experiência mesma do existir humano. Isto porque para fenomenologia apenas o que pode ser visto ou experimentado é real. 

A verdade da existência
não é atingida por um exercício intelectual; 
ela é revelada ou desvelada 
nos próprios fenômenos. 

Assim, podemos perceber que a fenomenologia de Heidegger é hermenêutica pois o sentido que se desvela através do homem, nunca se dá a partir de algum a priori transcendental, ele só é na medida em que se desvela historicamente. Isto porque para Heidegger (2001) o que caracteriza o modo de ser do homem, a existência, é justamente o fato de que seu sentido está sempre em jogo no tempo.

O ser do homem é pura abertura de sentido, logo, entendemos que a clínica é uma das situações nas quais mais claramente se dissimulam sentidos em detrimento de uma dimensão contemplativa que proporcione a abertura para a surpresa e para o não-pronto. Tanto por parte do cliente, quanto muitas outras vezes por parte no terapeuta, o difícil lócus do não saber conquistado, como a ignorância socrática deixa de ter algum valor, ou nem sequer é compreendido como possibilidade real da vida, diante do insistente e sedutor apelo no qual estamos permanentemente submetidos do cálculo, da previsibilidade e da explicação da realidade. 

Seguindo a própria “serenidade” heideggeriana, acreditamos poder ser plenamente alinhados com tal compreensão sem uma presunçosa crença de superioridade ou antagonismo em relação a outras formas mais usuais de pensar. Trata-se de uma postura que se coloca numa diferente maneira de lidar com o conhecimento, onde este não é empobrecido ou aniquilado. Apenas este saber deixa de ser algo que diz respeito à essência dos entes para ser compreendido como uma possibilidade de sentido, que se por um lado corresponde a um determinado recorte de visada da realidade, por outro, não a esgota e nem deve ser privilegiada sobre os demais. 

Instaura-se, assim, uma dimensão de liberdade nesta relação, que nos permite circunscrever seus limites e possibilidades, e uma eventual colaboração entre elas. Acreditamos que este fato também explicita uma significativa “vocação” transdisciplinar da fenomenologia, que como compreensão possibilitadora de circunscrição de âmbitos de validade dos fenômenos, encontra-se em plena adjacência com os modernos impulsos de flexibilização e ampliação dos horizontes de compreensão da experiência humana.

Podemos dizer que, frente às ambigüidades da psicologia clínica, à inadequação dos modelos que pretendem dar conta da totalidade do indivíduo e só chegam a elaborar imagens estereotipadas, a fenomenologia propõe caminhos para uma melhor compreensão da existência humana, visando respeitar a complexidade do real e encontrar o sentido dentro do próprio fenômeno. Sendo assim, não objetivamos encontrar respostas para os problemas da psicologia clínica contemporânea, mas provocar inquietações, abrir caminhos.
ABSTRACT
This article exposes three different Phenomenology concepts, all of which originated from Husserl's Phenomenology. First we intend to show that, by emphasizing perception, Merleau-Ponty led Psychology back to it's origins.Given that Psychology branches off from Philosophy, whose birthplace is the knowable world, this philosopher appears to suggest that the love of perceivable knowledge is essential to those who practice the "science of the soul". In his encounter with Phenomenology Sartre starts by presupposing that intentionality is fundamental to the conception of a conscience that escapes from substantialized notions.There the search for a "concrete philosophy" finds the necessary root, enabling it to bloom and grow towards a philosophy of contingence.In the final part, Heidegger's hermeneutic Phenomenology appears in terms of it's possible of relation with Psychotherapy. In this part about Heidegger, Phenomenology is presented as a point of view that considers man's way of being, his existence, always at stake in time
Keywords: Phenomenology, Merleau-Ponty, Sartre, Heidegger, Hermeneutic.
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NOTAS
1 Podemos perceber que na psicologia estes dualismos mostram-se presentes principalmente nas concepções psicanalíticas com o conceito de inconsciente. A idéia de que o que aparece deve ser interpretado para que se chegue ao verdadeiro sentido inconsciente é um exemplo disto.
2 Já aqui podemos pensar nos conceitos utilizados por uma psicologia humanista, na qual o homem possui potencialidades latentes a serem desenvolvidas se o meio no qual vive permitir. O conceito de auto-atualização ou auto-realização é um exemplo disto.
3 Por isso Sartre coloca que o fenômeno é um relativo-absoluto: relativo pois seu “aparecer” pressupõe alguém a quem se aparece, e absoluto posto que se revela como é, sendo “absolutamente indicativo de si mesmo”. (SARTRE, 2005a, p.16).
4 “A consciência nada tem de substancial, é pura “aparência”, no sentido de que só existe na medida em que aparece” (SARTRE, 2005a, p.28).
5 A tradução é livre. No original: “em Ideas regresó a la tesis clásica de um Yo transcendental que estaría como por detrás de cada conciencia; que sería uma estructura necesaria de estas conciencias”.
6 “Para la mayoría de filósofos, el Ego es un “habitante de la conciencia.[...] psicólogos em su mayoría – creen descubrir su presencia material, como centro de los deseos y los actos, em cada momento de nuestra vida psíquica. Queremos mostrar aqui que el Ego no está ni formal ni materialmente en la conciencia:está fuera, em el mundo; es um ser del mundo, como también lo es el Ego del prójimo.”
7 “La conciencia transcendental sólo es para él el conjunto de las condiciones necesarias para que exista uma conciencia empirica. Consecuentemente, realizar el Yo transcendental, hacerlo compañero inseparable de cada uma de nuestras ‘conciencias’, es juzgar sobre el hecho, y no sobre el derecho; es situarse en um punto de vista radicalmente diferente del de Kant.”
8 “[...] no es ninguno de estos movimientos: escapa a todos al afirmar su permanencia.”
9 “[...] a la reflexión como um objeto transcendente que realiza la sínteses permanente de lo psíquico”.
10 “[...] el Ego es um objeto aprehendido pero también constituido por la ciência reflexiva. [...] lo que es realmente primero son las conciencias, a través de las cuales se constituyen los estados, y luego, a través de éstos, el Ego.[...] las conciencias se dan como emanando de los estados, y los estados, como producidos por el Ego. De donde se siegue que la conciencia proyecta su propia espontaneidad em el objeto Ego para conferirle el poder creador que lê es absolutamente necessário.”
11 “Ambos son objetos para la conciencia absoluta, impersonal, y es por ella por lo que se hallan unidos. Esta conciencia [...] no tiene nada de sujeto, y no es tampoco uma colección de representaciones: es, sencillamente, uma condición primaria y uma fuente absoluta de existência.”


Rafael Ramos GonçalvesI
I Mestre em Psicologia Social, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ 
- Rio de Janeiro, Brasil
Fernanda Alt Fróes GarciaII 
II Mestranda em Psicologia Social/UERJ, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
- Rio de Janeiro, Brasil bolsista CAPES- 
Professora Substituta da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ 
- Rio de Janeiro, Brasil
Jurema de Barros DantasIII; 
III Doutoranda em Psicologia Social, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ 
- Rio de Janeiro, Brasil- bolsista FAPERJ
Ariane P. EwaldIV 
IV Professor Adjunto, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ 
- Rio de Janeiro, Brasil
Endereço para correspondência
Rafael Ramos Gonçalves
E-mail: rafrj@yahoo.com.br
Fernanda Alt Fróes Garcia
E-mail: fernandaalt@terra.com.br
Jurema de Barros Dantas
E-mail: juremadantas@ig.com.br
Ariane P. Ewald
E-mail: aewald@terra.com.br

Recebido em: 08/02/2008
Aceito em: 31/07/2008
Acompanhamento do processo editorial: 

Ariane P. Ewald
Fonte:
REVISPSI-UERJ
http://www.revispsi.uerj.br/v8n2/artigos/html/v8n2a19.html
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.