domingo, 13 de junho de 2010

FENOMENOLOGIA DO MUNDO


FENOMENOLOGIA  DO  MUNDO
Pierre Teilhard de Chardin

PONTO DE PARTIDA E CHAVE DE TODO O SISTEMA


“Existe uma deriva cósmica da Matéria, propagando-se na contracorrente através da Entropia, rumo a estados de arranjamento cada vez mais centro-compexos (isto na direção ou no interior – de um “Terceiro Infinito”, o Infinito de Complexidade, tão real quanto o Ínfimo e o Imenso).

E a consciência se apresenta experimentalmente como o efeito ou propriedade específica dessa complexidade levada a valores extremos”.

Quando aplicamos essa lei de recorrência (chamada “lei da complexidade-consciência”) à História do Mundo, vemos delinear-se uma série ascendente de pontos críticos e de desenvolvimentos extraordinários, - que são os seguintes:

1. PONTO CRÍTICO DE VITALIZAÇÃO

Em algum lugar no nível das Proteínas, produz-se (para a nossa experiência, ao menos) uma emergência inicial da Consciência no seio do Pré-Vivo. E, graças ao mecanismo concomitante de “reprodução”, a subida de Complexidade se acelera na Terra por via filética (gênese das Espécies ou Especiação).

A partir desse estágio (e no caso dos vivos superiores) torna-se possível “medir” a marcha da Complexificação orgânica pelos progressos da Cerebralização. Graças a esse artifício, destaca-se, no seio da Biosfera, um eixo privilegiado de Complexidade-Consciência: o dos Primatas.

2. PONTO CRÍTICO DE REFLEXÃO (OU DE HOMINIZAÇÃO)

Em decorrência de alguma mutação cerebral “hominizante” que se produz nos Antropóides em fins do Terciário, a Reflexão psíquica (não apenas “saber” mas “saber que se sabe”) irrompe no Mundo, e abre para a Evolução um domínio inteiramente novo. No Homem, sob as aparências de uma simples “família” zoológica nova, é na verdade uma segunda espécie de Vida que começa, com seu novo ciclo de arranjos possíveis e seu invólucro planetário especial (a Noosfera).

3. DESENVOLVIMENTO DA CO-REFLEXÃO (E ASCENÇÃO DE UM ULTRA-HUMANO)


Aplicado ao grande fenômeno da Socialização humana, o critério de Complexidade- Consciência fornece indicações decisivas. Por um lado, um irresistível e irreversível arranjamento técnico-cultural de dimensões noosféricas está se manifestando em progresso na sociedade humana. E por outro lado, o espírito humano não cessa de se elevar, por efeito de co-reflexão, coletivamente (graças às ligações tecidas pela técnica), à percepção de novas dimensões: organicidade evolutiva e estrutura corpuscular do Universo, por exemplo.

O par “organização-exteriorização” reaparece aqui com evidência. Quer isso dizer que, sob os nossos olhos, o processo fundamental da Cosmogênese continua a operar como antes (ou até mesmo atua cada vez mais). Considerada em sua totalidade zoológica, a Humanidade oferece o espetáculo único de um filo sintetizando-se organopsiquicamente em si mesmo. Verdadeiramente, uma “corpuscularização” e uma centração (uma centralização) na Noosfera como um todo sobre si mesma.

4. PROBABILIDADE DE UM PONTO CRÍTICO DE ULTRA-REFLEXÃO À FRENTE

Se extrapolamos no futuro, a convergência técnico-mental da Humanidade sobre si mesma impõe a previsão de um paroxismo de co-reflexão, a alguma distância finita adiante de nós no Tempo: paroxismo que não se pode definir melhor (nem mesmo de outra forma) senão como um ponto crítico de um Ultra-reflexão.

Não poderíamos naturalmente imaginar ou descrever um fenômeno assim (que implica aparentemente numa evasão para fora do Espaço e do Tempo). Entretanto, certas condições energéticas precisas, as quais deve satisfazer o acontecimento previsto (tais como ativação crescente, no Homem, do “gosto de evoluir” e do “querer viver”, ao se aproximar tal acontecimento), obrigam-nos a pensar que ele coincide com um acesso definitivo ao Irreversível (uma vez que a perspectiva de uma Morte total deteria definitivamente, por desencorajamento, a continuidade da Hominização).

Foi a esse termo superior da co-reflexão (isto é, de unanimização, de fato) humana que dei o nome de “Ponto Omega”: foco cósmico personalizante de unificação e de união.

5. VEROSSIMILHANÇA DE UMA REAÇÃO (OU “REFLEXÃO”) DE OMEGA DIANTE DO HUMANO NO DECURSO DA CO-REFLEXÃO (REVELAÇÃO E FENÔMENO-CRISTÃO)

Quanto mais refletimos sobre a necessidade de um Omega para sustentar e animar a continuidade da Evolução hominizada, mais percebemos duas coisas:
- a primeira é que um Omega puramente conjectural (puramente “calculado”) seria frágil demais para manter no coração do Homem uma paixão suficiente para faze-lo hominizar-se até o fim;
- a segunda é que, se Omega existe realmente, é difícil conceber que seu supremo “Ego” não se faça sentir diretamente como tal, de algum modo, a todos os “egos” incoativos (isto é, a todos os elementos reflexivos) do Universo.

Desse ponto de vista, a antiga e tradicional idéia de “revelação” reaparece e se reintroduz (desta vez por via de biologia e de energética evolutiva) na Cosmogênses.

E também desse ponto de vista, 
a corrente mística cristã toma uma significação
e uma atualidade extraordinárias.

Pois, se é verdade que, de toda a necessidade energética, o processo de complexidade-consciência exige absolutamente, para se consumar, o calor de alguma Fé intensa, - é também verdade (e isso salta aos olhos desde que nos demos o trabalho de inspecionar á nossa volta) que não há presentemente nenhuma Fé em vista capaz de animar plenamente (amorizando-a) uma Cosmogênese de convergência, a não ser aquela Fé num Cristo “pleromizante” e “parusíaco” in quo omia constant (“Em que tudo subsiste”).

 

Ó Cristo Jesus, vós trazeis verdadeiramente em
vossa benignidade e em vossa Humanidade toda a implacável grandeza do Mundo. – E é por isso, por essa inefável síntese realizada em Vós, pelo fato de que a nossa experiência e o nosso pensamento jamais teriam ousado reunir para os adorar; o Elemento e a Totalidade, a Unidade e a Multiplicidade, o Espírito e a Matéria, o Infinito e o Pessoal, - é pelos contornos indefiníveis que essa complexidade dá à vossa Figura e à vossa Ação, que o meu coração, tomado pelas realidades cósmicas, se entrega apaixonadamente a Vós!

Eu vos amo, Jesus, pela Multidão que se abriga em Vós, e que ouvimos com todos os outros seres murmurar, orar, chorar... quando nos estreitamos contra Vós.

Eu vos amo pela transcendente e inexorável fixidez de vossos desígnios, pela qual a vossa doce amizade se matiza de inflexível determinismo e nos envolve implacavelmente nas dobras de sua vontade.
Eu vos amo como a Fonte, o Meio ativo e vivificante, o Termo e a Saída do Mundo, mesmo natural, e do seu Devir.

Centro em que tudo se encontra e que se distende sobre todas as coisas para reconduzi-las a si, eu vos amo pelos prolongamentos do vosso Corpo e da vossa Alma em toda a Criação, por meio da Graça, por meio da Vida, por meio da Matéria.

Jesus, doce como um Coração, ardente como uma Força, intimo como uma Vida – Jesus, em quem posso me fundir, com quem devo dominar e me libertar -, eu vos amo como um Mundo, como o Mundo que me seduziu – e sois Vós, agora vejo bem, sois Vós que os homens, meus irmãos, mesmo aqueles que não crêem, sentem e perseguem através da magia do grande Cosmo.

Jesus, centro para o qual tudo se move, dignai-vos preparar para nós, para todos, se possível, um lugar entre as mônadas escolhidas e santas que, despegadas uma por uma do caos atual pela vossa solicitude, se agregam lentamente em Vós na unidade da Terra nova.
(La Vie cosmique, 23 de março de 1916) 


Bendita sejas tu, áspera Matéria, gleba estéril, duro rochedo, tu que não cedes a não ser pela violência, e nos forças a trabalhar se quisermos comer.

Bendita sejas tu, poderosa Matéria, mar violento, paixão indomável, tu que nos devoras, caso não te acorrentemos.

Bendita sejas tu, poderosa Matéria, Evolução irresistível, Realidade sempre nascente, tu que a cada momento fazes explodir as nossas molduras, obrigando-nos a perseguir sempre mais longe a Verdade.

Bendita sejas tu, Matéria universal, Duração sem limites, Éter sem margens – Tríplice abismo das estrelas, dos átomos e das gerações -, tu que transbordas e dissolves nossas estreitas medidas, revelando-nos s dimensões de Deus.

Bendita sejas tu, Matéria impenetrável, tu que, estendida em todo lugar entre nossas almas e o Mundo das essências, nos deixas lânguidos com o desejo de penetrar o véu sem costura dos fenômenos.

Bendita sejas tu, Matéria mortal, tu que, ao te dissociares um dia em nós nos introduzirás, forçosamente, no próprio coração daquilo que existe.

Sem ti, Matéria, sem os teus ataques, sem as tuas arrancadas viveríamos inertes, estagnados, pueris, ignorando a nós mesmos e a Deus. Tu feres e curas, resistes e dobras, arruínas e constróis, acorrentas e libertas, - Seiva de nossas almas, Mãos de Deus, Carne de Cristo, Matéria, eu te bendigo.

- Eu te bendigo, Matéria, e te saúdo, não como te descrevem, reduzida ou desfigurada, os po ntífices da ciência e os pregadores da virtude – um monte, dizem eles, de forças brutais ou de apetites baixos -, mas tal como me apareces hoje, em tua totalidade em tua verdade.

Eu te saúdo, inesgotável capacidade de ser e de Transformação, onde germina e cresce a Substância eleita.

Eu te saúdo, potência universal de aproximação e de união, através da qual se liga a multidão das mônadas e na qual convergem todas sobre a rota do Espírito.

Eu te saúdo, fonte harmoniosa das almas, cristal límpido de onde é tirada a nova Jerusalém.

Eu te saúdo, Meio Divino, carregado de Potência Criadora, Oceano agitado pelo Espírito, Argila amassada e animada pelo Verbo encarnado.

- Crendo obedecer ao teu irresistível apelo, os homens, muitas vezes por amor a ti, se precipitam no abismo exterior dos gozos egoístas.
Um reflexo os engana, ou um eco.

Agora vejo bem.
Para te alcançar, Matéria, é preciso que, partindo do contato universal com tudo o que se move cá embaixo, sintamos pouco a pouco desvanecer entre nossas mãos as formas particulares de tudo o que seguramos, até que permaneçamos às voltas com a única essência de todas as circunstâncias e de todas as uniões.

Se quisermos ter a ti, é preciso que te sublimemos na dor, depois de te haver vuluptuosamente agarrado em nossos braços.

Tu reinas, Matéria, nas alturas serenas onde os Santos imaginam te evitar – Carne tão transparente e tão móvel que não te distinguimos mais de um espírito.

Eleva-me para o alto, Matéria, pelo esforço, pela separação e pela morte – eleva-me lá onde, enfim, será possível abraçar castamente o Universo.

Embaixo, sobre o deserto que voltara à tranqüilidade, alguém chorava:

“Meu Pai, meu Pai! Que vento louco o arrebatou!”
E por terra jazia um manto.
HINO AO UNIVERSO,
Pierre Teilhard de Chardin, 1881-1955, Ed. Paulus, 1994.
Gilberto Ribeiro e Silva

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