Manuel Garcia Morente
Fundamentos de Filosofia
Lições Preliminares
Lições Preliminares
Lição XXI
DO REAL E DO IDEAL
179. Categorias ônticas e ontológicas.
Na nossa primeira visão de conjunto sobre o campo todo da objetividade, encontramos quatro regiões em que a totalidade dos objetos se pode dividir. Numa primeira região colocamos as coisas reais; numa segunda região pomos os objetos ideais; na *erceira os valores, e na quarta região, os objetos metafísicos, dos quais pelo menos um, a vida, está imediatamente em nosso próprio poder e ao nosso alcance.Essas quatro esferas de objetos são intuídas imediatamente por nós. Imediatamente nos pomos em relação com as coisas; também de um modo imediato com os objetos ideais, como a igualdade ou o círculo; também de um modo imediato com os valores. Com o objeto fundamental da metafísica que é a vida, nossa vida, também estamos num contacto imediato, visto que a vida nos abrange a nós mesmos no mundo.
Assim, esta imediatez de nossa relação com os objetos nos permite facilmente descobrir, numa primeira visão, que entre estas quatro classes de objetividade existe uma diferença notória. Não é o mesmo ser coisa que ser objeto ideal; não é o mesmo ser objeto ideal ou ser coisa que ser valor. E quando nos referimos diretamente à vida, também advertimos, nessa referência direta e imediata, que se trata de um objeto de qualidade completamente diferente à dos anteriores.
Não poderemos por enquanto, assim de início, determinar por meio de conceitos aquilo que há de peculiar em cada uma dessas esferas de objetividade; não poderemos, na nossa intuição direta de cada um desses grupos de objetividade, encontrar, sem reflexão prévia, a característica diferencial de cada um dos grupos. Porém imediatamente notamos que são, na sua própria raiz, distintos. Assim como intuímos diretamente que entre este peso para papéis e esta lâmpada do ponto de vista do ser, não há uma diferença radical, intuímos também imediatamente que entre esta folha de papel e a raiz quadrada de três há, do ponto de vista do ser, uma diferença radical
Por conseguinte, apresenta-se-nos agora o problema de tentar determinar conceptualmente, por meio de conceitos, de noções, de pensamentos, em que consistem as diferenças radicais entre essas quatro modalidades da objetividade.
Suspeitamos, pois, somente com a intuição dela, que cada uma tem sua estrutura própria; que cada região do ser, cada região da objetividade tem sua própria forma. O problema ontológico que se nos apresenta em seguida é o de descobrir e definir, enquanto for possível, essas características próprias de cada região ontológica; tem que havê-las, visto que intuitivamente distinguimos entre os objetos de uma e os objetos da outra.
Pois bem; chamaremos categorias ônticas a essas estruturas próprias de cada região do ser; a essas estruturas que marcam com um tipo característico, com um modo característico do ser, cada uma dessas regiões ontológicas. Dar-lhes-emos o nome de categorias, porque com este nome ressuscitamos o sentido que seu autor, Aristóteles, lhes deu primitivamente. Para Aristóteles as categorias eram, com efeito, os estratos elementares e primários de todo ser. Chamá-las-emos ônticas para sublinhar que estas categorias são as estruturas mesmas das regiões objetivas.
A palavra "categoria" foi novamente usada por Kant, mas num sentido completamente distinto daquele de Aristóteles. Kant usa o termo de "categoria" para designar não a estrutura do próprio ser, mas aquelas condições que tornam o conjunto dos dados das sensações objeto do conhecimento, aquelas condições que o objeto recebe quando é pensado como objeto de conhecimento.
Por conseguinte, já em Kant as categorias não são propriamente ônticas, mas antes ontológicas. A diferença que se deve estabelecer entre estes dois termos é a de que empregamos o termo "ôntico" para designar aquelas propriedades características, estruturas e formas que são dos objetos enquanto seres. Ao contrário, empregamos o termo de objetividade "ontológica" para designar aquelas formas, estruturas ou modalidades que convém aos objetos enquanto que foram incorporados a uma teoria científica ou filosófica.
O objeto, enquanto ser, tem sua estrutura própria; a essa chamamos ôntica. Mas logo o objeto é elaborado de uma certa maneira pelo esforço do conhecimento; é elaborado pela filosofia, pela psicologia, pelas ciências particulares; e essa elaboração faz sofrer ao objeto algumas modificações; e as modificações que o objeto sofre pelo fato de ingressar na relação específica do conhecimento, essas modificações são as que chamaremos ontológicas. Porém, por debaixo das modificações ontológicas, perduram sempre as estruturas ônticas; porque estas não podem ser modificadas nem transformadas pelo fato de entrar o objeto a formar na relação do conhecimento.
Kant vê muito bem que o objeto, ao entrar na relação de conhecimento, tem que sofrer modificações pelo fato de ingressar nessa relação; e a elas chama categorias. Porém o erro de Kant, como o erro do idealismo em geral, é acreditar que o objeto não é objeto senão enquanto ingressa na relação de conhecimento; como se o homem não tivesse uma relação com objetos distinta, anterior e mais profunda que a relação de conhecimento.
O homem trata com os objetos, trata com as coisas, tem-nas, deseja-as, rejeita-as, maneja-as, manipula-as, independentemente de conhecê-las, antes de conhecê-las, depois de tê-las conhecido.
A relação de conhecimento é somente uma das muitas relações em que o homem pode entrar no mundo. Mas o idealismo é uma filosofia que atua desde o começo com a condicionalidade histórica de procurar um conhecimento indubitável, de iniciar-se numa teoria do conhecimento; por isso assenta como indiscutível um princípio que esteve valendo durante três séculos, e é que a única relação entre o homem e as coisas é a relação de conhecimento.
Tanto o idealismo quanto o realismo exagerados adotam, pois, um ponto de vista parcial e limitado no conjunto total do ser e da realidade. Esse ponto de vista parcial é o que devemos superar na metafísica atual, na ontologia atual; e por isso temos de nos colocar ingenuamente diante das diversas regiões do ser, e tentar fixar, com a maior precisão, as estruturas ônticas de cada uma dessas regiões.
De outra parte, este intento ou ensaio de determinar as estruturas ônticas, essas estruturas que chamamos categorias, tem outra conseqüência de uma importância fundamental.
Quando tivermos visto quais são as categorias estruturais próprias de cada região da objetividade, então advertiremos que essas estruturas pertencem aos objetos mesmos, ao grupo dos objetos mesmos; que impõem suas características aos métodos que o homem, como sujeito cognoscente, empregar para tomar conhecimento desses objetos. E checaremos facilmente à conclusão de que cada região ontológica tem suas características ônticas próprias; e que se a inteligência humana, desejosa de conhecer os objetos dessa região, não tomar em conta a estrutura ôntica peculiar dessa região e aplicar a ela métodos que não lhe são próprios ou peculiares, porque são métodos tirados de outras regiões em que há outras estruturas distintas, então, daqui, desta aplicação de métodos inadequados às estruturas peculiares de uma região, nascerão forçosamente equívocos, falhas ou más interpretações, que conduzirão as ciências a erros crassos.
Assim, por exemplo, poder-se-ia mostrar que durante mais de um século permaneceu o estudo da biologia detido nas simples descrições ou enumeração daquilo que se vê e se toca, pelo fato de que, ao iniciar o trabalho explicativo, os biólogos pensavam que não podiam aplicar mais métodos que os próprios métodos da física. Porém como os métodos da física são métodos que estão adequados a uma determinada região ôntica, a uma determinada região do >ser, e se ajustam às estruturas dessa região, resulta que ao serem aplicados sem discernimento ao objeto da biologia, tropeçam com impossibilidades que não se puderam evitar até finais do século XIX, quando finalmente os biólogos perceberam que é necessário aplicar ao método da biologia métodos adequados às estruturas próprias desse setor ou pedaço da realidade.
Isto é o que significa a frase, tão freqüente na filosofia atual, das "categorias regionais".
Os que forem leitores de livros atuais de filosofia terão visto, em Husserl sobretudo e em muitos outros filósofos, empregado o termo de "categorias regionais". O que isto significa é o que acabo de dizer, ou seja: que cada uma das regiões em que a totalidade dos objetos pode dividir-se tem sua estrutura própria que não é mais do que a expressão, em palavras, da estrutura mesma dessa região ôntica. Pelo contrário, as categorias intelectuais ou categorias ontológicas são aquelas que não respondem à estrutura mesma do objeto que se trata de estudar, antes respondem à transformação que esse objeto sofre tão logo entra na tarefa especifica do conhecimento científico.
180. Estrutura dos objetos reais.
Pois bem: se com essas prevenções iniciamos o estudo da primeira região que delimitamos no vasto campo da ontologia, verificamos que as coisas que chamamos coisas reais constituem um conjunto ao qual damos o nome de mundo; constituem um conjunto que é o mundo das coisas reais. Esse mundo das coisas reais tem uma estrutura õntica. Qual é esta estrutura? O que de início encontramos nessa estrutura é, evidentemente, o ser. Esse mundo de coisas reais é um mundo que é.E, que significa aqui ser?
Significa uma coisa muito simples, muito evidente, muito imediata: significa aquilo que "há" na minha vida. Está aí, na minha vida; tropeço com ele constantemente na minha vida; se fecho os olhos ao caminhar bato a cabeça no tronco de uma árvore. A árvore é, está aí, na minha vida. Existe. Nesse sentido, esse mundo das coisas reais possui essa primeira estrutura característica: ser. Possui o ser. Porém essa estrutura não será suficiente, nem de longe, para definir o conjunto das categorias ônticas deste mundo das coisas reais, visto que, além disto, este ser é um ser real.
Que significa real?
Vamos tomar aqui a palavra "real" no seu sentido estrito; seu sentido estrito é aquele que se deriva da voz latina res, que significa coisa. Este mundo de objetos, que é o mundo que é, que tem que ser, é, ademais, real. Seu ser é desse tipo especial que chamamos ser real. Quer dizer que não somente está aí, mas que está aí de um modo especial, à maneira como as coisas estão aí, como as res estão aí; independente do meu pensamento, perceba-as eu ou não; está como está esta coisa, essa outra coisa, aquela outra coisa, todas as coisas. Está com uma individualidade de presença, da qual, quando a percebo, me aposso direta e imediatamente; com uma presença individual que é a que designamos com a palavra "real".
Temos, pois, duas categorias ou determinações dessa primeira esfera de objetos: o ser e a realidade. Podemos acrescentar outras duas, que são também categorias ônticas dessa região. Podemos acrescentar a duração. As coisas do mundo em que vivemos que são reais, que têm ser, e precisamente ser real, necessariamente são reais no tempo. Isto é, têm um ser que começa a ser, que está sendo e que deixa de ser; têm um ser inserido no tempo; é, pois, o estar no tempo um dos caracteres desse mundo que chamei de coisas reais. A duração limitada ou temporalidade é, pois, a terceira das estruturas ônticas desse mundo das coisas reais, entre as quais vivemos.
À temporalidade acrescenta-se a causalidade. Nesse ser real no tempo, nesse ser que começa, que dura, que termina, que se transforma sucessivamente no tempo, todas essas transformações sucessivas acontecem numa forma de seqüência pressupostamente inteligível que se chama causalidade.
A categoria de causalidade está, por assim dizer, a cavalo entre as categorias ônticas e as ontológicas. De um lado, expressa a sucessão das transformações dos entes reais no tempo. De outro lado, expressa já uma posição de possível conhecimento, por quanto manifesta que essa sucessão de transformações no tempo é inteligível, é redutível a leis, é cognoscível. Deste lado, a categoria de causalidade não é só ôntica, mas também ontológica.
Temos, pois, em conjunto, quatro categorias ônticas fundamentais nas quais se expressa a estrutura dessa primeira região da objetividade, que são: o ser, a realidade, a duração e a causalidade.
Os objetos psíquicos também são; também são reais; também são reais no tempo e também obedecem a uma determinação no campo de nossa consciência. Todavia, existe entre eles uma diferença ôntica que percebemos intuitivamente. Em que consiste esta diferença de relação? Pois consiste simplesmente em que os objetos físicos são espaciais, enquanto que os objetos psíquicos não o são. Os objetos psíquicos não têm localização no espaço. Respondem estritamente às quatro categorias ônticas fundamentais, enquanto que os objetos físicos têm ademais uma localização no espaço.
O espaço é, pois, uma categoria regional do físico dentro do real. Dentro do real, o físico se distingue do psíquico por uma categoria ôntica regional que é o espaço; e até mesmo dentro do espaço, as divisões que fizermos entre objetos químicos, objetos físicos, objetos biológicos.
À temporalidade acrescenta-se a causalidade. Nesse ser real no tempo, nesse ser que começa, que dura, que termina, que se transforma sucessivamente no tempo, todas essas transformações sucessivas acontecem numa forma de seqüência pressupostamente inteligível que se chama causalidade.
A categoria de causalidade está, por assim dizer, a cavalo entre as categorias ônticas e as ontológicas. De um lado, expressa a sucessão das transformações dos entes reais no tempo. De outro lado, expressa já uma posição de possível conhecimento, por quanto manifesta que essa sucessão de transformações no tempo é inteligível, é redutível a leis, é cognoscível. Deste lado, a categoria de causalidade não é só ôntica, mas também ontológica.
Temos, pois, em conjunto, quatro categorias ônticas fundamentais nas quais se expressa a estrutura dessa primeira região da objetividade, que são: o ser, a realidade, a duração e a causalidade.
181. O físico e o psíquico.
Está terminado com isto tudo o que podemos dizer ontologicamente deste mundo das coisas reais? Não, não terminou, liste mundo dos objetos reais tem a particularidade ôntica de que não é um só mundo, mas pode encontrar-se nele, com suas quatro categorias estruturais e fundamentais, uma variedade e, ao mesmo tempo, uma superposição de camadas. Variedade, porquanto podemos, dentro dessas quatro categorias estruturais, dividir os objetos deste mundo em dois grandes grupos: os objetos físicos e os objetos psíquicos. Os objetos físicos são; são reais; são reais no tempo e se sucedem em causalidade.Os objetos psíquicos também são; também são reais; também são reais no tempo e também obedecem a uma determinação no campo de nossa consciência. Todavia, existe entre eles uma diferença ôntica que percebemos intuitivamente. Em que consiste esta diferença de relação? Pois consiste simplesmente em que os objetos físicos são espaciais, enquanto que os objetos psíquicos não o são. Os objetos psíquicos não têm localização no espaço. Respondem estritamente às quatro categorias ônticas fundamentais, enquanto que os objetos físicos têm ademais uma localização no espaço.
O espaço é, pois, uma categoria regional do físico dentro do real. Dentro do real, o físico se distingue do psíquico por uma categoria ôntica regional que é o espaço; e até mesmo dentro do espaço, as divisões que fizermos entre objetos químicos, objetos físicos, objetos biológicos.
Terá cada uma delas sua categoria regional ôntica. Assim, por exemplo, o objeto físico, além de estar no espaço, é mensurável; o objeto biológico, além de estar no espaço, não é mensurável, mas tem finalidade, algo intrínseca que rege seu desenvolvimento.
Atendendo somente às categorias ônticas estruturais de cada região, de cada sub-região, de cada sub-sub-região, até chegar, se se quiser, ao indivíduo, pode a ciência aplicar os métodos congruentes e convenientes para o conhecimento do grupo ontológico.
O pastor;o empregado de Banco, o moço que passeia pela rua, o filósofo enquanto não é filósofo, nas horas do dia em que não é filósofo (que são a maioria), o matemático enquanto não é matemático, mas homem como todo mundo, os homens no mergulho de sua própria vida, vivem num mundo "à mão"; quer dizer, para eles o mundo, o primeiro aspecto deste mundo de objetos reais, é simplesmente uma enorme coleção de coisas que manejam, que têm "à mão", com as quais vão fazendo umas coisas ou outras: móveis, ruas, casas, passarinhos de papel, e até mesmo comendo-as.
O’ homem fundamentalmente é isto; é aquele que vive nesse mundo que está à mão. Ninguém pergunta por quê, ou que é isto, ou que é aquilo, enquanto está vivendo e manejando o mundo, é a relação vital, imediata, em que este mundo se nos oferece. Este mundo à mão constitui, pois, a primeira camada.
Tudo se tornou um problema; e o homem então, nele, dá-se conta que procura aquilo que é cada uma dessas coisas, e cada uma dessas coisas apresenta agora duas faces: uma face. a de coisa no mundo "à mão"; mas outra face, a de isso que ela 6, e que ainda não sei o que é, e que está oculta na coisa primária no mundo "à mão". Aí está a árvore; eu me refugio nela, eu como seus frutos. Porém agora me digo:
O que é árvore?
E então o ser da árvore, que não tenho e ando procurando, aparece-me como algo que está dentro da árvore; e eu tenho que ir lá, literalmente, a descobri-lo, como se as coisas do mundo à mão fossem outros tantos véus que, tão logo se faz a pergunta: que é? se levantassem, se descobrissem. E no fundo dessa descoberta está a essência.
Este segundo mundo de perguntas e de problemas poderíamos chamá-lo o mundo teorético, empregando a palavra no sentido contemplativo que tem em grego; ou poderíamos chamá-lo o mundo problemático, o mundo dos problemas; ou então o mundo proposto à pesquisa, ao pensamento.
184. Mundo científico.
Porém com esta segunda camada não termina tudo, antes uma vez que descobri que as coisas têm um ser, uma essência, interessa-me descobrir essa essência que as coisas têm. Esse ser, no sentido de essência, que descobri que têm, quisera eu conhecê-lo. Então vêm os esforços seculares do homem para conhecer. E a terceira camada é o mundo científico. Para o pastor no campo a árvore é uma coisa que maneja, com a qual trabalha, com a qual convive. Mas para o biólogo é outra coisa. A biologia conhece a essência. A botânica conhece a essência da árvore; a física, a essência de cada coisa, e assim temos a terceira camada, que é o mundo científico. Mundo de essências descobertas depois que as coisas se tornaram problemas e que tais problemas foram resolvidos. Essas essências podem chegar a ser sensivelmente distintas do mundo manejável primitivo. Assim, por exemplo, do ponto de vista da física, este mundo, o mundo de que falamos, o mundo das coisas reais, temporais e causais, lesse mundo não é mais do que um sistema de números métricos; fórmulas matemáticas que expressam medidas e relações entre medidas. Nem mais, nem menos.
Já ao chegar a esse fundo do mundo das coisas reais tropeçamos, sem solução de continuidade, com um dos elementos de que está constituído o outro mundo, o das coisas ideais. Porque as essências assim são coisas ideais; elas constituem como que a segunda esfera dos seres e dos objetos. Coisas reais são cada um dos cavalos; porém a essência "cavalo" já não é real; é um objeto ideal.
Chegamos, pois, ao segundo grande grupo, ã segunda região, que é a região dos objetos ideais. Quais são estes objetos ideais? Pois principalmente são três os que conhecemos agora (pode ser que haja mais, porém a filosofia até hoje não pode comprovar mais do que estes três grupos de objetos ideais). Primeiro, as relações, as relações entre coisas. Se eu digo que duas coisas são iguais, a igualdade não é uma coisa, mas algo que não se parece nada com a coisa. É um objeto ideal. Se eu digo que duas coisas são semelhantes ou dessemelhantes, ou que uma é o dobro da outra, ou que é a metade da outra, o ser o dobro, a metade, ser semelhante ou ser dessemelhante, todas essas relações são objetos ideais.
As coisas são cada uma aquilo que são; porém somente por comparação pode-se dizer metaforicamente que uma coisa é a metade da outra; pois ser não é metade de nada. De modo que, primeiro, temos as relações. Segundo, os objetos matemáticos. Os objetos matemáticos também são ideais. O ponto, a linha, o círculo, os números, as raízes, os duplos, os triplos, os quádruplos, as razões, as proporções, os quadrados, os cubos, as diferenciais, as integrais; todos esses objetos matemáticos são também objetos ideais. E, por último, as essências são objetos ideais.
Os objetos ideais são, e nesse sentido são independentes de mim. Não são fenômenos psíquicos, como veio acreditando meia história da filosofia até hoje. Não são fenômenos psíquicos nem são vivências. Necessitamos talvez vivências para apreendê-los, como o coxo necessita muletas para caminhar. Necessitaremos provavelmente vivências para ir a esses objetos ideais. Necessitaremos, entre outras vivências, símbolos: escrever numa lousa uma letra V e um risco, e debaixo o numero três, que significa "raiz quadrada de três".
Mas é esse o objeto ideal?
Não, esse é o sinal com que eu designo esse objeto ideal. Necessitaremos talvez imagens para pensar nesses objetos ideais. Porém eles, pensados mediante essas imagens, são o termo mencionado, o representado pelas imagens, mas não as imagens mesmas. As imagens são vivências, mas o objeto ideal representado pelas imagens é distinto das imagens que o representam.
Atendendo somente às categorias ônticas estruturais de cada região, de cada sub-região, de cada sub-sub-região, até chegar, se se quiser, ao indivíduo, pode a ciência aplicar os métodos congruentes e convenientes para o conhecimento do grupo ontológico.
182. Mundo à mão.
Mas, além dessa divisão em sub-regiões, este mundo das coisas reais apresenta-nos camadas de profundidade. A primeira camada é aquela que chamaríamos o mundo "à mão". A palavra é esquisita. É um pouco esquisita; porém é talvez a maneira menos ruim de traduzir um termo forjado por Heidegger, que é das zuhandene Welt, ou "o mundo que está à mão". .O pastor;o empregado de Banco, o moço que passeia pela rua, o filósofo enquanto não é filósofo, nas horas do dia em que não é filósofo (que são a maioria), o matemático enquanto não é matemático, mas homem como todo mundo, os homens no mergulho de sua própria vida, vivem num mundo "à mão"; quer dizer, para eles o mundo, o primeiro aspecto deste mundo de objetos reais, é simplesmente uma enorme coleção de coisas que manejam, que têm "à mão", com as quais vão fazendo umas coisas ou outras: móveis, ruas, casas, passarinhos de papel, e até mesmo comendo-as.
O’ homem fundamentalmente é isto; é aquele que vive nesse mundo que está à mão. Ninguém pergunta por quê, ou que é isto, ou que é aquilo, enquanto está vivendo e manejando o mundo, é a relação vital, imediata, em que este mundo se nos oferece. Este mundo à mão constitui, pois, a primeira camada.
183. Mundo problemático.
Mas este mundo de coisas com as quais vivemos apresenta às vezes resistência aos nossos desejos. Eu vou caminhando pela rua e me choco com algo; eu como uma fruta no bosque e resulta que me faz mal, causa-me dor; e então esta resistência que o homem sente nesse mundo cria ao homem problemas; então, o homem diz: o que é isto? Tão logo o homem pronuncia estas palavras: o que é isto? desaparece a primeira camada deste mundo, do mundo que maneja, e então já não são coisas que há, mas pontos d interrogação, problemas. Aparece outro mundo; esse mesmo de antes, o mesmo, porém agora já problemático, em que cada coisa se tornou um problema. O que é a árvore?
O que é o fruto?
O que é a pedra?
O que é o ar?
O que é a luz?
Tudo se tornou um problema; e o homem então, nele, dá-se conta que procura aquilo que é cada uma dessas coisas, e cada uma dessas coisas apresenta agora duas faces: uma face. a de coisa no mundo "à mão"; mas outra face, a de isso que ela 6, e que ainda não sei o que é, e que está oculta na coisa primária no mundo "à mão". Aí está a árvore; eu me refugio nela, eu como seus frutos. Porém agora me digo:
O que é árvore?
E então o ser da árvore, que não tenho e ando procurando, aparece-me como algo que está dentro da árvore; e eu tenho que ir lá, literalmente, a descobri-lo, como se as coisas do mundo à mão fossem outros tantos véus que, tão logo se faz a pergunta: que é? se levantassem, se descobrissem. E no fundo dessa descoberta está a essência.
Este segundo mundo de perguntas e de problemas poderíamos chamá-lo o mundo teorético, empregando a palavra no sentido contemplativo que tem em grego; ou poderíamos chamá-lo o mundo problemático, o mundo dos problemas; ou então o mundo proposto à pesquisa, ao pensamento.
184. Mundo científico.
Porém com esta segunda camada não termina tudo, antes uma vez que descobri que as coisas têm um ser, uma essência, interessa-me descobrir essa essência que as coisas têm. Esse ser, no sentido de essência, que descobri que têm, quisera eu conhecê-lo. Então vêm os esforços seculares do homem para conhecer. E a terceira camada é o mundo científico. Para o pastor no campo a árvore é uma coisa que maneja, com a qual trabalha, com a qual convive. Mas para o biólogo é outra coisa. A biologia conhece a essência. A botânica conhece a essência da árvore; a física, a essência de cada coisa, e assim temos a terceira camada, que é o mundo científico. Mundo de essências descobertas depois que as coisas se tornaram problemas e que tais problemas foram resolvidos. Essas essências podem chegar a ser sensivelmente distintas do mundo manejável primitivo. Assim, por exemplo, do ponto de vista da física, este mundo, o mundo de que falamos, o mundo das coisas reais, temporais e causais, lesse mundo não é mais do que um sistema de números métricos; fórmulas matemáticas que expressam medidas e relações entre medidas. Nem mais, nem menos.
185. Estrutura dos objetos ideais.
Assim, pois, esta esfera das coisas reais vê-se que é complexa no sentido das camadas sucessivas. Nessa série das camadas do mundo das coisas reais passamos da coisa no mundo "à mão" ao problema, e do problema ao conceito da essência. Porém esse conceito já não é uma coisa no mundo das coisas reais; já a essência assim não é uma realidade; não está no tempo e não é mutável e perecível.Já ao chegar a esse fundo do mundo das coisas reais tropeçamos, sem solução de continuidade, com um dos elementos de que está constituído o outro mundo, o das coisas ideais. Porque as essências assim são coisas ideais; elas constituem como que a segunda esfera dos seres e dos objetos. Coisas reais são cada um dos cavalos; porém a essência "cavalo" já não é real; é um objeto ideal.
Chegamos, pois, ao segundo grande grupo, ã segunda região, que é a região dos objetos ideais. Quais são estes objetos ideais? Pois principalmente são três os que conhecemos agora (pode ser que haja mais, porém a filosofia até hoje não pode comprovar mais do que estes três grupos de objetos ideais). Primeiro, as relações, as relações entre coisas. Se eu digo que duas coisas são iguais, a igualdade não é uma coisa, mas algo que não se parece nada com a coisa. É um objeto ideal. Se eu digo que duas coisas são semelhantes ou dessemelhantes, ou que uma é o dobro da outra, ou que é a metade da outra, o ser o dobro, a metade, ser semelhante ou ser dessemelhante, todas essas relações são objetos ideais.
As coisas são cada uma aquilo que são; porém somente por comparação pode-se dizer metaforicamente que uma coisa é a metade da outra; pois ser não é metade de nada. De modo que, primeiro, temos as relações. Segundo, os objetos matemáticos. Os objetos matemáticos também são ideais. O ponto, a linha, o círculo, os números, as raízes, os duplos, os triplos, os quádruplos, as razões, as proporções, os quadrados, os cubos, as diferenciais, as integrais; todos esses objetos matemáticos são também objetos ideais. E, por último, as essências são objetos ideais.
186. Ser.
Perguntemos agora: Qual é a estrutura ôntica, quais são as categorias ônticas dessa região que chamamos objetos reais? E temos que a primeira é comum a essa região com a anterior, e é o ser. Estes objetos são, têm ser. Que significa que têm ser? Pois significa que estão no meu mundo, estão aí; não no mundo das coisas reais; porém estão aí e eu saio a procurá-los, do mesmo modo que posso ir procurar um amigo pela rua. Ponho-me a procurá-las e as encontro. E quando as encontro, quando encontro um desses objetos, me encontro com um complexo e com os pensamentos que eu tenho desse objeto. Os pensamentos que eu tenho que ter acerca desse objeto não serão quaisquer uns ou caprichosos, antes serão aqueles que o objeto for. Eu, do círculo, não posso dizer o que quiser. Tenho que dizer que os pontos estão a igual distância do centro. Tenho que dizer que um hexágono regular inscrito dentro do círculo tem seus lados iguais ao raio. Não posso, pois, dizer o que quiser.Os objetos ideais são, e nesse sentido são independentes de mim. Não são fenômenos psíquicos, como veio acreditando meia história da filosofia até hoje. Não são fenômenos psíquicos nem são vivências. Necessitamos talvez vivências para apreendê-los, como o coxo necessita muletas para caminhar. Necessitaremos provavelmente vivências para ir a esses objetos ideais. Necessitaremos, entre outras vivências, símbolos: escrever numa lousa uma letra V e um risco, e debaixo o numero três, que significa "raiz quadrada de três".
Mas é esse o objeto ideal?
Não, esse é o sinal com que eu designo esse objeto ideal. Necessitaremos talvez imagens para pensar nesses objetos ideais. Porém eles, pensados mediante essas imagens, são o termo mencionado, o representado pelas imagens, mas não as imagens mesmas. As imagens são vivências, mas o objeto ideal representado pelas imagens é distinto das imagens que o representam.
187. Intemporalidade.
Têm, pois, estes objetos ideais ser, do mesmo modo que os objetos reais; porém o ser desses objetos ideais não é a realidade; e não é a realidade, porque esses objetos ideais — e aqui vem seguidamente a categoria correspondente — são intemporais. Não nascem no tempo, nem perecem no tempo, nem se transformam ao longo do tempo. O triângulo é fora do tempo, de qualquer tempo. Não começa a ser um belo dia no sul da Itália, quando os Pitagóricos começam a pensar em geometria; não começa a ser então, mas quando então o descobriram os Pitagóricos, como Colombo descobriu a América. Descobriram o triângulo que não terminará de ser; mas se algum dia, por catástrofe miraculosa, deixasse de haver homens sobre a terra, deixaria de haver quem pensasse no triângulo, porém não deixaria de haver triângulo. Deixaria de haver quem pensasse nisso, porém nem por isso deixaria de haver triângulo.Da mesma forma, se se destruir a humanidade e venha a surgir outra nova humanidade, que tenha esquecido por completo a nossa própria história, ninguém neste mundo saberá sequer que existiu um homem chamado Péricles. E todavia, existiu.
Assim é que a intemporalidade é característica -destes objetos ideais, que não estão no tempo, nem começam a ser num momento, nem deixam de ser noutro momento, antes são fora do tempo. Não digamos eternamente porque é um conceito, o da eternidade, cheio de dificuldades. Digamos somente fora do tempo, intemporal.
188. Idealidade.
Chegamos à terceira categoria deste grupo, que é a idealidade. O que se entende por idealidade? Pois entendemos por idealidade o contrário de causalidade. Como se explica, ou melhor dizendo,] em que consistem as variações temporais das coisas no mundo dos objetos reais? Consistem em que se empurram e sucedem umas às outras; os fatos de consciência sucedem-se uns aos outros e a causalidade expressa, de um lado, o caráter ôntico dessa sucessão, e, de outra de suas fases, o caráter ontológico da inteligibilidade dessa sucessão. Mas os objetos ideais não se causam uns aos outros; o ponto não causa a linha, a linha não causa o triângulo, nem o círculo causa a esfera, antes esses objetos ideais são uns com relação aos outros numa conexão que não é a causai, mas é a de implicar-se idealmente, como a conclusão está implicada na premissa de um silogismo. Essa implicação é aquilo que chamamos idealidade.De maneira que para estudar os objetos matemáticos não serve para nada o conceito de causa; o que unicamente serve é intuir como cada objeto matemático é implicado ou implica outros objetos matemáticos na pureza de sua própria definição ideal. Isto é o que chamamos Idealidade, que se opõe à realidade. A realidade, que no começo nos resultou algo difícil de explicar e que expliquei dizendo que era a presença individual, a realidade está intimamente enlaçada com a causalidade. Porém aqui, onde não há causalidade, a conexão entre os indivíduos deste grupo de objetos ideais é uma conexão ideal.
Por isso chamamos àqueles reais, e a estes ideais, porque tínhamos tomado para designá-los aquela categoria ôntica típica da região. Na região anterior era típica a categoria de presença individual., causai, efetiva, no pleno sentido da palavra "efetiva", e por isso os chamávamos objetos reais, de res, coisa. E a estes, tomando também a categoria mais típica e própria da região, temos que chamá-los objetos ideais, porque nesta região a terceira categoria deles, a idealidade, é propriamente a mais característica.
Antes de prosseguir no estudo e exame ôntico das outras duas esferas ou regiões da objetividade, convém uns minutos de detenção sobre um problema que nesse momento se apresenta.
Esta censura é completamente injusta; esta crítica é completamente infundada. Os que isto dizem, não têm a menor razão e, sobretudo, não se inteiraram daquilo que a novíssima ontologia se propõe e pretende. Como se pode dizer que nossa ontologia destrói a unidade do ser, quando, pelo contrário, acabamos de ver que a primeira coisa que fizemos, ao enumerar as categorias estruturais e ônticas de cada uma dessas duas regiões, foi começar pela mesma, o ser? De modo que encontramos a mesma categoria, o ser, como primeira categoria de objetos ideais. Aquilo que distingue uns de outros não é, pois, que uns sejam e os outros não sejam; os dois são; aí está a unidade do ser. Porém uns são reais e outros são ideais.
Ou por acaso pretendem estes filósofos monistas ou identificistas que não haja mais do que um só modo de ser? Mas então tornaria-mos a recair infalivelmente em todas as complicações e contradições do ultra-realismo e do ultra-idealismo. Porque a única unidade não pode ser uma unidade de identidade, antes tem que ser uma unidade de analogia, de conexão, de compenetração, que permita a diversidade; porque o ser é, porém é ao mesmo tempo diverso.
Mas não somente vimos que na nossa enumeração das categorias, nas duas regiões, a primeira das categorias, em ambas regiões, foi o ser, senão ademais, vimos que nossa chegada à região dos objetos ideais se deu porque a ela nos levou o aprofundamento na camada dos objetos reais. Quando descrevemos as camadas sucessivas do mundo dos objetos reais, passamos das coisas com que vivemos e manejamos, que temos à mão, a torná-las problemas: o que é isto?
O problema era o anúncio de que havia uma essência por descobrir lá dentro. A ciência vem depois descobrir essa essência, e isto que a ciência adquiriu, o que é? Pois isto é objeto ideal. Fomos conduzidos à segunda região pela simples penetração na profundidade dentro da primeira, ao término da qual e sem solução de continuidade, nos encontramos já na segunda. Isto quer dizer que entre as duas regiões há uma homogeneidade. Esse algo que já haviam visto Aristóteles e os escolásticos quando falavam do "ente"; que o termo "ser" não é como um gênero que tenha espécies, senão que cada uma das espécies do ser está incluída no ser, não como a espécie no gênero, mas por analogia entitativa.
O único momento um pouco difícil, ou dramático, vai ser quando cheguemos aos valores, a essa região ontológica que chamamos valores. Porque aí vamos tropeçar com uma estrutura ôntica tão particular, que é a estrutura ôntica em que a categoria de ser não se dá. Os valores não são. De modo que essa categoria estrutural do ser, que é a primeira que enumeramos para os objetos reais e para os objetos ideais, vamos ter que negá-la aos valores, sem que isso queira dizer, como talvez presumam os monistas ou identidistas, que tais valores se reduzem ao "não-ser".
Antes de prosseguir no estudo e exame ôntico das outras duas esferas ou regiões da objetividade, convém uns minutos de detenção sobre um problema que nesse momento se apresenta.
189. A unidade do ser.
Um certo número de filósofos censura gravemente esse tipo de ontologia que está em formação na filosofia atual. Está inacabado. É o conjunto dos problemas em que trabalham atualmente os filósofos. E censuram esta tentativa e a própria idéia de "categorias regionais" e de estruturas regionais do ser". Censuram-na acusando-a de que divide e parte em dois, ou em três, ou em quatro, a fundamental unidade do ser. Dizem: essa ontologia é uma ontologia dua-lista ou pluralista; toma o ser e o parte em dois; de um lado, as que se chamam coisas reais, e de outro lado os objetos ideais. Porém isto não é assim, tem que haver uma unidade do ser.Esta censura é completamente injusta; esta crítica é completamente infundada. Os que isto dizem, não têm a menor razão e, sobretudo, não se inteiraram daquilo que a novíssima ontologia se propõe e pretende. Como se pode dizer que nossa ontologia destrói a unidade do ser, quando, pelo contrário, acabamos de ver que a primeira coisa que fizemos, ao enumerar as categorias estruturais e ônticas de cada uma dessas duas regiões, foi começar pela mesma, o ser? De modo que encontramos a mesma categoria, o ser, como primeira categoria de objetos ideais. Aquilo que distingue uns de outros não é, pois, que uns sejam e os outros não sejam; os dois são; aí está a unidade do ser. Porém uns são reais e outros são ideais.
Ou por acaso pretendem estes filósofos monistas ou identificistas que não haja mais do que um só modo de ser? Mas então tornaria-mos a recair infalivelmente em todas as complicações e contradições do ultra-realismo e do ultra-idealismo. Porque a única unidade não pode ser uma unidade de identidade, antes tem que ser uma unidade de analogia, de conexão, de compenetração, que permita a diversidade; porque o ser é, porém é ao mesmo tempo diverso.
Mas não somente vimos que na nossa enumeração das categorias, nas duas regiões, a primeira das categorias, em ambas regiões, foi o ser, senão ademais, vimos que nossa chegada à região dos objetos ideais se deu porque a ela nos levou o aprofundamento na camada dos objetos reais. Quando descrevemos as camadas sucessivas do mundo dos objetos reais, passamos das coisas com que vivemos e manejamos, que temos à mão, a torná-las problemas: o que é isto?
O problema era o anúncio de que havia uma essência por descobrir lá dentro. A ciência vem depois descobrir essa essência, e isto que a ciência adquiriu, o que é? Pois isto é objeto ideal. Fomos conduzidos à segunda região pela simples penetração na profundidade dentro da primeira, ao término da qual e sem solução de continuidade, nos encontramos já na segunda. Isto quer dizer que entre as duas regiões há uma homogeneidade. Esse algo que já haviam visto Aristóteles e os escolásticos quando falavam do "ente"; que o termo "ser" não é como um gênero que tenha espécies, senão que cada uma das espécies do ser está incluída no ser, não como a espécie no gênero, mas por analogia entitativa.
O único momento um pouco difícil, ou dramático, vai ser quando cheguemos aos valores, a essa região ontológica que chamamos valores. Porque aí vamos tropeçar com uma estrutura ôntica tão particular, que é a estrutura ôntica em que a categoria de ser não se dá. Os valores não são. De modo que essa categoria estrutural do ser, que é a primeira que enumeramos para os objetos reais e para os objetos ideais, vamos ter que negá-la aos valores, sem que isso queira dizer, como talvez presumam os monistas ou identidistas, que tais valores se reduzem ao "não-ser".
Fonte:
CONSCIÊNCIA:ORG
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