segunda-feira, 14 de março de 2011

INTUICIONISMOS ESPIRITUALISTAS. - Bergson e Blondel

 
XIII -INTUICIONISMOS ESPIRITUALISTAS.
 
 
422. Religião com apoio em experiências intuicionistas. Uma série de filósofos modernos, - em que desde o século 19 se destacaram sobretudo os intuicionistas Bergson e Blondel, e um outro grupo denominado modernista - se apóia em experiências intuicionistas, com características alógicas, para desenvolverem um espiritualismo de resultado relativamente vasto. Estes intuicionismos conferem em parte com orientações com orientações já definidas anteriormente, pelos recursos adotados, e também pelos resultados atingidos. Mas, em um e outro caso também diferem.  
 
Em filosofia da religião estes intuicionismos espiritualistas são mencionados, porquanto desenvolvem doutrinas peculiares sobre Deus e sobre a religiosidade em geral. 

As experiências intuicionistas e alógicas dizem apoiar-se em estados de alma, ditos sentimentos, aspirações, ânsias, ações e situações similares, que se acredita exercerem alguma intencionalidade cognitiva especial. Indicações similares ocorrem em todos aqueles que operam sob a denominação de místicos.
Didaticamente podem ser apresentados em dois itens:
- Intuicionismos espiritualistas, tipo Bergson e Blondel (vd 423); - modernismo em teologia (vd 432).
  A). 
INTUICIONISMOS ESPIRITUALISTAS 
                   TIPO BERGSON E BLONDEL.
 
424. Primeiros intuicionistas espiritualistas. Dentre os pensadores espiritualistas com apoiamento intuicionista destacaram-se inicialmente Laromiguière (1756-1837), Maine de Biran (1766-1824); Victor Cousin (1792-1867), Emile Boutroux (1845-1918).
Mais recentemente se destacou particularmente o intuicionismo de Henry Bergson (1859-1941) (vd 425), que fora discípulo de Emile Boutroux, antes mencionado. 
Também se destacou Maurice Blondel (1870-1954) (vd 430), sucessor, aliás de Bergson, no Collège de France.
 
Declara, por exemplo, Laromiguière:
"Entre o grande número de idéias que são objeto das ciências metafísicas e morais, ocorrem algumas, que parecem pertencer a faculdade desconhecidas, e que parecem esconder-se na profundeza do nosso ser" (Leçons, t. I p. 36, 3 ed.).
Emile Boutroux, referindo-se à necessidade de uma fonte criadora da natureza:  

"Deus é este ser mesmo do qual sentimos a ação criadora 
no mais profundo de nós mesmos, 
em meio dos nossos esforços 
para nos aproximar Dele".
 
425. Henry Bergson (1859-1941), filósofo e literato francês de grande projeção, deu destaque ao espiritualismo empírico-intuicionista que propôs. 
Judeu nascido em Paris, de pai polonês e mãe inglesa, Henry Bergson estudou no Liceu Condorcet. Ingressando em 1878 na Escola Normal Superior, atingiu a agregação em 1881, o doutorado em letras, em 1889.
Professor vários anos na escola secundária, - em Angers (1881-1883), Clermont-Ferrand, Louis-le-Grand, por último no Liceu Henrique IV de Paris. Professor de filosofia na Escola Normal Superior, de 1897 a 1900, passando então ao Collège de France, com longo tirocínio, de 1900 a 1921. Eleito para a Academia Francesa (de Letras), em 1914. 

Prêmio Nobel de literatura, em 1927, havendo sido aliás um excelente ensaísta, com estilo brilhante. 

Obras de mais destaque, de Bergson:
Ensaio sobre os dados imediatos da consciência (Essai sur le données immédiates de la conscience, 1889), tese; 
A idéia de lugar em Aristóteles (Quid Aristoteles de loco senserit, com tradução francesa - L’idée de lieu chez Aristote, 1889), tese;
Matéria e memória. Ensaio sobre as relações do corpo com o espírito (Matière et mémoire, essai sur la relation du corps à l’esprit, 1896)
O riso, ensaio sobre a significação do cômico (Le rire, essai sur la signification du comique, 1900); 
A evolução criadora (L’ évolution créatrice, 1907), obra principal; 
A energia espiritual (L’énergie spirituelle, 1919), coleta de artigos e conferências; 
Duração e simultaneidade (A propósito da teoria de Einstein) (Durée et simultanéité. À propos de la théorie d’Einstein, 1922);
As duas fontes da moral e da religião (Le deux sources de la morale et de la religion, 1932); 
O pensamento e o movimento (La pensée et le mouvant, 1934),

 
426. Duas fontes de conhecimento, - intuição e razão. O ponto de partida da filosofia de Bergson é admissão inicial, - depois de criticar o conhecimento conceitual, - de duas fontes desiguais de conhecimento: a intuição, descrita como procedimento alógico, capaz de atingir a realidade com mais autenticidade que a simples razão, ou inteligência, reduzida a operar a realidade apenas pelas suas relações extrínsecas, como acontece na ciência experimental.  

A intuição foi também comparada por Bergson ao conhecimento místico, que ele admite acontecer habitualmente, sobretudo em certos homens dotados de conhecimentos especiais. O mesmo aconteceria no processo da poesia e da percepção artística mais profunda. 

É a intuição o primeiro instante do conhecimento, o qual atinge, por esta primeira operação cognoscitiva o fundamento das coisas, em si mesmas, em absoluto e não apenas por relações. A filosofia é uma reflexão sobre os dados da intuição. 

Descobre a intuição a realidade como duração. A esta descreveu Bergson como élan vital. Finalmente por ali chega a Deus e à religião. No entender de Bergson, a duração (ou o devir) é alcançada em si mesma apenas pela intuição, e seu conteúdo, como já se adiantou, é o objeto da filosofia.
 
Na intuição opera o homem sapiens; no outro conhecimento, o homem faber.
No seu cotidiano, o homem costuma ser primeiramente um homem faber; progredindo, passa a ser um homem sapiens.
Contrastando com a filosofia como reflexão sobre os dados da intuição, o outro tipo de conhecimento, peculiar à ciência, opera a partir de elementos já conhecidos, que são inter-relacionados.
Que dizer sobre a distinção dos dois tipos de conhecimento destacados por Bergson?  

Efetivamente, a ciência, embora opere com dados diretamente experimentados e diretamente entendidos, depois disto não evolui mais longe que a descoberta de relações extrínsecas, também só verificados experimentalmente e assim apenas entendidos. 
A inteligência pura também segue para o conhecimento das relações meramente inteligíveis, em que aliás consiste grande parte da filosofia. Este outro conhecimento puro parece haver sido confundido por Bergson, com sua intuição. Esta, a intuição, nada mais é do que o momento mais sutil da inteligência comum.
 
427. A nova metafísica de Bergson, com base na intuição, se distancia das metafísicas amplamente desenvolvidas, não somente com a intuição inicial do ser, mas ainda com os resultados racionalísticos de do raciocínio dedutivo. Nesta nova metafísica com os resultados obtidos apenas pela intuição, a realidade é o élan vital, porque matéria e vida não são senão momentos da mesma coisa, intuída pelo conhecimento. 

Dito de outro modo, a realidade cosmológica se compõe de dois elementos, matéria e élan vital (corrente vital). Ali a dualidade matéria e forma do sistema aristotélico é transposta para a linguagem colorida de Bergson. 

Ao aproveitar o termo élan vital, Bergson quis caracterizar a índole operante deste principio, e não indicar apenas um dos tipos de élan, o da vida biológica animal. É também este o sentido de forma ou ato, em Aristóteles, ainda que Bergson o acuse indevidamente de estaticistas os sistemas antigos.
Quando insiste que matéria e espírito são impulsos constitutivos da mesma duração, -da qual são os extremos, - Bergson é monista e evolucionista. Apresenta sinais aqui de haver sido influenciado pelo positivismo evolucionista de John Stuart Mill (1806-1873) (vd), um dos autores por ele preferidos inicialmente.  

Além disto, o reducionismo de Bergson está em favor do espírito, e não a favor da matéria. Interpretou a matéria como sendo um estágio do próprio espírito, ou seja do psíquico, quando em estado menos ativo. Portanto, a matéria é como uma degradação da vida com momentos menos ativos. O que acontece são alterações qualitativas, ora em estágio de espírito, ora em estágio de matéria.  

O élan vital é o devir em sua marcha criadora, como virtualidade deste devir. Direções materiais e espirituais, evoluções diferenciando-se em instintivas e intelectuais continuam sempre formas da mesma realidade. 
A memória é o elemento integrador dos momentos da duração. Há neste intuicionismo uma evidente oposição ao positivismo e ao empirismo em geral.
De outra parte, não é um racionalismo cartesiano. Insere-se o bergsonismo na tendência de alguns filósofos modernos, que, desde Blaise Pascal (vd), se apóiam numa intuição, descrita ora mais alogicamente, ora mais ecleticamente.
 
428. Deus, para o intuicionismo de Bergson, é o princípio supremo e absoluto do qual se origina o impulso constante da realidade cósmica do élan vital.
Comparou Bergson a Deus com um chispear contínuo a lançar os raios de uma grande luz. Nesta comparação de Bergson o Criador é como o centro de irradiação dos fogos de artifício, em que o resultado destes representaria a diversidade dos mundos
 
Deus e o mundo são praticamente a mesma coisa, vista esta em fases diferenciadas. Este monismo, sobre o qual Bergson contudo não insistiu, foi descrito como evolução criadora. Deus é um imenso fazer-se, não é nada terminado, como se fosse todo feito (tout fait). Ele é vida sem cessar, é um agir sempre, é liberdade. 
 
Para afastar o caráter monista de tais expressões em Bergson, tem-se procurado apoio em algumas de suas cartas, que parecem dizer que a duração em Deus é diferente da nossa. 
Se este impulso se considerar independente do seu princípio de origem, como a água que brota da fonte, é evidente que a concepção bergsoniana se apresenta francamente teísta. 

Mas, a obscuridade desta parte do seu pensamento tem deixado lugar as discussões. Embora Bergson tenha declarado peremptoriamente que não era panteísta, as dificuldades poderão manter-se.  

Quando o jesuíta francês Joseph de Tonquédec (1868-1962) o qualificou de monista, Bergson respondeu com duas cartas, que não era monista e nem panteísta, e que seu sistema admitia um Deus criador, origem do impulso vital. As duas cartas de Bergson foram publicadas na revista Ètudes (de 20-01-1912).

 
429. Moral aberta e moral fechada. No sistema bergsoniano a moral surge como uma necessidade da vida, revelando-se como amor, ao modo como é alcançado pela experiência mítica e praticada pelos místicos. Esta é a moral da sociedade aberta
Há também a moral resultante da pressão social, a moral da sociedade fechada, produzida pela razão comum. Ao estabelecer na necessidade da vida a fonte da moral, Bergson se opôs à ética a priori de Kant, como também ao do positivismo em geral. 

De índole tolerante, Bergson teve relacionamento com os praticantes dos fenômenos espíritas como também com os católicos. Disse mesmo admirar o catolicismo, todavia como um aperfeiçoamento do judaísmo, em cujo contexto étnico fez contudo questão de se manter. 

"Minhas reflexões levaram-se cada vez mais perto do catolicismo, onde vejo o acabamento completo do judaísmo. Ter-me-ia convertido, se não tivesse visto preparar-se desde há anos (em grande parte infelizmente pela culpa de um certo número de judeus inteiramente desprovidos de senso moral) a formidável vaga de anti-semitismo que vai desabar sobre o mundo. Quis ficar entre os que serão amanhã perseguidos" (Testamento, de 8-2-1937). 

 
430. Maurice Blondel (1861-1949), filósofo francês, nascido em Dijon, que pensara inicialmente ser sacerdote. Foi sempre um homem generoso e se fez conhecer por um sistema intuicionista denominado Filosofia da ação.
Defendeu tese de doutorado em 1893. Mestre de conferências na Universidade de Lille, 1895-1896. Professor em 1897 na Universidade de Aix-en-Provence, permanecendo no posto até sua enfermidade em 1927, aumento de surdez e diminuição de visão. Continuou na mesma cidade, escrevendo sempre. 
 
Obras de Blondel:
A ação. Ensaio de uma crítica da vida e de uma ciência da prática (L’action. Essai d’une critique de la vie et d’une science de la practique, 1893), tese de doutorado, que teve repercussão; 
Do vínculo substancial e da substância composta em Leibniz (De vinculo substanciali et de substantia composita apud Leibnitium, 1972 em tradução francesa Le lien substantiel et la substance composée d’ après Leibniz, 1893), pequena tese; 
O processo da inteligência (Le procès de l’intelligence, 1922), em colaboração com Archambault; 
O itinerário filosófico de Blondel (L’intinéraire philosophique de Maurice Blondel, 1928),coletânea de textos, por F. Lefèvre; 
O problema da filosofia católica (Le problème de la philosophie catholique, 1932);
O pensamento (La pensée, vols., 1932-1934), importante; O ser e os seres. Ensaio de uma ontologia concreta e integral (L’être et les êtres. Essai d’une ontologie concrète e intégrale, 1935); 
A ação (L’action, I: Le problème des causes secondes et le pur agir, 1936, II: L’Action humaine et les conditions de son aboutissement, 1937), 2 vols., sendo este livro chamado "segunda Action" para distingui-lo da obra de 1893, dita "primeira Action"; 
Luta pela civilização e filosofia da paz (Lutte pour la civilisation et philosophie de la paix, 1939); 
A filosofia e o espírito cristão (La philosophie et l’esprit chrétien, 2 vols., 1954-1950); Cartas filosóficas de Maurice Blondel (Lettres philosophiques de Maurice Blondel, 1951).
 
Fez-se Blondel conhecer como chefe da filosofia da ação, partindo de um intuicionismo inicial, irrompendo depois para uma espiritualismo metafísico antipositivista, com aparência neoplatônica e tomista, eclética e misticista, com algumas moderações, e que o aproximam ao existencialismo cristão.
A ação é um acontecimento originário, que se coloca como fato inicial. Além de acontecimento originário, a ação apresenta implicações e se estabelece com integrações com outros elementos. E assim, a ação enquanto acontece, vai revelando a realidade. Portanto, a ação enquanto revela, se institui como conhecimento da realidade; distinto do conhecimento nocional, o conhecimento pela ação atinge algo mais no objeto. 

No seu entender, não basta o conhecimento nocional como aquele da metafísica tomista. O misticismo se desenvolve a partir do conhecimento real. Não se trata de tomar a ação como sucesso, ao modo do pragmatismo, como quis William James, mas da ação enquanto é consciência de si mesma, e nessa consciência diga algo mais do que a simples noção.
Aceita embora por muitos, a tese da ação como via originária de conhecimento foi muito contestada, o que ocupou a Blondel em defendê-la no curso de toda a sua vida e em quase todos os seus escritos.

 
B). O MODERNISMO EM TEOLOGIA.
 
433. Modernismo (em teologia) foi um nome pomposo para um movimento, surgido depois de 1900 entre alguns teólogos católicos de grande prestígio. 
Em primeiro lugar, alinha-se o modernismo entre as muitas tentativas da busca alógica da verdade.
 
Por acréscimo, o modernismo também procurou mostrar a fragilidade das religiões sobrenaturalistas, sobre a cristã, ao mesmo tempo que lhes dando uma nova fundamentação, a qual seria também progressiva e universalizante. 
Ao se avaliar o modernismo (vd 438), importa distinguir entre duas faces das atividades dos modernistas. É possível que uns tenham sido bons filósofos, enquanto outros bons críticos das estruturas religiosas, sobretudo das que se apresentam com tendo base sobrenaturalista.  

Como se disse, o modernismo, aceitando as objeções aplicadas à inteligência racionalista, busca particularmente a verdade religiosa, através da via do sentimento profundo. Mas, se esta posição for reformulada, continua o modernismo ainda com suas restrições ao sobrenaturalismo oferecido por muitas das religiões. Este ponto de vista já vêm da exegese liberal.
Por ambos os lados se deu o conflito do modernismo com a Igreja Católica oficial (vd 437).
 
434. Filósofos e teólogos modernistas ocorreram principalmente a partir do final do século 19, adentrando o seguinte, quando ocorreu a reação da Igreja Católica.
Na França foram modernistas o brilhante Alfredo Firmin Loisy (1857-1940) (vd 435), Le Roy Willois, e o pastor protestantes Paul Sabatier (1858-1928), historiador, com estudos sobre a religiosidade medieval, especialmente sobre São Francisco de Assis.  

Na Alemanha, o movimento antidogmático de fundo modernista foi comandado pelo expressivo teólogo protestante liberal Adolf Von Harnack (1851-1930), professor em Marburgo e Berlim. Foi ainda o inspirador de Loisy, da França, já citado. 

Publicou:
Manual de história do dogma (Lehrbuch der Dogmengeschichte, 7 vol., 1885); 
História da literatura antiga do cristianismo até Eusébio, 1893; 
A essência do cristianismo (Das Wesen des Christentums, 1900). 

Na Inglaterra atuou particularmente como teólogo modernista o George Tyrrel (1861-1909). Protestante convertido ao catolicismo e feito jesuíta entrou em luta com a Igreja Católica em virtude de suas novas idéias. Afastado da Companhia de Jesus em 1906, foi ainda excomungado pela Igreja em 1907. Diz-se haver-se reconciliado ao morrer.  

Publicou:
Nova et Vetera, 1905;
Mediaevalisme, 1909;
O cristianismo na encruzilhada (Christiannity at the crossroads, 1909).
Na Itália o modernismo se difundiu amplamente com o brilhante poeta e novelista Antônio Fogazzaro (1842-1911). Católico liberal, expressou seu modernismo em famosa novela Il Santo (1905), colocada no Index das obras condenadas pela Igreja Católica, como heréticas.

 
435. Alfredo Firmin Loisy (1857-1940), inicialmente sacerdote, ordenado em 1879, foi um dos protagonistas do modernismo na França, no que foi também influenciado pelo intuicionismo de Bergson. Professor brilhante do Instituto Católico de Paris, sendo que de hebraico, desde 1881, de exegese bíblica desde de 1889 a 1893, da Sorbone, de 1900 a 1904. 
O então Diretor e fundador do Instituto Católico de Paris, Monsenhor Maurice d’Hulst favoreceu aos professores o uso de novos métodos de tratamento da teologia cristã. Mas a Sé Romana, mantenedora do controle doutrinário dos estabelecimentos católicos, destituiu em 1893 a Loisy de sua cátedra. Foram suas obras colocadas no Index dos livros proibidos em 1903.  

Afastou-se Loisy definitivamente da Igreja Católica, e foi ser professor de história das religiões no Collège de France, onde, com liberdade de cátedra, lecionou de 1909 a 1926; foi também professor de história das religiões, desde 1924, na École des Hautes Études.
 
Obras:
História do Cânon do Antigo Testamento (Histoire du Canon de l’Ancien Testament, 1890); 
História do Cânon do Novo Testamento (Histoire du Canon du Nouveau Testament, 1891); 
História crítica do texto e das versões da Bíblia (Histoire critique du texte et des versions de la Bible, 1892-1893); 
Estudos bíblicos (Études bibliques, 1901); A religião de Israel (La réligion d’Israel, 1901); 
Os mitos babilônicos e os primeiros capítulos do Gênesis (Les mythes babyloniens et les primieres chapitres de la Genèse, 1901);
O Evangelho e a Igreja (L’Évangile et l’Eglise, 1903), posto no Index dos livros proibidos aos católicos, havendo despertado grande polêmica; 
O Quarto Evangelho (Le quatrième Evangile, 1903), no Index; 
Os Evangelhos Sinópticos (L’Évangiles synoptiques, 2 vols., 1907-1908), que resultou na excomunhão do autor, pela Igreja Católica, em 1908;
Jesus e a tradição evangélica (Jesus et la traditions évangéliques, 1910); 
À propósito da história das religiões (A propos d’histoire des religions, 1911); 
Os mistérios pagãos e o mistério cristão (Le mysthères paiens et le mysthère chrétienn, 1919); 
Os Atos dos Apóstolos (Les Actes des Apótres, 1920); 
Ensaio histórico sobre o sacrifício (Essai historique sur le sacrifice, 1920); 
A moral humana (La morale humaine, 1923);
La naissance du Chistianisme (1932);
As origens do Novo Testamento (Les origines du Nouveau Testament, 1936).
 
A Igreja cristã, segundo o modernismo de Loisy, teria resultado de uma superação da fase em que os primeiros discípulos de Jesus acreditavam em uma eminente realização do Reino de Deus. Em virtude da demora desta segunda vinda, ter-se-ia formado a organização institucional da Igreja e a cristalização das doutrinas em dogmas. 
Passando a um plano generalizado, Loisy admitiu que a religião evoluiria no curso dos tempos, até assumir a forma de religião universal, fundada na noção de humanidade. É essencial ao pensamento de Loisy que já no passado bíblico ocorrera a evolução dos dogmas, o que ele buscava mostrar pela exegese dos textos. 
Do ponto meramente filosófico, Loisy revelou tendências imanentistas.

 
436. Teses modernistas condenadas pela Igreja Católica. O elenco das teses típicas do modernismo se encontra no "Sílabo das proposições condenadas pela Igreja, Decreto da Sagrada Inquisição Romana e Universal, Quarta-feira, 3 de Julho de 1907..." onde são também condenadas. 
Dizem respeito à:
- Autoridade das decisões doutrinais da Igreja (proposições de 1 a 8),
- Nova teoria sobre a Escritura Sagrada (proposições 9 a 19),
- Filosofia religiosa da nova escola (proposições 20 a 26),
- Cristologia de Loisy (proposições 27 a 38),
- Origem dos Sacramentos (proposições 39 a 51),
- Nova teoria sobre a Igreja (proposições 52 a 56),
- Evolucionismo absoluto e ilimitado (proposições 57 a 65).
 
437. Encíclica Papal sobre o Modernismo. Deveu o modernismo preocupar a Igreja Católica, porque a vulnerava profundamente, sobretudo quanto aos novos argumentos, que passaram a afirmar sua não fundamentação.
O Pio X (Papa de 1903 a 1914), em linguagem tumultuada, saiu a campo, para reafirmar o dogma católico.
Neste sentido publicou a Encíclica Pascendi (1907), advertindo contra o modernismo aos cristãos e obrigando aos padres o juramento antimodernístico anual.  

Além disto agiu diretamente com a excomunhão pessoal emitida contra os representantes do modernismo.
Conforme definiu o Papa, que o modernismo, na sua parte negativa, era agnóstico em relação sobrenatural, e que, na sua parte positiva, se apoiava numa fonte inconsistente do processo cognoscitivo, a imanência vital, a partir explicava natualisticamente os fenômenos religiosos, inclusive todo o processo do cristianismo. 

a) O agnosticismo do modernismo. 
"Cumpre saber que todo o fundamento da filosofia religiosa dos modernistas assenta sobre a doutrina, que chamamos agnosticismo. Por força desta doutrina, a razão fica inteiramente reduzida a consideração dos fenômenos, isto é, só das coisas perceptíveis e pelo modo como são perceptíveis; nem tem ela direito nem aptidão para transpor estes limites. 

E daí segue que não é dado à razão elevar-se a Deus, nem reconhecer-lhe a existência, nem mesmo por intermédio dos seres visíveis. Segue-se portanto, que Deus não pode ser de maneira alguma objeto direto da ciência; e também com relação à história, não pode servir de assunto histórico.
Postas estas premissas, todos percebem com clareza, qual não deve ser a sorte da teologia natural, dos motivos de credibilidade, da revelação externa. Tudo isto os modernistas rejeitam e atiram para o intelectualismo, que chamam ridículo sistema, morto há muito tempo. 

Nem os abala ter a Igreja condenado formalmente erros tão monstruosos, pois que de fato o Concílio Vaticano assim definiu: 
Se alguém disser que Deus, um e verdadeiro, criador e Senhor nosso, por meio das coisas criadas não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, seja anátema (De Revel., can. 1); 
e também: Se alguém disser que não é possível ou não convém que, por divina revelação, seja o homem instruído acerca de Deus e do culto que lhe devido, seja anátema (ibid., can. 2) 

e finalmente: se alguém disser, que a divina revelação não pode tornar-se crível por manifestações externas, e que por isto os homens não devem ser movidos à fé, senão exclusivamente pela interna experiência ou inspiração privada, seja anátema (De Fide, can. 3). 

De que modo porém os modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de ignorância, para o ateísmo científico e histórico, que, ao contrário, é estado de positiva negação, e por isso, com que lógica, do não saber se Deus interveio ou não na história do gênero humano, possam a tudo explicar na mesma história, pondo Deus de parte, como se na realidade não tivesse intervindo, quem o souber que o explique. Há entretanto para eles uma coisa fixa e determinada, que é o dever ser atéia a ciência a par da história, em cujas raias não haja lugar senão para os fenômenos, repelido de uma vez Deus e tudo o que é divino. E dessa absurdíssima doutrina, ver-se-á, dentro em pouco, que coisas seremos obrigados a deduzir a respeito da augusta pessoa de Cristo, dos mistérios e da sua vida e morte, da sua ressurreição e ascensão ao céu" (Enc. Pascendi, 6). 

No questionamento sobre o agnosticismo (vd 383) em religião importa distinguir entre agnosticismo em filosofia e agnosticismo referente ao sobrenatural. Neste último importa sobretudo o rigorismo epistemológico no aferimento das provas. 

b). A imanência vital, como fator explicativo da origem e desenvolvimento das religiões, alegado pelos modernistas, é também denunciada por Pio X, na continuação do texto antes citado, de sua Encíclica Pascendi, de 1907. Já agora se trata de uma questão caracterizadamente filosófica, mais precisamente de gnosiologia. Como se sabe, a diversidade das gnosiologias, - realistas, idealistas, intuicionistas, misticistas, fideístas, empiristas, etc., - podem afetar a filosofia da religião. 

" Este agnosticismo, porém, na doutrina dos modernistas não constitui senão a parte negativa; a positiva acha-se toda na imanência vital. Eis aqui o modo como eles passam de uma parte à outra. 

A religião, quer a natural, quer a sobrenatural, é mister seja explicada como qualquer outro fato. Ora, destruída a teologia natural, interceptada a entrada na revelação com o rejeitar os motivos de credibilidade, é claro que se não pode procurar fora do homem essa explicação. Deve-se, pois, procurar no mesmo homem; e visto que a religião não é senão de fato uma forma da vida, a sua explicação se deve achar mesmo na vida do homem. Daqui procede o princípio da imanência religiosa

Demais, a primeira moção, por assim dizer, de todo o fenômeno vital, deve sempre ser atribuída a uma necessidade: os primórdios, porém, falando mais especialmente da vida, devem ser atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento.
 
Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda a religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade. Esta necessidade das causas divinas não se fazendo sentir no homem senão em certas e especiais circunstâncias, não pode de per si pertencer ao âmbito da consciência; oculta-se, (porém), primeiro abaixo da consciência, ou, como dizem com vocábulo tirado da filosofia moderna, na subconsciência, onde a sua raiz fica também oculta e incompreensível. 

Se alguém, contudo, lhes perguntar de que modo essa necessidade da divindade, que o homem sente em si mesmo, rebenta em religião, será esta a resposta dos modernistas: 

A ciência e a história acham-se fechadas entre dois termos: um externo, que é o mundo visível; outro interno, que é a consciência. Chegados a um ou outro destes dois termos, não se pode ir mais adiante, além destas limites acha-se o incognoscível, Diante deste incognoscível, seja que ele se ache fora do homem e fora de todas as coisas ;visíveis, seja que ele se ache na subconsciência do homem, a necessidade de um quê divino, sem nenhum ato prévio da inteligência, como o quer o fideísmo, gera no ânimo um certo sentimento particular, e este, seja como objeto seja como causa interna, tem envolvida em si a mesma realidade divina, e assim de certa maneira une o homem com Deus. 

É precisamente a este sentimento que os modernistas dão o nome de fé, e têm-no como princípio da religião" (Enc. Pascendi, 7).
Continua o documento pontifício de 1907:
"Nem acaba aí o filosofar, ou melhor, o desatinar desses homens. Pois, nesse mesmo sentimento eles não encontram unicamente a fé; mas, com a fé e na mesma fé, do modo como a entendem, sustentam que também se acha a revelação. E que é o que mais se pode exigir para a revelação? Já não será talvez revelação, ou pelo menos princípio de revelação, aquele sentimento religioso, que se manifesta na consciência? Ou talvez o mesmo Deus a manifestar-se às almas, embora um tanto confusamente, no mesmo sentimento religioso?
Eles ainda acrescentam mais, dizendo que, sendo Deus ao mesmo tempo objeto e causa da fé, essa revelação é de Deus como objeto, e também provém de Deus como causa; isto é, tem a Deus ao mesmo temo como revelante e revelado.
Segue-se daqui, Veneráveis irmãos, a absurda afirmação dos modernistas, segundo a qual toda a religião, sob diverso aspecto, é igualmente natural e sobrenatural. Segue-se daqui a promíscua significação que dão aos termos consciência e revelação. Daqui a lei que dá a consciência religiosa, a par com a revelação como regra universal, à qual todos se devem sujeitar, inclusive a mesma suprema autoridade da igreja, seja quando ensina seja quando legisla em matéria de culto ou de disciplina" (Enc. Pascendi, 8).
Pouco adiante:
"O sentimento religioso, que por imanência vital surge dos esconderijos da subconsciência, é pois o germe de toda religião. Este mesmo sentimento rudimentar e quase informe a princípio, pouco a pouca, sob o influxo do misterioso princípio que lhe deu origem, tem-se ido aperfeiçoando, a par com os progressos da vida humana, da qual, como já ficou dito, é uma forma.
Temos, pois, assim a origem de toda a religião até mesmo da sobrenatural, e estas não passam de meras explicações do sentimento religioso. Nem se pense que a católica é excetuada; está no mesmo nível das outras, pois não nasceu senão pelo processo de imanência vital na consciência de Cristo, homem de natureza extremamente privilegiada, como outro não houve nem haverá.
Fica-se pasmo em se ouvindo afirmações tão audaciosas e sacrílegas. Entretanto, Veneráveis Irmãos, não é esta linguagem usada temerariamente só pelos incrédulos. Homens católicos, até muitos sacerdotes, afirmaram estas coisas publicamente, e com delírios tais se vangloriam de reformar a igreja.
Já não se trata aqui do velho erro, que à natureza humana atribuía um quase direito à ordem sobrenatural. Vai-se muito mais longe ainda: chega-se até a afirmar que a nossa santíssima religião no homem Jesus Cristo, assim como em nós, é fruto inteiramente espontâneo da natureza.
Nada pode vir mais a propósito para dar cabo de toda a ordem sobrenatural. Por isso com suma razão o Concílio Vaticano definiu: 
Se alguém disser que o homem não pode ser por Deus elevado a um conhecimento e perfeição, que supere as forças da natureza, mas por si mesmo pode e deve, com incessante progresso, chegar finalmente a possuir toda a verdade e todo o bem, seja anátema (De Revel., can. 3" ( Encicl. Pascendi, 10)..

 
438. Encerrando sobre o modernismo em teologia, importa considerar algo sobre suas provas no plano filosófico.
Lembre-se inicialmente que ele se colocou num plano semelhante ao de William James (1842-1910), o qual levantou a hipótese da subconsciência, onde se encontraria um conhecimento de Deus que não é o meramente especulativo.
Deus está presente no fundo da alma, e é impossível que Deus não se manifeste através de suas operações. 
A respeito de uma primeira prova do modernismo. Em criando a alma, Deus tem com ela contato. Ela toma, então, consciência de Deus por um contato imediato, por um conhecimento de ordem sentimental, que não coincide com aquele obtido especulativamente. 
Reforçando o argumento com a autoridade, foi recordado que Paulo Apóstolo diz: "Nele, pois, vivemos, e somos" (Atos 17,28). O modernismo apela ainda a um pensamento análogo de Tomás de Aquino (Suma teológica I. 8).
O argumento sofre contestação fácil. Deus se encontra presente na alma a título de causa criadora, o que ainda não quer dizer presente como objeto conhecido. Somente uma demonstração a posteriori, remontando raciocinativamente do efeito à causa, poderá revelar a existência da causa.
Apelam os modernistas a um segundo argumento, chamado prova de fato. Verifica-se que as pessoas bem preparadas têm efetivamente contato direto com Deus. Os modernistas apontam não só para sua experiência pessoal, mas também para o testemunho dos místicos.
Trata-se aqui de um terreno difícil e complicado, pois os místicos são raros e rodeados de circunstâncias muito particulares. Mesmo seus conhecimentos, se poderão reduzir aos processos pela analogia e pelo raciocínio.
O modernismo estabelece a experiência do divino como a base de toda a religião, inclusive do catolicismo. A revelação, de que fala a Igreja, não representa nada mais do que esta experiência religiosa fundamental que todo o homem leva em si.
Ocorre apenas que a dita experiência não se manifesta de igual modo em todos, mantendo-se no subconsciente. Certas almas privilegiadas, como a dos místicos, profetas, especialmente Jesus, teriam tido uma consciência mais nítida. 

Os homens que logram experiências mais ricas, manifestam-nas aos outros. Entre muitas manifestações, a sociedade sanciona os melhores formando-se assim os dogmas.
O valor dos dogmas se apresenta, pois, relativo, e portanto susceptível de alteração e reforma.

439. Conclusão geral do capítulo sobre a evolução e história dos sistemas de filosofia da religião. Muitos dos temas da filosofia da religião se apresentam polêmicos, e foram até aqui considerados historicamente, ainda que as vezes com algumas considerações valorativas. 
Outros aspectos históricos poderão oportunamente vir a ser aduzidos, complementando o que foi feito até aqui, como introdução ao que vai ser discutido em seu mesmo conteúdo, pelo que resta tratar:
- existência de Deus (cap. 4-o) (vd 445),  - natureza do verdadeiro Deus (cap. 5-o) (vd 493),
O temário destes dois capítulos, quando abordado como um todo, leva a denominação de teologia natural, ou teodicéia. Depois se tratará do culto. 




 Fonte:

ENCICLOPÉDIA    SIMPOZIO

 
http://www.simpozio.ufsc.br/Port/1-enc/y-mega/mega-filosgeral/filosofia-religiao/7270y403.html#BM7270
Sejam felizes todos os seres
Vivam em paz todos os seres
Sejam abençoados todos os seres

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