Mostra sobre o exílio em Frankfurt e cidades brasileiras homenageia
refugiados que marcaram a cultura e a ciência no Brasil entre 1933 e
1945, um dos períodos mais importantes da história do Brasil.
Diversos prédios no mais puro estilo Bauhaus em vários bairros da zona
sul do Rio de Janeiro têm a assinatura do arquiteto berlinense Alexandre
Altberg, nascido em 1908. Ele chegou ao Brasil em 1931 e faleceu em
Marília, interior de São Paulo, em 2009, aos 101 anos. Na literatura,
gerações inteiras de brasileiros tiveram acesso às obras de Thomas Mann,
Hermann Hesse e Elias Canetti graças a outro berlinense, o advogado
Herbert Caro. Ele desembarcou em Porto Alegre em 1935, onde atuou como
tradutor e editor até morrer, em 1991.
Altberg e Caro emigraram para o Brasil, assim como milhares de outros perseguidos pelo nazismo que, entre 1933 e 1945, buscavam uma nova pátria. Depois da Argentina, o Brasil foi o país que mais refugiados do nazismo acolheu na América Latina – entre 16 e 19 mil, estima-se, sendo a maioria de origem alemã. Ironia da História: execrados pelo regime no país natal, foram responsáveis pela mais forte e ampla contribuição cultural, deixando suas marcas para várias gerações de brasileiros nas mais diversas áreas do conhecimento, do saber e da técnica.
A lista é interminável. Wilhelm Wöller, artista plástico, Richard Katz, escritor, Willi Keller, teatrólogo, Anatol Rosenfeld, crítico literário, Hans Günther Flieg, fotógrafo... E todos deixaram marcas profundas. O regente e compositor Hans-Joachim Koellreutter, por exemplo, veio ao Brasil em 1937 trazendo o dodecafonismo e revolucionou o cenário musical. Entre seus discípulos estavam Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Edino Krieger, Caetano Velloso e Tom Jobim.
Contribuição para as ciências
Essa grande influência não se deu apenas no campo das artes. Nas ciências, houve inúmeras contribuições. Muitos cérebros migraram para a recém-fundada USP. Foi o caso do zoólogo Ernst Marcus, que chegou em 1936. Responsável por criar um centro moderno para estudos zoológicos na USP, atuou ali até sua morte, em 1968. Ou do químico Fritz Feigl.
Nascido em Viena em 1891, lutou na Primeira Guerra Mundial, doutorou-se em 1920, dando início a uma brilhante carreira, interrompida pela anexação da Áustria. Com a ajuda do embaixador do Brasil na França, Luiz Martins de Souza Dantas, Feigl escapou da Europa com a família e chegou ao Rio em 1940. Ele trabalhou no Departamento Nacional de Produção Mineral, onde inventou um processo para extrair cafeína a partir de concentrado de café, produto raro e valioso para a produção de Coca-Cola em tempos de guerra.
Criador do método conhecido por "análise de toque", Feigl foi um dos maiores químicos analíticos do século 20. Recebeu a cidadania brasileira ainda em 1944 pela dedicação à pesquisa. No Brasil, escreveu 276 obras. Nunca mais quis deixar o país que o acolheu. Hoje, um importante prêmio brasileiro para químicos tem o seu nome.
No campo dos negócios, destaca-se a trajetória do jovem nascido em Essen em 1922 e que deixou a Alemanha numa das últimas levas de refugiados do nazismo. Chegou ao Brasil aos 17 anos, em 1939 e encontrou emprego como datilógrafo em uma empresa de lapidação. Fascinado pelas pedras brasileiras, o jovem Hans Stern descobriu assim a sua vocação para os negócios.
De caixeiro-viajante, percorrendo o interior, tornou-se empresário e
fundou a primeira loja em 1945. Ajudou a popularizar ametistas,
esmeraldas e topázios mundo afora. Hoje, existem 160 lojas H. Stern
espalhadas por vários países. Detalhe: Stern, falecido no Rio em 2007,
sempre se recusou a chamar as pedras brasileiras de "semipreciosas".
Mostra sobre o exílio
"Em uma sociedade até então marcada pelas culturas portuguesa e francesa, esses refugiados tornaram-se mediadores da cultura da Europa central, em especial da Alemanha", diz a historiadora Marlen Eckl, especialista no tema do exílio."Acabaram por dar novos impulsos a diferentes gêneros e estilos de arte e que continuam a exercer influência sobre a vida cultural brasileira até hoje".
Eckl é uma das curadoras da exposição Exílio no Brasil que será inaugurada em outubro na Biblioteca Nacional Alemã (Deutsche Nationalbibliothek) de Frankfurt como parte dos festejos em torno do Brasil, país-tema da Feira de Livros. A mostra será duplicada e virá para o Brasil: a partir de 29 de outubro, para a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Depois fará um giro por várias outras cidades do país. O visitante poderá ver centenas de documentos, originais ou cópias, sobre os exilados, sua obra e sua influência.
A exposição destacará o corajoso envolvimento de diplomatas como o já mencionado embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, de Paris, ou o cônsul brasileiro em Marselha, Murillo Martins de Souza. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, que trabalhava no consulado de Hamburgo, também faz parte do grupo que conseguiu salvar a vida de centenas de judeus e perseguidos políticos – como foi o caso das 48 pessoas do chamado "grupo Görgen" e que conseguiram escapar graças à ajuda do cônsul-geral de Genebra, Milton Cesar Weguelin de Vieira.
Os refugiados tiveram importantíssimo papel na vida acadêmica brasileira, nas ciências e na pesquisa. Muitos professores que ajudaram a criar a USP tiveram de deixar sua pátria natal, como é o caso do geneticista Felix Rawitscher, o zoólogo Ernst Marcus, o botânico Friedrich Brieger.
Amplitude e intensidade da influência
"O que impressiona nesse período é a amplitude da atuação e a intensidade da influência da atuação desses imigrantes sobre várias gerações de brasileiros", concorda o historiador Fabio Koifman, que dirige o projeto Memorial do Exílio, da Casa Stefan Zweig em Petrópolis, outra iniciativa que pretende resgatar as trajetórias dos exilados através de entrevistas e pesquisas em arquivos. O escritor austríaco Stefan Zweig (foto principal) emigrou para o Brasil em 1940.
"Em torno de alguns intelectuais – especialmente Otto Maria Carpeaux, que era austríaco – agrupou-se a fina flor da intelectualidade brasileira, animada e impressionada pela larga cultura e pela profundidade das interpretações desses 'novos brasileiros'", diz Koifman. "Gente vinda de grandes centros da ciência e da cultura foi recebida com entusiasmo pelo meio intelectual e artístico. Já a ditadura brasileira, em especial o ministro da Justiça Francisco Campos e os ministros militares, como Eurico Dutra, bem como o próprio Getúlio Vargas, viram na chegada desses portadores de ideias arejadas e não vinculadas ao ideário autoritário um perigo para o regime, declarando-se, não raro, incomodados pela calorosa recepção."
Apesar da forte presença de alemães ao longo de mais de cinco séculos de história do Brasil, a começar por Hans Staden e passando pelas sucessivas levas de naturalistas e viajantes, é provável que não tenha havido outro momento na história cultural do país tão intenso quanto o período de 1933 a 1945, com a chegada dos fugitivos do nazismo.
O dia 10 de maio de 1933 marcou o auge da perseguição dos nazistas aos intelectuais, principalmente aos escritores. Em toda a Alemanha, principalmente nas cidades universitárias, montanhas de livros ou suas cinzas se acumulavam nas praças. Hitler e seus comparsas pretendiam uma "limpeza" da literatura.
Tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista foi destruído. Centenas de milhares de livros foram queimados no auge de uma campanha iniciada pelo diretório nacional de estudantes.
Albert Einstein, Stefan Zweig, Heinrich e Thomas Mann, Sigmund Freud, Erich Kästner, Erich Maria Remarque e Ricarda Huch foram algumas das proeminências literárias alemãs perseguidas na época.
O poeta nazista Hanns Johst foi um dos que justificou a queima, logo depois da ascensão do nazismo ao poder, com a "necessidade de purificação radical da literatura alemã de elementos estranhos que possam alienar a cultura alemã".
Assim como desde a pré-história se acreditava nos poderes purificadores do fogo, o regime do mestre da propaganda – Joseph Goebbels – pretendia destruir todos os fundamentos intelectuais da por ele tão odiada República de Weimar.
Oportunismo e distanciamento
A opinião pública e a intelectualidade alemãs ofereceram pouca resistência à queima. Editoras e distribuidoras reagiram com oportunismo, enquanto a burguesia tomou distância, passando a responsabilidade aos universitários. Também os outros países acompanharam a destruição de forma distanciada, chegando a minimizar a queima como resultado do "fanatismo estudantil".
Entre os poucos escritores que reconheceram o perigo e tomaram uma posição estava Thomas Mann, que havia recebido o Nobel de Literatura em 1929. Em 1933, ele emigrou para a Suíça e, em 1939, para os Estados Unidos.
Quando a Faculdade de Filosofia da Universidade de Bonn lhe cassou o título de doutor honoris causa, ele escreveu ao reitor: "Nestes quatro anos de exílio involuntário, nunca parei de meditar sobre minha situação. Se tivesse ficado ou retornado à Alemanha, talvez já estivesse morto. Jamais sonhei que no fim da minha vida seria um emigrante, despojado da nacionalidade, vivendo desta maneira!"
Também Ricarda Huch retirou-se da Academia Prussiana de Artes. Na carta ao seu presidente, em 9 de abril de 1933, a escritora criticou os ditames culturais do regime nazista: "A centralização, a opressão, os métodos brutais, a difamação dos que pensam diferente, os autoelogios, tudo isso não combina com meu modo de pensar", justificou. Em 1934, a "lista negra" incluía mais de três mil obras proibidas pelos nazistas. Como disse o poeta Heinrich Heine:
"Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas."
No dia em que o escritor Bertolt Brecht deixou a Alemanha, em 28 de fevereiro de 1933, a notícia nem sequer saiu no jornal. Ele não anunciara que iria deixar o país, e o tema das manchetes do dia era outro: o incêndio do Reichstag, na véspera.
A polícia responsabilizou a esquerda e logo apresentou o suposto autor do incêndio. Os nazistas aproveitaram para prender um grande número de sindicalistas, socialistas e comunistas, que foram enviados aos primeiros campos de concentração, improvisados para esse fim.
O visionário que conhecia o perigo
Como nenhum outro intelectual, Brecht previra a catástrofe iminente, o que aconteceria se os nazistas assumissem o poder na Alemanha. Sua Lied vom SA-Mann (Canção do homem da SA) deixa transparecer toda a sua clarividência.
Nela, ele descreve como a depressão no final da década de 1920, as batalhas de rua e as eternas crises de governo culminariam nas barbáries do Terceiro Reich. "Dormi de fome, com o estômago roncando. Pegando no sono ouvi gritarem: 'Acorda Alemanha'. E vi muitos marcharem gritando 'Vamos ao Terceiro Reich!' Eu não tinha nada a perder e fui com eles, sem me importar para onde."
Em 1933, aconteceu o que se temia e Adolf Hitler tornou-se chanceler do Reich. No mais tardar, após a tenebrosa marcha com tochas pelo Portão de Brandemburgo, em Berlim, em honra ao novo detentor do poder, ficou claro que a sombria intuição de Brecht logo se transformaria em realidade.
O êxodo dos intelectuais
Não demorou muito e começou o êxodo dos intelectuais alemães. Nem todos, porém, quiseram ou puderam fugir a tempo, como o detentor do Prêmio Nobel da Paz Carl von Ossietzky, que foi levado a um campo de concentração e morreu em consequência das torturas.
Outros, como o escritor Erich Kästner, se retiraram da vida pública e assim sobreviveram ao "reino de mil anos" que Hitler pretendia instituir. A história, contudo, se lembra mais dos que quiseram conseguiram escapar: Albert Einstein, os escritores Lion Feuchtwanger, Thomas Mann, Erich Maria Remarque, os músicos Kleiber, Busch, Klemperer e muitos outros.
Brecht foi um dos primeiros a deixar o país, por saber o que o aguardava quando o partido de Hitler começasse a colocar em prática suas ameaças. Num poema em prosa, ele expôs as razões de sua perseguição: "Quando me forçaram ao exílio, os jornais publicaram que foi por uma poesia minha, ridicularizando o soldado da Primeira Guerra Mundial. Agora, quando eles preparam uma nova guerra mundial, decididos a superar as monstruosidades da última, é quando se persegue ou se mata gente como eu, por delatar os seus atentados".
A lenda do soldado morto
A poesia a que Brecht se refere, que teria inspirado o ódio dos nazistas, é Legende vom toten Soldaten (Lenda do soldado morto), um poema pacifista que se refere à Primeira Guerra Mundial.
Como faltassem soldados ao exército do Império Alemão, decidiu-se desenterrar um soldado que morrera, vesti-lo com um novo uniforme e arranjá-lo para que passasse pelo exame médico e fosse mandado de volta ao front. Sob os aplausos do clero e dos representantes do grande capital, o defunto foi enviado ao campo de batalha para morrer como herói.
Os nazistas não odiavam apenas o poeta Bertolt Brecht, odiavam também o seu pacifismo e o fato de ele ser comunista. Na sua Balada da árvore e dos galhos, de 1931, Brecht antecipou o comportamento assassino das hordas nazistas, no dia em que pudessem agir livremente.
Fuga para a Dinamarca
Com sua visão, Brecht decidiu fugir assim que soube do incêndio do prédio do Reichstag. Um dia depois, na manhã de 28 de fevereiro de 1933, deixava Berlim em direção a Praga. Da capital da então Tchecoslováquia foi a Viena, de lá até a Suíça e a seguir para a Dinamarca, onde se radicou por alguns anos.
O exílio o levaria ainda à Finlândia e aos Estados Unidos. O autor de A Ópera dos três vinténs e de outras obras inesquecíveis conseguiu escapar de Berlim antes de começar a primeira onda de prisões do novo regime, que afundaria a Alemanha e o mundo numa guerra sem precedentes.
Altberg e Caro emigraram para o Brasil, assim como milhares de outros perseguidos pelo nazismo que, entre 1933 e 1945, buscavam uma nova pátria. Depois da Argentina, o Brasil foi o país que mais refugiados do nazismo acolheu na América Latina – entre 16 e 19 mil, estima-se, sendo a maioria de origem alemã. Ironia da História: execrados pelo regime no país natal, foram responsáveis pela mais forte e ampla contribuição cultural, deixando suas marcas para várias gerações de brasileiros nas mais diversas áreas do conhecimento, do saber e da técnica.
A lista é interminável. Wilhelm Wöller, artista plástico, Richard Katz, escritor, Willi Keller, teatrólogo, Anatol Rosenfeld, crítico literário, Hans Günther Flieg, fotógrafo... E todos deixaram marcas profundas. O regente e compositor Hans-Joachim Koellreutter, por exemplo, veio ao Brasil em 1937 trazendo o dodecafonismo e revolucionou o cenário musical. Entre seus discípulos estavam Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Edino Krieger, Caetano Velloso e Tom Jobim.
Contribuição para as ciências
Essa grande influência não se deu apenas no campo das artes. Nas ciências, houve inúmeras contribuições. Muitos cérebros migraram para a recém-fundada USP. Foi o caso do zoólogo Ernst Marcus, que chegou em 1936. Responsável por criar um centro moderno para estudos zoológicos na USP, atuou ali até sua morte, em 1968. Ou do químico Fritz Feigl.
Nascido em Viena em 1891, lutou na Primeira Guerra Mundial, doutorou-se em 1920, dando início a uma brilhante carreira, interrompida pela anexação da Áustria. Com a ajuda do embaixador do Brasil na França, Luiz Martins de Souza Dantas, Feigl escapou da Europa com a família e chegou ao Rio em 1940. Ele trabalhou no Departamento Nacional de Produção Mineral, onde inventou um processo para extrair cafeína a partir de concentrado de café, produto raro e valioso para a produção de Coca-Cola em tempos de guerra.
Criador do método conhecido por "análise de toque", Feigl foi um dos maiores químicos analíticos do século 20. Recebeu a cidadania brasileira ainda em 1944 pela dedicação à pesquisa. No Brasil, escreveu 276 obras. Nunca mais quis deixar o país que o acolheu. Hoje, um importante prêmio brasileiro para químicos tem o seu nome.
No campo dos negócios, destaca-se a trajetória do jovem nascido em Essen em 1922 e que deixou a Alemanha numa das últimas levas de refugiados do nazismo. Chegou ao Brasil aos 17 anos, em 1939 e encontrou emprego como datilógrafo em uma empresa de lapidação. Fascinado pelas pedras brasileiras, o jovem Hans Stern descobriu assim a sua vocação para os negócios.
Hans Stern, de caixeiro-viajante a empresário
Mostra sobre o exílio
"Em uma sociedade até então marcada pelas culturas portuguesa e francesa, esses refugiados tornaram-se mediadores da cultura da Europa central, em especial da Alemanha", diz a historiadora Marlen Eckl, especialista no tema do exílio."Acabaram por dar novos impulsos a diferentes gêneros e estilos de arte e que continuam a exercer influência sobre a vida cultural brasileira até hoje".
Eckl é uma das curadoras da exposição Exílio no Brasil que será inaugurada em outubro na Biblioteca Nacional Alemã (Deutsche Nationalbibliothek) de Frankfurt como parte dos festejos em torno do Brasil, país-tema da Feira de Livros. A mostra será duplicada e virá para o Brasil: a partir de 29 de outubro, para a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Depois fará um giro por várias outras cidades do país. O visitante poderá ver centenas de documentos, originais ou cópias, sobre os exilados, sua obra e sua influência.
A exposição destacará o corajoso envolvimento de diplomatas como o já mencionado embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, de Paris, ou o cônsul brasileiro em Marselha, Murillo Martins de Souza. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, que trabalhava no consulado de Hamburgo, também faz parte do grupo que conseguiu salvar a vida de centenas de judeus e perseguidos políticos – como foi o caso das 48 pessoas do chamado "grupo Görgen" e que conseguiram escapar graças à ajuda do cônsul-geral de Genebra, Milton Cesar Weguelin de Vieira.
Os refugiados tiveram importantíssimo papel na vida acadêmica brasileira, nas ciências e na pesquisa. Muitos professores que ajudaram a criar a USP tiveram de deixar sua pátria natal, como é o caso do geneticista Felix Rawitscher, o zoólogo Ernst Marcus, o botânico Friedrich Brieger.
Koifman: várias gerações de brasileiros foram influenciadas
"O que impressiona nesse período é a amplitude da atuação e a intensidade da influência da atuação desses imigrantes sobre várias gerações de brasileiros", concorda o historiador Fabio Koifman, que dirige o projeto Memorial do Exílio, da Casa Stefan Zweig em Petrópolis, outra iniciativa que pretende resgatar as trajetórias dos exilados através de entrevistas e pesquisas em arquivos. O escritor austríaco Stefan Zweig (foto principal) emigrou para o Brasil em 1940.
"Em torno de alguns intelectuais – especialmente Otto Maria Carpeaux, que era austríaco – agrupou-se a fina flor da intelectualidade brasileira, animada e impressionada pela larga cultura e pela profundidade das interpretações desses 'novos brasileiros'", diz Koifman. "Gente vinda de grandes centros da ciência e da cultura foi recebida com entusiasmo pelo meio intelectual e artístico. Já a ditadura brasileira, em especial o ministro da Justiça Francisco Campos e os ministros militares, como Eurico Dutra, bem como o próprio Getúlio Vargas, viram na chegada desses portadores de ideias arejadas e não vinculadas ao ideário autoritário um perigo para o regime, declarando-se, não raro, incomodados pela calorosa recepção."
Apesar da forte presença de alemães ao longo de mais de cinco séculos de história do Brasil, a começar por Hans Staden e passando pelas sucessivas levas de naturalistas e viajantes, é provável que não tenha havido outro momento na história cultural do país tão intenso quanto o período de 1933 a 1945, com a chegada dos fugitivos do nazismo.
Calendário Histórico
1933: Grande queima de livros pelos nazistas
No dia 10 de maio de 1933, foram queimadas em praça pública, em várias
cidades da Alemanha, as obras de escritores alemães inconvenientes ao
regime.
O dia 10 de maio de 1933 marcou o auge da perseguição dos nazistas aos intelectuais, principalmente aos escritores. Em toda a Alemanha, principalmente nas cidades universitárias, montanhas de livros ou suas cinzas se acumulavam nas praças. Hitler e seus comparsas pretendiam uma "limpeza" da literatura.
Tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista foi destruído. Centenas de milhares de livros foram queimados no auge de uma campanha iniciada pelo diretório nacional de estudantes.
Albert Einstein, Stefan Zweig, Heinrich e Thomas Mann, Sigmund Freud, Erich Kästner, Erich Maria Remarque e Ricarda Huch foram algumas das proeminências literárias alemãs perseguidas na época.
O poeta nazista Hanns Johst foi um dos que justificou a queima, logo depois da ascensão do nazismo ao poder, com a "necessidade de purificação radical da literatura alemã de elementos estranhos que possam alienar a cultura alemã".
Assim como desde a pré-história se acreditava nos poderes purificadores do fogo, o regime do mestre da propaganda – Joseph Goebbels – pretendia destruir todos os fundamentos intelectuais da por ele tão odiada República de Weimar.
Oportunismo e distanciamento
A opinião pública e a intelectualidade alemãs ofereceram pouca resistência à queima. Editoras e distribuidoras reagiram com oportunismo, enquanto a burguesia tomou distância, passando a responsabilidade aos universitários. Também os outros países acompanharam a destruição de forma distanciada, chegando a minimizar a queima como resultado do "fanatismo estudantil".
Entre os poucos escritores que reconheceram o perigo e tomaram uma posição estava Thomas Mann, que havia recebido o Nobel de Literatura em 1929. Em 1933, ele emigrou para a Suíça e, em 1939, para os Estados Unidos.
Quando a Faculdade de Filosofia da Universidade de Bonn lhe cassou o título de doutor honoris causa, ele escreveu ao reitor: "Nestes quatro anos de exílio involuntário, nunca parei de meditar sobre minha situação. Se tivesse ficado ou retornado à Alemanha, talvez já estivesse morto. Jamais sonhei que no fim da minha vida seria um emigrante, despojado da nacionalidade, vivendo desta maneira!"
Também Ricarda Huch retirou-se da Academia Prussiana de Artes. Na carta ao seu presidente, em 9 de abril de 1933, a escritora criticou os ditames culturais do regime nazista: "A centralização, a opressão, os métodos brutais, a difamação dos que pensam diferente, os autoelogios, tudo isso não combina com meu modo de pensar", justificou. Em 1934, a "lista negra" incluía mais de três mil obras proibidas pelos nazistas. Como disse o poeta Heinrich Heine:
"Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas."
DW.DE
1933: Brecht foge da Alemanha
Mais um artigo da série Calendário Histórico1933: Brecht foge da Alemanha
Bertolt Brecht fugiu da Alemanha nazista em 28 de fevereiro de 1933, um
dia após o incêndio do Reichstag. O escritor sabia que logo começaria a
caça à esquerda e aos opositores do regime de Hitler.
No dia em que o escritor Bertolt Brecht deixou a Alemanha, em 28 de fevereiro de 1933, a notícia nem sequer saiu no jornal. Ele não anunciara que iria deixar o país, e o tema das manchetes do dia era outro: o incêndio do Reichstag, na véspera.
A polícia responsabilizou a esquerda e logo apresentou o suposto autor do incêndio. Os nazistas aproveitaram para prender um grande número de sindicalistas, socialistas e comunistas, que foram enviados aos primeiros campos de concentração, improvisados para esse fim.
O visionário que conhecia o perigo
Como nenhum outro intelectual, Brecht previra a catástrofe iminente, o que aconteceria se os nazistas assumissem o poder na Alemanha. Sua Lied vom SA-Mann (Canção do homem da SA) deixa transparecer toda a sua clarividência.
Nela, ele descreve como a depressão no final da década de 1920, as batalhas de rua e as eternas crises de governo culminariam nas barbáries do Terceiro Reich. "Dormi de fome, com o estômago roncando. Pegando no sono ouvi gritarem: 'Acorda Alemanha'. E vi muitos marcharem gritando 'Vamos ao Terceiro Reich!' Eu não tinha nada a perder e fui com eles, sem me importar para onde."
Em 1933, aconteceu o que se temia e Adolf Hitler tornou-se chanceler do Reich. No mais tardar, após a tenebrosa marcha com tochas pelo Portão de Brandemburgo, em Berlim, em honra ao novo detentor do poder, ficou claro que a sombria intuição de Brecht logo se transformaria em realidade.
O êxodo dos intelectuais
Não demorou muito e começou o êxodo dos intelectuais alemães. Nem todos, porém, quiseram ou puderam fugir a tempo, como o detentor do Prêmio Nobel da Paz Carl von Ossietzky, que foi levado a um campo de concentração e morreu em consequência das torturas.
Outros, como o escritor Erich Kästner, se retiraram da vida pública e assim sobreviveram ao "reino de mil anos" que Hitler pretendia instituir. A história, contudo, se lembra mais dos que quiseram conseguiram escapar: Albert Einstein, os escritores Lion Feuchtwanger, Thomas Mann, Erich Maria Remarque, os músicos Kleiber, Busch, Klemperer e muitos outros.
Brecht foi um dos primeiros a deixar o país, por saber o que o aguardava quando o partido de Hitler começasse a colocar em prática suas ameaças. Num poema em prosa, ele expôs as razões de sua perseguição: "Quando me forçaram ao exílio, os jornais publicaram que foi por uma poesia minha, ridicularizando o soldado da Primeira Guerra Mundial. Agora, quando eles preparam uma nova guerra mundial, decididos a superar as monstruosidades da última, é quando se persegue ou se mata gente como eu, por delatar os seus atentados".
A lenda do soldado morto
A poesia a que Brecht se refere, que teria inspirado o ódio dos nazistas, é Legende vom toten Soldaten (Lenda do soldado morto), um poema pacifista que se refere à Primeira Guerra Mundial.
Como faltassem soldados ao exército do Império Alemão, decidiu-se desenterrar um soldado que morrera, vesti-lo com um novo uniforme e arranjá-lo para que passasse pelo exame médico e fosse mandado de volta ao front. Sob os aplausos do clero e dos representantes do grande capital, o defunto foi enviado ao campo de batalha para morrer como herói.
Os nazistas não odiavam apenas o poeta Bertolt Brecht, odiavam também o seu pacifismo e o fato de ele ser comunista. Na sua Balada da árvore e dos galhos, de 1931, Brecht antecipou o comportamento assassino das hordas nazistas, no dia em que pudessem agir livremente.
Fuga para a Dinamarca
Com sua visão, Brecht decidiu fugir assim que soube do incêndio do prédio do Reichstag. Um dia depois, na manhã de 28 de fevereiro de 1933, deixava Berlim em direção a Praga. Da capital da então Tchecoslováquia foi a Viena, de lá até a Suíça e a seguir para a Dinamarca, onde se radicou por alguns anos.
O exílio o levaria ainda à Finlândia e aos Estados Unidos. O autor de A Ópera dos três vinténs e de outras obras inesquecíveis conseguiu escapar de Berlim antes de começar a primeira onda de prisões do novo regime, que afundaria a Alemanha e o mundo numa guerra sem precedentes.
DW.DE
Descobertos inéditos de Brecht
Achados dão pistas sobre o regresso de Brecht à Europa após o exílio norte-americano.
Documentos originais, livros, tiposcritos, cartas e manuscritos
cênicos, além de partituras, diversos esboços e doze textos inéditos da
série de histórias de almanaque protagonizadas por Sr. Keuner: este é o
conteúdo das caixas achadas na casa onde o dramaturgo e poeta Bertold
Brecht morou em Zurique, de 1947 a 1949, antes de regressar à Alemanha.
Por que Brecht teria deixado tudo isso para trás, ao mudar para Berlim Oriental? Será que o escritor despatriado queria manter uma porta aberta na Suíça, uma possibilidade de refúgio?
Trampolim para a Europa
O achado superou as expectativas do pesquisador alemão Werner Wüthrich, autor de um livro recente sobre a fase suíça do mentor do teatro épico, intitulado Bertold Brecht und die Schweiz (Bertold Brecht e a Suíça). No ano passado, dois anos após a morte de Renata Bertozzi-Martens, proprietária do apartamento onde Brecht morou na Suíça após o exílio norte-americano, o pesquisador se deparou com um volume inesperado de documentos novos.
Após voltar à Europa, Brecht escolheu Zurique como local de residência e trabalho. Além de diversas de suas peças terem estreado na cidade durante a guerra, a Suíça lhe parecia o lugar adequado para manter um contato simultâneo com a Alemanha, Itália e França.
Por intermédio do jornalista François Bondy, Brecht chegou a Renata Bertozzi-Martens, futura documentarista de destaque, que lhe alugou o apartamento em Zurique. Além de Brecht e Bondy, muitos outros intelectuais da época circulavam pelos saraus de Bertozzi-Mertens, entre eles, o teórico Georg Lukács e os escritores italianos Ignazio Silone e Elio Vittorini.
Persona non grata: “agente de Stalin”
As pesquisas realizadas por Wüthrich demonstram que Brecht pretendia ficar na Suíça, ao contrário do que se afirmava até hoje. As correspondências encontradas revelam que ele tinha o plano de criar um teatro ambulante e mudar para Genebra.
No entanto, logo após a estréia de Senhor Puntilla e seu Criado Matti em Zurique, em junho de 1948, Brecht deveria ter sido expulso da Suíça. A medida se baseava no parecer de um relatório do serviço secreto, de 1939, que enquadrava Brecht como “agente de Stalin”. A expulsão foi evitada no último momento, por intervenção do político socialista Hans Oprecht.
O achado de inéditos de Brecht deverá ampliar o acervo do seu arquivo na Academia de Artes de Berlim. Informações mais detalhadas sobre o conteúdo do achado deverão ser divulgadas após a aquisição oficial do espólio pela Academia.
Por que Brecht teria deixado tudo isso para trás, ao mudar para Berlim Oriental? Será que o escritor despatriado queria manter uma porta aberta na Suíça, uma possibilidade de refúgio?
Trampolim para a Europa
O achado superou as expectativas do pesquisador alemão Werner Wüthrich, autor de um livro recente sobre a fase suíça do mentor do teatro épico, intitulado Bertold Brecht und die Schweiz (Bertold Brecht e a Suíça). No ano passado, dois anos após a morte de Renata Bertozzi-Martens, proprietária do apartamento onde Brecht morou na Suíça após o exílio norte-americano, o pesquisador se deparou com um volume inesperado de documentos novos.
Após voltar à Europa, Brecht escolheu Zurique como local de residência e trabalho. Além de diversas de suas peças terem estreado na cidade durante a guerra, a Suíça lhe parecia o lugar adequado para manter um contato simultâneo com a Alemanha, Itália e França.
Por intermédio do jornalista François Bondy, Brecht chegou a Renata Bertozzi-Martens, futura documentarista de destaque, que lhe alugou o apartamento em Zurique. Além de Brecht e Bondy, muitos outros intelectuais da época circulavam pelos saraus de Bertozzi-Mertens, entre eles, o teórico Georg Lukács e os escritores italianos Ignazio Silone e Elio Vittorini.
Persona non grata: “agente de Stalin”
As pesquisas realizadas por Wüthrich demonstram que Brecht pretendia ficar na Suíça, ao contrário do que se afirmava até hoje. As correspondências encontradas revelam que ele tinha o plano de criar um teatro ambulante e mudar para Genebra.
No entanto, logo após a estréia de Senhor Puntilla e seu Criado Matti em Zurique, em junho de 1948, Brecht deveria ter sido expulso da Suíça. A medida se baseava no parecer de um relatório do serviço secreto, de 1939, que enquadrava Brecht como “agente de Stalin”. A expulsão foi evitada no último momento, por intervenção do político socialista Hans Oprecht.
O achado de inéditos de Brecht deverá ampliar o acervo do seu arquivo na Academia de Artes de Berlim. Informações mais detalhadas sobre o conteúdo do achado deverão ser divulgadas após a aquisição oficial do espólio pela Academia.
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