quarta-feira, 9 de março de 2011

IMAGINAÇÃO , PERCEPÇÃO E PENSAMENTO



 Filosofia Autor: adv

O texto abaixo foi objeto de uma apresentação, com intenção de apresentar os caminhos de Sartre em seus primórdios, bem como do psicologismo atrelado à experimentação, que ora se mostrava mais metafísico, ora mais pendente ao pragmatismo biológico, ou um misto dos dois. 

A obra do autor (A imaginação) utilizada, é antes de tudo uma contribuição sobre como foi sendo constituído o estudo da imaginação, percepção e pensamento, do século XVII ao XX, ou mais precisamente, dos grandes sistemas metafísicos até Husserl, sendo assim, não é uma obra para se conhecer o pensamento de Sartre, contudo, por vezes ajuda muito recorrer ao início para tentar desvendar a complexidade de “O Ser e o Nada”, ou até mesmo as obras mais tardias, onde a questão da liberdade é imergida na historicidade. Ler Sartre não é tarefa fácil pra ninguém, ainda mais uma “primeira obra”, como é a obra em questão, por isso fica já alertado o leitor, que nem sempre foi possível cumprir com o aspecto didático.
DAS RELAÇÕES ENTRE IMAGINAÇÃO,
PERCEPÇÃO E PENSAMENTO

COMO FORAM SE CONSTITUINDO, 
DO SÉCULO XVII AO XX, 
AS DISCUSSÕES ACERCA DO ASSUNTO

Resumo:  a partir do ensaio filosófico “A imaginação”, primeira obra de Sartre (1936), o que se segue abaixo é um resumo do que o autor nos apresenta com exceção do capítulo 3 (As contradições da concepção clássica), visto que a intenção é mostrar como foi entendida a imaginação da percepção, e suas relações com o pensamento, desde os grandes sistemas metafísicos até Husserl, aquele que, segundo Sartre, realmente trouxe alguma coisa de novo ao entendimento visto que o psicologismo não se diferiu radicalmente dos metafísicos. Do século XVII ao XX.

DESCARTES
A grande preocupação de Descartes era separar com exatidão mecanismo e pensamento, sendo o corporal reduzido ao mecânico. A imagem para esse filósofo é coisa do corpóreo, é produto da ação dos corpos exteriores sobre o corpo próprio através dos sentidos e nervos. Assim, a imagem é um objeto tanto quanto o são os objetos exteriores, ela é desenhada materialmente em alguma parte do cérebro, já que para Descartes matéria e consciência excluem-se uma à outra.

Contudo, o conhecimento sobre a imagem, este sim, vem do entendimento; é o entendimento aplicado à impressão material produzida no cérebro, que nos dá uma consciência da imagem. Mas esta consciência da imagem não é vista como um novo objeto a conhecer, ela possuiu a estranha propriedade de motivar as ações da alma, os movimentos do cérebro causados pelos objetos exteriores apenas despertam idéias na alma. As idéias em Descartes não vêm dos movimentos, elas são inatas, os movimentos só servem, por assim dizer, para despertá-las na consciência. A imagem então, para Descartes, é separada do pensamento.

LEIBNIZ
Esse filósofo, dispende todo seu esforço, em estabelecer uma continuidade entre esses dois modos de conhecimentos distintos de Descartes: imagem e pensamento. Imagem para ele se acha imerso na intelectualidade (alma).

O mundo da imaginação também é puro mecanismo em Leibniz, exprimem estados do corpo (sensações, ordem fisiológica). Mas o seu associonismo, diferente de Descartes, não é fisiológico, é na alma que, de um modo inconsciente, as imagens se conservam e são ligadas entre si. A imagem seria uma idéia confusa que somente pode ser posta à verdade, à clareza, através das ligações feitas pela razão, há, pois, distinção entre razão e imagem.

Em Leibniz, diferente de Descartes, o pensamento nunca é puro, pois o corpo se acha sempre presente à alma, contudo, a imagem (afetação sensória) não cumpre mais um papel acidental e subordinado do pensamento. A diferença entre imagem e idéia é que no primeiro caso, a expressão do objeto é confusa, no segundo caso ela é clara.

HUME
O empirismo de Hume se esforça para reduzir todo pensamento ao sistema de imagens. O espírito humano se move a partir do terreno fisiológico e mecânico de Descartes, no qual ocorrem as imaginações, que por fim são conservadas no espírito por uma espécie de inércia.

Não há no espírito nada mais do que impressões e cópias dessas impressões que são as idéias, a percepção não se distingue da imagem. Essa imagens estão ligadas entre si por relações de contigüidade e semelhança, aglomerando-se segundo atrações que permitem atribuir-lhes um nome comum que nos leve a crer na existência da idéia geral correspondente. O real são as imagens, e a idéia existe enquanto um potencial no nome.

RELAÇÕES COM A PSICOLOGIA
Esses três grandes sistemas metafísicos irão nortear as bases psicológicas sobre o entendimento de idéias e imagem, pensamento e imagem. Decorrem, sobretudo, das essências cartesianas. A imagem não se transformou em nada, nenhuma modificação enquanto o céu inteligível se desmantelava, pela simples razão de que em Descartes ela já era uma coisa. É o advento do psicologismo, que, sob formas diversas, nada mais é do que uma antropologia positiva, isto é, um tratamento do homem como um ser do mundo, negligenciando-o enquanto um ser que também representa para si o mundo e a si próprio no mundo. Esse psicologismo positivo encontra seu germe na teoria cartesiana da imagem, não acrescentando nada, apenas reduzindo.

Um reino do pensamento radicalmente distinto do reino da imagem (Descartes); um mundo de pura imagens (Leibniz) e um mundo de fatos-imagens, atrás do qual é preciso reencontrar um pensamento, que não aparece senão como única razão possível da organização e finalidade (Hume) são as três “soluções” que nos propõem essas três grandes correntes da filosofia clássica.

Nessas três soluções a imagem é vista como uma coisa, apenas se modifica nas relações com o pensamento de acordo com o ponto de vista que se assumiu a respeito das relações do homem com o mundo, do universal com o singular. Se se aceita o postulado de que as imagens, nesses três sistemas filosóficos, não são mais do que uma coisa e que todas elas são igualmente possíveis e defeituosas, então veremos que por um bom tempo esse entendimento ficou como atmosfera do conhecimento psicológico acerca do pensamento.
O PROBLEMA DA IMAGEM 
E O ESFORÇO DOS PSICÓLOGOS
POR UM MÉTODO POSITIVO

No século XIX o esforço da psicologia científica era uma tentativa de converter a complexidade psíquica em um mecanismo. Em 1871, é dessa forma que Taine considera a constituição de uma psicologia no prefácio do seu livro “Da inteligência”. O seu ideal era considerar o fato psíquico como “um movimento físico”. Para Taine “Não há nada de real no eu”, os acontecimentos fazem como uma fila na vida do indivíduo e, diversos de aspecto, “são os mesmos em natureza e se reduzem todos à sensação; a própria sensação, considerada de fora e pelo meio indireto que se chama percepção exterior, se reduz a um grupo de movimentos moleculares”. Tudo o que se passa no espírito, para Taine se reduz a imagem que são repetições espontâneas da sensação – em última análise, um “grupo de movimentos moleculares”. Na sua psicologia analítica, o espírito é um grande abrigador de imagens.

Com esse entendimento de agregação de imagens por parte do espírito, coube a Taine explicar como as imagens se combinam para dar nascimento aos conceitos, juízos e raciocínio, isto é, ao pensamento. Para tal, recorre ao associonismo, são laços entre os fenômenos fisiológicos e psíquicos que para ele são faces de uma mesma realidade, segue-se que a ligação das imagens enquanto fatos de consciência é contingente do psíquico em decorrência da ligação dos movimentos moleculares que constituem a realidade física.

Por volta de 1880, os pensadores que desconsideram o caráter supremo do pensamento, tidos como individualistas críticos por causa de suas conseqüências morais, que pode gerar o anarquismo, ateísmo e ateísmo, uma forte reação conservadora surge na França. Na Assembléia de Versalhes esses pensadores são denunciados como radicalistas que não crêem em Deus, aviltando o homem enquanto espécie.

Daí, para esses intelectuais do divino, surge a necessidade de combater a tendência analítica do século XVIII. Daí, em abril/1881, é proposto um concurso com a temática: “Expor e discutir as doutrinas filosóficas que reduzem ao fato da associação as faculdades do espírito humano e o próprio eu” e “Restabelecer as leis, os princípios e as existências que as doutrinas em questão tendem a desnaturar ou a suprimir”.

A reação contra o associonismo é conduzida, antes de tudo, pelo catolicismo conservador. Mas trata-se não de rejeitar o associonismo, mas de integrá-lo à nova ideologia. A teoria da imagem associonista tem um aspecto que os conservadores católicos não podem negligenciar, por ser lhes útil. Em Aristóteles o homem é um misto, o pensamento é unido ao corpo, não há um pensamento que não esteja “maculado” de corporal. Em Descartes, o pensamento é puro, uma atividade da alma que se exerceria sem o concurso do corpo, é uma “heresia orgulhosa”. Eis porque não se rejeita o associonismo, pois ele é o corpo, a fraqueza do homem em contraposição ao pensamento que é a sua dignidade. Mas o “mal” não pode existir se o homem for só dignidade, então ele é um digno com fraqueza, pensamento com imagem. É nesse contexto que Peillaube, em 1910, irá dizer:

“As imagens são necessárias para a formação dos conceitos, não há um só conceito que seja inato.” O pensamento tem por função elevar-nos, por meio da abstração, acima da imagem “e permitir-nos pensar-lhe o objeto sob uma forma necessária e universal… Toda matéria suscetível de ser explorada pela inteligência é de origem sensorial e imaginativa…”
Vemos no trecho acima um retorno a Leibniz, que Brochard vai tornar ainda mais precisa: “Pois que o objeto pode ser mudado, sei que a imagem não iguala meu conceito. O que o conceito contém a mais é, segundo a expressão de Hamilton, um caráter de universalidade potencial.”

De Taine a Brochard, chegamos a uma concepção de pensamento que não tem existência na consciência imediata, uma vez que o dado da introspecção é a imagem. Não tem universalidade em ato, mas tem potencial na medida em que uma palavra (regra, conceito) pode ser interposto entre várias imagens bem diferentes. A ligação funcional entre a imagem e o conceito é o pensamento. Assim é a atmosfera que o racionalismo, reivindicando os direitos de síntese em face a associação mecânica, contudo, crê encerrado em pretensos dados introspectivos compostos somente de imagens e palavras, juntamente com as pretensas descobertas fisiológicas das localizações cerebrais.

Imergido das descobertas fisiológicas do cérebro, Ribot, assim escrevia em 1914:

“O pensamento é uma função que, no curso da evolução, se acrescentou às formas primárias e secundárias de conhecimento: sensações, memória, associação. Por conseguinte, de que condições pode ele nascer? Não podemos… lançar hipóteses ao acaso. Seja como for, ele fez sua aparição, fixou-se, desenvolveu-se. Como, porém, um função não pode entrar em atividade senão sob a influencia de excitações que lhe são apropriadas, a existência de um pensamento puro trabalhando sem nada que o provoque é a priori inverossímil. Reduzido a si mesmo, é uma atividade que dissocia, associa, percebe relações, coordena. Pode-se mesmo acreditar que essa atividade, é, por sua natureza, inconsciente e que não reveste a forma consciente a não ser por meio dos dados que elabora… Para concluir, a hipótese de um pensamento puro sem imagens e sem palavras é muito pouco provável…”

Podemos concluir, diante das concepções acima, que para toda essa geração o associonismo permanecerá como o dado incontestável, e o pensamento uma hipótese necessária para explicar uma “organização” e sistematização da qual o puro associonismo não dá conta de explicar.
A idéia de síntese colocada contra o puro associonismo, não deixa de ser, por assim dizer, um associonismo dirigido. Ribot, no livro “Imaginação criadora”, analisa o mecanismo da criação de novas imagens, perguntando-se como, a partir das imagens fornecidas pela lembrança, podem ser construídos novos conjuntos imagéticos, responde nos seguintes termos: “Toda criação imaginativa exige um princípio de unidade”. Esse princípio é denominado como um “centro de atração e ponto de apoio”, que não deixa de ser um regulador para processos simplesmente mecânicos.

A psicologia da síntese, em seus primórdios, mostra-se teórica tal como a psicologia da análise, limitando-se a complicar as deduções abstratas acrescentando fatores de combinação. Quanto à imagem, ela permanece tal como era para Taine, isto é, um grupo de movimentos moleculares que afetam fisicamente o corpo enquanto sensações, e que são abrigados no espírito enquanto fatos psíquicos contingentes.

No fim do século XIX, 1889 a 1896, Bergson em “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência” e “Matéria e memória”, se coloca como adversário do associonismo. Puramente um realista, Bergson, como Hume, faz do universo um mundo de imagens. Toda realidade tem uma analogia com a consciência, por isso ele irá chamar todas as coisas que nos cercam de imagens. Mas enquanto Hume reservava a imagem para a coisa enquanto percebida, Bergson estenderá o conceito para qualquer espécie de realidade, não somente ao objeto do conhecimento, mas a todo objeto possível de uma representação. “Uma imagem pode ser sem ser percebida; pode estar presente sem estar representada”. Não há diferença em Bergson na natureza da imagem entre ser e ser conscientemente percebida. Toda realidade não está participando da consciência, mas já é da consciência. A consciência aparece para ele como um caráter dado da realidade. Há uma espécie de inversão da comparação clássica: em vez de ser a consciência uma luz que vai do sujeito à coisa é uma luminosidade que vai da coisa ao sujeito.

O centro que atualiza a consciência virtual é o corpo. É ele que isola certas imagens e as transforma em representações atuais. Como se opera essa passagem? Diz Bergson que não temos necessidade de deduzir a consciência, pois uma vez que, postulando o mundo material, foi dado a nós um conjunto de imagens, não há necessidade de engendrar a consciência a partir da coisa, se na sua existência mesma, a coisa é já consciência.

O centro que é o corpo, em Bergson, age como instrumento de seleção que pode transformar a imagem em percepção, mas esta continua sendo uma imagem, mas “relacionada à ação possível de uma certa imagem determinada”. Como nessa relação surge um sujeito que chamará o corpo de “meu corpo” e as outras imagens de “minhas representações”? 

Bergson dirá que meu corpo acabará, no meio das imagens que lhes são dadas, necessariamente por se desenhar no meio delas como uma coisa distinta, uma vez que as imagens mudam a todo instante e o corpo irá fixar-se em uma imagem invariável. Para Bergson é preciso supor entre as imagens a presença de um espírito que ele o define como memória. É a memória que faz, entre as imagens que recolhe, comparações, sínteses, capaz de distingir o “meu corpo” das outras imagens circundantes. A representação então é, em suma, uma imagem isolada pela memória, essa imagem é conferida de uma qualidade nova, a de ser representação.

Em Bergson e em Hume a imagem é um decalque da coisa, opaca e impenetrável, coisa em si mesma. É um conteúdo do qual a memória nada mais é do que o receptáculo, e não um momento vivo de atividade intelectual.

Bergson criticou sim o associonismo, na medida em que ataca as idéias de semelhança e continguidade das imagens, para ele, as imagens não possuem em si mesmas essa capacidade de se atraírem, suas ligações vêm da ação em que elas se inserem, do corpo; toda percepção se prolonga em reações motrizes que utilizam os mecanismos motores montados por percepções análogas (a percepção é a imagem relacionada à ação possível do corpo, a lembrança é a imagem isolada; para ele toda realidade possui ao mesmo tempo essas duas características, dispõe o corpo à ação e se deposita no espírito como lembrança inativa). Mas Bergson não compreendeu que concebendo a imagem como uma coisa, objetos inertes, como paralelepípedos no fundo da água, é também ser associonista.
No começo do século XX o problema da imagem
vai sofrer modificações, 
irá reaparecer a atitude cartesiana.

A grande novidade das teorias da escola de Würzburgo é o pensamento aparecendo a si mesmo sem nenhum intermediário; pensar e saber que se pensa são uma coisa só. Bühler retomará a famosa passagem das “Meditações” em que Descartes mostra que só o entendimento pode pensar um pedaço de cera na sua verdadeira natureza: “Afirmo que, em princípio, todo objeto pode ser plenamente e exatamente pensado sem a ajuda de imagens”.

A imagem, na opinião desses psicólogos, nada mais seria do que um embaraço ao pensamento. “Toda imagem se apresenta como um impedimento para os processos ideativos” (Watt). Pretende-se estabelecer contra a imagem a existência do pensamento. Mas, sob a influência do pragmatismo biológico da época, temos uma atitude cartesiana tombada ao plano do naturalismo, o pensamento é visto como um fato acessível à introspeção: “… um sentimento igual aos outros”, é assim que o pensamento aparece para Binet.

Assim, chegamos em 1914, reencontrando as três grandes atitudes metafísicas do período clássico da filosofia. O associonismo sobrevive. A doutrina cartesiana de um pensamento puro que pode substituir a imagem no terreno da imaginação revive em Bühler. Outros psicólogos, entre eles Peillaube, retoma a conciliação entre imagem e espírito proposta por Leibniz. Binet e outros psicólogos de Würzburgo afirmar ter constatado a existência de pensamento sem imagem.

HUSSERL

O grande acontecimento da filosofia, o que revolucionaria também a psicologia, antes da guerra, foi o surgimento da obra de Husserl: “Esboço de uma fenomenologia pura e de uma filosofia fenomenológica”.

De imediato, um trabalho sobre a imagem deve antes procurar constituir uma eidética da imagem, isto é, fixar e descrever a “essência” dessa estrutura psicológica tal como aparece à intuição reflexiva. Depois, quando determinado o conjunto das condições que um estado psíquico deve necessariamente realizar para ser imagem, somente então será preciso passar do certo para o provável e perguntar à experiência o que ela pode nos ensinar enquanto ajuda para compreender a respeito das imagens.

Para Husserl toda consciência é consciência de alguma coisa, e não pode ser isenta de intencionalidade, como se fosse uma consciência pura. A própria concepção de intencionalidade está destinada a renovar a noção de imagem. A intencionalidade é uma estrutura essencial de toda consciência, o que distingue radicalmente consciência e aquilo de que se tem consciência. O objeto da consciência está por princípio fora da consciência: é transcendente. Essa distinção combate os erros do imanentismo que pretende constituir o mundo com conteúdos de consciência. Certamente que há conteúdos de consciência, mas eles não são o objeto da consciência: a intencionalidade visa o objeto que é o correlativo da consciência, mas não é da consciência.

Uma coisa não pode ser dada em nenhuma percepção possível, isto é, em nenhuma consciência possível como um imanente real. Husserl não nega o imanentismo de certos dados visuais ou táteis que fazem parte da consciência enquanto desenvolvimento primário, contudo, eles não são o objeto: a consciência não se dirige a eles, através deles visa a coisa exterior. Os dados impressionais de cor, superfície, forma, são por princípio, radicalmente distintos da cor, da superfície da forma, em suma, de todas as qualidades da coisa: a imagem também é imagem de alguma coisa. A imagem deixa de ser um conteúdo psíquico, tal como no psicologismo anterior, não se achando na consciência como elemento constituinte, mas na consciência de uma coisa em imagem. Aqui, Husserl, distingue uma intenção imaginante (consciência de uma coisa em imagem) e uma matéria subjetiva (imagem) que a intenção vem “animar”. Mas ao mesmo tempo o objeto da imagem, situa-se fora da consciência como alguma coisa radicalmente diferente.

Poderiam objetar, e se eu imaginar um centauro que toca flauta, onde se situa o objeto? O centauro em si mesmo não é nada de psíquico, ele não existe na consciência nem em parte alguma, é em seu todo uma invenção: o estado de consciência de invenção é invenção desse centauro, pode-se dizer que esse “centauro-visado”, “centauro-inventado” pertence à erlebnis (significa que vem do ‘viver alguma coisa’).

A imagem, tornando-se uma estrutura intencional, passa do estado de conteúdo inerte de consciência ao de consciência em relação com um objeto transcendente. A imagem de meu amigo Pedro não é uma vaga fosforescência, um rastro deixado na consciência pela percepção de Pedro, é uma forma de consciência organizada que se relaciona à sua maneira, a meu amigo Pedro, é uma das formas possíveis de visar o ser real Pedro. Assim, no ato da imaginação, a consciência se relaciona diretamente a Pedro e não por intermédio de um simulacro que estaria nela, tal como o é no imanentismo imagético da metafísica.

Husserl faz ainda a reaproximação entre imagens materiais (quadros, desenhos, etc.) das imagens psíquicas. Tomando como exemplo obra de Dürer, “O cavaleiro, a morte e o diabo”, em primeiro lugar temos a percepção da coisa “gravura”. Em segundo encontramos a consciência perceptiva, na qual, através das linhas, traços, formas, “cavaleiro a cavalo”, “morte”, “diabo”, nos aparecem. Na contemplação estética a consciência não se dirige a elas enquanto objetos, mas para realidades que são representadas “em imagens”, em outras palavras, realidades “imagificadas”.

Decorre daí que uma distinção entre imagem e percepção, tanto na apreensão da aparição estética do cavaleiro, da morte e do diabo, é a mesma que na pura e simples percepção da folha do álbum onde se encontra a gravura. A diferença se acha na estrutura intencional. A matéria por si mesma não distingue a imagem da percepção, tudo depende do modo de “animação” (a intencionalidade) dessa matéria. Imagem e percepção são duas “Erlebnisse” (alguma coisa vivida) intencionais que se diferem antes de tudo por suas intenções.

No plano fenomenológico, é muito difícil distinguir por sua intencionalidade imagem e percepção se for a mesma a sua matéria. Distingue-se o conjunto dos elementos reais da síntese consciente e de outro lado o “sentido” que habita essa consciência.
 
A realidade psíquica concreta é chamada de noese 
e o sentido que vem habitá-la de noema. 

Exemplo: a árvore percebida por mim é o noema da percepção que tenho no momento, mas esse sentido noemático que pertence a cada consciência singular, não é em si mesmo nada de real. Assim, o noema é um nada que não tem senão uma existência ideal. Ele é somente um correlativo da noese.

O “centauro que toca flauta” imaginado e a “árvore” que percebo, ambos são noemas de uma consciência noética. E ambos, também, são nada de real, mas a coisa árvore é posta em parênteses e eu posso encontrá-la no mundo, o centauro não está em lugar algum, depende da matéria subjetiva, do “alguma coisa vivida”. Tudo se explica no caso do centauro imaginado e da árvore percebida, na intencionalidade, isto é, pelo ato noético, e não pela matéria.

 Fonte:
Eterno Retorno
 
http://www.eternoretorno.com/2009/07/05/imaginacao-percepcao-e-pensamento/

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