domingo, 3 de julho de 2011

EPICURO - HEDONISMO - EPICURISMO


Epicuro
  Epicuro (341 – 270 a. C) filósofo grego nascido em Samos

foi favorável ao atomismo, doutrina desenvolvida originalmente por Leucipo e Demócrito, que o influenciou quando começou a filosofar, aos catorze anos. Sua família  era nobre, mas ficou pobre. Seu pai foi um dos colonos que foram de Atenas para Samos. Quando criança acompanhava a mãe no trabalho em casas de pobres, e assim conheceu as crenças populares.

Não sofreu muita influência dos filósofos que o precederam, pois não se dispôs a estudá-los. Em 325 a. C vai para Atenas onde comprou um jardim estabeleceu sua escola.

Os epicuristas, alunos desta escola filosófica podiam ser homens ou mulheres, eram unidos entre si e com os professores. Atenas atravessava uma época difícil, mas ele lá permaneceu. Existe um busto que nos dá a descrição de Epicuro: a cabeça é forte, o nariz acentuado, os lábios espessos, a expressão calma e benevolente. Tinha muitos discípulos e amigos.

O ponto básico de sua doutrina é que o bem é o prazer, e acusam os epicuristas de terem se entregue aos excessos dos festins, mas Epicuro comia muito pouco nas suas refeições diárias. Os atenienses eram atraídos pelo programa da sua escola : "aqui vocês encontrarão-se bem, aqui reside o prazer. Os epicuristas tinham os estóicos como adversários. Epicuro foi um dos grandes escritores da Antigüidade, compôs mais de trezentos tratados. Não era muito científico, e suas conclusões são passíveis de críticas.

Escreveu um tratado, Da Natureza, em trinta e sete livros, no qual delineia a teoria atomística, os átomos são a explicação final das coisas, pontos últimos de deslocando no vazio, nada existe a não ser isso, a alma é formada de átomos materiais, tudo acontece devido a interação mecânica entre eles.

O universo é corpo e espaço. 

Deve-se argumentar com aquilo que não é evidente aos sentidos. Sempre existiu alguma coisa e os átomos tem variadas formas . Enquanto o prazer é o soberano bem, a dor é o soberano mal. É uma moral hedonista, e tem que se eliminar toda a dor.
A ataraxia
(que é um estado da alma 
em que nada consegue perturbá-la, 
ela fica impassível. 

Chega-se a ela atendendo os desejos naturais e ignorando os desejos supérfluos, o sábio feliz contenta-se com o estritamente necessário.

É o prazer estável que garante a felicidade. 

Devemos filosofar em atos. Todo o incômodo desejo se dissolve no amor a filosofia. E o sábio não tema a morte, pois quando se vive ela não existem não a sentimos e quando chega a morte, se deixa de ser.

Para Epicuro, o essencial para a felicidade é a nossa condição íntima. O desejo precisa ser controlado, para que a serenidade nos ajude a suportar a dor. A vida se torna agradável com o sábio raciocínio, que investiga a causa. A justiça não existe em si. Outra coisa interessante é o seu conselho para vivermos em reclusão, ignorados.

Por ser um defensor do prazer, quiseram fazer de Epicuro e os Epicuristas defensores da volúpia, mas o próprio fala contra isso, o prazer não é sensual.
Karl Marx escreveu uma tese sobre Demócrito e Epicuro.

Nietzsche em alguns trechos comenta
o epicurismo e o estoicismo, 
especialmente na Gaia Ciência.



História da Filosofia na Antiguidade 
– Hirschberger
(Fonte: Ed. Herder)

2 — O  EPICURISMO: ANTIGA    FILOSOFIA    DA   VIDA

Os   filósofos   do   epicurismo

Os epicuristas são os inimigos hereditários dos estóicos. Não tem fim a polêmica entre as dois campos. Fundador da. escola é Epicuro de Samos (314-270).

Foi seu mestre o discípulo de Demócrito, Nausífanes. A ascendência atomista foi decisiva para toda a escola, que Epicuro dirigiu no seu Jardim. em Atenas, desde 306. E foi devido a esses Jardins que os epicuristas receberam a denominação — os do Jardim (οι απο τον κητωον). A figura do fundador da escola constitui a alma do todo, mais do que o método ou a dogmática aí em pregados. Epicuro era uma fina, distinta e atraente personali-de.   Era louvado pelo seu desinteresse, sua brandura, bondade eprofunda concepção da amizade. Suas máximas valiam tanto como dogmas. Dos seus escritos, que devem ter orçado pelos 300, só se conservaram fragmentos. — Entre os demais membros da escola merecem menção os seguintes: Metrodoro de Lâmpsaco, talvez coevo, representante de uma doutrina algo rústica do prazer. Da segunda metade do segundo século a. C, Apolodoro, polígrafo, que recebeu o título de tirano do Jardim; Zeno de Sidônia, bem como Fedro, ouvido e estimado por Cícero; Siron, mestre de Virgílio, e Filodemo de Gádara, de cujos escritos partes importantes foram encontradas em Her culano. — A fonte mais instrutiva para conheceiv-se o epi curismo é Lucrécio Caro (96-55 a. C).

Seu poema Sobre a Natureza pretende expor fielmente o atomismo de Demócrito, renovado por Epicuro. í: ele seu discípulo entusiasta: 

"Tu, ornamento do povo grego; 
primeiro a projetares uma radiante luz
sobre a profunda escuridão e
a mostrares a beleza da vida, 
a ti sigo-te eu passo a passo, 
não para rivalizar contigo,
mas por querer imitar-te 
com amor e veneração”
(De rer. nat. 111,1). 

Por meio de Lucrécio, de novo, a Filosofia grega foi introduzida em Roma; e também o epicurismo foi um pensamento talhado para esse tipo espiritual, que é o homem fino da época de Virgílio, Mecenas, Horacio, Augusto. Mas não foi só em Roma que Lucrécio introduziu o atomismo, pois também nele se inspirou a Filosofia moderna. E assim se entrelaçam, ainda uma vez, os arcos que prendem a antigüidade aos tempos modernos.

Fontes   e   Bibliografia

H. Usener, Epicurea (1887). E. Bignone, Epicuro (Bari. 1920). C. Bailey, Epicurus, The Extant Rcmains (Oxford, 1926). W. Schmid, Ethica Epicurea (1939). A. Kochalsky. Das Leben und die Lehre Epicurus — Vida c Doutrina de Epicuro (1914). H. DIELS, T. Lucre tius Carus. De rerum natura. Em latim e, alemão (1923/24). O. RE genbogen, Lukrez, Seine Gestalt in seinem Gedicht — Lucrécio — Sua Personalidade através de sua Poesia (1932). E. Bignone, L’Aris totele perduto e la formazione filosófica de Epicuro (Firenze, 1936). C. Bailey, Lucretius, with Introduction and Commentary. 3 vols. (Oxford, 1947). Epikur, Von der überwindung der Furcht — Da Vitória Sobre o Medo. Tradução e introdução de O. Gigon (Zürích, 1949). Lucretius Caru,. De rerum natura. Textos com introdução e tradução do K. Büchner,   (Zürich, 1956).
Com o epicurismo, 
a Filosofia volta a ser dividida em Lógica, 
Física e Ética, sendo que a Ética 
constitui a meta do conjunto.

A.    LÓGICA

a)    Origem e sentido do conhecimento

α) Utilidade. — A lógica também se chama canônica, porque dá a medida (χανον = cânon, regra) de um conhecimento verdadeiro. Já não temos, agora, como em Aristóteles, aquela eminente valorização do saber pelo saber, mas se busca conhecer, para viver. 

O saber totalmente posto a serviço da utilidade. A contemplação pura da verdade, a θεορια τεζ ανδρειαζ é supérflua. Por isso, definem eles a Filosofia: a Filosofia é uma atividade, cujo conhecimento nos deve dar a felicidade. Comparados com estes, os estóicos, homens pronunciadamente  realistas,   ainda  eram  teóricos.

β) Sensualismo. — Mas, não somente pelo fim que tem em vista, senão ainda pela sua natureza, o saber fica rebaixado. Todo conhecimento é, para os epicuristas, apenas percepção sensível, e nada mais. E estas percepções vêm à existência porque dos objetos emanam imagenzinhas (ειδωλα) que penetram nos órgãos dos sentidos. Isto se entende, principalmente, das percepções visuais, mas o mesmo se \dá com os demais sentidos; também estes são postos em movimento por meio de certos eflúvios (ειδωλα). Os objetos estão continuamente emitindo tais efluvios. Nisto consiste a percepção sensível normal, ficando assim garantida a percepção da realidade. 

Esses efluvios ininterruptos produzem a impressão do compacto e do volumoso e, portanto, a realidade corpórea. Imagenzinhas ou ειδωλα, que estão fora dessa incessante emissão, seriam tênues como teias de aranha, não encobrindo nenhuma realidade. Nem penetram em nós pelos órgãos senso-riais, mas pelos poros da pele e tomam a direção do coração. Geram imaginações vãs e representações fantasiosas. 

As percepções sensíveis da primeira espécie, ao contrário, formam o conhecimento propriamente dito, e lhe esgotam toda a possibilidade. E, assim, o conceito não constitui uma unidade de valor lógico, mas, ao contrário, não passa de lembrança de um geral conteúdo de representações e se consuma, portanto, completamente no reino da sensibilidade, com suas associações e resíduos. 

Das imagenzinhas emitidas pelas coisas e que fluem até nós, já Empédocles e Demócrito tinham falado. É preciso colocar esses ειδωλα materiais ao lado do ειδοζ ideal de Platão e Aristóteles, para perceber, imediatamente e de um modo plástico, como a doutrina do conhecimento do epi-curismo constitui coisa de todo diversa. O epicurismo é um sensualismo e materialismo como já o era o seu modelo, o atomismo de Demócrtto.

b)    Critério   da   verdade

Em se tratando de representações verdadeiras e falsas, os epicuristas têm naturalmente de se apegar a um critério, que lhes garanta a verdade do conhecimento. E se eles não tivessem, por si mesmos, sentido tal necessidade, os seus adversários, os estóicos, tê-los-iam compelido a isso por uma intensiva discussão do problema da evidência.
 
α) A verdade sensível. — Mas Epicuro, líeste ponto, muito expeditamente se safa à dificuldade. As percepções sensíveis, assim se explica, seriam sempre verdadeiras. Mesmo às representações fantasiosas correspondem certos efeitos, "pois elas movem a alma”. Isto significa que a veracidade de cada percepção sensível consiste na realidade psicológica de tais sensações, e só nisso. A verdade lógico-ontológica dos nossos conhecimentos depende de um outro elemento, a saber, dos nossos juízos e opiniões (δοξα πτοληφιζ). E é por aí que se infiltra a possibilidade do erro. Esta afirmação já a faz Aristóteles e lhe dá um determinado sentido. Mas, aqui, é repetida apenas verbalmente, sem poder encaixar-se no con texto. Pois a epistemologia de Aristóteles pressupõe uma norma que decide da sensação, coisa que o sensualismo de Epicuro desconhece.

β) Uma petitio principii. — É verdade que, segundo êle ensina, devemos nos certificar da verdade do juízo enunciado, e vermos se a realidade o confirma, ou, pelo menos, não o contradiz. Mas isto é um modo puramente superficial de exprimir-se, pois, com Isso se pressupõe, exatamente, o que está em discussão. Porque, se o conhecimento é. no seu total, apenas sensibilidade, e a percepção sensível, possivelmente, não passa de uma pura representação da fantasia, quem poderá então garantir que a representação, que deve exercer influência sobre outras percepções, não possa ela também falhar? Precisaria, pois, ela de amparar-se em outra e esta ainda em outra, e assim sucessivamente.

A verdade,
porém, atribuída a toda percepção sensível, 
de nada serve, por não passar de uma realidade
puramente psíquica, sobre a qual não se discute.

A canôníca se reduz ao mínimo, no sistema de Epicuro. E a posição de Epicuro, relativa ao problema da verdade, fundamental para toda Filosofia, é estranhamente descuidada. Aliás, esse pouco caso é sistemático para todo o seu pensamento.

Bibliografia

J. Mewaldt, Die geistige Einheit Epikurs — A Unidade Espiritual do Epicuro (1927). C. Diano, La Psicologia (VEpicuro e la teoria delle passioni. Giornale critico della Filosofia 20 (1939). Ph. H. De Lacy, The Epicurean Analysis of Language. American Journal of Phi lology 60   (1939).

B- Física

a)    Renovação    do    atomismo

α) Ontologia do atomismo. — Na metafísica, Epicuro e a sua escola renovam o atomismo de Demócrito. Como para este, há também para aquele certos elementos sólidos, últimos, insécaveis — os átomos. São desprovidos de qualidade e se distinguem uns dos outros só quantitativamente, pela forma e pelo peso, não sendo absolutamente diversos entre si. Porém, há mesmo semelhanças entre eles, de modo a podermos falar de determinadas espécies de átomos. 

O número dessas espécies é limitado, havendo, porém, em cada grupo, um número infinito de átomos (Lucrécio, De rer. nat. II, 478 ss; 522, ss.). Mas, ao lado dos átomos, é preciso também admitirmos o espaço vazio, onde se acham e movem os átomos. Esse espaço é limitado (cf. I, 951 ss.). Ambos esses elementos, corpo e espaço, bastam para explicar toda a realidade. Seres de outra e, portanto, terceira espécie, não existem (I, 430ss.). Mate-rialismo evidente. Mesmo a alma e o espírito são corpos, matéria muito rarefeita é verdade, mas enfim matéria. A alma é parte do corpo, como as mãos e os pés (cf. III, 94; 161 ss.). 

Também ela é divisível e. portanto, mortal como o corpo (cf. III, 417, ss; 634, ss.). Os átomos sempre existiram e hão de eternamente existir. Sua soma permanece sempre a mesma (cf, II, 294 ss.).  Este princípio exprime a lei da conservação da substância, que sempre foi o dogma fundamenta] do materialismo.

β) O devir como mecanismo.— Na ontologia do atomís mo se apóia a doutrina do devir e de todo o processo cósmico. Todo devir se radica na imutável substância da matéria, existente e infinita. O princípio primeiro da explicação do mundo, neste novo atomismo, é que "nada pode provir do nada, e nada pode reduzir-se ao nada" (cf. I,150, ss.; 216 ss.). 

Os átomos ora se separam e ora se unem entre si, de um modo e, depois, de outro; de novo se separam para, de novo, se entrelaçarem, e assim por diante, de eternidade para eternidade. Assim se explicam todas as formas da natureza morta, bem como a vida na sua plenitude, espécies e gênero; e, enfim, assim também o homem e a sua história. "Pois, certo, não está a matéria adunada em formas insolúveis, pois vemos todas as coisas fluírem num curso ininterrupto, e sempre se rejuvenescerem aos nossos olhos… Assim, tudo o que aqui tiramos a um corpo e fá-lo diminuir, acrescenta-se a outro e fá-lo crescer, de modo que o murchar de um é, semelhantemente, o florir de outro. E a este lhe chegará também o seu turno. 

De maneira que, perpètuamente, se renova a soma dos seres. Assim gozam os mortais o feudo da vida. Aqui surge uma nova raça, ali outra desaparece. Em curto prazo se renovam as gerações dos seres que respiram e, como fugazes cursores, transmitem uns aos outros a tocha da vida" (cf. II, 67 ss.). E a lei deste devir? 

Apenas duas são as causas, como se certifica logo a seguir, responsáveis deste eterno movimento: o peso dos átomos mesmos e a pressão e impulso de outros átomos (cf. II, 84ss.). Declarado mecanicismo, e meca nicismo de Demócrito.

γ) Acaso, αα) Declinatio. — Mas, de repente, o mestre é corrigido e surge um pensamento de todo novo, a idéia da declinatio (παρεγκλισιζ), i.é, o repentino desviarem-se os átomos da linha vertical. Desde toda a eternidade caíram os átomos para baixo, no espaço infinito. Mas, agora e de repente, "sem se saber quando nem onde", começa a manifestar–se um desviarem-se os átomos da linha vertical, "apenas um desvio da linha do movimento, sobrevindo depois um forte choque de átomos, que provoca um entrelaçamento e mudança contínua deles.   Se não se admite esta declinatio, objeta Lucrécio,  defendendo  Epicuro contra  Demócrito,  nunca  haverá criação"  (cf. II,216ss.).

ββ) Acaso. — 0 conceito de declinatio implica um estrito acaso, no sentido de ausência de causalidade. Cícero explica o caso de Epicuro (τυχη, casu) com a declaração expressa de que, na declinatio, trata-se de um acontecer "sem causa" (Usener, Epic. pg. 200). Com isso, introduziu Epicuro na História da Filosofia uma idéia nova. Certo, a Filosofia, já antes dele. conhece o acaso. Mas Aristóteles, p.ex., que se esforça por explicar com exatidão o conceito do acaso, não o entende no" sentido de ausência de causalidade. 

O que chamamos acaso, segundo êle, é um acontecimento de que não podemos, momentaneamente, assinalar a causa, embora seja certo que êle a tem. Também o automaton de Demócrito não é o acaso no sentido de Epicuro. Este nega, em verdade, a causalidade, que se deveria buscar no querer e na intenção de um espírito livre vivente; pois todo devir depende somente da massa dos átomos e, portanto, acontece "por si mesmo". Exatamente por Isso, o automoton de Demócrito é contrário do acaso de Epicuro. Este professa o mais estrito determinismo de todo o ser e devir, dentro do universal mecanismo dos corpos que, enquanto massa, podem considerar-se simultaneamente como forças ou energias; e, logo, as leis da ação não são outras que as do ser, da massa. Os estóícos estenderam sem razão o conceito de acaso dos epicuristas também aos seus mestres, Leucipo e Demócrito. 

Mas é, na verdade, uma descoberta própria só da escola de Epicuro que, certo, não emendou Demócrito nesse pontoi Pois, na concepção epicurista, desaparece, exatamente, o que havia de mais grandioso na cosmologia de Demócrito: a absoluta regularidade do curso cósmico e a possibilidade, nela fundada, de calcular, previamente,  todos os acontecimentos futuros. "Êle dissipou toda a herança", diz Agostinho, de Epicuro e de seu conceito de acaso conexo com a declinatio (Usener, Epic. pg. 201). Porventura não entendeu Epicuro a concepção de seu mestre?

b)    Luta   contra   o   fado

Não, foi causa muito diversa o que levou Epicuro á sua posição. O que êle busca com a idéia do acaso é, particularmente, libertar o homem do despotismo do fatum. Os epicuristas professam a liberdade da vontade.   Mas se, como ensinam os estóicos, há um fatum-, então desaparece a liberdade da vontade e pende, sobre a vida do homem, como espada de Dâmocles, a perpétua fatalidade. 

Uma tal mundividência é coisa impossível para os hedonistas: perturba todo o gozo da vida. Daí a tentativa de salvar a liberdade, mediante o conceito de acaso e da ausência de causalidade. Por êle, o homem escapa ao nexo causai universal, pode começar por si mesmo, e com atividade criadora, uma série de causas; é, portanto, senhor da sua vida e pode construí-la como -lhe aprouver. Cícero declara, expressamente, que Epicüro, com o fito de salvar a liberdade, introduziu a declinatio. E o mesmo lemos em Lucrécio: "Por causa da declinatio não se dá o fato de o espírito estar encadeado ao ímpeto do próprio peso, nem de ser por este dominado, nem fica adstrito a suportar e a sofrer" (cf. II, 289). Daí o terem os epicuristas travado, em favor da liberdade humana, um constante combate contra o fatum estóico. Seu refúgio teórico foi o conceito de acaso. Sobre a réplica dos adversários v. Cícero, De fato, 46.

c)    Luta contra os mitos religiosos

α) Ilustração. — O segundo combate os epicuristas o dirigiram contra os mitos religiosos, tão incômodos como o fatum. Pois, admitir a intervenção dos deuses na vida humana, sobretudo as fábulas da sobrevivência após a morte, do julgamento dos mortos e de lugares de castigo eterno; e também as histórias da cólera de Deus, que é mister aplacar, e da sua graça e providência, que devemos lograr, tudo isso age também como elementos perturbadores do sereno gozo da vida, e da vontade no seu livre agir ou deixar de agir, a seu belo prazer. 

Nestas lutas, o epicurista se apega à teoria, dos átomos. Tudo acontece necessariamente, assim se dizia, por força das leis da natureza, como Demócrito o mostrou. Nenhuma necessidade há de se recorrer à intervenção dos deuses; precisamos apenas dos átomos com as leis a que estão sujeitos. É uma espécie de "iluminação". Por isso, escreveu Lucrécio o seu poema científico sobre a natureza. "Para expulsar esses temores e dissipar todas as trevas religiosas, não precisamos dos raios solares nem da luz do dia, bastando apenas considerar a natureza e as suas leis" (cf. 1,146). 

Exalta-se, com ênfase, a ação libertadora de Epicuro e apontam-na com grande mérito:   "como se não somente tivesse reduzido a nada ns imaginações vãs, mas também como se tivesse exterminado os espíritos malignos em carne e osso, e libertado o homem da escravidão deles" (Hoffmann). Mas que esse duplo combate empreendido se enredava numa berrante contradição, a isso pouco se atenta. Pois, para evitar o fatum se refugia no acaso e na liberdade que êle implica; e, contra a livre intervenção dos deuses, de novo se apela para a fatalidade do nexo causal. Também se passa por sobre a oposição entre a sua "melhorada" teoria e o pensamento fundamental do atomismo de Demócrito, que, contudo, se pretendia restaurar.

 β) Crentes nos deuses. — Também não se colocou no pesado prato da balança o fato de, na vida e comportamento público, ainda se "acreditar" nos deuses, que a cosmologia de Epicuro transferira para os intermúndios, os espaços postos entre os mundos, onde passavam a existência num repouso definitivo. Pois o Jardim não admitia, como o Pórtico, a unidade do universo, mas a pluralidade dos mundos. E nesses espaços vazios de matéria cósmica, entre os vários mundos, moravam os deuses, vivendo uma plácida existência. Só viviam para si, sem intervir de modo nenhum no tráfego do mundo. Isto era, praticamente, o mesmo que dizer: para nós não há nenhuns deuses; e, na realidade, o que se queria era viver como um deus entre os homens, fundado na nova felicidade da. vida, prometida pela doutrina do prazer (Epicuro, Carta a Meneceu, conclusão). Pois, que necessidade havia de chocar o sentimento dos homens por um declarado ateísmo? 

Decidiram-se, então, por um deísmo ou algo ainda menos que isso: ser cortês com os deuses, invocá-los, como, p.ex., Lucrécio invoca Vênus no começo do seu poema didático. Viver e deixar viverem os crentes. 

Os epicuristas não são homens perigosos. Sabem viver, falam bem, escrevem bem, mas;1 não se metem em fundas especulações. Sua Filosofia não se .constitui de pensamentos carregados de melancolia, mas assume os ares gratos e leves da musa. Isto se lhes manifesta principalmente na ética, e é sempre nela que se pensa quando vem à baila a questão dos epicuristas.

d)    Bibliografia

C. Bailey, The Greek Atomists and Epicurus (Oxford, 1928). J.   Mewaldt,  Der Kampf  des  Dichtcrs Lukrez  gegen  die Religion
A Luta do Poeta Lucrécio contra a Religião (1935). W. Schmid, Epikurs Krítik der platonischen. Elementarlehre — Crítica de Epicuro aos Ensinamentos Elementares, de Platão (1980). A.-.T. Festu gière, Epicure et ses dieux  (Paris, 1940).

C- ÉTICA

a)    Hedonismo

α) O prazer como τελοζ.— A ética contém, propriamente, o fim da Filosofia hedonista; para ela convergem as demais peças doutrinais, como já vimos. O seu cerne é o princípio: o bem moral consiste no prazer, o que Demócrito já havia sugerido com a sua "euforia". Mas, quem abertamente ensinou a doutrina do prazer foi Aristipo; e foi o seu hedonismo que forneceu aos epicuristas a direção principal. Para os estóicos, pairava, diante dos olhos, como ideal, o viver conforme à natureza, e se exortava a suportar e resignar-se para se pôr de acordo com as exigências da norma suprema. Mas, agora, erige-se o prazer,  τελοζ|, como o  τελοζ propriamente humano e, portanto, pode-se desejar e gozar à solta. 

Posição inteiramente diferente para a vida. O sentido primitivo da palavra "bem" não significa, para os epicuristas, nenhuma submissão a qualquer ordem de natureza ideal ou real, mas exprime, fundamentalmente, uma relação com a nossa faculdade de desejar. Pois, o que nos agrada e causa prazer a isso chamamos bem; e chamamos mal ao que nos desagrada e causa dor. Aristóteles tinha dito: é por ser uma coisa boa que algo nos causa prazer. Epicuro, como se vê, toma as coisas ao contrário. 

O seu princípio ético não consiste em nenhum bem objetivo, mas o prazer subjetivo é o princípio do bem. "O prazer é o princípio e o fim da vida feliz", diz-se na epístola de Epicuro a Meneceu, que contém, in nuce, o essencial da sua ética. Ou, como aí mesmo também se diz: "O τελοζ de uma vida feliz cifra-se em escolher e evitar tudo, em vista do bem do corpo e da tranqüilidade da alma. E, o que fizermos, fá-lo-emos com o fito de evitar a dor e encontrar a paz da alma".

β) Ataraxia.. — Ressalta assim, claramente, aos olhos qual prazer tem Epicuro em mente com o seu hedonismo. Entende êle por prazer a ausência da dor e a isenção de perturbações da alma  (αταραξια), a paz e o sossego do ânimo.
Aristipo tinha em vista um prazer que implicava a mais intensa vivência possível; êle queria o ”prazer do movimento". Epicuro, ao contrário, pensa no "prazer do repouso".

γ) Obscuridades principais. — Parece-nos isto mais fino e culto do que a tese de Aristipo, sobretudo, como geralmente se admite, quando Epicuro, de bom grado, dizia que deviam preferir-se os prazeres espirituais  aos corpóreos.

αα) A φρονησιζ superior ao prazer. — Dizia êle, ainda, que não devemos, cega e avidamente, ceder aos prazeres imediatos, mas levar em conta uma arte de medi-los, que deve considerar a vida no seu total e pesar os prazeres, compa rando-os racionalmente, afim de não ser um momentâneo prazer a causa de uma dor futura, ou um pequeno prazer, avidamente abraçado, vir a impedir um maior, que está à vista. É em geral necessário, diz Epicuro, a razão e a φρονησιζ; sem ela e a virtude, não liá nenhum prazer: 

"O princípio de toda a vida feliz e, portanto, o máximo bem, é a φρονησιζ; é superior à Filosofia; dela procedem as demais vantagens; sem φρονησιζ;, sem moralidade e justiça não se pode viver com prazer, e, ao inverso, sem prazer também não se pode viver racional, moral e justamente. Pois todas as virtudes estão entrelaçadas com a vida agradável e esta, por sua vez, não pode separar-se delas" (Epístola a Menecea). 

 Não se sabe a que ater-se lendo isto. 

Pois, 
será o prazer o princípio
de todas as nossas ações, ou há algo 
de superior a êle, que dirige e ordena: 
razão, a moralidade, a justiça, 
a vida no seu conjunto?

ββ) O prazer superior à φρονησιζ. — Poderíamos pensá-lo. Mas outras afirmações, em contrário, não são menos claras. Primeiro, o fato de que, para os epicuristas, o prazer como tal, e em todas as circunstâncias, é bom, como já o havia também declarado Aristipo. Não há diferenças qualitativas eticamente relevantes. Mas, depois, o prazer é expressamente considerado como coisa sensível. Não é somente Metrodoro de Lâmpsaco que se exprime nesse sentido: toda bondade e beleza, pensa êle, se refere ao ventre. Este é a medida de tudo que se refere à felicidade e pouco devemos nos importar com cultura e bem-estar-social, mas só procurar comer e beber, para não prejudicarmos o estômago e gozar,. assim, realmente, o prazer. O próprio Epicuro também tinha declarado: 

"Origem e raiz 
de todo prazer é o estômago;
a este se reduz a sabedoria 
e toda superioridade espiritual" 

(Frg. 42.9). E êle certifica, literalmente, que "todo valor e não-valor é coisa da αισθησιζ (Epístola a- Mencccit).

Ào sensualismo 
na epistemologia corresponde também 
o .sensualismo na estimação dos valores.

γγ) Sensualismo. — Não foi a Bíblia, em primeiro lugar, nem ainda os estóicos, eméritos professores da virtude, nem o rigoroso Kant que caracterizaram a vida de prazeres com o qualificativo de "sensualidade". Pois os próprios profissionais do hedonismo foram que introduziram esta terminologia. Também Goethe opinou do mesmo modo e, ainda hoje, afirmam os artistas que êíes pretendem ser homens dos sentidos. Mas será mesmo real que o prazer .que sentimos, p.ex., ouvindo uma sinfonia de Beethoven, e a vivência do seu conteúdo, se constituem, afinal, por uma relação com a sensibilidade e, de todo, com o estômago? 

Aqui teriam tido os hedonistas uma tarefa bem digna a realizar. Teriam de analisar e descrever, fenomenològicamente, prazer e prazer, e classificá-los segundo suas específicas modalidades; deveriam ter chegado às últimas determinações e categorias básicas dessas várias espécies de prazer, e teriam, em particular, que estabelecer a diferença entre prazeres sensíveis e espirituais. Mas tal não o fizeram. 

Nem mesmo no seu próprio terreno, 
na teoria do prazer,
ousaram chegar até às últimas 
e radicais posições  teóricas.

b) Sabedoria da vida

Mas, talvez, a situação histórica é toda outra. Talvez, segundo ela, os epicuristas não quiseram tanto expor uma Filosofia teórica, mas, antes, uma prática sabedoria da vida. Muitos são de opinião de que o epicurismo é, antes, um estilo de vida, mesmo uma religião — antes uma mundivivência, diríamos hoje — do que pura Filosofia (Hoffmann). Considerado a esta luz, de fato são mais inteligíveis muitas doutrinas do epicurismo. E o que êle nas dá como sabedoria da vida contém, realmente, muitos dados preciosos.

α) Afirmação da vida. — Assim, tem o epicurista os olhos  bem  abertos para  a  riqueza  e a  beleza  do  mundo, afirma a vida na sua plenitude, na sua pujança, na sua força vitoriosa. Por aí supera-se a si mesmo, sobrepuja-se aos lados sombrios da vida e não se deixa tolher por eles, ficando-se assim livre para uma positiva concepção da existência. Nem o pensamento da morte consegue abatê-lo.

A prova tola, de que "a morte não nos importa" — enquanto vivemos ela não vem, e quando ela vem, já nós não vivemos — oculta algo de muito valioso: o sim alegre dado á vida, que só vê o positivo e assim pode realmente utilizar o dia. O horaciano "carpe diem" não tem a sua origem numa avidez insaciável dos prazeres da vida, mas em uma visão ampla dos valores da existência. E Vênus era o símbolo disso, para os epicuristas. Como ela, a existência, na sua totalidade, é fonte de prazer vital, de encanto e dita, E porque só a existência nos pode proporcionar tais coisas, e só ela, vale a pena então viver e "colher" o dia.

β) Comedimento. — A sabedoria da vida do Jardim também conhece o comedimento, a medida, a tranqüilidade, a paz interior. "Temos a autosuficiência por um grande bem; não por considerarmos bastante o contentarmo-nos com pouco, mas porque, não podendo ter muito, satisfazemo-nos com pouco, convencidos de que vem a gozar o mais felizmente possível ‘ da riqueza, quem menos dela necessita" (Epíst. a. Meneceu). Também o conhecido "vive oculto" (λαθε βιωσαζ) tem um sentido profundo. Não é somente fuga dos incômodos da realidade da vida quotidiana e da vida pública, para conservar a tranqüilidade. 

Essa máxima nasce do conhecimento de que, na retração e silêncio, abre-se para o homem uma nova realidade, o mundo precioso da vida interior, do sossego e da clarificação da alma, a plácida serenidade e a plácida paz do coração.
"A coroa da tranqüilidade da alma é, 
incomparavelmente, superior 
às mais elevadas magistraturas" 
(Epic. Frag. 556).

γ) A amizade. — Nesta direção se orienta o culto da amizade, tão típica no Jardim. O Pórtico atirava-se para o largo, para a πολιζ e o cosmopolitismo. O Jardim busca a felicidade em pequenos círculos, na aliança com um grupo de escolhidos amigos: "odi profanum vulgus et arceo", canta Horácio. O homem se recolhe ao seu interior; as relações políticas a isso o compeliam. É-se individualista, não, porém, egoísta.    

A   gente   vive   para   os   amigos,   entregando-se a êles. "De tudo o que a sabedoria proporciona para a felicidade da vida, nada há maior, mais frutífero, mais penetrado de alegria do que a amizade" (Epic. frg. 539). "Escolhemos os amigos com o fito no prazer; mas, pelos amigos, enfrentamos os maiores sofrimentos" (546). Um humanismo que assina se exprime, por certo não se reduz ao gozo egoísta.. Conhece muito bem as incertezas dos homens e da vida, supera-as, porém, por acreditar, ainda mais fortemente, nesses mesmos homens e nessa mesma vida.

δ) O sábio. — Amizade, fruto da sabedoria. Com isto temos aqui, de novo presente, o muitas vezes invocado conceito da sabedoria. Todas as escolas gregas de Filosofia conhecem o "sábio"’, mas cada qual com a sua concepção própria. A educação do espírito crítico, que se alcança pelo esforço em fazer sobressair, de termos iguais, conteúdos significativos, às vezes diversos, não é para desprezar-se. Aqui, para os epicuristas, o sábio é o artista da vida. Não serão poucos os homens que lhes aceitarão as máximas com aprazimento. Mas o senso crítico logo perguntará:

Que é a arte da vida? 
Que significa aqui precisamente "vida"? 

Não são possíveis muitas maneiras de entendê-la? Mas, se quisermos,, para nos fixarmos em um sentido, determinar, em princípio, a concepção epicurista da vida, devemos nos lembrar de quão pouco levaram o princípio ético às derradeiras conseqüências. Esta objeção, porém, não leva a excluir, de todo, o valor das regras concretas de vida. Pois, teoremas não passam, muitas vezes, de símbolos, a ocultarem uma realidade,, mais forte do que a simples notificação lógica, e que afirma o seu valor e abre, instintivamente, o seu caminho, mesmo quando as elucidações conceptuais julguem-na falsa. "Cinzenta, querido amigo, é toda teoria, mas verde, é a árvore de ouro da vida".
 Bibliografia:   F. Wehrli, Lathe Biosas (1931).


Fonte
  Epicuro,
CONSCIENCIA:.ORG
http://www.consciencia.org/epicuro.shtml
http://www.consciencia.org/epicuro-e-o-epicurismo-antiga-filosofia-da-vida-historia-da-filosofia-antiga
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

2 comentários:

  1. Muito obrigada sonhei que era uma epicurista e vim pesquisar sobre o assunto

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É, Menina,
      "O prazer é o princípio e o fim da vida feliz", diz-se na epístola de Epicuro a Meneceu..." mas o valor concreto da vida está em saber distinguir e escolher, num golpe da sorte, o que mais nos convém para saciar e manter-nos satisfeitos e pacificados o maior tempo possível,concorda?

      E o segredinho de um verdadeiro epicurista é não se levar a sério demais ,nem se contentar demasiado, pois no prolongamento de um prazer perde-se o mistério de novos interessantes momentos.

      E o sábio epicurista bem distingue a doçura inocente da Alegria da efêmera gozadora ação que o prazer imediato lança.
      Em suma,uma boa vida,
      "Chega-se a ela atendendo os desejos naturais e ignorando os desejos supérfluos - o sábio feliz contenta-se com o estritamente necessário.

      É o prazer estável que garante a felicidade."

      Por prazer estável,entendo ALEGRIA!
      Alegria de Viver,eis o que vale desejar nesse nosso estar aqui!

      Excluir

Que tal comentar agora?