terça-feira, 23 de agosto de 2011

C.G.GUNG - PREFÁCIO DO “I CHING – O LIVR O DAS MUTAÇÕES”


  1. PREFÁCIO DE C. G. JUNG - Extraído do livro: “I CHING – O LIVRO DAS MUTAÇÕES”, tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários de Richard Wilhelm, E ditora Pensamento, SP, 1956
  2.  
  3.  Não sendo um sinólogo, meu prefácio ao Livro das Mutações terá que ser um testemunhoda experiência pessoal com esse grande e único livro. Ao mesmo tempo terei a grata oportunidadede homenagear também a memória de meu falecido amigo Richard Wilhelm. Ele próprio tinhaprofunda consciência da importância cultural de sua tradução do I Ching, versão sem paralelo no mundo Ocidental.             Se o significado do Livro das Mutações fosse de fácil apreensão, a obra não precisaria deum prefácio. Mas sem dúvida esse não é o caso, já que há tantos pontos enigmáticos em seuconteúdo que os estudiosos ocidentais tenderam a considerá-lo como um conjunto de "fórmulasmágicas" que, ou seriam abstrusas demais para serem inteligíveis, ou careceriam de todo valor. Atradução de Legge do I Ching, até agora a única versão disponível em inglês, pouco contribuiu paratornar a obra mais acessível à mente ocidental2. Wilhelm, entretanto, fez o esforço possível paraabrir o caminho à compreensão do simbolismo do texto.          Ele tinha condições de fazê-lo, pois a filosofia e o uso do I Ching foram-lhe ensinados pelo venerável sábio Lao-Naihsüan; além disso,durante um período de vários anos havia posto em prática a peculiar técnica do oráculo.      A apreensão do sentido vivo do texto dá à sua versão do I Ching uma profundidade deperspectiva que um conhecimento exclusivamente acadêmico da filosofia chinesa nunca poderiaproporcionar. Tenho uma enorme dívida para com Wilhelm pelo esclarecimento que trouxe à complicadaproblemática do I Ching e também pelas intuições relativas à sua aplicação prática. Por mais de 30anos, interessei-me por essa técnica oracular, ou método de explorar o inconsciente, que pareceu-me de excepcional significado.                   Já estava bastante familiarizado com o I Ching quando conheciWilhelm no começo da década de 20; ele confirmou o que eu já sabia, além de ensinar-me muitomais. Desconheço a língua chinesa e nunca estive na China. Posso afirmar ao meu leitor que émuito difícil encontrar o correto modo de acesso a esse monumento do pensamento chinês tãodistante de nossa forma de pensar. De modo a poder compreender de que trata esse livro, éindispensável deixar de lado certos preconceitos da mente ocidental.                      É curioso que um povo tãodotado e inteligente como o chinês nunca tenha desenvolvido o que chamamos ciência. Nossaciência, entretanto, é baseada no princípio da causalidade, o qual é considerado uma verdadeaxiomática. Mas uma grande mudança está ocorrendo em nosso ponto de vista. O que a "Críticada Razão Pura" de Kant não conseguiu, está sendo realizado pela física moderna. Os axiomas dacausalidade estão sendo abalados em seus fundamentos: sabemos agora que o que denominamos 1                    O prefácio de Jung foi redigido a pedido de Cary F. Baynes para a primeira edição da traduçãoinglesa do I Ching. Esse prefácio não consta da edição alemã usada para a presente tradução. O texto de Jung foi traduzido da edição da Bollingen Series XIX, Princeton University Press, 1972. (Nota da traduçãobrasileira.) 2 Legge faz o seguinte comentário sobre o texto explicativo das linhas:                        "De acordo com nossas noções, um criador de símbolos deveria ter muito de um poeta,            mas aqueles do Yi nos sugerem apena suma completa aridez. De um total de mais de trezentas e cinqüenta, a maior parte das afirmações podemser consideradas simplesmente grotescas". (The Sacred Books of the East, XVI: the Yi King. 2aed. Oxford,Clarendon Press, 1899, p. 22.) A respeito das "Lições" dos hexagramas, o mesmo autor diz: "Mas por que,poder-se-ia perguntar, deveriam nos ser transmitidas através de uma tal disposição de figuras lineares e emtal miscelânea de representações simbólicas", (Ibid. p. 25.)                        No entanto, em nenhum trecho é dito se Legge alguma vez se deu ao trabalho de colocar o método à prova, num teste prático leis naturais são meramente verdades estatísticas que supõem, necessariamente, exceções. Ainda não nos apercebemos que necessitamos do laboratório com suas decisivas limitações parademonstrar a validade invariável das leis naturais. Se deixarmos a natureza agir, veremos umquadro muito diferente: o acaso vai interferir total ou parcialmente em todo o processo, tanto assim que, em circunstâncias naturais, uma seqüência de fatos que esteja em absolutaconcordância com leis específicas constitui quase uma exceção.                A mente chinesa, como a vejo trabalhando no I Ching, parece preocupar-se exclusivamentecom o aspecto casual dos acontecimentos. O que chamamos de coincidência parece ser o interesse primordial desta mente peculiar e o que cultuamos como causalidade passa quase desapercebido. Devemos admitir que há muito a dizer a respeito da imensa importância do acaso.Uma quantidade incalculável do esforço do homem visa a combater e limitar os incômodos ouperigos representados pelo acaso.             Considerações teóricas de causa e efeito freqüentemente parecem fracas e pobres emcomparação com os resultados práticos do acaso. É correto dizer que o cristal de quartzo é um prisma hexagonal. A afirmação é verdadeira quando se considera um cristal ideal; entretanto, nanatureza não se encontram dois cristais exatamente iguais, ainda que todos sejam inequivocamente hexagonais. A forma concreta, no entanto, parece interessar mais ao sábio chinês que a forma ideal. O emaranhado de leis naturais que constitui a realidade empírica é maissignificativo para ele que uma explicação causal de fatos que, além disso, em geral devem serseparados uns dos outros para que possam ser adequadamente tratados.               A maneira como o I Ching tende a encarar a realidade parece não favorecer nossa maneiracausal de proceder. O momento concretamente observado apresenta-se à antiga visão chinesa,mais como um acontecimento fortuito que o resultado claramente definido de um concordante processo causal em cadeia. A questão que interessa parece ser a configuração formada poreventos casuais no momento da observação e de modo nenhum as hipotéticas razões que aparentemente justificam a coincidência. Enquanto a mente ocidental cuidadosamente examina,pesa, seleciona, classifica e isola, a visão chinesa do momento inclui tudo até o menor e maisabsurdo detalhe, pois tudo compõe o momento observado.                Assim ocorre quando são jogadas as três moedas, ou quando se contam as 49 varetas;esses detalhes casuais entram no quadro do momento de observação e fazem parte dele - umaparte que para nós é insignificante, porém para a mente chinesa é de suma importância. Seria para nós uma afirmação banal e quase sem sentido (pelo menos à primeira vista) dizer que tudoque acontece num determinado momento tem inevitavelmente a qualidade peculiar àquele momento. Esse não é um argumento abstrato mas, ao contrário, muito prático.                           Alguns especialistas são capazes de determinar só pelo aspecto, gosto e comportamento de um vinho asua procedência e o ano de sua origem. Existem conhecedores de antigüidades que podem afirmar com extraordinária precisão adata, o lugar de origem e o autor de um "objet dart" ou de um móvel, simplesmente olhando-os.Existem astrólogos que podem dizer a uma pessoa, sem nenhum conhecimento prévio, a data deseu nascimento, qual era a posição do sol e da lua, e qual o signo que se encontrava sobre ohorizonte no momento de seu nascimento. Diante de tais fatos é preciso admitir que osmomentos podem deixar marcas duradouras.                      Em outras palavras, quem quer que tenha inventado o I Ching estava convencido de que ohexagrama obtido num determinado momento coincidia com esse momento tanto em qualidadequanto em tempo. Para ele o hexagrama era o intérprete do momento no qual era tirado — maisque as horas do relógio ou as divisões de um calendário -, uma vez que o hexagrama eracompreendido como sendo o indicador da situação essencial que prevalecia no momento de sua origem.
  4. Essa suposição envolve certo princípio curioso que denominei sincronicidade3, conceito este que formula um ponto de vista diametralmente oposto ao da causalidade. A causalidade enquanto uma verdade meramente estatística não absoluta é uma espéciede hipótese de trabalho sobre como os acontecimentos surgem uns a partir dos outros, enquantoque, para a sincronicidade, a coincidência dos acontecimentos, no espaço e no tempo, significaalgo mais que mero acaso, precisamente uma peculiar interdependência de eventos objetivos entre si, assim como dos estados subjetivos (psíquicos) do observador ou observadores. O pensamento tradicional chinês apreende o cosmos de um modo semelhante ao do físicomoderno, que não pode negar que seu modelo do mundo é uma estrutura decididamentepsicofísica. O fato microfísico inclui o observador tanto quanto a realidade subjacente ao I Chingabrange a subjetividade, isto é, as condições psíquicas dentro da totalidade da situação momentânea. Assim como a causalidade descreve a seqüência dos acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com a coincidência de eventos.              O ponto de vista causal nos relata uma dramática história sobre como D chegou àexistência: originou-se de C que existia antes de D, e C, por sua vez, teve um pai, B, etc. Por outro lado, a visão da sincronicidade tenta produzir uma representação igualmente significativa da coincidência. Como é que A, B, C, D, etc. aparecem todos no mesmo momento e nomesmo lugar? Isso acontece, em primeiro lugar, porque os eventos físicos A e B são da mesmaqualidade dos eventos psíquicos C e D, e ainda porque todos são intérpretes de uma única emesma situação momentânea.               Assume-se que a situação representa um quadro legível oucompreensível. Os 64 hexagramas do I Ching são o instrumento pelo qual se pode determinar o significadode 64 situações diferentes, porém típicas. Essas interpretações são equivalentes a explicaçõescausals.                       A conexão causal é estatisticamente necessária e pode, portanto, ser submetida àexperiência. Uma vez que as situações são únicas e não podem ser repetidas, não parece serpossível, em condições normais4, realizar experiências com a sincronicidade. No I Ching, o único critério de validade da sincronicidade é a opinião do observador de que o texto do hexagramaequivale a uma interpretação fiel de sua condição psíquica. Supõe-se que a queda das moedas ouo resultado da divisão do conjunto de varetas de caule de milefólio é o que necessariamente deveser uma "situação" dada, já que qualquer coisa que aconteça naquele momento pertence a elecomo parte indispensável do quadro.                         Se um punhado de fósforos é jogado no chão, eles formam opadrão característico daquele momento. Porém, uma verdade tão óbvia como essa só revela seu caráter significativo se for possíveller o padrão e verificar sua interpretação, em parte pelo conhecimento, do observador, da situação objetiva e da subjetiva e, em parte, pelo caráter dos fatos subseqüentes. Obviamente esse não é um procedimento que atraia uma mente crítica, acostumada à verificação experimentalde fatos ou à evidência factual. Mas para alguém que goste de olhar o mundo segundo aperspectiva da antiga China, o I Ching pode exercer alguma atração. Meu argumento, tal como foi exposto acima, jamais, é claro, ocorreu à mente chinesa.                       Ao contrário, de acordo com a antiga tradição, são "agentes espirituais", atuando de uma formamisteriosa, que fazem com que as varetas de caule de milefólio dêem uma resposta significativa5.                 Esses poderes constituem como que a alma viva do livro, que é, portanto, uma espécie de ser vivo,e a tradição supõe que se podem fazer perguntas ao I Ching e esperar receber respostasinteligentes. Ocorreu-me, portanto, que talvez interesse ao leitor não iniciado ver o I Ching 3 Cf. "Sincronicity: An Acausal Connecting Principie". The Structure and Dynamics of the Psyche.(Col. das obras de C. G. Jung, v. 8.) 4 Cf. J. B. Rhine. The Reach of the Mind. New York - London, 1928. 5 Ele são shên, isto é, "semelhantes a um espírito". "Os céus produziram coisas semelhantes a um espírito." (Legge, p. 41.)operando.                         Com esse propósito realizei uma experiência rigorosamente de acordo com aconcepção chinesa: personifiquei, de certo modo, o livro, perguntando seu julgamento sobre suasituação atual, isto é, sobre minha intenção de apresentá-lo à mente ocidental. Ainda que esse procedimento se enquadre perfeitamente nas premissas da filosofiaTaoísta, para nós ele parece demasiado extravagante. Entretanto, nem mesmo o insólito dosdelírios doentios ou superstições primitivas jamais me chocaram. Sempre tentei permanecer livrede preconceitos e curioso — rerum novarum cupidus. Por que não ousar um diálogo com umantigo livro que se propõe como algo vivo? Não pode haver mal nenhum nisso, e o leitor poderáobservar um procedimento psicológico que tem sido posto em prática vezes e mais vezes atravésdos milênios da civilização chinesa, representando para homens como Confúcio ou Lao-tse tanto aexpressão suprema da autoridade espiritual quanto um enigma filosófico. Utilizei o método demoedas e a resposta obtida foi o hexagrama 50 - Ting, O CALDEIRÃO. De acordo com a maneira como foi formulada minha pergunta, deve-se entender o textodo hexagrama como se o próprio I Ching fosse a pessoa que fala.                    Assim, ele descreve a si própriocomo um caldeirão, isto é, como um recipiente de ritual contendo comida preparada. Deve-seentender comida, aqui, como alimento espiritual. Wilhelm diz a respeito: "O Ting, enquanto um utensílio pertencente a uma civilização refinada, sugere o cuidado ea alimentação dos homens capazes, o que resulta em benefício da nação... Aqui a cultura atingesua culminância na religião. O Ting serve para a oferenda de sacrifícios a Deus. Os mais elevados valores terrenos devem ser oferecidos em sacrifício a Deus...                A suprema revelação de Deus encontra-se nos profetas e nos santos. Venerá-los é, na verdade, venerar a Deus. Os desígnios deDeus, manifestados através deles, devem ser aceitos com humildade". Seguindo nossa hipótese, devemos concluir que aqui o I Ching está testemunhando arespeito de si mesmo. Quando alguma das linhas de um hexagrama dado tem o valor de seis ou nove, significaque são especialmente enfatizadas, e que, por isso, são importantes na interpretação6. Em meu hexagrama os "agentes espirituais" enfatizaram com um nove as linhas na segunda e terceiraposições. Diz o texto: Nove na segunda posição significa: Há alimento no Ting. Meus companheiros têm inveja, mas nada podem contra mim. Boa fortuna. Assim, o I Ching diz de si mesmo: "Eu contenho alimento (espiritual)". Como a participaçãoem algo grande sempre desperta inveja, o coro dos invejosos7 é parte da cena. Os invejosos querem despojar o I Ching daquilo que ele possui de grandioso, isto é, procuram roubar oudestruir o seu significado.          Mas essa hostilidade é em vão. Sua riqueza de significado estáassegurada, isto é, o I Ching está seguro de suas positivas conquistas, as quais ninguém lhe podetirar. O texto continua: Nove na terceira posição significa: A alça do Ting está alterada. Ele é impedido em suas atitudes. A gordura do faisão não é comida. 6 V. a explicação do método no texto de Wilhelm sobre o uso oracular. 7 Por exemplo, os invidi ("o invejoso") são uma imagem bastante freqüente nos velhos livros latinosde alquimia, principalmente na Turba Philosophorum (séc. XI ou XII).
  5. Quando a chuva cair, o remorso desaparecerá. A boa fortuna virá ao final. A alça (em alemão Griff) é aparte pela qual o Ting pode ser segurado (gegriffen). Portanto, significa o conceito8 (Begriff) que se tem do I Ching (o Ting). No decorrer dotempo, esse conceito aparentemente mudou, de modo que hoje já não podemos apreender(begreifen) o I Ching.               Assim, "ele é impedido em suas atitudes". Já não somos mais amparadospelo sábio conselho e pela profunda visão intuitiva do oráculo; por isso, não mais encontramosnosso caminho através das complexidades do destino e da escuridão de nossa própria natureza.              Já  não mais se come a gordura do faisão, isto é, a melhor e mais rica parte de um bom prato. Masquando, finalmente, a terra sequiosa novamente receber a chuva, isto é, quando esse estado decarência for superado, o "remorso", isto é, a tristeza pela perda da sabedoria tiver cessado, virá atão esperada oportunidade. Wilhelm comenta: "Isso descreve alguém que, em meio a uma culturamuito desenvolvida, encontra-se numa posição em que não é notado nem reconhecido. Isso é umgrande obstáculo à sua atuação". O I Ching parece estar lamentando que suas excelentes qualidades não sejam reconhecidas e, portanto permanecem inexploradas. Conforta-se com aesperança de recuperar, em breve, o reconhecimento. A resposta dada, nessas duas linhas de destaque, à pergunta que formulei ao I Ching nãorequer nenhuma sutileza especial de interpretação, nenhum artifício, nenhum conhecimento incomum.                  Qualquer pessoa com um pouco de bom senso pode compreender o significado da resposta; é a resposta de alguém que tem uma boa opinião sobre si próprio, mas cujo valor não é pela maioria reconhecido, nem sequer amplamente conhecido. Quem responde tem uma noção interessante sobre si mesmo: se vê como um recipiente no qual as oferendas ao sacrifício sãotrazidas aos deuses, a comida do ritual destinada à sua alimentação.                Concebe a si próprio como um utensílio de culto destinado a prover o alimento espiritual para os elementos ou forças  inconscientes ("agentes espirituais") que foram projetados como deuses — em outras palavras,para dar a essas forças a atenção que elas necessitam para desempenhar seu papel na vida doindivíduo. Na realidade, esse é o significado original da palavra "religio" — uma cuidadosa  observação e consideração (de "relegere")9 do numinoso. O método do I Ching leva realmente em consideração a oculta qualidade individualexistente nas coisas e nos homens e também no nosso próprio inconsciente. Interroguei o I Chingcomo fazemos com alguém a quem estamos prestes a apresentar a nossos amigos: perguntamosse isso seria ou não agradável a ele.
  6.                         O I Ching, como resposta, fala de seu significado religioso, dofato de ser desconhecido e mal interpretado na atualidade, e sua esperança de voltar a ocupar umlugar de honra — essa última parte obviamente como uma direta menção ao meu prefácio 10 aindanão redigido e sobretudo à tradução para o inglês. Essa parece ser uma reação perfeitamente compreensível tal como se poderia esperar deuma pessoa numa situação similar. Mas como surgiu essa reação? Porque eu joguei três pequenas  moedas ao ar e as deixei cair, rodar e parar em cara ou coroa, conforme o caso.                       Esse curioso fatode que uma reação que faz sentido surja de uma técnica que, aparentemente, exclui, de início,todo e qualquer sentido, é a grande conquista do I Ching. O exemplo que acabo de dar não éúnico, respostas significativas são a regra. Sinólogos ocidentais e importantes eruditos chinesesderam-se ao trabalho de informar-me que o I Ching é uma coleção de "fórmulas mágicas"obsoletas.                          No decorrer destas conversas, meu informante algumas vezes admitiu ter consultado o 8 Do latim Concipere, “segurar junto", isto é, num recipiente: CONCIPERE deriva de CAPERE,"tomar", "segurar". 9 Esta é a etimologia clássica.                     A derivação de RELIGIO de RELIGARE, "ligar à", originou-se com osPadres da Igreja. 10 Na verdade, eu fiz essa experiência antes de escrever o prefácio oráculo através de um adivinho, geralmente um monge Taoísta. Naturalmente isto "só poderia ser bobagem". Mas o estranho é que a resposta obtidaaparentemente coincidia de um modo notável, com o ponto cego psicológico do consulente. Concordo com o pensamento ocidental que seriam possíveis inúmeras respostas à minhapergunta e certamente não posso afirmar que outra resposta não teria sido igualmente significativa. Entretanto, a resposta obtida foi a primeira e única; nada sabemos sobre outraspossíveis respostas. Esta me agradou e satisfez. Fazer a mesma pergunta uma segunda vez teria sido falta de tato, por isso não a fiz: "o mestre só fala uma vez". O opressivo enfoque pedagógicoque pretende enquadrar os fenômenos irracionais dentro de um padrão racional preconcebido éanátema para mim.               Na realidade, coisas assim como essa resposta devem permanecer tal comoeram em sua primeira aparição, pois só então sabemos o que faz a natureza quando deixada em si mesma sem ser perturbada pela intromissão do homem. Não se deve recorrer a cadáveres paraestudar a vida.              Além disso, uma repetição da experiência é impossível pelo simples motivo de quea situação original não pode ser reconstruída. Portanto, em cada caso há apenas uma primeira eúnica resposta. Voltemos ao próprio hexagrama.                                          Não há nada estranho no fato de que todo o Ting, OCALDEIRÃO, amplie os temas propostos pelas duas linhas ressaltadas11. A primeira linha dohexagrama diz: Um Ting com os pés para o alto, emborcado. É favorável remover o conteúdo estagnado. Uma concubina é aceita em virtude de seu filho. Nenhuma culpa.                               Um caldeirão que se encontra de cabeça para baixo está fora de uso. Logo, o I Ching écomo um caldeirão que não está sendo usado. Virá-lo ao contrário serve para eliminar o conteúdoestagnado, como diz a linha. Assim como um homem toma uma concubina quando sua esposa nãotem filho, recorre-se ao I Ching quando não se encontra outra saída. Apesar do status quase legalda concubina na China, na realidade ele não é mais que um recurso de certa forma secundário;assim também o processo mágico do oráculo é um recurso que pode ser usado com um objetivomais elevado. Não há culpa, embora se trate de um recurso excepcional.                                A segunda e terceira linhas já foram discutidas. A quarta linha diz: O Ting com as pernas quebradas. A refeição do príncipe é derramada, e nódoas recaem sobre sua pessoa. Infortúnio. Aqui o Ting foi posto em uso, mas evidentemente de uma forma bastante canhestra, isto é,abusou-se do oráculo ou o interpretaram erroneamente. Deste modo, perdeu-se o alimentodivino e se expôs à vergonha. Legge traduz da seguinte forma: "o sujeito em questão irá corar devergonha". O abuso de um utensílio de culto tal como o Ting (isto é, o I Ching) é uma profanaçãogrosseira. Evidentemente, o I Ching está insistindo aqui em sua dignidade como um objeto deritual e protestando contra sua utilização profana. A quinta linha diz: O Ting tem alças amarelas e argolas de ouro. A perseverança é favorável. 11                   Os chineses interpretam somente as linhas móveis obtidas através do uso do oráculo. Eu concluíque na maioria dos casos todas as linhas do hexagrama são relevantes.                      O I Ching parece ter encontrado uma nova e correta (amarela) compreensão, isto é, umnovo conceito (Begriff), através do qual pode ser apreendido. Esse conceito é valioso (de ouro). Hárealmente uma nova edição em inglês, que torna o livro mais acessível que antes ao mundoocidental. A sexta linha diz: O Ting tem argolas de jade. Grande boa fortuna! Nada que não seja favorável.               O jade se distingue pela sua beleza e suave brilho. Se as alças são de jade, todo o recipienteserá realçado em sua beleza, honra e valor.                   Aqui o I Ching se expressa não só como estando muito satisfeito, mas também bastanteotimista. Pode-se apenas esperar futuros acontecimentos e, até lá, contentar-se com a agradávelconclusão de que o I Ching aprova a nova edição. Demonstrei nesse exemplo de forma tão objetiva quanto me foi possível como o oráculoatua num caso dado.                            Evidentemente, o processo varia um pouco segundo a forma como apergunta é formulada. Se, por exemplo, uma pessoa encontra-se numa situação confusa, ela própria pode aparecer no oráculo como aquela que fala, ou se a pergunta diz respeito a um relacionamento com outra pessoa, essa pessoa pode aparecer como aquela que fala. Entretanto, a identidade de quem fala não depende inteiramente da maneira pela qual a pergunta foiformulada, da mesma forma que nossas relações com nossos semelhantes nem sempre são determinadas por estes últimos. Freqüentemente nossas relações dependem quase que exclusivamente de nossas própriasatitudes, mesmo que não estejamos conscientes desse fato.                    Assim sendo, se um indivíduo nãotem consciência do seu papel num relacionamento, poderá haver uma surpresa à sua espera, aocontrário das expectativas, ele próprio pode aparecer como o agente principal, como às vezes éindicado, de forma inequívoca, pelo texto. Pode ocorrer também que tomemos uma situaçãodemasiadamente a sério e a consideremos de extrema importância, enquanto que a resposta queobtemos ao consultar o I Ching chama a atenção para algum outro aspecto inesperado, implícitona pergunta.                       Tais ocorrências podem, ao início, levar-nos a pensar que o oráculo é ardiloso. Diz-se que Confúcio recebeu uma só resposta imprópria, isto é, o hexagrama 22, Graciosidade – um hexagrama totalmente estético. Isso lembra o conselho dado a Sócrates por seu "daimon": "Você deveria fazer mais música" – e a partir de então Sócrates começou a tocar flauta. Confúcio eSócrates concorrem ao primeiro lugar no que se refere a uma perspectiva racional e uma atitudepedagógica diante da vida; mas é pouco provável que um deles tenha se preocupado em "embelezar a barba em seu queixo", como aconselha a segunda linha desse hexagrama.Infelizmente a razão e a pedagogia, com freqüência, carecem de encanto e graça, e assim, afinal, ooráculo talvez não se tenha enganado.                   Voltemos uma vez mais ao nosso hexagrama. Apesar do I Ching não só parecer estarsatisfeito com sua nova edição, como até demonstra um enfático otimismo, isso ainda não predizo efeito que terá no público que se pretende atingir. Já que temos em nosso hexagrama duas linhas yang enfatizadas pelo valor numérico nove,estamos em condições de averiguar que tipo de prognóstico o I Ching formula para si próprio.           Segundo a concepção da antigüidade, as linhas indicadas por um seis ou um nove possuem umatensão interna tão grande que faz com que se transformem em seus opostos, isto é, yang em yin evice-versa.Através dessa transformação, nós obtemos no presente caso o hexagrama 35, Chin
  7. PROGRESSO. O tema desse hexagrama é relativo a alguém que encontra toda sorte de vicissitudes dodestino em sua ascensão, e o texto descreve como ele deve se comportar. O I Ching está nessamesma situação: eleva-se como o sol e se dá a conhecer, mas é repudiado e não inspira confiança– ele está "progredindo, porém em tristeza". Entretanto, "obtém-se grande felicidade da parte deseu ancestral".         A psicologia nos pode ajudar a elucidar essa passagem obscura. Em sonhos e nos contos de fadas, a avó, ou ancestral, freqüentemente representa o inconsciente, pois esse último,no homem, contém o componente feminino da psique. Se o I Ching não é aceito pelo consciente,pelo menos o inconsciente, em parte, o aceita e o I Ching está mais ligado ao inconsciente que àatitude racional da consciência. Já que o inconsciente é freqüentemente representado em sonhospor uma figura feminina, poderia ser essa, no caso, a explicação.                           A figura feminina pode ser interpretada como a tradutora, que deu ao livro cuidados maternais, e o I Ching poderá facilmenteconsiderar isso como uma "grande felicidade".            O I Ching prevê a compreensão geral, mas teme sermal usado. "Progresso como o de um roedor." Mas está atento à advertência, "Não se deixe levarpor ganho ou perda". Ele permanece livre de "partidarismos" e não se impõe a ninguém. O I Ching, portanto, encara seu futuro no mercado editorial americano tranqüilamente,exprimindo-se aqui como o faria qualquer pessoa sensata a respeito do destino de uma obra tãocontrovertida. Essa profecia é tão razoável e cheia de bom senso, que seria difícil pensar-se emresposta mais apropriada. Tudo isso ocorreu antes de eu ter escrito os parágrafos anteriores. Quando cheguei a esseponto, quis conhecer a atitude do I Ching diante da nova situação.                        As circunstâncias tinham sidoalteradas pelo que havia escrito, uma vez que eu mesmo tinha entrado em cena e, portanto,esperava ouvir algo referente à minha própria ação. Devo confessar que enquanto escrevia esteprefácio não me sentia muito feliz pois, como alguém com senso de responsabilidade em relação àciência, não tenho o hábito de afirmar algo que não possa provar, ou pelo menos, apresentar demaneira aceitável à razão.                          É realmente uma tarefa duvidosa tentar apresentar a um públicomoderno, crítico, um conjunto de arcaicos "encantamentos mágicos", com a intenção de torná-losmais ou menos aceitáveis. Empreendi essa tarefa porque julgo que há mais, no antigo modo de pensar chinês, do queparece à primeira vista. Porém, é para mim constrangedor ter que apelar à boa vontade e àimaginação do leitor, já que tenho que introduzi-lo na obscuridade de um antiqüíssimo ritual mágico. Infelizmente conheço muito bem os argumentos que podem levantar contra ele. Não temos sequer certeza de que o barco que nos há de levar através de mares desconhecidos não tenha uma falha em algum lugar. Não poderá estar corrompido o velho texto? Será precisa atradução de Wilhelm? Não estaremos enganados em nossas explicações? O I Ching a todo instante insiste no autoconhecimento.                     O método pelo qual isso deve ser alcançado está aberto a todo tipo de aplicações errôneas e por isso não convém aos frívolos e imaturos nem aos intelectualistas e racionalistas. Só é apropriado àqueles afeitos ao pensar, àreflexão e aos quais apraz meditar sobre o que fazem e o que lhes ocorre — predileção essa quenão deve ser confundida com o mórbido cismar do hipocondríaco. Como indiquei acima, nãotenho resposta para a infinidade de problemas que surgem quando procuramos harmonizar ooráculo do I Ching com nossos cânones científicos aceitos. Mas é desnecessário dizer que nada"oculto" é passível de ser deduzido. Minha posição nessas questões é pragmática e as grandesdisciplinas que me ensinaram a utilidade prática desse ponto de vista são a psicoterapia e apsicologia médica. Provavelmente em nenhum outro campo temos que levar em conta tantasincógnitas, e em nenhuma outra área temos que ter por hábito adotar métodos que funcionam,ainda que, por longos períodos, não saibamos por que eles funcionam.                      Curas inesperadas podemsurgir de métodos presumivelmente confiáveis. Na exploração do inconsciente deparamos comcoisas muito estranhas, das quais um racionalista se afastaria com horror, afirmando, depois, que  nada viu.               A plenitude irracional da vida ensinou-me a nunca descartar nada, mesmo quando vãocontra todas as nossas teorias (que mesmo na melhor das hipóteses têm vida tão curta) ouquando não admitem nenhuma explicação imediata. Naturalmente isso é inquietante e nãosabemos, com certeza, se a indicação da bússola está correta ou não, porém a segurança, acerteza e a paz não conduzem a descobertas. O mesmo ocorre com esse método divinatório chinês. O método aponta claramente para o autoconhecimento, ainda que em todas as épocas tenha sido usado num sentido supersticioso.                     É claro que estou de todo convencido do valor do autoconhecimento, mas valerá a penarecomendar semelhante introspecção, quando os mais sábios homens em todos os tempos pregaram essa necessidade sem êxito? Este livro representa, e isto é óbvio até mesmo para osmais preconceituosos, uma longa exortação a uma cuidadosa análise de nosso próprio caráter, aatitudes e motivações. Essa posição me atrai e levou-me a escrever o prefácio. Só uma vez antes havia me pronunciado acerca do problema do I Ching — foi durante um discurso em memória deRichard Wilhelm. Afora esta ocasião, mantive um discreto silêncio.                       Não é tarefa fácil descobrir ocaminho para penetrar numa mentalidade distante e misteriosa como a que perpassa o I Ching.Não se pode menosprezar tão facilmente grandes pensadores como Confúcio e Lao-tse, quando seé capaz de avaliar a qualidade dos pensamentos que eles representam; tampouco se pode ignoraro fato de que o I Ching era sua principal fonte de inspiração. Sei que anteriormente não teria ousado expressar-me de forma tão explícita sobre assunto tão incerto. Posso correr esse riscoporque estou agora em minha oitava década e as volúveis opiniões dos homens já não mais me impressionam; os pensamentos dos velhos mestres são mais valiosos para mim que ospreconceitos filosóficos da mente ocidental. Não gosto de incomodar meu leitor com essas considerações pessoais, mas como jáindiquei, nossa própria personalidade está, com freqüência, envolvida na resposta do oráculo. Naverdade, ao formular minha pergunta eu como que, de fato, convidava o oráculo a comentar diretamente minha ação. A resposta foi o hexagrama 29 - Kan, O ABISMAL.                      Ênfase especial foidada à linha na terceira posição, pelo fato de ela ser designada por um seis. Essa linha diz: Para adiante e para trás. Abismo sobre abismo. Num perigo como esse, detenha-se ao início e espere. Senão você cairá num buraco no abismo. Não atue assim. Anteriormente eu teria aceito incondicionalmente o conselho "Não atue assim" e teria recusado dar minha opinião sobre o I Ching, pelo simples fato de não ter nenhuma. Mas agora, oconselho pode servir como um exemplo do modo como funciona o I Ching. É um fato, se começamos a pensar nisso, que os problemas do I Ching representam "abismo sobre abismo", e inevitavelmente deve-se "parar primeiro e esperar" em meio aos perigos de uma especulaçãodemasiado vaga e desprovida de senso critico; de outro modo, realmente nos perderíamos naescuridão.                      Pode haver uma posição intelectualmente mais incômoda que a de flutuar na névoa depossibilidades não comprovadas, não sabendo se o que estamos vendo é verdade ou ilusão? Essa é a atmosfera quase onírica do I Ching, e nela não encontramos nada em que possamos confiar,exceto o nosso próprio e tão falível julgamento subjetivo.                 Não posso deixar de reconhecer queessa linha representa muito apropriadamente o sentimento com o qual redigi as páginas precedentes. As reconfortantes palavras iniciais desse hexagrama são igualmente apropriadas —"Se você é sincero, terá o sucesso em seu coração" — porque indicam que o decisivo aqui não é operigo exterior, mas a condição subjetiva, isto é, se acreditamos sermos "sinceros" ou não. 
  1. O hexagrama compara a ação dinâmica nessa situação ao comportamento da águacorrente, que não teme nenhum lugar perigoso e mergulha sobre rochedos e preenche os fossos que encontra em seu curso (Kan também significa água). Essa é a maneira como o "homemsuperior" age e "exerce o ofício de ensinar". Kan é, sem dúvida, um dos hexagramas menos agradáveis. Descreve uma situação na qual  alguém parece encontrar-se em sério perigo de ser apanhado em toda sorte de armadilhas. Do mesmo modo que, ao interpretar um sonho, é preciso seguir o texto do sonho com a máxima  exatidão, assim, ao consultar o oráculo, é preciso ter em mente a formulação da pergunta, poisessa impõe um limite definido à interpretação da resposta. A primeira linha do hexagrama mostra  a presença do perigo: "No abismo se cai num fosso".            A segunda linha faz o mesmo e acrescenta oconselho: "Deve-se procurar alcançar apenas pequenas coisas". Eu aparentemente me anteciparaa esse conselho, limitando-me, no prefácio, a uma demonstração de como o I Ching funciona namente chinesa e renunciando ao projeto mais ambicioso, de escrever um comentário psicológico  sobre todo o livro. A quarta linha diz: Uma jarra de vinho, uma tigela de arroz, louça de barro, simplesmente entregues pela janela. Isso por certo não implica em culpa. Wilhelm faz o seguinte comentário a respeito: "Em condições normais, o funcionário que aspirava a um cargo devia trazer certas  oferendas e recomendações antes de ser nomeado. Tudo aqui está simplificado ao máximo.                    As oferendas são modestas, não há ninguém para recomendá-lo e ele tem de fazer sua própria  apresentação. No entanto, não deve se envergonhar por isso, se existir apenas a sincera intençãode prestar uma ajuda mútua no perigo". É como se o livro fosse, num certo sentido, o sujeito dessa linha.                 A quinta linha dá continuidade ao tema da limitação. Observando-se a natureza da água,verifica-se que ela preenche um fosso somente até a borda e prossegue, então, fluindo. Não ficacontida ali.                 O abismo não está cheio a ponto de transbordar, está cheio apenas até a borda. Mas, se tentados pelo perigo e em virtude apenas da insegurança, insistíssemos tentando  forçar uma convicção através de um esforço excepcional, como no caso de elaborados  comentários ou coisas semelhantes, atolaríamos nas dificuldades que a linha ao alto descreve comgrande precisão como condições que tolhem e aprisionam.               Na verdade, a última linha muitasvezes mostra as conseqüências decorrentes de não se levar a sério o significado do hexagrama. Em nosso hexagrama temos um seis na terceira posição. Essa linha yin de crescente tensão transforma-se em uma linha yang e assim gera um novo hexagrama, mostrando uma nova possibilidade ou tendência. Temos agora o hexagrama 48 — Ching, O POÇO.                   O fosso cheio de água já não significa mais perigo e sim algo benéfico, um poço. Assim o homem superior incentiva o povo em seu trabalho, exortando as pessoas a se ajudarem mutuamente. A imagem de pessoas ajudando-se uma às outras pareceria referir à reconstrução do poço,pois este está quebrado e cheio de lama. Nem mesmo os animais bebem nele.                  Há peixes vivendo  nele e pode-se apanhá-los, mas o poço não é utilizado para beber, isto é, para as necessidades  humanas. Essa descrição lembra o Ting —
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  3. O CALDEIRÃO — de cabeça para baixo e fora de uso, queprecisa receber uma nova alça. Além disso, esse poço, como o Ting, está limpo, mas ninguém bebe  dele. Este é o pesar de meu coração, pois se poderia usufruir dele. O perigoso fosso cheio de água ou o abismo referiam-se ao I Ching e o poço também,porém esse último tem um sentido positivo: contém as águas da vida. Deveria ser posto outra vezem uso. Mas não se possui nenhuma noção (Begriff) sobre ele, nem utensílio algum para extrair aágua; o cântaro está quebrado e vaza.                  O Ting precisa de novas alças pelas quais se possa segurá-lo,e o poço também deve receber um revestimento, pois contém "uma fonte límpida e fresca, daqual se pode beber". Pode-se tirar água dele porque é "digno de confiança". Está claro neste presságio que o sujeito que fala é outra vez o I Ching, representando-secomo uma fonte de água da vida.            O hexagrama precedente descreve com detalhes o perigo queameaça a pessoa que acidentalmente cai num fosso dentro do abismo. Ela deve procurar a saída,para poder descobrir que se trata de um velho poço em ruínas, enterrado na lama, mas passívelde ser restituído ao uso novamente. Submeti duas perguntas ao método do acaso representado pelo oráculo das moedas, asegunda pergunta tendo sido formulada depois de eu ter escrito minha análise da resposta àprimeira. 
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  5. A primeira pergunta como que se dirigia ao I Ching: o que tinha ele a dizer sobre minhaintenção de escrever um prefácio? A segunda pergunta referia-se à minha própria ação, oumelhor, à situação na qual eu era o sujeito agente que discutira o primeiro hexagrama. À primeira pergunta o I Ching respondeu comparando-se a um caldeirão, um recipiente de ritual quenecessitava de renovação e que estava encontrando apenas uma questionável aprovação da partedo público.              A resposta à segunda pergunta dizia que eu me encontrava numa dificuldade pois o IChing representava um profundo e perigoso fosso com água no qual poder-se-ia facilmente atolar.No entanto, o fosso com água revelou ser um velho poço que precisava apenas ser restaurado  para tornar-se útil novamente. Esses quatro hexagramas são, em seus elementos centrais, coerentes entre si quanto aotema (recipiente, fosso, poço), e no que se refere ao conteúdo intelectual parecem ser  significativos. Se um ser humano desse tais respostas, eu, como psiquiatra, teria de considerá-lo  mentalmente sadio, pelo menos, com base no material apresentado. De fato, eu não teria sido capaz de descobrir nada de delirante, de oligofrênico ou  esquizofrênico nas quatro respostas.                Diante da extrema antigüidade do I Ching e de sua origem  chinesa, não posso considerar anormal sua linguagem arcaica, simbólica e floreada. Ao contrário, eu teria felicitado essa hipotética pessoa pela amplitude de sua intuição doestado de dúvida que não chegara a expressar. Por outro lado, qualquer pessoa inteligente eversátil pode torcer tudo isso e mostrar como eu projetei os meus conteúdos subjetivos no simbolismo dos hexagramas. Semelhante crítica, ainda que catastrófica do ponto de vista doracionalismo ocidental, não afeta a função do I Ching. 
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  7. Ao contrário, o sábio chinês me diria sorrindo: "Não percebe quão útil é o I Ching para fazercom que você projete num simbolismo abstruso seus pensamentos, até então não percebidos?  Você poderia ter escrito seu prefácio sem jamais perceber a avalanche de mal-entendidos que omesmo poderia desencadear". O ponto de vista chinês não se preocupa com a atitude que se adota frente aofuncionamento do oráculo. Somos unicamente nós que estamos confusos, porque tropeçamos  repetidas vezes em nosso preconceito, ou seja, a noção de causalidade. 
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  9. A antiga sabedoria oriental enfatiza o fato de que o indivíduo inteligente compreende seus próprios pensamentos,mas não se preocupa de modo algum com a forma como o faz. Quanto menos se pense sobre ateoria do I Ching melhor se dormirá. Parece-me que com base nesse exemplo, um leitor sem preconceitos estaria agora em  condições de, pelo menos, tentar formar uma opinião aproximada sobre o modo de operar do IChing12.                Mais não se pode esperar de uma simples introdução.                Se, através dessa demonstração,consegui elucidar a fenomenologia psicológica do I Ching, terei alcançado o meu propósito.Quanto aos milhares de perguntas, dúvidas e críticas que esse livro extraordinário suscita, não  posso respondê-las.                             O I Ching não se apresenta com provas e resultados, não se vangloria de si,nem é de fácil abordagem. Como uma parte da natureza, espera até ser descoberto. Não oferece fatos, nem poder,porém para os amantes do autoconhecimento, da sabedoria — se estes existem - parece ser o  livro indicado.                 Para alguns seu espírito parecerá claro como o dia; para outros, sombrio como o  crepúsculo; e para outros ainda, obscuro como a noite. Aquele que não o aprecia, não precisa usá-lo e aquele que é contra, não é obrigado a considerá-lo verdadeiro. Que o deixem seguir para o  mundo em benefício daqueles que sejam capazes de discernir seu significado, ZURIQUE, 1949 C. G.JUNG 12 Será útil ao leitor ler juntos os quatro hexagramas que se encontram no texto, assim como seus  relevantes comentários.     -         Suely Laitano Nassif
I Ching
O Que É

O Livro das Mutações é considerado como uma das obras mais antigas editadas pela humanidade, com idade entre 4000 e 5000 anos. Embora a versão escrita tenha sido ampliada com comentários em séculos posteriores, os fundamentos filosóficos originais desta obra magistral se perdem no tempo.

Sua unidade básica é formada por duas linhas: uma completa e outra interrompida. A linha completa simboliza o Yang, enquanto que a outra representa o Yin. Yin e Yang são as duas "polaridades" complementares que fundamentam todo o Universo.  
 
Yang

Yin
Fonte:
Slideshare.net
http://www.slideshare.net/Suely_Nassif/prefcio-jung-i-ching
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.


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