quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O INUSITADO BATE À PORTA : O CAMINHO DA LOUCURA: João Batista Mezzomo



4.4 – O INUSITADO BATE À PORTA:
        O CAMINHO DA LOUCURA

            A loucura não é propriamente um caminho, mas antes é a forma como o abstrato advém para o concreto formando arte, religião e metafísica. Por ser a antítese da ordem, a loucura não cria nada no mundo que seja autenticamente seu, mas ela é o fundamento de toda a criação e de toda a emergência do mundo, pois tudo advém do abstrato. Nessa emergência o que vem ainda é abstrato, logo, ultrapassa a compreensão da razão, que se funda unicamente no ser. Justamente por isso, a emergência de todo o concreto nós identificamos como loucura. E por ser a forma como tudo emerge, uma consideração mais consistente dela está no caminho a ser trilhado pelo ser humano.

A percepção que tem o ser humano imerso na loucura é real, mas desafia o mundo, por isso ele é banido. E por isso também, aquele que consegue a evita, de modo a ser considerado “normal”. Ou então ele a controla e a insere no modo de seu tempo, tornando-se artista, filósofo ou fundador de uma religião. Mas existe uma possibilidade teórica em que a loucura se assuma como loucura simplesmente, mas mantendo o controle. Esta possibilidade, que denominamos “loucura controlada”, já foi preconizada por alguns, e se constitui num desafio ao mundo constituído, numa espécie de mentira ou simulação consciente, a qual nos abriria as portas para o abstrato. Uma simulação deste tipo foi efetivada por Carlos Castaneda, que inventou uma mentira na qual carregou milhares de pessoas pelo mundo, na forma de uma legião de aficionados leitores, entre os anos 60 e 80 do século passado. No entanto, apesar do embuste, se quisermos poderemos ver a extrema pertinência daquilo que aflorou através dessa mentira.

          Pois quando ele inventou Don Juan Matus, um xamã índio muito velho e muito sábio, ele desencadeou em seus leitores e em si mesmo um processo, que fez com que sua invenção adquirisse vida própria, em alguma medida. O velho xamã e seus companheiros tomaram vida em seus livros e nos trouxeram coisas de extrema pertinência, que nos permite conceber a América como a outra parte da Europa: enquanto uma trilhou o caminho do ser, a outra trilhou o do não-ser. De modo que quando aquelas naus de seres em conflito vieram em direção ao ocidente a procura de si mesmas, elas estavam na verdade buscando de algum modo o paraíso perdido, e de algum modo elas o encontraram.  Mas como estavam cegas para o não-ser, o que viram foi sua imagem refletida.  Destruíram o que viram, mas o não-ser da América continua vivo, em alguma instância alhures. E foi este não-ser que Castaneda e seus leitores conectaram com sua brincadeira. E justamente, é este território que ainda falta descobrir, num novo descobrimento, do qual o primeiro foi mera simulação.

Estabelecendo uma comparação entre a história da Europa ocidental e os relatos da obra de Castaneda, podemos perceber um paralelismo impressionante entre ambos, que nos permitem vislumbrar um sentido absolutamente novo para toda a história do ocidente, bem como antever em alguma medida os desdobramentos futuros.

         Se é correta a nossa hipótese, 
por que conseguiu Castaneda, 
com sua mentira, acessar 
este conteúdo residente no abstrato?
Ora, é justamente por que, para acessar o abstrato a partir do concreto, temos de simular.  Por isso, a realidade deve sempre ser antecipada como simulação. E por isso também, quando mentimos, mesmo inocentemente, nós estamos agindo como espécies de xamãs: estamos invocando um outro mundo, diverso do atual. E dependendo de uma série de fatores, nossa mentira pode se tornar real. Se ela se torna apenas para nós, nos tornamos loucos; mas se for para um grupo, ela pode vir a mudar o mundo.

Ademais, são simulações deste mesmo tipo que faz o artista, quando busca a inspiração que lhe permite fazer a obra de arte. Ou o místico, quando tenta contatar uma outra esfera. Ou mesmo o filósofo e o homem de ciência, quando procuram aventar uma hipótese. Então, Castaneda poderia muito bem ter nos dito que fazia literatura, ou religião, ou filosofia. Mas ele preferiu, quiçá aconselhado por seu próprio invento, a fazer arte ao modo das crianças, como uma “molecagem”. Mostrou-nos, se queremos ver, que desta “molecagem” emergiu uma profundidade insuspeita, que poderá emergir novamente, quando a loucura puder ser aceita também como uma possibilidade de acessar uma outra esfera. Castaneda e os que o acompanhavam viveram uma vida onde a fantasia se misturou com a realidade. Ele mesmo se dizia um feiticeiro, praticante de loucura controlada, a qual identificou como a "práxis da fenomenologia”. Pensemos sobre isso.

Do ponto de vista do mundo 
descrito pela razão, a loucura é aquele inusitado
que nós obstaculizamos para nos pormos
a caminho em direção ao futuro.
 
E como disse Nietzsche, que acabou perdendo o juízo, o inusitado bate a porta. E neste momento mesmo ele está a bater, e continuará a fazê-lo, até que estejamos prontas para abri-la. E estaremos prontos quando pudermos viver a loucura de forma controlada, e coletivamente, de modo a neutralizar seu efeito patológico. Será então o momento de sair do aposento que chamamos ser humano, nos pondo a caminho em direção a uma terra ainda ignorada em sua totalidade, mas há muito já intuída e desejada.


    ORELHAS

    Houve um tempo em que a humanidade viveu coletivamente uma dimensão mágica. Da mesma forma, nós também, no nível individual, tivemos um período inicial de nossas vidas em que nossa percepção era mágica. Em ambos os casos, esquecemos dessa fase primordial no momento em que nos tornamos sócios de um mundo do qual a magia foi expulsa. E nos tornamos sócios quando aceitamos o convite dos adultos – na maioria das vezes nossos pais e familiares – para corroborar seu mundo. A partir daí o mundo como o concebemos nos parece o único real, mas ele é apenas o produto de uma cultura que é ela mesma um obstáculo: uma pedra a flutuar sobre uma realidade mágica.

    Contudo, a realidade dessa forma obstaculizada pressiona por voltar. E essa pressão é justamente o nascedouro da própria cultura e daquilo que somos. No presente livro – um livro de filosofia – o autor explora esta idéia de muitos pontos de vista. Resulta numa obra ousada, que tem a pretensão de poder apontar um caminho de enfrentamento de todos os mistérios, e ao mesmo tempo revelar ao ser humano o que ele de fato é, tanto no nível individual como no coletivo.  Adotadas as conclusões a que se chega por essa via, concluiremos que estamos no limiar de uma grande transição. Poderíamos nomear aquilo para o qual nos dirigimos de múltiplas formas: um reino de fins, como queria Kant; um  reinado do pai, como queria Jesus; um estado de igualdade na diversidade, como preconizou Karl Marx; ou mesmo o advento de um “além do homem”, como defendia Nietzsche.

    Independentemente disso, uma coisa o autor sustenta como “cláusula pétrea” de seu ponto de vista filosófico: tal caminho somente poderá ser trilhado quando o ser humano se voltar conscientemente para essa possibilidade. Enquanto estiver magnetizado pela solidez de seu mundo, que considera o único real, permanecerá cego para a imensidão do mundo e daquilo com o qual está envolvido. Mas quando ele resolver desafiar esta solidez, um outro mundo – que está aqui mesmo e agora – poderá começar a ser descoberto.

    João Batista Mezzomo 

nasceu em São Domingos do Sul, interior do Estado do Rio Grande do Sul, em 21/11/1959.

    Em 1979 mudou-se para Porto Alegre, onde cursou engenharia elétrica na UFRGS, tendo colado grau no ano de 1983.

    Em 1986 prestou concurso público para auditor tributário da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, atividade que exerce até a presente data.

    No ano de 2003 concluiu o curso de Filosofia na PUCRS, tendo sido aluno laureado, além de ter sido considerado, pelo DCE, o melhor aluno do curso no ano de 2002.

    Contato: jmezzomo@hotmail.com

    QUARTA CAPA

    O MUNDO às vezes nos apresenta eventos que nos fazem “parar para pensar”. Esse simples fato evidencia uma desconfiança que temos, de que algo se esconde por trás da mera aparência, algo que talvez nos conduza, a nós e ao mundo. Neste caso, os diversos aspectos que denominamos “mundo” seriam como que sinais de uma instância que a tudo tenta conduzir. Indo mais adiante ainda, o mundo poderia ser visto como um imenso quebra-cabeças, uma charada montada por tal instância, um enigma a espera de ser decifrado.

    QUEM TEM OUVIDOS é, entre outras coisas, uma tentativa e uma proposta de decifração desse enigma, que na opinião do autor é o grande desafio do ser humano. Um desafio posto desde o momento em que ele emergiu de um passado apagado de sua memória, e que sussurra uma mensagem em seus ouvidos ainda surdos.
Li
Fonte:
CONSCIÊNCIA:.ORG
    Contato: jmezzomo@hotmail.com
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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