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Memória12/3/200112
Indiano defende a idéia de uma consciência cósmica, não-local. Para ele, Deus não é só objeto de religião ou crença, mas também da ciência
Heródoto Barbeiro: Olá, boa noite. Ele disse que nosso futuro está ligado ao futuro dos pobres, das plantas, dos minerais e dos animais, aconteça o que acontecer. É o raciocínio básico da espiritualidade. Mas é um raciocínio ausente nos segmentos da sociedade que detém o poder – os políticos e os homens de negócio. O Roda Viva entrevista hoje o físico nuclear indiano Amit Goswami. Considerado um importante cientista da atualidade, ele tem instigado os acadêmicos com a busca de uma ponte entre a ciência e a espiritualidade. Amit Goswami vive nos Estados Unidos, é Phd em física quântica e professor titular da Universidade de Física de Oregon. Há mais de 15 anos está envolvido em estudos que buscam construir o ponto de união entre a física quântica e a espiritualidade. Já foi rotulado de místico pela comunidade científica e acabou acalmando os críticos através de várias publicações técnicas a respeito de suas idéias. Em seu livro O universo autoconsciente, publicado recentemente no Brasil, ele procura demonstrar que o universo é matematicamente inconsistente sem a existência de um conjunto superior, no caso, Deus. E diz que, se esses estudos se desenvolverem, logo no início do terceiro milênio, Deus será objeto da ciência e não mais da religião. Para entrevistar o nosso convidado de hoje nós convidamos: o educador Pierre Weil, reitor da Universidade Holística Internacional de Brasília, Unipaz; o filósofo Mário Sérgio Cortella, doutor em educação e professor do Departamento de Teologia e Ciência da PUC-SP; o jornalista Cláudio Weber Abramo, mestre em filosofia da ciência; a escritora e editora de livros Rose Marie Muraro; a jornalista Lia Diskin, co-fundadora da Fundação Palas-Atena; o psiquiatra e analista junguiano Joel Sales Giglio, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp, e o físico Carlos Ziller, que é doutor em filosofia e pesquisador do Museu de Astronomia do Ministério da Ciência e Tecnologia. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados da federação brasileira, inclusive Brasília. O programa hoje está sendo gravado e por isso não será possível a participação dos telespectadores, como é comum aqui no programa. Dr. Amit Goswami, boa noite.
Amit Goswami: Boa noite.
Heródoto Barbeiro:
Dr. Goswami, inicialmente eu gostaria que o senhor dissesse aos nossos
telespectadores da TV Cultura que, ao longo do século XX, os cientistas
estiveram ligados muito mais ao materialismo do que à religiosidade. A
impressão que tenho, nessa virada para o século XXI, é de que essas
coisas estão mudando. O senhor poderia nos explicar o porquê dessa
aproximação entre a ciência e a espiritualidade?
Amit Goswami: Com prazer. Essa mudança da ciência de uma visão materialista para uma visão espiritualista
foi quase que totalmente devida ao advento da física quântica. Ao mesmo
tempo, houve algumas mudanças em psicologia transpessoal, em biologia
evolucionista e em medicina. Mas
acho que é correto dizer que a revolução que a física quântica causou
na física, na virada do século, seria baseada nessas transições
contínuas, não apenas movimento contínuo, mas também descontínuo. Não-localidade. Não
apenas transferência local d informações, mas transferência não-local
de informações. E, finalmente, o conceito de causalidade descendente. É
um conceito interessante, pois os físicos sempre acreditaram – os
cientistas sempre acreditaram – que a causalidade subia a partir da
base. [Das] Partículas elementares para átomos, para moléculas, para
células, para o cérebro. E o cérebro é tudo. O
cérebro nos dá consciência, inteligência, todas essas coisas. Mas
descobrimos, na física quântica, que a consciência é necessária. O
observador é necessário. É o observador que converte as ondas de
possibilidades, os objetos quânticos, em eventos e objetos reais. Essa
idéia de que a consciência é um produto do cérebro nos cria paradoxos.
Em vez disso, cresceu a idéia de que é a consciência que também é
causal. Assim, cresceu a idéia da causalidade descendente. Eu diria que a
revolução que a física quântica trouxe, com três conceitos
revolucionários, movimento descontínuo, interconectividade
não-localizada... E, finalmente, somando-se ao conceito de causalidade
ascendente da ciência newtoniana normal, o conceito de causalidade
descendente, a consciência escolhendo, entre as possibilidades, o evento
real. Esses são os três conceitos revolucionários. Então, se houver
causalidade descendente, se pudermos identificar essa causalidade
descendente como algo que está acima da visão materialista do mundo.
Então, Deus tem um ponto de entrada. Agora, sabemos como Deus – se
quiser, a consciência – interage com o mundo. Através da escolha das
possibilidades quânticas.
Rose Marie Muraro: O que mais me espanta na física é o problema da medição quântica de Heisenberg, que você acha que deve ter um observador olhando que modifica a realidade, por exemplo, transforma a onda em partícula. Gostaria de saber isto aí: houve uma grande briga de Einstein com Bohr.
Em escala cósmica, onde não há observadores... se há um observador
supremo em sua opinião e se ele é matéria ou como [se] faz esse
fenômeno?
Amit Goswami: Essa
é a questão fundamental, Rose Marie, porque qual é o papel do
observador? É a pergunta que abre a integração entre física e
espiritualidade. Na física quântica, por sete décadas, tentou-se negar o
observador. De alguma forma, achava-se que a
física deveria ser objetiva. Se dessem um papel ao observador, a física
não seria mais objetiva. A famosa disputa entre Bohr e Einstein
a que se refere, essa disputa, basicamente, sempre terminava com Bohr
ganhando a discussão, mostrando que não há fenômeno no mundo – a menos
que ele seja registrado–. Bohr não usou a consciência. Mas atualmente
vem crescendo o consenso, muito lentamente, de que a física quântica não
está completa. A menos que concordemos que nenhum fenômeno é um
fenômeno a menos que seja registrado por um observador, na consciência
de um observador. E essa se tornou a base da nova ciência. É a ciência
que, aos poucos, mas com certeza vem integrando os conceitos científicos
e espirituais.
Cláudio Abramo:
Em sua fala inicial, o senhor mencionou... deu como fato aqui que teria
crescido a idéia de que haveria uma causalidade no sentido inverso ao
que tradicionalmente se considera. Daí saltou para a afirmação que isso
abriria a porta para a entrada de Deus. A minha pergunta se divide em
duas: em primeiro lugar, essa idéia cresceu onde? Quem, além do senhor,
defende esse tipo de visão de mundo? E, dois, por que [é] que Deus
entrou nessa equação?
Amit Goswami:
Na física quântica há um movimento contínuo. A física quântica prevê
isso. Não há dúvida de que a matemática quântica é muito capaz, muito
competente. E ela prevê o desenvolvimento de ondas de possibilidades, a
matéria é retratada como ondas de possibilidades. O modo como elas se
espalham é totalmente previsto pela física quântica. Mas, agora, temos
probabilidades de possibilidades. Nenhum evento real é previsto pela
física quântica, para conectar a física quântica às observações reais.
Embora não vejamos possibilidades e probabilidades, na verdade, vemos
realidades. Esse é o problema das medições quânticas. E luta-se com esse
problema há décadas – como já disse –, mas nenhuma solução
materialista, uma solução mantida dentro da primazia da matéria foi
encontrada. Por outro lado, se considerarmos que é a consciência que
escolhe entre as possibilidades, teremos uma resposta, mas a resposta
não é matemática. Teremos de sair da matemática. Não existe matemática
quântica para esse evento de mudança de possibilidades em eventos reais
que os físicos chamam de colapso da onda de possibilidades em realidade.
É essa descontinuidade do colapso que nos obriga a buscar uma resposta
fora da física. O interessante é que, se postularmos que a consciência, o
observador causa o colapso da onda de possibilidades, escolhendo a
realidade que está ocorrendo, podemos fazer a pergunta: qual é a
natureza da consciência? E encontraremos uma resposta surpreendente.
Essa consciência que escolhe e causa o colapso da onda de possibilidades
não é a consciência individual do observador. Em vez disso, é uma
consciência cósmica. O observador não causa o colapso em um estado de
consciência normal, mas em um estado de consciência anormal, no qual ele
é parte da consciência cósmica. Isso é muito interessante. O que é a
consciência cósmica diante do conceito de Deus, do qual místicos e
teólogos falam?
Mário Sérgio Cortella:
Uma questão para o dr. Amit, que é a seguinte: o senhor é originado de
uma cultura, que é a cultura da Índia, onde o hinduísmo, como religião,
tem uma profusão de deuses ou de divindades ou de deidades. Alguns
chegam a falar em 300 milhões de deidades dentro da religião hindu. De
outro lado, o seu pai foi um guru brâmane, você tem um irmão que é
filósofo. Essa mescla de situações, ela induziu no senhor uma
compreensão em relação a um ponto de chegada na religião partindo da
física? Ou o senhor já partiu da religião e por isso chegou até a física
e supõe que a física quântica é uma das formas de praticar teologia?
Amit Goswami:
Obrigado pela pergunta. Porque costumam me perguntar se minha formação
como indiano hindu afetou o modo como pratico a física. Na verdade, fui
materialista por um bom tempo. Fui físico materialista dos 14 anos de
idade até cerca de 45 anos. O materialismo foi importante para mim.
Trabalhei com ele, filosofei nele, cresci nele. Obtive sucesso em
física, dentro da física materialista. Mas, quando comecei a trabalhar
no problema da medição quântica, realmente tentei resolvê-lo dentro do
materialismo. Enquanto todos nós trabalhávamos, falei com muitos físicos
que trabalhavam no problema. Esse é o problema mais estudado da física.
Um dos mais estudados. E todos tentávamos resolver este paradoxo: se a
consciência é um fenômeno cerebral, obedece à física quântica, como a
observação consciente de um evento pode causar o colapso da onda de
possibilidades levando ao evento real que estamos vendo? A consciência
em si é uma possibilidade. Possibilidade não pode causar um colapso na
possibilidade. Assim, tive de abandonar esse pensamento materialista.
Embora fosse interessante, em minha vida pessoal, sentia necessidade de
mudar, alguns consideraram uma transição de meia-idade. E os dois
problemas, crescimento na vida pessoal e o problema da medição quântica,
se confundiram. E eu comecei a ver a consciência não apenas como um
problema físico, mas também como um problema pessoal. O que é que deixa
alguém feliz? Qual é a natureza da consciência da qual as pessoas falam
quando se pensa além do materialismo? Então, comecei a meditar e a me
aproximar de alguns místicos e isso ajudou. E, um dia, quando falava com
um místico e ele me dava a tradicional visão mística do mundo, que eu
já ouvira muitas vezes antes... Mas, de algum modo, essa conversa causou
uma nova impressão em mim. Eu
pude ver, eu realmente vi além do pensamento. Tive a percepção de que a
consciência é a base do ser e essa percepção soluciona o problema da
medição quântica. Não só isso, pode ser usada como base para a ciência.
Normalmente, os cientistas assumem que a ciência deve ser objetiva etc.
Mas eu vi, naquele momento, que a ciência deve ser objetiva até certo
ponto. Eu chamo de objetividade razoável, mas isso pode ser alcançado
nessa nova metafísica. Consciência é a base de todos os seres. Então,
para mim foi o contrário: eu fui da física para a espiritualidade, sob o
aspecto da física. Porque minha formação espiritual – embora, em
retrospecto, eu possa dizer que foi saudável– deve ter sido, como Freud diria, no subconsciente [embora essa noção seja amplamente difundida, Freud
não falava em subconsciente, e sim inconsciente, porque o psicanalista
não queria atribuir uma hierarquia entre a consciência e o raciocínio
involuntário e a linguagem simbólica do inconsciente]. Mas,
conscientemente, foi o oposto. Eu vim de uma questão muito inquietante,
de como resolver um problema físico, um problema do mundo. Pois esse é o
problema mais importante do século XX. E a partir disso, esse salto
conceitual, esse salto quântico perceptivo me fez reconhecer que o modo
como espiritualistas vêem a consciência é o modo certo de ver a
consciência. E esse modo de ver a consciência resolve o problema da
medição quântica. Ele nos dá a base para uma nova ciência.
Carlos Ziller:
Eu gostaria de fazer uma pergunta, dando um passo um pouco mais atrás,
no sentido da própria física clássica. Nós sabemos, hoje em dia, que um
dos fundadores da física clássica, Newton [(1642-1727) físico que postulou, na obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, os princípios da física mecânica], Descartes [(1596-1650) filósofo e matemático. Criou o sistema cartesiano, sistema analítico que une geometria e álgebra], cientistas
do século XVII... para eles, para o projeto científico que eles
propunham, Deus era uma parte constitutiva e inseparável do mundo que
eles imaginavam, seja como garantia da eficácia, da eficiência, do
funcionamento das leis do mundo, seja como alguém que operava os
próprios fenômenos naturais. Bom, isso foi afastado, Deus foi sendo,
digamos assim, expulso do mundo da ciência, ao longo do século XVIII, do
século XIX... Bom, século XX. Inclusive, talvez os anos 50 tenham sido o
ápice dessa questão. Os cientistas, os físicos, sobretudo, não gostavam
nada de falar desse assunto, Deus era um problema... Talvez o seu
estudo e a sua reflexão estejam tentando colocar no seu próprio lugar,
né? Pelo menos, foi assim que eu interpretei algumas idéias do próprio
século XVII, dos fundadores da ciência moderna. Eu gostaria de saber se
essa aproximação do Deus do Newton, que era o que garantia que as leis
naturais funcionavam, se esse Deus tem algum paralelo com a consciência
ou supraconsciência que o senhor propõe como sendo o princípio a partir
do qual os fenômenos do mundo, a realidade estaria constituída?
Amit Goswami:
É uma pergunta muito boa. Os conceitos da física clássica, no início,
não separavam. Mas então, aos poucos, descobriu-se que Deus não era
necessário. Depois que Deus estabeleceu o movimento do mundo, ele passou
a ser guardião de seu jardim, e isso é o que a maioria dos físicos pode
fazer. Mas, na física quântica, há o problema da medição. Como as
possibilidades tornam-se eventos reais. Temos espaço para uma
consciência e ela deve ser uma consciência cósmica. Há uma semelhança
com o modo como Deus é retratado, pelo menos na sub-espiritualidade
tradicional. Não na mente popular. A mente popular considera Deus um
imperador, um super-humano sentado no céu. Essa imagem de Deus não é
científica. E espero que esteja claro que não estamos falando em Deus
dessa forma. Mas Deus, nessa consciência mais cósmica, nessa forma mais
estrutural. Esse tipo de Deus está retornando, porque se você se
recorda, o debate entre teólogos e cientistas sempre foi: Deus é o
guardião ou Deus intervém? Teólogos afirmam que Deus intervém nos seres
biológicos, e então, surgiu Darwin.
Foi um grande golpe nos teólogos. Porque antes, apesar de Newton, os
teólogos podiam citar o exemplo da biologia, no qual o propósito é muito
óbvio. Mas a teoria de Darwin foi um golpe. Porque se dizia que a evolução ocorria, mas ela era natural? Darwin
disse que ela era natural. Oportunidade e necessidade. Não há
necessidade de Deus na evolução e não há necessidade de Deus na
biologia. Então, no século XX, surgiu o behaviorismo e a idéia de que temos livre-arbítrio subjetivo. Essa idéia também foi superada, porque experimentos mostraram que
somos muito condicionados. Não há livre-arbítrio. Contra tudo isso,
vejam só, a física quântica também cresceu. Ao mesmo tempo, o behaviorismo
e a física quântica têm uma coisa peculiar: princípio da incerteza. O
mundo não está determinado como imaginamos. Deus não é o guardião. O
princípio da incerteza levou à onda de possibilidades. Depois, o colapso
da onda de possibilidades, para a introdução da idéia do colapso da
consciência. Paradoxalmente, fomos criados contra essa idéia. Mas nos
anos 1990 eu, Henry Stab, Fred Allan Wolf, Nick Herbert,
todos mostramos que esse paradoxo pode ser resolvido. Não há paradoxo
se assumirmos que a consciência que causa o colapso da onda de
possibilidades em eventos reais é uma consciência cósmica. E o evento do
colapso em si nos dá a separação matéria-objeto do mundo. Assim, não só
resolvemos o problema da medição quântica, como também demos uma nova
resposta de como a consciência uma pode tornar-se várias, como ela se
divide em matérias e objetos para poder ver a si mesma. E essa idéia de
que o mundo é um jogo da consciência, um jogo de Deus – uma idéia muito
mística – voltou à tona. Então, podemos voltar à biologia. Deus intervém
na biologia? Deus intervém na vida das pessoas? Essas perguntas
continuam tendo respostas muito positivas. Vi em um jornal sobre
biologia evolucionista que há muitos furos conhecidos na teoria
darwiniana. Esses furos são chamados sinais de pontuação. A teoria da
evolução, de Darwin,
explica alguns estágios homeostáticos da evolução, ou seja, como as
espécies adaptam-se a mudanças ambientais. Mas não explica como uma
espécie torna-se outra. Essa especiação, mudança de uma espécie em
outra, é uma nova mudança na evolução, não está na teoria de Darwin.
Experimentalmente, isso é demonstrado em lacunas de fósseis. Não temos
uma continuidade de fósseis mostrando como um réptil tornou-se um
pássaro. A idéia é que sejam sinais de pontuação, estágios muito rápidos
de evolução. Eu sugiro que isso seja um salto quântico. Um salto
quântico na evolução. Nesse salto quântico, a consciência interveio. Não
de um modo subjetivo, de um modo muito objetivo. Muito objetivo, e
essas idéias objetivas ficam claras com o trabalho Rupert Sheldrake
[(1942) biólogo britânico que desenvolveu a teoria da ressonância
mórfica, baseada na noção de campos morfogenéticos. Fez pesquisas nas
áreas de desenvolvimento de animais e plantas e comportamento, mas
escreveu também sobre temas como telepatia e metafísica, o que faz
muitos considerarem seu trabalho pseudociência] e outros, o modo como
isso pode ser objetivo. Mas, sem dúvida alguma, há uma intervenção da
causalidade descendente. Não se pode explicar a biologia evolucionista
só com a causalidade ascendente. Esta é a coisa mais interessante: a
partir do pensamento original dos físicos de que Deus deve ser o
guardião, pois tudo pode ser explicado e tudo é determinado, não
precisamos de Deus. Agora estamos fechando o círculo e vemos que não só
precisamos de Deus, [como também] há movimentos descontínuos no mundo
para os quais não existe explicação matemática ou lógica. Ainda assim, é
totalmente objetivo, não é arbitrário. Deus age de forma objetiva, bem
definida. A consciência cósmica não é subjetiva, não é a consciência
individual que afeta o mundo. Isso ocorre de forma cósmica, podemos
discutir objetivamente. A ciência detém seu poder, sua objetividade e,
ainda assim, temos agora a descontinuidade. Temos interconectividade e
podemos falar sobre vários assuntos dos quais os místicos
tradicionalmente falam.
Heródoto Barbeiro: Ok, a pergunta do dr. Weil.
Pierre Weil:
Durante esta discussão, eu me coloquei como um educador do ponto de
vista do telespectador e estou um pouco com medo que alguns já fecharam o
aparelho diante do alto nível científico do debate, que é necessário e
indispensável. Eu queria ressaltar a importância da sua presença aqui em
termos mais simples para o telespectador. Há aqueles que acreditam em
Deus, acreditam em espiritualidade e têm outros que não acreditam em
Deus, não acreditam, são os materialistas versus espiritualistas. Entre
os dois, há os que não sabem ou os que nem se interessam por isso.
Nessas três categorias, a sua presença aqui tem uma importância muito
grande. Ela tem uma importância, porque neste século que passou –
estamos no final dele – estamos assistindo a três grandes movimentos. O
primeiro movimento é que muitos espiritualistas – muitas pessoas que
acreditavam em Deus –, abaladas pelas "provas" e "evidências" da
ciência, largaram a religião e só acreditaram na matéria. Isso passou a
acometer muitos sacerdotes de várias religiões. Eles largaram a batina,
largaram a sua fé e se transformaram em protagonistas do materialismo.
Estamos assistindo, atualmente, a um movimento contrário... Eu tenho
dois exemplos, dois amigos meus. Um grande biólogo francês amigo meu
largou a biologia e hoje ele é monge budista tibetano. Um outro era
astrofísico, colega seu, largou a astrofísica e hoje ele é rabino.
Então, estamos assistindo a um movimento contrário. A sua presença aqui
apresenta uma terceira saída, que me parece a mais conveniente, a mais
razoável e a mais holística para mim também. A sua física quântica,
vindo do materialismo, fez com que não caísse no extremo do
espiritualismo, mas integrou os dois. Eu fiz isso também como psicólogo,
através da psicologia transpessoal. O senhor através da física quântica
e eu através da psicologia transpessoal. E nos encontramos muito bem e
nos abraçamos o tempo todo. A minha pergunta é uma pergunta pessoal:
poderia contar para os telespectadores, em termos mais simples, o que
fez com que Amit Goswami ficasse no meio do caminho e fizesse um
encontro dentro dele. Da razão, da física quântica... Perdão. A razão da
física, a razão materialista e, do outro lado, [a] da intuição. Falou
de seus amigos místicos, mas, pela minha experiência, eu sei que a
segurança pela qual eu falo, ela não é apenas racional. Ela é baseada em
uma experiência chamada interior, chamada subjetiva – chamem como
quiser – de luz e de saber. Mais ou menos como que é esse mundo
espiritual? Qual é a sua experiência que uniu na sua pessoa o lado
masculino, racional, e o lado feminino, intuitivo, sentimental? O que
aconteceu com a sua pessoa? Eu acho que isso vai nos reconciliar com os
telespectadores.
Amit Goswami:
Sim, obrigado, Pierre. Essa é a questão fundamental. Às vezes, eu digo
que todos nós, todas as pessoas, espectadores, cientistas, o orador,
todos nós temos dois lados. Um é semelhante a Newton, que quer entender
tudo em termos de objetividade, ciências e matemática. E o outro é William Blake [(1756-1827) poeta e pintor. Fez gravuras para livro consagrados da literatura tais como Livro de Jó e A divina comédia de Dante Alighieri. Como poeta escreveu, entre outros, Songs of innocence (1789) e Songs of liberty (1791). Em us fase final escreveu obras consideradas místicas, com destaque para The first book of Urizen (O primeiro livro de Urizen), publicado em 1794],
que é místico e ouve diretamente, ouve diretamente, intuitivamente e
desenvolve seu retrato do mundo baseado nessa percepção intuitiva. O que
ocorre nessa integração – mesmo antes de essa integração começar – é
que começamos a entender a natureza da criatividade. E a falsa idéia de
que cientistas só trabalham com idéias racionais e matemática está, aos
poucos, caindo. Einstein disse isso muito claramente: “Não descobri a teoria da relatividade
apenas com o pensamento racional.”. Mas as pessoas não levam a sério
tais declarações. Mas Einstein falou sério. Ele sabia que a criatividade
era importante. Agora, quase 100 anos de pesquisas sobre criatividade
estão mostrando que os cientistas também dependem da intuição. Eles
também dependem de visões criativas para desenvolver sua ciência. Nem
tudo é racional, matemático. Nem tudo é pensamento racional. Você
perguntou sobre minha experiência pessoal. Eu já compartilhei a
experiência fundamental, pessoal que tive quando troquei... Nem devo
dizer que troquei, eu tive uma percepção. Não posso descrevê-la em
termos de espaço-tempo. Eu estava fora do espaço-tempo, experimentando
diretamente a consciência como a base do ser. É
esse tipo de experiência que dá a base para ficarmos convencidos, para
termos certeza de que a realidade é algo mais do que o espaço-tempo no
mundo em movimento faz parecer. Esse é o escopo fundamental para o ponto
de encontro dos cientistas e espiritualistas. Porque os espiritualistas
ouviram esse chamado, essa intuição muito antes. Os cientistas também a
ouviram. Mas por eles sempre expressarem suas percepções em termos de
lógica, em termos de razão, isso ocorre mais tarde. Eles esquecem a
origem de seu trabalho, a origem de sua percepção. Já para os
espiritualistas a percepção leva à transformação do modo de vida. Assim,
eles nunca esquecem que foi a intuição que trouxe a felicidade, foi ela
que os fez quem são. Essa é a diferença. Cientistas usam a intuição
para desenvolver sistemas que estão fora deles. O que chamo de
criatividade externa. E isso se torna uma
camuflagem dos verdadeiros mecanismos do mundo para eles. Enquanto
espiritualistas mantêm-se com a percepção, mudam suas vidas. E,
incidentalmente, mudam o mundo externo. Mas eles sabem que aquela
percepção que tiveram é a coisa fundamental que gere o mundo. Para eles,
a consciência é cósmica, isso é algo determinado. Para os cientistas, a
mesma descoberta é possível, mas eles ignoram o chamado e prestam mais
atenção ao que ocorre no cenário externo. Acho que, se todos nós
compartilharmos isso, o mundo poderá mudar. Agradeço pela pergunta.
Estou disposto a compartilhar. Escrevi um livro sobre criatividade onde
conto minhas histórias pessoais. Em todos os meus livros, conto minhas
histórias pessoais. É importante compartilharmos nossas histórias
pessoais. E acabar com o mito de que os cientistas são apenas pensadores
racionais. Eles também têm percepções que vão muito além do pensamento
racional.
Heródoto Barbeiro:
Dr. Goswami, o senhor falou muito em Deus durante a primeira parte
deste programa, e aqui no ocidente, quando se fala em Deus, se imagina
que exista o seu contraponto a que no ocidente se dá uma série de nomes
aí. Eu gostaria de saber como é que o senhor explica, se o senhor
concebe a existência desse contraponto. Dessas outras forças que não são
necessariamente "Deus"?
Amit Goswami:
Essa questão de Deus contra o mal é interessante. Segundo a visão da
física quântica, existem as forças da criatividade e as forças do
condicionamento. Não falamos muito sobre isso, mas eu defendo a idéia de
que a física quântica nos dá a consciência cósmica para escolher entre
as possibilidades de trazer à realidade o evento real que ocorre. A
questão é: então temos de entrar nesse estado incomum de consciência, no
qual somos cósmicos, no qual escolhemos. Então, como entrar nessa
consciência individual na qual somos uma pessoa? Na qual temos
personalidade e caráter? Ao trabalharmos com a matemática disso,
descobrimos que essa condição ocorre porque todas nossas experiências
aparecem após serem refletidas no espelho da nossa memória muitas vezes.
É essa memória que causa o condicionamento. Uma propensão a agir do
modo como já agi antes. Uma propensão para responder a estímulos do modo
como já respondi antes. Todas as esposas sabem disso. Elas passam a
manhã no cabeleireiro e o marido volta para casa e diz: “O que há para o
almoço?" Sem notar o novo penteado da esposa. O que é muito irritante,
tenho certeza. Mas esse condicionamento é o que nos torna indivíduos.
Então, a questão é que, em física quântica, vemos claramente o papel da
consciência cósmica, que eu chamo de "ser quântico", onde há
criatividade, onde há forças criativas. E então perdemos essa
criatividade, nos condicionamos. E o condicionamento nos torna como
máquinas. Assim, o principal mal que a nova ciência nos traz é o
condicionamento. Pois é ele que nos faz esquecer a divindade que temos, o
poder criativo que temos, a força criativa que realmente representa o
que buscamos quando invocamos Deus. Mas isso também está incompleto.
Essa questão pode ser estudada mais a fundo e há um escopo maior,
trazendo idéias como emoções negativas e positivas. Assim, teremos uma
exposição maior do bem contra o mal. Mas, de fato, a consciência cósmica
inclui tudo. Esse é o conceito esotérico, não tanto “exotérico”, mas
esotérico, por trás de todas as religiões. De que há apenas Deus e que o
bem e o mal é uma divisão, uma necessidade da criação, mas não é
fundamental. Ou seja, o diabo não é igual a Deus, o diabo é uma criação
subseqüente. É útil pensarmos em termos de bem e mal, mas, às vezes, é
preciso transcender isso, é preciso perceber que Deus é tudo. Esse é o
cenário que a física quântica defende.
Joel Sales Giglio: Dr. Amit, eu sou psiquiatra, sou analista junguiano [referência à Carl Jung] formado pela Associação Junguiana
do Brasil e tenho muitas perguntas a fazer ao senhor. Mas, em vista do
tempo e dos objetivos deste programa, eu vou me centrar em uma delas. Eu
pensei muito, quando li o seu livro, em questões que ainda são
incógnitas na nossa prática psicoterápica. A questão do insight, que nós
não sabemos em psicoterapia quando ele vai acontecer, como ele vai
acontecer. Ele simplesmente aparece, quase que do nada. Embora a gente
intua que o insight vai aparecer. A questão da criatividade, a questão
da sincronicidade. Mas eu gostaria de fazer uma pergunta sobre os
arquétipos. O senhor menciona no livro idéias de "arquétipos de objetos
mentais", cita Platão e cita Jung,
que é o criador da psicologia analítica, setor da psicoterapia onde eu
me situo. A questão que tem me perturbado muito é: os arquétipos
evoluem, embora eles estejam fora do eixo espaço-tempo? Alguns autores
dizem que há uma... Que está havendo uma evolução dos arquétipos, quem
fala isso, por exemplo, é Sheldrake, que o senhor mencionou há pouco.
Ele não é psicólogo, é biólogo, mas tem uma visão diferente dentro do
campo da biologia. Como a teoria da física quântica explicaria, supondo
que os arquétipos evoluem, a evolução dos próprios pensamentos
arquetípicos? Por exemplo, a evolução do arquétipo de Deus, se é que ele
está evoluindo ou não. E muitos outros arquétipos, nós supomos, estejam
evoluindo sem anularem os arquétipos anteriores.
Amit Goswami: Obrigado pela pergunta. Sou um grande seguidor de Jung. Acho que Jung foi um dos precursores da integração que está ocorrendo agora. Nos meus primeiros textos, eu citava muito a afirmação de Jung de que um dia, a física nuclear e a psicologia se unirão. E acho que Jung
ficaria satisfeito com essa conversa. E, em geral, com a integração da
física e da psicologia transpessoal que vemos hoje. Isso posto, acredito
no conceito de arquétipo de Jung. Acho que o modo como Jung
o apresentou e Platão o apresentou, de que são aspectos eternos da
consciência, contextos eternos da consciência, a consciência tem um
corpo contextual, no qual os arquétipos são definidos. E, então, eles
governam o movimento do nosso pensamento. Acho que é um conceito muito
forte. Mas, ao mesmo tempo, na física quântica, existe a idéia de que
todos os corpos de consciência, tudo que pertence à consciência é
possibilidade. E, por causa disso, por tudo ser possibilidade, surge à
questão: alguém pode ir além de arquétipos fixos e considerar arquétipos
evolutivos? Não se pode descartar o que Rupert tenta dizer. Houve uma
idéia semelhante, de Brian Josephson [físico britânico. Recebeu o prêmio
Nobel de física em 1973 pela descoberta do efeito físico de
supercorrentes em barreiras de tunelamento], um físico que publicou um
trabalho no Physical Review Letters – revista de
grande prestígio – dizendo que as leis da física podem estar evoluindo.
Da mesma forma, outras pessoas, cientistas muito sérios, sugeriram que,
talvez, forças gravitacionais mudem com o tempo. Essa idéia de
arquétipos fixos é uma idéia muito importante. Eu a apóio totalmente,
mas também vejo que na física quântica há espaço para a evolução dos
arquétipos. Não devemos descartar totalmente idéias que dizem que
arquétipos evoluíram. Ainda seremos capazes de determinar isso
experimentalmente. Obrigado pela pergunta.
Lia Diskin:
O senhor manifesta certo interesse pelas questões éticas. Grande parte
do final de sua obra se dedica a essa questão. O senhor nos diz que
sentia a necessidade da participação da ambigüidade para dar garantia à
criatividade ao campo ético. Entretanto, no mesmo contexto, nos fala
imediatamente das linhas e instruções éticas de uma obra monumental
dentro da tradição indiana, que é o Bhagavad Gita [texto religioso hindu, escrito em sânscrito, composto por 700 versos. Faz parte do épico Mahabharata].
E o Bhagavad Gita inicia com um pressuposto – instrução de um mestre
para com um discípulo de como ele deve agir, deve entrar no combate e
deve assumir a sua parte da ação porque pertence a uma casta, a uma
tradição de guerreiros, em que a ação é própria. Como fica o
livre-arbítrio? Como fica a ambigüidade, necessidade da criatividade
dentro de um contexto que existe um pressuposto, obviamente, não ambíguo
e não escolhido? Não pode escolher o que fazer, mas está culminado a
fazer, está culminado. Como será isso, professor?
Amit Goswami:
Acho que essa também é uma pergunta muito difícil, muito sutil.
Realmente, se considerarmos a ética compulsória, não parece haver
escolha. Mas a ética não é tão definida, é muito ambígua. Lembro de uma
história que o grande filósofo Jean-Paul Sartre contava. Suponha que
você vá em uma expedição de natação, ou melhor, de barco e o barco
afunde. Você está com um amigo, você sabe nadar, mas ele não. Mas você
não é muito forte. Se tentar salvá-lo, os dois podem morrer. Você tem
uma boa chance de se salvar. Mas ama seu amigo, seu dever ético com ele
está muito claro. O que fazer? Casos assim mostram que há ambigüidade
mesmo em decisões éticas, em decisões morais. Na física quântica é muito
claro o que devemos esperar. E esperar pela intuição, ver se há um
salto quântico, uma resposta criativa como a chama... se uma resposta
criativa irá surgir. E é essa resposta criativa, a resposta correta para
solucionar essa ambigüidade em questões éticas. Quando a moralidade ou a
ética são apresentadas como um conjunto de regras e as pessoas seguem
essas regras, elas perdem essa parte ambígua. Por causa disso, as regras
perdem o sentido, passam a ser um conjunto de regras inútil, sem vida.
Mas se considerarmos a ética com vida e reconhecermos que temos um papel
a desempenhar em todas as situações, temos um papel a desempenhar em
termos de irmos para dentro de nós, como as pessoas criativas fazem,
combatendo isso, combatendo a ambigüidade. Então, o salto quântico da
percepção virá e vai nos permitir tomar a ação correta. É nisso que a
física quântica está nos ajudando. É nessa conclusão que ela está nos
ajudando. E acho que Sartre também buscava essa resposta, porque a ética
fixa é uma coisa impossível de se seguir.
Cláudio Abramo:
Eu vou, infelizmente, ter que me estender ligeiramente na pergunta. Ela
é precedida de uma declaração. Eu vou fazer uma interpretação do que
foi declarado até agora, que eu acho que deve ser útil ao telespectador.
Eu não estou fazendo isso para me expor. Mas para esclarecer o que me
parecem ser algumas questões importantes desse debate para o
telespectador. O entrevistado faz menção a fenômenos inexplicados. Há
fenômenos desviantes de diversas disciplinas. Ele começa com a física,
passa pela biologia, faz referência a problemas seculares da consciência
humana, ao livre-arbítrio, ao modo como raciocinamos, modo como
chegamos a conclusões. Menciona casos, como, por exemplo, Einstein
declarando – como tantos outros cientistas – como chegou àquela
conclusão. Uma carreira antes dele
já se havia escrito sobre isso, as investigações de Poincaré
[(1854-1912) matemático e filósofo. Desenvolveu o conceito de funções
automórficas que usou para resolver equações diferenciais lineares de
segunda ordem com coeficientes algébricos] o último grande matemático
universalista francês. Ele morreu no começo deste século. Bom, esse tipo
de anedota é completamente comum na ciência, não há nenhuma
originalidade nisso. Esse gênero de anedota, repito, de fenômenos
inexplicados que são característicos da ciência. Na ciência quanto mais
sabe, menos sabe. Quanto mais os fenômenos são explicados, mais avenidas
de desconhecimento se abrem. Um cientista diz "não sei" o tempo todo. O
não-cientista explica tudo, porque sempre tem uma resposta
todo-abrangente. O fato de se ter isso – para você entender bem –, o
fato de se formular uma "pseudoexplicação" a respeito de como o universo
funciona, não dá a essa explicação foro de verdade. Simplesmente
declarar coisas não confere verdade ao que se declara. Agora, no que o
senhor declara existe uma característica que eu acho bastante
preocupante – ou pelo menos intrigante –, vinda de alguém que é
conhecido como físico, ou foi... o senhor foi físico. O senhor disse, em
primeiro lugar, que aquilo que seria essa intervenção de uma
consciência cósmica não é matematizável. Quer dizer, isso não é
“introduzível” dentro da teoria física na forma como a teoria física
aceita as suas idéias. Não existe outra maneira de introduzir na
física... outra forma de introduzir, senão a matemática. Não existe, não
é possível, não é física. Se não é matematizável, não é física. Muito
bem. Esta idéia de consciência cósmica não é física. Certamente nenhum
físico aceitará isso. Em segundo lugar, ela também – já que se está
falando que existe no mundo – uma consciência cósmica, que se repete na
consciência das pessoas e faz as pessoas fazerem saltos quânticos – não
sei se o senhor vai usar esse termo –, mas saltos quânticos em direção à
solução de problemas. Onde estão as evidências empíricas disso? Onde
estão as experiências que levam a esse tipo de conclusão? Porque... Ou
se pode ter conhecimento do mundo muito estruturado, como no caso da
física, ou o conhecimento do mundo pouco estruturado. Não existe uma
teoria, não existe um conjunto de idéias muito organizadas por trás. Mas
sabemos, empiricamente, que são verdadeiras ou parecem verdadeiras.
Onde estão as evidências empíricas e onde está o raciocínio, eu diria –
desculpe a palavra – científico que o leva a declarar que existiria uma
consciência cósmica que estaria governando tudo e resolvendo todos os
problemas? Estaria resolvendo todos os problemas aqui, da biologia, da
psicologia. O senhor afirma que suas idéias explicariam, por exemplo, o
problema da biologia. Como o senhor diz, dos "gaps" na criação de
espécies, por exemplo? O senhor não acha um pouco ambicioso demais? E
repito: onde estão as evidências empíricas disso?
Amit Goswami:
Boa pergunta. Pergunta muito boa. Precisamos sempre fazer esta
pergunta: onde está a evidência? Falarei da evidência mais tarde. Antes,
responderei a pergunta: a física é matemática? Ela deve ser totalmente
matemática? Essa é uma crença que cresceu gradualmente na física, por
causa do sucesso da matemática para expressar a física. Há duas coisas
que devemos lembrar. Primeiro: não há motivo para a física ser
matemática. Às vezes, os filósofos levantam essa questão. Nancy
Cartwright [professora de filosofia da ciência da London School of
Economics e da Universidade da Califórnia em San Diego] escreveu um
livro: Why do laws of physics lie [How the laws of physics lie].
Ela estava argumentando que não há provas dentro da filosofia
materialista de que a matemática deve governar as leis da física. De
onde vem a matemática? Pessoas como Richard Feynman [(1918-1988)
foi um dos pioneiros da eletrodinâmica quântica, juntamente com
Sin-Itero Tomonaga e Julian Schwinger, ganhando o prêmio Nobel em 1965.
Para ele “Deus é sempre inventado para explicar coisas que você não
entende”], grande físico, Eugene Wigner [(1902-1995),
matemático e físico húngaro laureado com o prêmio Nobel de 1963 por
suas grandes contribuições para a teoria dos átomos nucleares e das
partículas elementares, particularmente pela criação e aplicação dos
princípios fundamentais da simetria. No final da vida, voltou sua
atenção para assuntos mais filosóficos, como o significado da vida. Com
isso, acabou se interessando pela filosofia hinduísta Vedanta, na qual o
universo é visto como uma consciência cósmica],
todos estudaram a questão. E não há resposta dentro da filosofia
materialista. Platão tem uma resposta. Matemática molda a física, porque
surgiu antes da física. Faz parte do mundo arquetípico que discutimos.
Assim, o idealismo de Platão é fundamental para entender o papel da
matemática na física. Em primeiro lugar, a física em si precisa de algo
além da matéria. Ou seja, da matemática e de arquétipos para ser uma
ciência consistente. É preciso se lembrar disso. O segundo aspecto da
questão é o mais importante. Na física quântica, procuramos
insistentemente uma forma matemática de encerrar a mecânica quântica.
Uma forma matemática para entender a medição quântica. Não fomos
capazes... Niels Bohr demonstrou para Erwin Schrödinger [(1887-1961) físico austríaco que fez grandes contribuições à mecânica quântica, especialmente a “equação de Schrödinger”,
que descreve a evolução dos sistemas físicos sujeitos à mecânica
quântica ao longo do tempo, pela qual recebeu o prêmio Nobel de física
em 1933] há
muito tempo, quando a mecânica quântica estava sendo desenvolvida,
Schrödinger achou que tinha obtido a continuidade. E Bohr provou o
contrário e o convenceu disso. E Schrödinger disse: "Se eu soubesse que
essa descontinuidade, saltos quânticos, iriam permanecer, eu nunca teria
descoberto a mecânica quântica". Bohr disse: "Estamos felizes de que
tenha descoberto". Essas descontinuidades vão continuar existindo. Não
há explicação matemática. Por não haver explicação matemática, portanto,
há espaço para o livre-arbítrio. O livre-arbítrio, Deus, consciência,
colapso. Tudo isso entrou para a física, porque atingimos o
conhecimento, a sabedoria de que existe o princípio da incerteza...
Existe a probabilidade e possibilidades. E, por existirem probabilidade e
possibilidades, deve haver um agente que causa o colapso das
possibilidades em eventos reais. E esse agente não pode ser matemático
porque, se for, não poderá haver livre-arbítrio, seria determinista. Mas
não é determinista. O princípio da incerteza é fundamental. Assim, nós
chegamos à conclusão, após décadas de lutas...
Cláudio Abramo: Quem é “nós”?
Amit Goswami: "Nós" quer dizer que há um consenso entre cientistas...
Cláudio Abramo: Há um consenso a respeito de suas idéias?
Amit Goswami:Não
a respeito de minhas idéias. Esqueça as minhas idéias. Mas há um
consenso de que não há solução matemática para o problema da medição
quântica. Nisso chegamos a um consenso. E por não haver uma solução
matemática para isso e por haver uma solução consistente em termos de
consciência causando colapso de possibilidades quânticas, em realidade
podemos falar sobre essas idéias publicamente. Quanto à segunda
pergunta: há evidência empírica? Acontece que os dois aspectos
fundamentais da nova física – [o primeiro é que] a consciência causa o
colapso da possibilidade em realidade e o segundo [que] essa consciência
é uma consciência cósmica–... os dois aspectos foram confirmados por
dados empíricos. Antes darei os dados para o segundo, porque é o mais
simples para o telespectador. O primeiro é um pouco difícil. Talvez
possamos incluir os dois. O primeiro experimento é muito importante
porque já foi aplicado. Em 1993 e 1994, o neurofisiologista mexicano [Jacobo] Grinberg Zylberbamn e seus colaboradores fizeram um experimento no qual havia dois observadores meditando
por 20 minutos com o propósito de terem comunicação direta. Comunicação
direta no estilo de não-localidade. Sinais não-locais ocorrendo entre
eles e, ainda assim, eles teriam comunicação. Certo, eles meditaram
juntos. Pediu-se que mantivessem o estado meditativo durante o resto do
experimento. Mas, então, um deles é levado para outro recinto. Eles
ficaram em câmaras de Faraday, onde não é possível a comunicação
eletromagnética. Os cérebros deles são monitorados. Uma das pessoas vê
uma série de flashes brilhantes, o cérebro dele responde com atividade
elétrica. Obtém-se o potencial de resposta muito claro. Picos muito
claros, fases muito claras. O cérebro da outra pessoa mostra a atividade
a partir da qual obtém-se um potencial de transferência muito
semelhante em força e 70% idêntico, em fases, ao potencial de resposta
da primeira pessoa. O mais interessante é que, se você pegar duas outras
pessoas – duas pessoas que não meditaram juntas – ou pessoas que tinham
a intenção de se comunicar, para elas não há potencial de
transferência. Mas para pessoas que meditam juntas, invariavelmente,
muitas vezes; um em cada quatro casos, obtemos o fenômeno de potencial
de transferência. E Peter Fenwick, na
Inglaterra, há dois anos, confirmou isso, repetindo o experimento.
Assim, temos evidência empírica. Se tivéssemos tempo e você tivesse
paciência, eu poderia lhe dar inúmeros dados. Outro dado é muito
interessante. Considere o caso de geradores de números aleatórios. Eles
são realmente aparelhos quânticos, pois eles pegam eventos radiativos,
que são aleatórios, e os convertem em seqüências de números, seqüências
de zeros e uns. Em uma longa cadeia, deve haver número igual de zeros e
uns. É o que se espera da seqüência aleatória. Helmut Schmidt,
um físico que pesquisa parapsicologia, tenta – há quase 20 anos – fazer
com que médiuns influenciem os geradores de números aleatórios para
gerarem seqüências não-aleatórias, mais zeros que uns. E, ao longo dos
anos, ele conseguiu boas evidências de que, até certo ponto, os médiuns
conseguem fazer isso. Um resultado com um grande desvio. Isso ainda não
tem nada a ver com física quântica. Mas, recentemente, em um trabalho
publicado em 1993, Schmidt retratou uma modificação revolucionária
desses dados. O que ele fez, recentemente, é que o gerador de números
aleatórios, os dados do gerador de números, a seqüência é armazenada num
computador, ela é impressa, mas ninguém olha. Os dados impressos são
fechados num envelope e enviados para um observador independente. Três
meses depois, o observador, sem abrir o envelope, escolhe o que quer
ver, mais zeros ou mais uns. Tudo segue um critério. Então, ele liga
para o pesquisador, o pesquisador diz ao médium para olhar os dados e
pede a ele para mudar os resultados, influenciá-los se puder. E o médium
tenta produzir mais zeros, se esse for o desejo do observador. E,
então, o observador abre o envelope e verifica se o médium conseguiu. E a
incrível conclusão... É um resultado sério, não é fácil contestá-lo. O
resultado é que o médium, em 4 de cada 5 tentativas, consegue mudar os
números aleatórios gerados pelo aparelho, mesmo após 3 meses. Esse mito
de que o pensamento causa o colapso de si mesmo, de que as coisas causam
o colapso de si mesmas, que o colapso é objetivo, sem que o observador
consciente as veja, é apenas um mito. Nada acontece, tudo é uma
possibilidade, até que o observador consciente veja. Numa experiência
controlada, as pessoas intervieram. As pessoas viram, sem contar a
ninguém... viram os dados, a impressão. Nesses casos, o médium não
influenciou os dados. Está claro que a consciência exerce um efeito.
Exatamente como Bohr suspeitava. Agora estamos fazendo teorias mais
completas, e experimentos mais completos baseados nessas teorias. Henry Stab
colaborou com todas essas idéias que apresentei. Consciência causando o
colapso de funções quânticas em eventos reais. Ele participou do
experimento com Schmidt. Então, estamos vendo uma mudança revolucionária
em física, não menos revolucionária do que com Copérnico [(1473-1543)
astrônomo e matemático. Criou a teoria do heliocentrismo, colocando o
Sol como centro do sistema solar e não a Terra]. Claro
que haverá reações como a que apresentou e temos de ser muito pacientes,
calmos e trabalharmos juntos para superar essas tendências contrárias.
Mas temos a certeza de que existe algo que todos devemos olhar. Isso é
revolucionário, é novo e pode mudar, como já discutimos, as dificuldades
com valores que a sociedade vem enfrentando. Não vamos nos preocupar em
como pode ser, mas vamos olhar os dados, olhar a teoria e perguntar:
pode ser? Se pode, que oportunidade fantástica temos para integrar todos
esses movimentos díspares de consciência que nos separou por tanto
tempo.
Heródoto Barbeiro:
Dr. Goswami, dentro dessas explicações que o senhor nos deu até agora,
como fica a questão da reencarnação e da preservação dessa consciência
dos seres humanos?
Amit Goswami:
A questão da reencarnação provavelmente é a questão mais radical que
pode ser feita. E é impressionante que a física quântica nos permita dar
uma resposta afirmativa. Eu mesmo fiquei tão surpreso como qualquer um
com isso. No início, quando me perguntavam isso, eu me recusava a
discutir. Mas então, eu acordei de um sonho, e, basicamente, o sonho me
dizia, eu ouvi isso no sonho: "O Livro tibetano dos mortos está
certo e seu trabalho é provar". Após acordar desse sonho, eu passei a
encarar reencarnação com seriedade. O problema com a reencarnação é
este: o corpo físico morre e o que resta? Se a consciência é a base do
ser, vem a idéia que o que resta é a consciência. É a primeira pista. A
segunda pista é que tudo é possibilidade, no modo quântico de ver as
coisas. Então, não é irrelevante dizer que as possibilidades podem
viver. Algumas possibilidades morrem com o corpo e o cérebro, mas pode
haver outras possibilidades... outras possibilidades que se modificam ao
longo da nossa vida. Essas modificações das probabilidades das
possibilidades podem formar uma confluência que possa viver mais tarde
na vida de outra pessoa. É essa idéia que pude desenvolver de forma mais
completa. Um livro será lançado ano que vem e fico feliz em dizer que
podemos lidar com essa questão. A vantagem de se fazer essas perguntas é
que podemos ver imediatamente a utilidade das novas ciências que virão.
Porque são essas coisas que preocupam as pessoas. As pessoas são
fundamentalmente incomodadas por perguntas como: o que acontecerá quando
eu morrer? E se a nova física puder responder essas perguntas, a
despeito da importância da psicologia transpessoal, e da psicologia
junguiana, na qual a nova ciência ajuda, e também da medicina
alternativa, que nem discutimos ainda. Acho que tocaremos o coração das
pessoas quando pudermos dizer “finalmente a ciência pode ajudar a
entender essa pergunta”. Até agora, apenas o padre o teólogo, pode dar
qualquer resposta para a pessoa. E se pudermos dizer a ela “faz sentido
fazer essa pergunta e você pode fazer algo para ajudá-lo com o que
acontecerá após a morte”. Não seria um progresso maravilhoso na ciência?
Joel Sales Giglio:
Professor Amit, eu vou fazer uma pergunta baseada no trabalho de um
ex-orientando de tese de doutoramento, que eu orientei na Universidade
Estadual de Campinas e que fez a primeira tese, pelo menos na Unicamp, e
talvez em qualquer universidade estadual ou federal do Brasil, sobre
parapsicologia. Ele fez uma tese sobre clarividência. Eu não vou,
obviamente, falar da metodologia do trabalho, [o] que seria bastante
extenso, mas resumir, pelo menos, os resultados principais. Vários
sujeitos tentavam adivinhar as cartas de um baralho de símbolos
geométricos, um baralho Zener, muito usado em pesquisas de
parapsicologia, e tentava adivinhar as cartas de um baralho [de] tarô,
que é baseado em imagens arquetípicas, o rei, a rainha etc. Nos
resultados que foram feitos segundo a metodologia tradicional,
estatística, as pessoas acertaram, no baralho de Zener, um pouquinho
acima do que era esperado ao acaso e 10% acima do baralho de tarô
comparado com o baralho de Zener. Bom, a explicação dada pelo meu
orientando foi dentro da psicologia analítica, em relação aos arquétipos
emergentes, que estariam mais mobilizados mais no baralho de tarô do
que no baralho simplesmente de símbolos geométricos. Mas essa
explicação, embora nos satisfaça um pouco, ainda deixa muito a desejar.
Eu perguntaria se o senhor teria alguma explicação a mais, baseada na teoria quântica,
sobre essa melhor adivinhação das cartas de baralho de tarô, que são
símbolos arquetípicos, em relação ao baralho comum de Zener, que são
quatro símbolos geométricos, quadrados, círculos etc.
Amit Goswami:
Sim. Obrigado pela pergunta. Na verdade, somente no Brasil alguém
pensaria em fazer um experimento tão brilhante. Tenho visitado o Brasil
nos últimos 5 anos e o futuro parece promissor. Eu fico entusiasmado com
a mente do brasileiro. Qual é a diferença entre o experimento original
de adivinhação de cartas e as cartas de tarô? A idéia que proponho –
acho que pensa da mesma forma – é que, quando o objeto que usamos na
telepatia é significativo, ele é um objeto melhor. Os cientistas, os
parapsicólogos anteriores preocupavam-se demais com a objetividade, e
ignoravam esse aspecto. Agora, nos novos experimentos parapsicológicos,
espero usarmos cada vez mais objetos significativos na transferência
telepática. E você tem razão, na explicação completa tem-se de usar a
palavra "telepatia". Tem de usar a transferência não-local de
informações. Nesse caso, transferência não-local de informações
significativas, arquetípicas. E esse é o motivo para os melhores
resultados. Mas a não-localidade, a não-localidade quântica tem de ser
evocada para se ter uma explicação completa do que ocorreu. Obrigado.
Lia Diskin:
Dr. Amit, eu juntei algumas questões que eu não vou tratar delas como
perguntas, porque eu acho que na sua obra, pelo menos no que eu pude
ler, há um aprofundamento disso e uma leitura mais detalhada. Mas há
questões... Por exemplo, no campo da psicanálise, essa idéia de que o
universo é quando percebido e até "interferido"... Sei lá, essa idéia
não seria uma postura um pouco egonarcísica da nossa parte ou
antropocêntrica [em relação] ao próprio universo, que dificulta a idéia
de um cosmo, invertendo Dostoiévski [(1821-1881) escritor russo. Grande autor do existencialismo. Escreveu clássicos da literatura tais como Crime e castigo e Irmãos Karamazov. Neste último é proferida a frase citada pela entrevistadora], que
disse “se Deus não existe, tudo é permitido”. Nessa compreensão, se
Deus existe, aí tudo é permitido. Porque existe, aí, uma probabilidade
que pode ser interferida. E uma outra questão que acho que está na sua
obra, mas acho que vale um aprofundamento é: e o ateísmo metodológico,
que sempre foi tão caro para a ciência poder buscar explicações, ele não
é mais necessário? Mas aí a questão de fundo: eu tenho lido, não sei se
é verdade, que a física quântica mostra que o tempo é uma ilusão.
Inclusive, alguns já falam que não é um universo, mas um “multiverso”.
Porque haveria vários universos paralelos. Isso traria um problema à
possibilidade de viajar no tempo. A maior explicação que eu achei até
hoje contra a viagem no tempo foi do físico inglês Stephen Hawking [(1942) físico e doutor em cosmologia, professor de matemática na Universidade de Cambridge. Provou
o primeiro de muitos teoremas que fornecem um conjunto de condições
suficientes para a existência de uma singularidade no espaço-tempo. Mais
que isso, segundo Hawking essas singularidades caracterizariam a
relatividade geral. Também sugeriu que, após o Big Bang, mini-buracos
negros se formaram],
que usou um argumento lógico. Ele disse: "É impossível viajar no tempo
porque, se um dia for possível isso, os homens do futuro já teriam
voltado”. Mas a física quântica, ao falar nos universos paralelos,
levanta a possibilidade de se ter o tempo como uma mera ilusão humana.
Isso coloca a seguinte pergunta para o senhor: será que nós chegaremos,
com a física quântica, a voltar à origem do cosmos e, aí sim, encontrar o
princípio explicativo?
Amit Goswami:
Bem, suas duas colocações são muito boas e a pergunta é extremamente
fascinante. A primeira coisa que quero dizer é que não dizemos que tudo é
possível apenas por termos incluído a consciência em nossas teorias.
Porque ainda estamos concordando totalmente com a física quântica que a
causalidade ascendente e molda a forma das possibilidades a partir da
qual a consciência escolhe. Tanto a causalidade descendente quanto a
ascendente têm papel fundamental na nova física, na nova ciência. Essa é
uma das virtudes que temos. A nova ciência absorve a velha ciência nos
limites do princípio da correspondência. No limite que podemos falar
apenas em termos de probabilidades para um grande número de eventos. A
velha ciência não desaparece. Não poderia. É solidamente baseada em
dados experimentais. A nova ciência expande a velha ciência em arenas
com as quais a velha ciência não pode lidar, como eventos singulares de
criação, criatividade. Esse é o primeiro ponto. Sobre voltar no tempo,
há experimentos quânticos, o mais famoso é o experimento de "delayed
choice" [na verdade, foram realizados diversos experimentos desse tipo,
de "escolha retardada", nos quais a decisão atual de um observador
parece influir na forma como partículas se comportaram no passado.
Muitos pesquisadores assinalam, porém, que eles não demonstram a
possibilidade de enviar sinais para trás no tempo ou alterar o passado],
mas é muito longo para explicar e muito complicado para os espectadores
realmente apreciarem. Embora, se alguém estiver interessado nele, haja
livros sobre ele. Leiam, por favor, é fascinante. Há algo acontecendo.
Essa idéia de voltar no tempo é real na física quântica. Podemos ser
afetados por coisas no futuro, assim como somos afetados por coisas no
passado. Na física quântica o tempo é não-linear. Isso posto, claro que
experimentos recentes são tão impressionantes, tão surpreendentes, que
muitos físicos, muitos físicos convencionais, conservadores, procuram
formas de viajar no tempo. Mas acho que o consenso é que a viagem no
tempo envolve muito mais do que esta observação da mecânica quântica.
Não podemos mais descartá-la, ela envolve muito mais, pois ainda temos
sérios problemas de como trazer os efeitos quânticos aos macrocorpos.
Pois os efeitos quânticos são muito destacados apenas em objetos
microscópicos e não tão destacados em macro-objetos. A
situação da medição é uma exceção. Mas, normalmente, descobrimos apenas
raios lasers, supercondutores, poucas coisas, poucos macro-objetos onde
os efeitos quânticos persistem. Então, temos de resolver esse problema
de como macro-corpos podem ser transportados pelo tempo. E isso levará
um tempo. Se a consciência voltar a essa equação – e ela precisa voltar
em algum ponto–, então outra dimensão de pensamento se abrirá. E isso
pode nos dar novas respostas, novas visões. Mas é muito prematuro falar
sobre isso, acho.
Rose Marie Muraro:
Eu sou muito interessada na história da tecnologia. Porque [é] através
da história da tecnologia que os sistemas econômicos se desenvolvem e
cresce uma dominação de potências hegemônicas. Isso vai muito na linha
da pergunta do Cláudio Weber Abramo. Eu sei que o senhor está
trabalhando na construção do primeiro computador quântico. Eu quero
perguntar uma cois: o computador quântico dá saltos quânticos, ele cria?
Qual a diferença dele para o computador determinístico?
Amit Goswami:
Essa é uma pergunta muito interessante. O que é um computador quântico?
Um computador quântico, em vez de usar um algoritmo específico, usa um
algoritmo ambíguo. No computador quântico é usada a superposição de
possibilidades. Dessa forma, espera-se que seja muito mais rápido que o
computador convencional. Desde que o computador quântico opere apenas
nesse nível, eu não espero que ele seja uma novidade tão grande, a não
ser o fato de ser mais rápido. É isso que interessa aos cientistas de
computação. Mas eu tenho um interesse diferente nesse computador. Se o
computador for construído, por ter um processador quântico, por
processar superpondo possibilidades...
Rose Marie Muraro: É tão realista.
Amit Goswami:
Isso mesmo, assim como o ser humano faz. O cérebro humano, de forma
semelhante, processa de forma quântica as possibilidades, em vez de
trabalhar diretamente sem ambigüidade. Então, alguém pode fazer um
computador que tenha todos os outros aspectos da medição quântica? A
situação da medição quântica envolve um mecanismo que chamo de
hierarquia embaraçada. É um pouco difícil entender, mas um exemplo é a
frase: “Eu sou mentiroso”. Se pensar nela, verá que a relação
hierárquica entre sujeito e predicado é recíproca. “Eu” qualifica
“mentiroso” e vice-versa, um qualifica o outro. É o que chamo de
hierarquia embaraçada. A medição quântica no
cérebro é assim. A questão intrigante para mim é: suponha que no futuro
encontremos um computador com hierarquia embaraçada. O interessante é
que a hierarquia embaraçada dá margem à auto-referência. Então, esse
computador quântico terá auto-referência? A consciência cooperará na
criação de um aparelho feito por humanos, que não seguiu uma evolução,
mas desenvolvido pela inteligência humana? A consciência cooperará? A
consciência cósmica cooperará e o tornará um ser consciente? Eu não sei a
resposta. Mas essa será uma verificação fundamental, uma das mais
fantásticas das idéias que discutimos hoje. Acho que essa pesquisa deve
ser encorajada. Obrigado pela pergunta.
Lia Diskin:
Tentando fazer uma síntese, dentro das idéias da biologia, das suas
idéias da psicologia – naturalmente dentro da física que o senhor coloca
–, até hoje sabemos que apenas 2% de nosso cérebro utiliza vias
neuro-cerebrais para entrada e saída de informação. E, a partir disso,
nós construímos o que nós chamamos de objetos ideais universais que
constituem a ciência. Os 98% restantes pertencem a um universo interno,
nebuloso, no qual existe a fantasia e o sonho. E logicamente a
irracionalidade e também a probabilidade. Até que ponto podemos dizer
que é possível um verdadeiro diálogo com essa disparidade de
porcentagens. Até que ponto podemos dizer que é possível uma
“cientifização” das idéias de Deus ou das idéias internas, humanas,
divinas, como queira chamar isso?
Amit Goswami:
Em outras palavras, deixe-me ver se entendi a pergunta. Há muitas
coisas que são fantasias e há muitas coisas que envolvem Deus. É
possível tornar esses aspectos fantasiosos em científicos? É uma
pergunta interessante. Claro, na criatividade tornamos fantasias...
tornamos algumas fantasias em algo científico. Porque algumas delas são
fantasias criativas. Em outras palavras, a imaginação, a parte mental de
nossas vidas, a parte interna de nossa vida, é fundamental para o que
fazemos no mundo externo. Na nova ciência, por estarmos igualmente
envolvidos com o mundo externo e o interno, pelo fato de a subjetividade
ter voltado à ciência, estamos validando o conceito de que talvez
devamos levar algumas de nossas fantasias a sério. Porque a idéia
contrária também pode ser proposta, de que tudo é uma fantasia. Fantasia
da mente, fantasia da consciência. Porque a consciência é a base do
ser. E o que pensávamos ser material e real, o que pensávamos ser
fantasia e irreal, essa distinção não é muito clara. São todas as
possibilidades da consciência. Portanto, é a consciência que as valida,
que escolhe dentre elas, que lhes dá substancialidade. Então, qual delas
será substancial depende totalmente da escolha, do contexto no qual a
consciência as vê. Isso vai revolucionar a sociedade, como você
antecipou com sua pergunta. Em outras palavras, vamos levar nosso mundo
interno muito mais a sério. Eu costumo dizer às pessoas que se elas
estudarem seus sonhos... O preconceito que costumamos ter é de que o
sonho não é contínuo, portanto do que adianta estudá-los? Mas
há evidências de que os sonhos são contínuos. Mas é preciso olhá-los
sob o ponto de vista significativo. Alguns ficariam felizes com essa
descoberta científica de que os sonhos dão um relatório sobre a parte
significativa das nossas vidas. Então, há outros aspectos da vida com os
quais a ciência materialista não pode lidar e com os quais podemos
lidar agora por colocar a consciência de volta. Por exemplo, o
pensamento. E, quando fazemos isso, nossa vida interna adquire uma
enorme importância. Sim, a vida interna lida com o pensamento, beleza,
os arquétipos. De uma forma diferente [da] que a vida externa,
materialista pode. E, focalizando na vida interna, não só podemos nos
transformar – essa é a parte mística –, mas também podemos ter enormes
visões sobre o que criar, como criar, sobre nossas artes, sobre nossa
música, até sobre a ciência. Obrigado.
Pierre Weil: Eu queria primeiro felicitar esse programa Roda Viva
pelas iniciativas que estão tomando... Eu quero dizer que é a primeira
vez que eu vejo na televisão problemas tratados no nível que merecem, na
atitude que merecem... problemas como a parapsicologia, a psicologia
transpessoal. Isso é feito graças a uma mudança de paradigma. E eu
queria realçar, novamente, ao público, telespectador, que o que estamos
tratando aqui tem uma influência muito grande sobre a destruição da vida
no planeta e a grande crise de violência que está assolando atualmente o
mundo, não só o Brasil. Eu queria, já que estamos no fim do programa,
deixar a oportunidade a Amit Goswami que nós convidamos, na Unipaz, de
Brasília, justamente porque ele representa a mudança de paradigma. Como o
antigo paradigma é responsável pela violência atual do mundo, a antiga
visão é responsável pela destruição da vida no planeta e como o novo
paradigma pode nos ajudar a nos tirar desta crise, além de medidas
policiais e de mudança de lei, que são necessárias, mas são
absolutamente insuficientes.
Amit Goswami:
Acho muito importante dizer que, sem reconhecer a consciência como a
base do ser e sem reconhecer o valor da nossa vida interna, sem
reconhecer o valor da transformação, nunca mudaremos a violência na
sociedade. Então, é muito importante ver que, apenas pensando em
não-violência, apenas falando dela, não deixaremos à violência. É
preciso passar por todo o processo criativo. A nova ciência, o novo
paradigma é importante, porque sempre enfatiza a criatividade. Na velha
ciência, o determinismo e behaviorismo,
essa idéia de que o condicionamento prevalece nos cegou tanto quanto à
transformação... nos cegou tanto, que desistimos. Basicamente, os
valores não eram necessários. Steve Weinberg
[(1933) físico. Recebeu o prêmio Nobel de física em 1979, juntamente
com Abdus Salam e Sheldon Glashow pela contribuição científica sobre a
interação eletromagnética de partículas elementares. Seu artigo sobre a
unificação das forças eletromagnéticas e fracas é um dos mais citados na
área de física quântica] disse que não há significado no
universo, não há valor se o consenso é o julgamento dos cientistas
materialistas. E isso ocorre dentro da sociedade e o behaviorismo
diz: "Não podemos fazer nada, somos seres comportamentais, somos
condicionados". E a nova ciência diz: "Não. Também há forças criativas
dentro de nós. Basta aprender a agir a partir desse estado de
consciência não-ordinário no qual você tem escolhas". E meu novo lema,
em vez do cartesiano "eu penso, logo existo", pensamento [que] é uma
condição behaviorista, meu novo lema é "escolho, logo existo". Se é
"escolho, logo existo", posso escolher a não-violência. Mas tenho de
aprender como escolher e isso exige criatividade. Esta é realmente a
nova confiança do novo paradigma. Em vez de escolher a metade
condicionada do mundo, vamos dividir o mundo em condicionamento e
criatividade. Forças do bem e do mal das quais falamos antes. Podemos
ser muito otimistas. Se essa mudança para o novo paradigma vier logo,
talvez possamos lidar com a violência de uma forma realmente prática, em
vez de apenas verbalmente, como fazemos.
Carlos Ziller:
Eu, quando estava fazendo a minha leitura dos seus trabalhos, percebi
um sentimento que eu compartilho um incômodo profundo com relação a
algumas conclusões que emergem de determinados meios científicos. Vou
dar só um exemplo, acho que o telespectador vai se lembrar. Há algum
tempo atrás apareceu um resultado de um laboratório nos Estados Unidos
que falava da descoberta do gene da homossexualidade. Mais recentemente,
falou-se no gene da obesidade. E há toda uma série de conclusões desse
tipo, que não deixam de produzir nos homens de bom senso, eu diria, uma
certa surpresa. E, contudo, mesmo em homens que são, digamos,
materialistas bem convencidos, que não aceitam... Rejeitam esse
determinismo radical que emerge de alguns meios científicos,
principalmente nos americanos. Quer dizer, há um materialismo que
convive muito bem com o livre-arbítrio. Há um realismo filosófico que
convive muito bem, sendo muito conveniente com paradoxos,
com contradições. Isso não é, digamos, o todo do que se poderia chamar
de atividade científica. Por fim, quer dizer, eu gostaria de fazer uma
pergunta. É a questão mais importante que eu teria a colocar. É sobre
esta mesma sensação que tive ao ler O universo autoconsciente:
eu tive a sensação de retornar ao passado, fiz uma viagem ao passado.
Eu vi ali, arrumado, organizado, de uma forma muito particular por você,
idéias e proposições que eu já havia conhecido em leituras, por
exemplo, da obra do cardeal Nicolau de Cuza [(1401-1464) padre alemão.
Foi nomeado cardeal pelo papa Pio 2, e, em seguida bispo de Brixen.
Possui três grandes obras: De docta ignorantia, De conjecturis, Apologia doctae ignorantiae]
um grande pensador do século XV, que propôs que o universo era
resultado de uma contração de Deus e essa contração... Enfim, não é o
caso de explanar sobre esta filosofia... Mas esse tipo de pensamento
produziu... interagiu com concepções científicas do século XVI, XVII que
propunham que a divindade [se] organizasse de uma forma particular...
Enfim, com um projeto científico bastante parecido com esse que você
está propondo nesse teu livro. Bom, a humanidade passou por um processo
muito longo, muito duro para conseguir, digamos, eliminar Deus da
ciência. Mas, pelo menos, reduziu-se o seu papel e esse processo foi
longo e lento. Para concluir: como o senhor acredita poder convencer os
cientistas desse seu projeto depois de tanto esforço para conseguir
criar uma noção de objetividade e de realidade e realismo com todos os
exageros em alguns momentos... mas, enfim, convencer esses homens depois
de tanto esforço? O senhor imagina conseguir isso usando que gênero de
recursos?
Amit Goswami:
Eu acredito que as idéias se verificarão por si mesmas. Serão
confirmadas nos laboratórios e serão úteis. A ciência tem dois critérios
fundamentais. Por isso, Galileu é chamado de pai da ciência moderna,
pois ele enunciou claramente esses dois critérios. Um é que a ciência
deve ser verificável. Ela deve ser verificada experimentalmente. E a
segunda idéia é que a ciência deve ser útil. No aspecto da verificação,
já apresentei alguns experimentos a vocês, pois o tempo é curto, não
entrarei em outros experimentos. Mas digo que há um número enorme de
experimentos sendo realizados, graças à parapsicologia e interessados em parapsicologia. Mas
também em biologia, e a medicina é uma grande área de verificação
experimental de algumas de nossas idéias. Mas a questão da utilidade é a
mais importante. Uma pessoa famosa é o autor de um livro chamado Quantum healing [Deepak Chopra, médico e escritor indiano que se diz influenciado pelos ensinamentos da Vedanta e do Bhagavad Gita],
lançado há 10 anos. Ele começou a revolucionar a medicina, de certa
forma. Pois há um fenômeno chamado “efeito placebo”, para o qual os
cientistas não têm explicação. E esse trabalho, que é muito similar à
minha forma de pensar, e eu tenho lido trabalhos citando a conexão entre
as nossas idéias... Mas veja as implicações disso. Se, de fato, houver
cura quântica, se houver medicina mental, o efeito da mente sobre a
cura, então as pessoas serão ajudadas, não apenas no campo de
psicologia, mas no campo da verdadeira saúde física. Ainda não estamos
esclarecidos o bastante para levar a saúde mental tão a sério. Mas todos
se preocupam com a saúde física, levam muito a sério. É a aplicação da
nova ciência nessas áreas, especialmente na área de saúde, que vai
trazer a revolução de que Deus é importante, a consciência é importante,
a criatividade é importante. Observar que o livre-arbítrio e
responsabilidade são importantes, que temos um paradigma científico que
pode unir todas essas coisas, trazê-las para junto da velha ciência e
ter formas objetivas de proceder e prever. Será uma ciência previsível,
poderá ser verificada e também será útil. Isso é o que mudará a
percepção do público. A percepção dos cientistas também. Obrigado.
Heródoto Barbeiro: Doutor Goswami, muito obrigado por vir.
Amit Goswami: Muito obrigado, foi um grande prazer estar aqui. Obrigado.
Heródoto Barbeiro: O Roda Viva
está chegando ao fim, nós queremos agradecer aqui a presença do dr.
Amit Goswami, físico radicado nos Estados Unidos. E também aqui a todos
os entrevistadores que estavam conosco no programa Roda Viva de hoje. Nós queremos agradecer a colaboração de todos e dizer que o Roda Viva volta na semana que vem, a partir das 10:30 da noite. Obrigado pela sua atenção e até lá. Tenha uma boa semana.
Amit Goswami no Roda Viva -
Mônica Teixeira - 4 de 9 - 9m
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Documental El Activista Cuantico Amit Goswami
2009 Avi - 77m.
Amit Goswami: Roda-Viva- 79m
Amit Goswami -
Conferência Internacional CISQ 3 de Saúde Quântica -15m
Entrevista com Amit Goswami - 1/3 -7m
Entrevista com Amit Goswami - 2/3 -9m
Amit Goswami -
Conferência Internacional CISQ 3 de Saúde Quântica -4
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Conferência Internacional CISQ 3 de Saúde Quântica- 1
Amit Goswami no Roda-Viva-9/9
Amit Goswami
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