segunda-feira, 13 de junho de 2011

FITOTERAPIA - UM POUCO DE HISTÓRIA



INTRODUÇÃO À FITOTERAPIA: UM POUCO DE HISTÓRIA





A fitoterapia ontem e hoje...
Guardadas as devidas realidades, 
a historia se repete! Como dizem...É cíclica


"Pen Ts'ao" 2800 A.C.
Imagem do Google


A fitoterapia é tão antiga 
quanto a história da humanidade,
com documentação muito bem estudada. 

Todas as antigas civilizações têm suas próprias referências históricas às plantas medicinais. Nos documentos mais antigos, a fitoterapia está ligada à magia e é vista muitas vezes como “um presente dos deuses”, que permite aos seres humanos vencer os poderes maléficos da terra.
Até essas primeiras aplicações das plantas medicinais como agentes medicinais demonstram uma compreensão surpreendente dos diferentes efeitos de cada espécie vegetal. 
No que diz respeito à documentação escrita do uso de plantas como remédios, a primeira referência é encontrada na obra chinesa Pen Ts’ao (“A Grande Fitoterapia”) de Shen Nung, que remonta a 2800 A.C.: aqui há uma lista de mais de 360 espécies, incluindo Ephedra sinica (Ma Huang), usada até hoje. Na medicina alopata, essa planta medicinal é a fonte da efedrina.

Antigos papiros mostram que no Egito, a partir de 2000 A.C. um grande número de médicos empregava as plantas como remédio. Consideravam a doença como resultado de causas naturais e não devido à atividade de espíritos maléficos. Parece que foram os antigos egípcios que tentaram pela primeira vez eliminar o componente mágico da prática da fitoterapia. 
O Papiro Ebers, que data de cerca de 1500 a.C., menciona fórmulas específicas para doenças conhecidas, e as espécies que aparecem na lista incluem algumas utilizadas por fitoterapeutas até hoje — como a flor do sabugueiro (Sam bucus nigra), a losna (Artemisia absinthium) e a mirra (Commiphora molmol).

Nos mais antigos documentos gregos há muitas referências a Asclepiacliae e Rhiw tomoki. O primeiro grupo foi batizado em honra ao deus grego da medicina, Asclépio ou Esculápio, e o segundo grupo descreve os “coletores de raízes”, fornecedores de plantas medicinais que provavelmente foram um dos primeiros grupos de pessoas a fazer listas precisas das propriedades medicinais das plantas que comercializavam. O manual de fitoterapia conhecido mais antigo (que remonta ao século IV a.C.) é o Rhizo tomika, compilado por Diocles, um dos discípulos de Aristóteles. Esse texto contém notas detalhadas sobre os efeitos fisiológicos das plantas medicinais.

Dioscórides (c. 40-80 d.C.), um personagem muito importante na história da fitoterapia, foi um médico que se propôs a compilar um guia fitoterápico bem abrangente, que mostrasse as características de todas as plantas medicinais comuns, assim como usá-las. Remontando ao século 1 D.C., De Materia Médica (Sobre as Formas de Curar) foi o primeiro manual de seu gênero. 
Muito detalhado, o texto descrevia cerca de 600 espécies; não só dava informações a respeito das dosagens sugeridas de várias plantas medicinais, como também considerava possíveis efeitos tóxicos. Havia uma seção sobre a colheita e sobre o armazenamento das plantas, além de conselhos sobre a forma de detectar adulteração.


Como se vê, o perigo da toxicidade
era do maior interesse dos primeiros fitoterapeutas.

Dioscórides viajou muito como cirurgião do exército e, como os exércitos romanos andavam por toda a Europa, seu conhecimento de plantas medicinais também os acompanhava. Como “jardins” de plantas medicinais eram cultivados perto dos acampamentos, os romanos disseminaram efetivamente plantas desconhecidas, assim como a informação de suas propriedades medicinais.
Duas plantas muito apreciadas eram a mostarda e o alho, usados em grande quantidade, não só na culinária, mas também na limpeza de partes infectadas do corpo (alho) ou aplicação de cataplasmas (mostarda).

A personalidade mais importante de toda a história da medicina foi Hipócrates (468-377 a.C.). Descrito muitas vezes como “o pai da medicina”, ele talvez tenha sido o verdadeiro instigador do tratamento holístico. Enfatizava a importância de manter históricos detalhados dos casos e acreditava firmemente no tratamento de seus pacientes como indivíduos. Concebeu um regime de tratamento à base de plantas medicinais, usando um total de mais de 400 espécies.
Além dos remédios de plantas medicinais, em pregava exercícios e dietas especiais, cada uma adaptando-se aos sintomas particulares do paciente, o que era conhecido como seu conceito de physis. Essa abordagem individual é a marca registrada da fitoterapia atual. 




Hipócrates via a doença
como a perda da harmonia natural
de um indivíduo 

saudável, e assim seu tratamento visava restaurar o equilíbrio do que ele descrevia como os quatro “humores” relatados na teoria humoral de Empédocles, um filósofo siciliano (500-430 a.C.). Ele afirmava que tudo era com posto de quatro elementos: terra, fogo, ar e água, que tinham as características associa das de secura, calor, frio e umidade. Daí derivou o conceito dos quatro humores (fluidos): bile negra, sangue, bile amarela e fleuma. Cada um desses humores também estava ligado a um temperamento em particular, quais sejam, o melancólico, o sangüíneo, o colérico e o fleumático. 
O temperamento melancólico era descrito como “frio e seco e as doenças associadas a ele incluíam a depressão e a prisão de ventre, O tratamento consistia em administrar plantas medicinais “quentes”, como a Cassia senna (sene), para reduzir o excesso de bile negra e, desse modo, restaurar o equilíbrio. 
O temperamento fleumático era caracterizado por um excesso de “frio e umidade”, provocando doenças como a produção excessiva de catarro e as infecções do peito resultantes desse processo. As plantas medicinais quentes e secativas, como o Thymus vulgaris (tomilho), eram as mais indicadas.
O temperamento sangüíneo resultava de um excesso de “quente e úmido” e caracterizava-se por uma tendência ao abuso de comida e bebida e dos prazeres em geral. As doenças associadas a essa categoria incluíam a gota e a diarréia, e eram aliviadas por plantas medicinais de natureza refrescante e seca, como a Arctium Iappa (bardana). 
O temperamento resultante de um excesso de bile amarela, descrito como colérico, era “quente e seco”. Caracterizava-se por comportamento raivoso e doenças do fígado. Plantas frias que promovem a umidade, como o Taraxacum officinale (dente-de-leão), eram administradas. Quando os quatro humores estavam bem equilibrados, o indivíduo gozava de boa saúde. Era isso que Empédocles chamava de estado de crasis; quando era perturbado, resultava uma discrasia.

Em contraste com os métodos de tratamento relativamente flexíveis e variáveis de Hipócrates estava o sistema rígido concebido por Galeno (12 1-180 a.C.). Fundamentava-se nos quatro humores de Hipócrates no sentido de envolver uma classificação formal de todas as plantas medicinais com base na forma como cada uma interagia com cada um dos humores. Desse modo, cada planta medicinal era destinada a um “temperamento” (ou temperatura) específico: quente, frio, úmido, seco ou temperado. 
Dentro dessas categorias, uma planta poderia estar no primeiro, segundo, terceiro ou quarto grau. Todos os médicos eram agora instruídos de acordo com a tradição de Galeno e a abordagem mais holística de Hipócrates não se desenvolveria mais nas épocas que se seguiram.

Há vários outros personagens do período de Galeno que contribuíram para o desenvolvimento da fitoterapia. Recomendamos ao leitor o excelente livro de Barbara Griggs, a Green Pharmacy, para mais detalhes. Na Europa, o conhecimento das plantas medicinais foi mantido vivo ao longo de toda a baixa Idade Média ou Era das Trevas (dos séculos V a XI) por escribas, e um grande número de plantas medicinais — sobretudo gregas — foi compilado nas bibliotecas do império árabe em rápida expansão. 
Em Bagdá, uma equipe de tradutores do século IX iniciou a formidável tarefa de traduzir as obras de Galeno, Dioscórides, Hipócrates e diversos outros autores. Galeno era particular-mente popular entre os árabes, e a obra de Rhazes (865-925) adota suas idéias. Um de seus trabalhos inclui o comentário “Onde a cura pode ser obtida pela alimentação, não use drogas e evite remédios complexos quando os simples bastam”.
Essa é, em grande parte, a abordagem terapêutica do médico fitoterapeuta de hoje. Avicena (930-1036), um farmacêutico e talentoso médico, seguiu de perto as doutrinas de Galeno e Hipócrates e reafirmou a importância dos quatro humores em sua principal obra, A Canon on Medicine.

Em geral, o galenismo continua sendo a principal abordagem à medida que, a partir do século VIII, as idéias gregas foram traduzidas para o árabe. Três séculos depois, essas obras foram traduzidas para o latim e, do século IX ao século XII, essas traduções permitiram a introdução das contribuições árabes no pensamento ocidental. Com essas idéias vieram novas plantas medicinais exóticas, como a noz-moscada e a cânfora. Foi nesse período que a ciência farmacêutica se estabeleceu; fórmulas muito precisas para o preparo de remédios são encontradas em vários manuscritos árabes datados dessa época.
Durante a Era das Trevas, a farmácia misturou-se com a superstição. Vários “Leech Books” (Leech é uma palavra derivada do anglo-saxão laece, curar) do período ilustram esse fato, sendo o mais famoso deles o Leech Book of Bald [Livro de Medicina de Baled]. O autor foi contemporâneo de Alfredo, o Grande, e o livro é o remanescente anglo-saxão mais antigo sobre os remédios fitoterápicos. 
A abordagem.terapêutica de Bald é genuinamente holística; ele não só apresenta detalhes sobre os remédios como também notas completas sobre a maneira de se relacionar com o paciente durante o tratamento. A dieta é levada em consideração e há uma lista dos alimentos apropriados para várias doenças. No entanto, entre as diversas receitas curativas estão as destinadas a proteger contra os elfos e duendes. 

Outro sistema extremamente organizado de fitoterapia foi desenvolvido pela escola Myddfai, do País de Gales, a partir do sécu lo VI. Em uma verdadeira abordagem holística, está relacionado aos princípios hipocráticos: “Quem quer que coma ou beba mais ou menos do que deve, ou que durma mais ou menos, ou que trabalhe mais ou menos em função de doença ou dificuldades (sendo obrigado a esforçar-se demais), ou que, acostumado a sangrias, deixe de fazê las, sem dúvida não escapará das doenças” (Abithel, 1891). Os médicos da escola Myddfai ofereceram um sistema bastante integrado de tratamento até o século XVIII, e a maioria de suas infusões era administrada como infusões simples (só uma espécie), preparadas com plantas medicinais frescas colhidas no local.

A partir do século X, os mosteiros passaram a ser os centros de formação e prática médica, embora os concílios da Igreja (1131-1212) tenham afinal impedido que os monges dispensassem tratamento médico. No entanto, as bibliotecas dos mosteiros tornaram-se repositórios de grandes coleções de livros de referência sobre a fitoterapia. Um grande número de obras foi produzido, inclusive De Viribus Herbarum, do bispo de Meung, onde as propriedades medicinais de mais de 80 plantas são descritas em versos latinos. 
O Antidotarium, escrito por Nicolaus de Salerno, era uma obra extensa que resumia o trabalho sobre fitoterapia realizado pela Escola de Medicina de Salerno. Nos séculos XIII e XIV, Salerno foi o centro dos estudos de farmácia.
Muita atenção foi dada à qualidade dos remédios e, no século XIII, o catalão Arnau de Vilanova (c. 1235-1311) discutiu em detalhes essa questão. Ele escreveu: No preparo de um remédio, o médico deve considerar, pela ordem, a limpeza, a moagem, a medida, a modificação da consistência e a mistura. Deve dar instruções a seus assistentes, os boticários, sobre a mistura, dizendo-lhes quando deve ser preparada, evitando que, pela falta de instruções, eles a preparem depois do que deveriam.
Também mostrou preocupação com a identificação precisa: Quanto ao remédio em si, o médico deve refletir sobre o fato de conseguir reconhecê-lo ou não e, se puder, deve pedir para vê-lo e julga-lo por si. Mas, se não estiver familiarizado com ele, também deve pensar se foi ou não descrito pelos sábios e, caso tenha sido, quando vir a planta, deve verificar se corresponde ou não à sua descrição e, se corresponder, escolhê-la; ao passo que, se não, não deve usá-la, escolhendo algo mais similiar e condizente com a descrição dos sábios.

Os trechos citados constituíram a base de uma aula que Vilanova deu a alunos que estudavam as aplicações das plantas medicinais como remédios e passa a citar exemplos de identificações erradas. Ele considera a maneira exata pela qual as diferentes plantas deviam ser administradas, que países ofereciam os produtos vegetais de melhor qualidade, como gengibre e figos. Também reconhecia o fato de que as plantas que cresceram em hábitats diferentes conterão quantidades diferentes do princípio ativo.

A Idade Média foi um período em que muitas espécies de plantas exóticas foram introduzidas, como a noz-moscada e o cravo. Foi essencialmente um período de fusão da medicina oriental com a ocidental. O século XV assistiu a publicação de De Proprietatibus Rerum, do inglês Bartholomew Anglicus (1495). É historicamente importante, pois contém a primeira ilustração botânica impressa.


Muitos dos novos remédios que estavam sendo introduzidos baseavam-se sobretudo na obra de Paracelso (1493-1541), uma personalidade controvertida, muito conhecida por desafiar a medicina da época. Em 1527, publicou um trabalho que questionava a doutrina dos humores e jurou tentar fazer uma reforma geral na prática médica. Isso não atraiu a estima de seus colegas, que antes disso tinham-no convidado para ser o médico municipal de Basle. Com esse cargo, tinha o privilégio de lecionar na universidade, uma oportunidade de disseminar suas idéias. 
Com um interesse especial pela química, teve o mérito de ser o primeiro a se preocupar com a pesquisa detalhada dos princípios ativos das plantas medicinais. Paracelso ainda defendia o uso de produtos químicos (i.e., “drogas”) para tratar as doenças. Afirmava que esses agentes eram necessários porque a doença se originava de influências externas e, por isso, requeriam substâncias químicas fortes para combatê-las.



O interesse de Paracelso pela química
estendeu-se à promoção do uso das plantas medicinais
sob a forma de essências, tônicos e hidrolatos, 
que ele considerava formas de remédios muito eficazes. 

A partir do final do século XVI, houve uma onda de interesse pela formulação de receitas de misturas de plantas boas para a saúde, a maioria contendo entre 20 e 30 espécies. Devido a seu custo relativamente alto, seu uso res tringia-se sobretudo aos próprios médicos ou às classes sociais mais elevadas. Os remédios destilados passaram a ser vendidos, e o entusiasmo por esse tipo de preparado só declinou no início do século XVIII — quando John Quincy (1719) ousou afirmar que várias formulações da London Pharmacopoeia de sua época “não serviam para nada” e “só eram usadas pelos ignorantes.

 
"Papiro de Ebers" 1500 A.C.
Imagem Google

Não há dúvida de que Paracelso conseguiu introduzir um espírito de investigação na medicina, embora as superstições ainda fossem muitas. A doutrina das assinaturas (que ligavam a forma ou cor das estruturas da planta com suas propriedades medicinais), por exemplo, ainda era popular. Assim, uma planta de cor amarelo-vivo pode ter sido considerada útil para tratar a icterícia, e as que tinham folhas com forma semelhante a de terminado órgão do corpo eram usadas para tratar esse órgão. Como as folhas sarapintadas da Pulmonaria officinalis (pulmonária) têm a aparência de um pulmão doente, essa espécie era usada para tratar problemas pulmonares. Felizmente para os pacientes, muitas dessas plantas medicinais têm efeitos benéficos e, em muitos casos, a aplicação escolhida era perfeita em termos dos componentes bioquímicos da planta.

A Idade Média também assistiu à fundação de várias universidades. Antes disso, o treinamento médico era semelhante ao do aprendiz de qualquer outro oficio; o discípulo devia desenvolver e ampliar as idéias de um mentor, O ensino universitário introduziu uma abordagem mais abrangente, mais científica, abandonando muitas das teorias clássicas, O centro do ensino universitário parece ter sido a Itália; a Universidade de Pádua foi fundada em 1222. O fundador do Royal College of Physicians, Thomas Linacre (c. 1460-1524), estudou em Pádua, voltando à Inglaterra no início da década de 1490 para criar as faculdades de Oxford e Cambridge.
O século XVI foi um período excepcionalmente ativo, e em 1542 foi publicada De Historia Stirpium (A História das Plantas), de Leonhard Fuch. Ele desenhou todas as plantas com base na observação da natureza e, com isso, criou o estilo de todos os livros textos de botânica. Antes disso, as ilustrações tendiam a ser copiadas de outros livros, e eram comuns a introdução e o exagero de certas imprecisões cada vez que eram copiadas. Há muitos exemplos documentados de identificação incorreta de plantas resultantes desses erros. A New Herball, de William Turner, datado de 1551, contém advertências sobre as falsas identificações, que se estendiam até mesmo a espécies vendidas nas farmacias.

Em geral, esse período viu um crescimento maciço do interesse pelos remédios à base de plantas medicinais, intensificado pelas explorações realizadas no Novo Mundo, que forneciam mais plantas novas. A partir de manuscritos astecas dessa época, como o compêndio de plantas escrito por Martin de la Cruz (1552), fica evidente que uma excepcional flora estava à espera de investigações. No entanto, como muito pouco foi escrito na Europa a respeito dessas plantas, elas continuaram relativamente desconhecidas. Um exemplo de obra que documenta algumas dessas descobertas é a tradução do livro de Monardes intitulado Joyfull Newes out of the New Founde Worlde [Boas Notícias do Mundo Recém-Descoberto] feita em 1577 por John Frampton.
O uso de remédios do Novo Mundo não encontrou o mesmo entusiasmo por parte de todos, o que se reflete no título da obra de Timothie Bright, A Treatise Wherein is Declared the Sufficiencie of English Medicines [Um Tratado Em Que Se Declara a Suficiência dos Remédios Ingleses (1580)]. Aqui se enfatiza que as espécies do Novo Mundo são mais apropriadas para as doenças locais.
Essa era uma crença comum na época, e reflete a tradição de que a medicina popular sempre se baseou em plantas medicinais frescas cultivadas localmente. Salvo essa questão, as novas espécies importadas eram muito caras e só era possível obtê-las secas.

"Papiro de Ebers" 1500 A.C.
Imagem Google
 O ensino da botânica medicinal passou a ser mais formalizado e, no século XVI, os jardins botânicos começaram a ser implantados em centros-chave de ensino, como Pádua (1545) e Leyden (1587). O livro de Culpepper (1653) que tem o título fantástico de The English Physician, or An Astrologo -Physical Discourse of the Vulgar Herbs of this Nation being a Compleat Method of Physick whereby a Man may Preserve his Body in Health or Cure himself being Sick, for Three Pence Charge, with Such Things one-ly Grow in England, they being Most Fit for English Bodies [O Médico Inglês, ou Um Discurso Físico-AstroLógico das Plantas Medicinais Comuns desta Nação como um Método Completo de Medicina, através do qual um Homem pode Preservar a Saúde de seu Corpo ou Curar-se de uma Doença, pelo Preço de Três Centavos, com Plantas que só Crescem na Inglater ra, sendo estas as Mais Apropriadas para o Corpo dos Ingleses], é outro livro célebre, O autor era detestado pelos outros médicos por ter ousado traduzir a London Pharmacopoeia do latim para o inglês, permitindo assim que outros boticários a entendessem e, desse modo, tratassem os doentes que não tinham acesso a um tratamento médico caro.

Culpepper presta uma atenção particular às plantas inglesas, em vez de se estender sobre as variedades mais exóticas do exterior, como indica o longo título de seu texto! Infelizmente, ele também reintroduziu um elemento mágico na fitoterapia ao ligá-la à astrologia, justo quando ela estava adquirindo uma direção mais científica.
Embora não diretamente ligado à evolução da fitoterapia, o livro de Andreas Vesalius, De Humani Corponis Fabrica (A Esrutura do Corpo Humano), datado de 1543, não pode ser ignorado. Aumentou muito o conhecimento sobre a maneira pela qual o corpo humano funciona, contribuindo, assim, para a evolução da medicina em geral. Como a obra de Fuch, todas as ilustrações foram desenhadas com base na observação da natureza e, por isso, foi uma publicação muito importante sobre a anatomia humana.

William Harvey (1578-1657) também exerceu grande atividade neste período, sendo um dos primeiros pesquisadores realmente científicos da anatomia e da fisiologia humanas. Deduziu a circulação do sangue, embora não a relação exata entre o sangue das artérias e o sangue das veias, apesar de reconhecer que devia existir um vínculo desse tipo. Foi Malpighi (1628-1694) quem fez a descoberta após observar capilares no microscópio.
Durante a maior parte dos séculos XVII e XVIII, a fitoterapia parecia estar em decadência, pois as classes mais altas continuavam fazendo experiências com a medicina moderna”, que incluía substâncias empolgantes — mesmo que perigosas —, como o arsênio e o mercúrio. 
A sangria também foi muito popular como uma “panacéia para todos os males”; até William Harvey, com sua abordagem analítica do estudo da anatomia e da fisiologia, foi um defensor dessa forma popular de tratamento ao afirmar que ela “ocupava o primeiro lugar entre todos os remédios genéricos”. Assim como achou difícil abandonar essas formas de tratamento firmemente estabelecidas, também teve de lutar para se livrar das teorias pré-copérnicas da astronomia que já tinham sido superadas há muito tempo.

Com o passar do tempo, teria de haver o abandono de práticas pouco seguras como a sangria e a administração de eméticos tóxicos. Na América do Norte, Samuel Thomson (1769-1843) partiu outra vez do zero em busca da causa das doenças e concluiu que resultavam de uma perturbação dos quatro elementos do interior do corpo — terra, ar, fogo e água. Lembra muito os quatro humores de Hipócrates. Thomson tinha uma visão extremamente limitada do que causava a doença: para ele, tratava-se de um bloqueio ou interrupção dos canais normais de dissipação do calor. 
As reações normais do corpo a uma temperatura mais elevada incluíam o aumento de suor de modo que, durante as doenças que resultavam em febre, ele administrava diaforéticos fortes como a pimenta para fortalecer as reações normais do próprio corpo. Como era de esperar, Thomson foi menosprezado pelos médicos contemporâneos como simples charlatão; no entanto, não tinham como ignorar o fato de os pacientes preferirem sua abordagem ao tratamento deles, o que levou a uma tendência oculta de interesse pela fitoterapia por parte dos principais médicos ortodoxos. 
A medicina tradicional fitoterápica, praticada pela população indígena local, estava sendo investigada de forma extensa, e alguns médicos começaram a se interessar pelas plantas medicinais usadas.

O dr. Wooster Beach (1794-1868) estava ansioso por reestruturar a prática da medicina da corrente dominante, mas não pelo desenvolvimento da abordagem simplista de Thomson. Começou a introduzir a “medicina botânica” em seu próprio consultório, o que o tornou muito impopular entre os médicos da corrente dominante. Isso, contudo, não o impediu de fundar a “Reformed Medical Academy”, cujos cursos incluíam o uso de plantas medicinais locais. Sua tentativa de combinar uma abordagem médica e científica com sólidos conhecimentos de botânica levou os membros de seu movimento a serem batizados de “os ecléticos”. 


A marca registrada dessa medicina 
era que todo tratamento se destinava a 
“atuar em harmonia com as leis fisiológicas”.


A abordagem de Thomson, ainda atacada, foi descrita por John Buchanan como um veneno para a sociedade”. Foi levada para a Inglaterra por Albert Isaiah Coffin em 1838; após um início infeliz em Londres, ele mudou-se para o norte da Inglaterra, onde a fitoterapia era mais popular. Organizou grupos chamados “Amigos das Socieda des Botânico-Médicas” e distribuía o Botanic Guide to Health [Guia Botânico de Saúde], que oferecia plantas medicinais que ele tinha importado dos Estados Unidos, assim como espécies locais. Mais uma vez, a popularidade da fitoterapia estava relacionada à estrutura de classe da época; os que não podiam dar-se ao luxo de pagar os honorários dos médicos ortodoxos procuravam Coffin e outros médicos da mesma linha, e achavam a medicina fitoterápica muito eficiente. Desse modo, durante certo tempo, sua sobrevivência esteve garantida.

O dr. Beach saiu dos Estados Unidos para promover a medicina eclética na Inglaterra e condenou o sistema de Coffin da mesma forma que condenara o de Thomson. Conseguiu convencer um colega de Coffin, Skelton, de que seu sistema era superior. Por causa disso, Skelton passou a querer ser considerado um dos ecléticos — a nova moda da medicina botânica na Inglaterra. Com o passar do tempo, isso trouxe resultados positivos para a fitoterapia, pois Skelton conseguiu combinar a abordagem ortodoxa mais científica com a “medicina botânica”. 


Ambas as linhas começaram a se beneficiar 
com os avanços modernos da farmácia, 
da química etc.

Essa abordagem científica teria sido logo condenada tanto por Thomson quanto por Coffin.
Após a morte de Thomson, em 1841, Alan Curtis fundou o Instituto Fisiomédico nos Estados Unidos, mas sua prática de usar várias plantas medicinais diferentes em grandes doses acabou sendo desaprovada. Seguiu-se uma época de grandes mudanças e reformas; certa vez, os ecléticos fizeram experiências com princípios ativos isolados (isto é, substâncias puras, não compostas) e foram criticados. Durante a era vitoriana, a medicina ortodoxa reduziu bastante o uso de sangrias, embora várias drogas tóxicas ainda fossem populares.

Agora as sanguessugas eram os agentes prediletos para “limpar o sangue”. Na década de 1890, a “medicina botânica” estava passando por uma revitalização, e as pessoas usavam em seu dia-a-dia os remédios de plantas medicinais, prática ilustrada pelo fato de os preparados à base dessas plantas medicinais e as drogas ortodoxas aparecerem juntos nas edições da British Pharmacopoeia desse período.
Na Inglaterra, esse ainda não era o caso, mas os ecléticos abandonaram aos poucos o uso de substâncias extraídas de plantas, e a Nation Association of Medical Herba Iists [Associação Nacional de Médicos Herboristas], fundada em 1864, continuava lutando por uma aceitação maior da fitoterapia.

Um dos principais motivos da sobrevivência de sistemas médicos “alternativos” como a homeopatia e a fitoterapia como opção terapêutica é que, durante a era vitoriana, a principal ênfase foi no financiamento privado para sustentar institutos médicos, como o Pasteur Institute (fundado em 1888) e o Robert Koch Institute (fundado em 1889). Havia muita rivalidade, como indica a proximidade das datas de fundação, e o Lister Institute da Inglaterra seguiu-se em 1891. Todos datam de um período posterior ao surgimento da teoria dos germes, com suas promessas de proteção contra varias doenças por meio da vacina.

Como não havia um sistema financiado pelo Estado, os pobres pagavam seus próprios planos de saúde ou os serviços dos médicos locais “alternativos”. Sua abordagem passou a ser chamada de “medicina da periferia” pelos que agora contavam principalmente com substâncias sintéticas para restaurar a saúde, em lugar dos métodos que visavam promover a capacidade de cura natural do corpo.


Essa capacidade foi descrita 
originalmente por Hipócrates 
como vis medicatrix naturae
(o poder de cura da natureza).

Esse processo equiparou a alopatia à administração de um agente químico que restauraria o equilíbrio da saúde ao atuar diretamente contra os agentes causadores da doença.

Em alguns casos, os médicos da corrente dominante continuavam impotentes. Eles não conseguiram, por exemplo, encontrar um agente efetivo contra a tuberculose, uma das principais causas de morte na segunda metade do século XIX e no início do século XX. Nessas circunstâncias, os médicos alopatas ficavam muito felizes de recorrer à recomendação de que os pacientes deviam passar algum tempo no exterior, em climas mais favoráveis e, desse modo, a clientela mais rica era mandada ao sul da França, aos Alpes suíços ou ao Egito.
Até a descoberta da estreptomicina por Selman Waksman, em 1940, não havia outro tratamento real, embora a melhoria da higiene pública e pessoal tenha contribuído bastante para reduzir a mortalidade. 

Houve o ressurgimento do interesse pela fitoterapia por volta da Primeira Guerra Mundial, quando os suprimentos de plantas medicinais do exterior reduziram- se e foram substituídos por plantas medicinais cultivadas na Inglaterra. A Society of Herbalists, fundada por Hilda Leyel em 1927, passou a publicar A Modern Herbal em 1931. Entre as guerras, a fitoterapia foi muito popular entre a população em geral, e várias empresas especializadas em encomendas por reembolso postal ofereciam suprimento de remédios fitoterápicos. 
A empresa Heath & Heather, de St. Albans, era típica. Seu livrinho ilustrado de 1937 descreve produtos que se propunham a tratar de doenças como prisão de ventre, gripe, hemorróidas etc., além de vender plantas medicinais não misturadas e condimentos.

Na guerra de 1939-45, a fitoterapia floresceu. Os medicamentos essenciais estavam em falta porque as importações do continente não eram mais possíveis, e a solução foi voltar à situação anterior à guerra de 1914-18, quando muitas plantas medicinais nativas da própria Inglaterra eram colhidas em estado natural ou cultivadas.
Os Jardins Botânicos Reais de Kew deviam tornar-se o centro das operações; ali, uma equipe organizou planos de cultivo das espécies medicinais mais importantes e determinou que espécies poderiam ser colhidas no estado silvestre. Também chegou a relacionar um conjunto de plantas medicinais a serem empregadas com a ajuda da National Federation of Women’s Institutes (NFWI) [Federação Nacional de Institutos de Mulheres]; os Boy Scouts [Escoteiros] editaram um livrinho para ajudar na identificação de várias espécies. 
Uma série especial de maços de cigarro produzida pela London Cigarette Card Company Limited também ofereceu ilustrações para ajudar na identificação. Em 1941, o Ministério da Saúde criou o Vegetable Drugs Committee (VDC) [Comitê de Drogas Vegetais], cujo objetivo principal era coletar espécies com as quais se produziam medicamentos essenciais.

O trabalho da NFWI e dos Boy Scouts expandiu-se bastante, e outras associações, como a Women’s Voluntary Services for Civil Defence, envolveram-se. Entre os membros do VDC encontravam-se representantes do Ministério da Agricultura (MAF), The Pharmaceutical Society Wholesale Drug Trade Association [Associa ção Comercial de Venda de Remédios por Atacado] e Jardins Botânicos de Kew. Aconselhavam sobre coleta, armazenamento e distribuição, o que acabou sendo publicado por Brome e Schimmer, um importador de drogas vegetais e especiarias.
Documentos mostram que havia demanda por quantidades muito grandes de algumas espécies, como 250 toneladas de raízes de Taraxacum officina/e (dente-de-leão). Logo ficou evidente que, embora o projeto tenha começado incentivando a coleta de plantas silvestres, esses suprimentos eram insuficientes para atender à demanda.

O VDC recomendou que, no inicio, o cultivo devia concentrar-se em cinco espécies: Digitalis purpurea (dedaleira), Atropa belladonna (beladona), Aconitum napellus (acônito), Datura stramonium (estramônio) e Hyoscyannus niger (meimendro). A raiz do acônito era usada para tratar dos nervos e de dores nas articulações, enquanto drogas sedativas e antiespasmódicas eram derivadas do estramônio, da beladona e do meimendro.
O maior problema encontrado na produção de grandes quantidades de plantas medicinais parece ter sido o importante estágio de secagem, uma vez que, se a planta não for seca da maneira correta, conterá uma quantidade consideravelmente menor de princípios ativos. Relatos mostram que o Tesouro liberou várias subvenções para ajudar a resolver esse problema. 
Embora as plantas medicinais produzidas no país agora estivessem sendo cultivadas de forma intensiva, ainda era necessário importar as espécies não adaptadas ao clima e aos fatores do solo, ou as que continham menos constituintes farmacologicamente ativos em comparação com plantas cultivadas em seus climas nativos.
Várias espécies estavam sendo importadas da India, e havia queixas constantes em relação à má qualidade e adulteração.

O diretor-executivo de Kew, sir Geoffrey Evans, observou que: “Nossas investigações mostraram com uma freqüência grande demais que substitutos e adulterações da planta verdadeira estavam entrando no país, com o conseqüente desperdício de trabalho e do espaço de armazenamento nos navios”. Sugeriu que os botânicos sediados em universidades indianas checassem o material medicinal destinado a Kew. O problema da adulteração e da substituição foi constante em toda a história da fitoterapia. Resolvido esse problema, as importações de estramônio e meimendro do exterior foram suficientes para permitir à Inglaterra concentrar-se no cultivo da dedaleira e da beladona.

Em 1942, o VDC foi substituído pelo Ministério de Suprimentos, que trabalhava em íntima associação com o Medical Research Council (MRC) [Conselho de Pesquisa Médica]. Isso permitiu que as plantas medicinais fossem cultivadas de modo a satisfazer melhor as necessidades terapêuticas reais, tais como identificadas pelo MRC. Foi publicado um Formulário Nacional de Guerra, que aconselhava os médicos sobre as drogas à venda e que alternativas usar para as que estavam em falta.

A British Pharmacopoeia e o British Pharmaceutical Coclex foram revisados de modo a oferecer detalhes das restrições sobre as drogas essenciais com um suprimento particularmente limitado. A coleta local de plantas medicinais pela população não foi esquecida; o novo Ministério de Suprimentos produziu uma série de livrinhos intitulados The Herb Collectors’ BuIletin, que dava detalhes sobre coleta, secagem e remessa (Ministério de Suprimentos, 1942).
O projeto correu muito bem e cerca de 250 galpões de secagem estavam em atividade em todo o país. Entre 1941 e 1945, foi coletada uma quantidade impressionan te de material, que incluía 1.524 toneladas de frutos de Aesculus hipocastanum (castanha-da-índia), 147 toneladas de folhas de Urtica dioica (urtiga) e 65 toneladas de bagas de Crataegus oxyacantha (crataego) (Hastings, 1996).
Manual Arabe de Fitoterapia,
cerca de 1334
Imagem Google
O total de todas as espécies montava a 4.636 toneladas, no valor de 121.250 libras esterlinas. Em 1945, o Ministério da Saúde estava desenvolvendo planos para o novo National Health Service quando houve uma discussão ativa sobre esta a política, em relação ao cultivo de plantas para uso medicinal. Ë irônico que 1941, o ano que assistiu a um ressurgimento do interesse pelo cultivo de plantas medicinais foi também o ano em que a fitoterapia sofreu um grande golpe na Inglaterra: o Decreto sobre Farmácia e Remédios tornou-a ilegal. Mesmo assim, a National Association sobreviveu todo esse tempo para se tornar, em 1943, o National Institute of Medical Herbalists. Em 1964, uma equipe de fitoterapeutas importantes juntou-se para lutar contra o Decreto de 1941.
Como conseqüência, Fred Fletcher-Hyde, também membro da recém-fundada British Herbal Medicine Association, começou a desenvolver a British Herbal Pharmacopoeia. Essa era uma condição essencial para reverter o Decreto de 1941. Compreendia uma série de monografias sobre todas as plantas medicinais prescritas pelos médicos fitoterapeutas e ainda é um texto fundamental para os clínicos de nossos dias. O Decreto sobre Medicamentos de 1968 deu aos fitoterapeutas uma nova liberdade, e o treinamento profissional tem-se expandido e desenvolvido desde então.





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Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.

Sejam abençoados todos os seres.

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