sexta-feira, 12 de agosto de 2011

MEDITAÇÃO



Krishnamurti

Meditação é a atenção
em que existe um estado de consciência, 
sem escolha, do movimento de todas as coisas

– o grasnido dos corvos, o serrote elétrico, cortando a madeira, a agitação das folhas, o riacho barulhento, o menino gritando, os sentimentos, os motivos, os contraditórios pensamentos, e, indo mais para o fundo, a percepção da consciência total.

Nesta atenção deixa de existir o tempo, como o dia de ontem, que tem continuidade no dia de amanhã, as distorções e movimentos da consciência aquietam-se e silenciam. 

Neste silêncio, há um imenso e incomparável movimento; movimento imperceptível, que constitui a essência do sagrado, da morte e da vida. Impossível é segui-lo, pois não deixa vestígio algum e é estático e silencioso, ele é a essência de todo movimento.

O fluxo exterior e interior da existência forma um único movimento. Com a compreensão do mundo exterior inicia-se o movimento interior, mas não em oposição ou em contradição entre si. Cessando o conflito, o cérebro, ainda que altamente sensível e alerta, aquieta-se. Somente então torna-se válido o movimento interior.

Deste movimento surge uma generosidade e uma compaixão que não resultam da razão ou do auto-sacrifício intencional.

A força e a beleza da flor 
estão em sua total vulnerabilidade.

Os ambiciosos desconhecem o belo. A beleza está na percepção da essência de todas as coisas.

O pensamento é matéria 
e pode ser transformado em qualquer coisa feia.

Existe, porém, o sagrado que não vem do pensamento, nem de um sentimento por ele reavivado. Não é reconhecível pelo pensar nem pode ser por ele utilizado ou concebido. A palavra ou o símbolo não podem definir o sagrado. Ele é incomunicável. É um fato.

Um fato é para se ver, mas o ato de ver não se processa através da palavra. Quando se interpreta um fato, ele deixa de ser um fato.; torna-se algo inteiramente diferente. O “ver” é da mais alta importância. Encontra-se fora do tempo-espaço, é imediato, instantâneo. E o que se vê é sempre novo. Não existe a repetição nem o processo gradual do tempo.
Não existe lógica na verdade. 
A verdade não pode ser medida, avaliada. 
Só se pode medir e dimensionar aquilo que não é vivo.

Meditar é 
fazer brotar ordem 
em meio a essa confusão,
mas não através do esforço
porque todo o esforço distorce a mente.

Para ser capaz de perceber a verdade a mente tem que possuir clareza sem nenhuma distorção nem compulsão e sem direccionamento nenhum.

Assim, temos que estabelecer correctamente os alicerces, antes de mais. Ou seja, tem de haver virtude. Ordem é virtude. Mas esta virtude não tem nada que ver com a moralidade social como nós a entendemos. A sociedade impôs-nos uma certa moralidade mas essa sociedade é um produto de todo o ser humano. E assim, com essa moral, a sociedade diz-nos que podemos ser gananciosos, diz-nos que podemos matar em nome de Deus, em nome da pátria ou em nome de um ideal; diz-nos que podemos ser competitivos e invejosos- tudo ao abrigo da lei.
Mas tal moralidade não possui nada de moral. Devemos negar completamente essa moralidade em nós para podermos alcançar virtude. Nisso reside a beleza da virtude. Porque a virtude não é um hábito nem uma coisa que pratiquemos dia após dia. Isso é uma rotina mecânica destituída de significado. Ser detentor de virtude implica conhecimento da própria desordem, essa
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desordem que passa pela contradição interior, pela tirania dos vários desejos de prazer, ambição, ganância, inveja e medo. Essas são as causas da desordem, tanto dentro como fora de nós. Tomar consciência disso significa tomar contacto com a desordem. Mas só podemos tomar contacto com a desordem quando não a negarmos, quando não lhe procurarmos desculpas nem culpabilizarmos os outros por ela.

A ordem não é algo que estabeleçamos mas que passa aexisti r por meio da negação da desordem. A virtude, que em si mesma é ordem, resulta do conhecimento da completa natureza e estrutura da desordem. Isso é bastante simples se observarmos o quanto nós somos completamente desordenados e contraditórios, e como odiamos quando pensamos amar.

Tal é o princípio da desordem e da dualidade; mas a virtude não é o resultado da dualidade (de factores psicológicos). A virtude é uma coisa viva, uma coisa para ser colhida diariamente; não a repetição de uma determinada coisa a que no passado se chamou virtude. Isso é um acto mecânico destituído de valor. Portanto, tem de existir ordem. Isso faz parte da meditação.

Ordem significa beleza, mas a nossa vida possui muito pouca beleza. A beleza não é feita pelo homem, nem está no quadro exposto- seja moderno ou antigo; não está no edifício, nem na escultura, na nuvem que passa, na folha de árvore, na água. A beleza está onde existir ordem - na mente que se acha livre da confusão, e que se encontra em absoluta ordem. Mas só poderá haver ordem quando existir a atitude de completa negação de si mesmo e o"eu" não mais possuir importância nenhuma.
O fim do"eu" 
faz parte da meditação; 
isso é aúnica meditação.

Temos vivido na esfera do pensamento. Temos dado uma importância tremenda ao pensar mas o pensar é uma coisa antiquada; o pensar nunca será novo pois é uma extensão da memória. E se vivermos desse modo, é óbvio que terá de haver algum tipo de continuidade. Mas será uma continuidade morta, uma coisa gasta, uma coisa antiquada; só aquilo que termina pode dar lugar a algo novo. Assim, importa bastante compreender o morrer. Morrer para tudo aquilo que é conhecido.

Já alguma vez o tentaram? Livrar-se do conhecido, das nossas recordações, ainda que só por alguns dias; livrar-se da sensação de prazer sem qualquer tipo de argumentação ou medo. 
Morrer para a nossa família, para a nossa casa, para o nosso nome, tornar-se completamente anónimo. Somente a pessoa que for completamente anónima e que se achar num estado de não-violência poderá ser livre da violência. 
Por isso morram para cada dia, 
não como uma ideia mas de verdade. 
Experimentem isso durante algum tempo.
Fonte:
http://metamorficus.blogspot.com/2008/09/krishnamurti-meditao-e-outros-textos.html
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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