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TRANSDISCIPLINARIDADE E COMPLEXIDADE
GILDO SCALCO e WALTER UDE.
...Historicamente, propostas alternativas surgiram e continuam emergindo em contraposição a essa forma mecânica e linear de compreender a relação ensino/aprendizagem. Na verdade, a realidade e o sujeito interagem de forma ativa e dinâmica, passando por momentos de organização, desorganização e geração de novas construções, as quais são parciais e provisórias. Essa é a proposta defendida pela perspectiva dialética, que originou diferentes correntes pedagógicas inovadoras que concebem o pensamento como um sistema aberto em permanente processo de criação e recriação, frente às oscilações da vida cotidiana, caracterizada por situações de estabilidade e instabilidade, e por estratégias na diversidade-adversidade, nem sempre previsíveis.
Acreditamos que o reconhecimento de novos paradigmas emergentes de práticas coletivas compartilhadas, tendo a diferença e a contradição como elementos fomentadores para sínteses inovadoras, mostra-se como postura condutual necessária, o fator organizacional no sentido de tentarmos avançar nossa compreensão e explicação face a um mundo complexo e cambiante. Segundo KHUN (1996) p.2l9, “paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes da ciência.”
No contexto atual, várias questões teórico-metodológicas vêm sendo colocadas como pontos de reflexão para a afirmação do conceito de complexidade (MORIN, 1996), ou seja, a construção do olhar transdisciplinar no sentido da conjunção, da efetivação da escuta complexa na relação de alteridade e na coexistência da Esfera Noológica .
Coloca-se, aqui, o sentido do resgate do sujeito e da sua subjetividade (REY, 1997), em que a transdisciplinaridade (MORIN, 1996), a interdisciplinaridade (DEMO, 1996), uma visão em teia que revela redes sociais (SLUZKI, 1997), nos possibilitarão apontar o lugar da investigação qualitativa no estudo da subjetividade (REY, 1999), dentre outros conceitos.
Acreditamos que esses questionamentos não podem ficar fora do campo da educação. Aliás, têm fronteiras muito próximas, no que contribuem para o rompimento com o pensamento tradicional da “razão fechada”. Nota-se que alguns educadores já estão criando práticas pedagógicas interdisciplinares e/ou transdisciplinares em uma tentativa de romper com a fragmentação do conhecimento, herdada da visão linear do conhecimento e mantida pela razão técnica.
As práticas transdisciplinares e interdisciplinares poderão fornecer caminhos e/ou metodologias que possibilitem criar e transformar, no sentido de ultrapassar o pensamento disjuntivo, na perspectiva do religare. Segundo Fernando Hernandez (1998), a Escola deverá ser vista como geradora de cultura. Considera que aprender e pensar não devem ser concebidos como resultado de intermináveis “processos cognitivos”. Compreende, isso sim, as interações a partir da complexidade, em que estão envolvidos, interesses, contextos e experiências organizadas de dentro – e de fora da Escola.
Além disso, necessitamos considerar diferentes saberes que freqüentam a realidade escolar. Não podemos ficar reduzidos ao saber acadêmico. Nesse sentido, deixa emergir o saber popular, o saber prático, o saber religioso, e outros, que nos assinalam para uma metodologia baseada em inter-saberes. Nessa perspectiva, Morin (1994) fala de “processos a serem definidos de acordo com os espíritos transdisciplinares de todos os países”.
Em suma, o propósito deste texto foi tentar provocar um debate e fomentar reflexões acerca da história da ciência e sua relação com as práticas pedagógicas tradicionais, como também evidenciar a necessidade da emergência de novos paradigmas na educação. Um desafio para esse milênio está no resgate do ser humano e seus vínculos ecossistêmicos, que sinaliza-nos para uma escolha comprometida com a vida planetária, nas suas diversas dimensões.
Para ajudar à compreensão dos conceitos básicos sobre a complexidade faz-se necessário explicitar alguns elementos fundantes cujo entendimento tem carregado muitas controvérsias. Nesse sentido, apresentamos abaixo alguns princípios, que consideramos importantes para a constituição de um conhecimento não linear:
• O pensamento complexo, segundo Edgar Morin, nasce da ultrapassagem e ruptura com o modelo tradicional de ciência onde a realidade é percebida como fragmentada, disjuntiva, reduzida e sustentada na racionalização – razão fechada. A complexidade implica um modelo de “razão aberta” conectada com a emoção e seu contexto mais amplo onde a racionalidade permitirá a emergência da subjetividade, expressão da conjunção de conhecimentos pertinentes como linguagens da Esfera Noológica.
• A complexidade vem tentar desfazer a idéia de simplificação e de redução, pois parte da visão dinâmica do mundo, em contraposição ao olhar linear do conhecimento tradicional.
• Há um equívoco de interpretação que opôs complexidade à simplicidade e confundiu complexo com a idéia de complicado – confuso. Segundo Morin (2001) “... a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza...”.
• Noosfera – A esfera das coisas do espírito, sendo o Noo tomado como faculdade de pensar, inteligência, espírito, bem como o lado da psique, a mente.
• A complexidade opera a idéia de auto-organização em sistema vivo que se recria por mecanismos de auto-regulação, que por sua vez “opera uma grande mutação no estatuto ontológico do objeto”.(Morin 2001). O objeto, fenomenalmente individual é o que gera uma ruptura com o objeto tomado da física em dados da natureza.
Então, o que é complexidade?
“À primeira vista, é um fenômeno quantitativo, a extrema quantidade de interações e de interferências entre um número muito grande de unidades” (Morin 2001). Como exemplo: Qualquer sistema (ser) auto-organizador (vivo) que combina na diversidade/adversidade um número muito grande de unidades diferentes. Uma outra concepção que ajudará à construção do pensamento complexo é tomá-lo no sentido que apresenta e considera a complexidade como uma palavra problema e não uma palavra solução. Isto é, a complexidade como palavra problema implica numa ruptura do modelo paradigmático tradicional passando ao pensamento que compreende e tenta explicar a realidade na perspectiva multidimensional e no sentido da sua falta de acabamento.
Outros conceitos abaixo irão no sentido de ajudar à compreensão da dimensão transdisciplinar na perspectiva da complexidade.
• Holo: do grego holos, holon-inteiro, o todo. O holismo aqui é entendido como tendência que se supõe seja própria do universo a sintetizar unidades em totalidades organizadas.
• Moldura Gnoseológica: Quadro que compreende a colocação do pensamento sobre a realidade na dimensão da complexidade.
• Moldura ontológica: compreende o olhar a natureza do conhecimento sobre a realidade na dimensão complexa.
• Transdiciplinaridade: A Transdiciplinaridade na visão de Edgar Morin não nega a interdisciplinaridade. A Transdiciplinaridade como a própria palavra indica na sua etimologia, carrega o prefixo trans, que quer dizer, aquilo que atravessa. Nesse sentido, a Transdiciplinaridade na Educação implica um movimento pedagógico por parte dos professores e alunos compreendendo a abordagem de temas que ao atravessarem o campo das disciplinas resgata o sentido do conhecimento, até então, fragmentado, disjuntivo, descontextualizado e não pertinente.
Ao criar conexões entre saberes a Transdiciplinaridade como unidade orgânica entre esferas do conhecimento nos ajuda na cimentação processual através, por exemplo, do trabalho pedagógico por projetos e com projetos em que o conhecimento do aluno é construído através da investigação, da reflexão, da compreensão e explicação no âmbito dos grupos e do coletivo. Assim, os conteúdos e os processos cognitivos, que antes dirigiam a aprendizagem, agora são requisitados através do desenvolvimento dos temas por projetos. O tema transversal é que provoca o movimento transdiciplinar no processo pedagógico.
• Redes Sociais: Representam formas de organização coletiva que buscam ações baseadas na cooperação, na co-construção, na complementaridade, na reciprocidade e na solidariedade, tendo como princípio a idéia da incompletude como característica marcante dos seres vivos e dos seus saberes.
Nesse sentido, a vida se dinamiza pelas ações e retroações ocorridas entre os sistemas vivos, as quais geram novas configurações estruturais nos seus aspectos internos, externos e relacionais, sem perder sua identidade própria e comunitária. Em termos de políticas públicas, por exemplo, significa buscar construir propostas inter-setoriais ou inter-institucionais, reconhecendo as fronteiras existentes entre os diferentes campos das especialidades dos trabalhadores e atores sociais, no intuito de fortalecer e otimizar suas organizações e ações coletivas.
No âmbito escolar, propõe a conexão da escola às famílias e sua comunidade mais ampla, por meio do mapeamento dos recursos, das potencialidades e dos limites de cada grupo ou associação que compõem a teia social onde atua, com o objetivo de buscar alternativas, troca de saberes, formulação de reivindicações, e definição de papéis, funções, responsabilidades e atribuições que cabem a cada espaço territorial que freqüenta a rede. Pesquisas realizadas por SLUZKI (1997) demonstram que o isolamento produz fragilidade, adoecimento e ignorância quando se enfrenta desafios a partir de uma óptica fragmentária e reducionista.
• Conhecimento não linear: Apresenta perspectiva dinâmica, reconhecendo a provisoriedade do conhecimento perante uma realidade relativamente estável e cambiante que, ao se revelar se oculta e ao se ocultar se revela, sempre de uma maneira parcial diante do observador. A auto-crítica e a crítica atuam como processos dialéticos complexos que procuram enfrentar as ambigüidades dos sistemas observantes que se dialogam, ao conceber o pensamento como uma organização aberta e auto-regulada. Como aponta DEMO( 2002:127): “Conhecimento não deixa nada de pé. Seu primeiro ímpeto é desconstruir, em sua verve crítica impiedosa. Depois reconstrói, mas sempre sob o signo da provisoriedade, para poder continuar desconstruindo. Talvez tenha sido esta a maior obra do processo evolucionário: inventar o conhecimento indomável, processo que não cabe em si mesmo”. Essa visão não entende a aprendizagem como transmissão linear que se replica de forma homogênea, já que a finalidade se trai ao tentar se fixar.
• Noologia: É concebida no sentido de romper com a dicotomia razão/emoção onde o noológico é tomado como o estudo da mente, ciência que estuda os fenômenos considerados puramente mentais em sua origem. Vem contribuir para localizar e compreender a importância da coexistência da “esfera das coisas do espírito” na vida social mais ampla, bem como nos processos educativos específicos.
Segundo Morin (2000 p.28) em relação a Noosfera: “... as crenças e as idéias não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm vida e poder. Dessa maneira, podem possuir-nos”.
Em seguida apresentaremos uma bibliografia básica que poderá auxiliar estudos que busquem novos Paradigmas no campo da educação, bem como no desenvolvimento de metodologias para compreensão e explicação do novo conhecimento e do novo espírito científico.
Fonte:
GILDO SCALCO
*Professor do DMTE- Faculdade de Educação – UFMG,
Doutor em Educação- Didática pela USP- São Paulo e membro do NEPPCOM.
WALTER UDE.
WALTER UDE.
**Professor do DECAE - Faculdade de Educação – UFMG,
Doutor em Psicologia Clínica pela UnB, membro do NEPPCOM.
file:///D:/A%20MENTE/transdiciplinaridadecomplexidadescalco-ude.htm
Gostei muito do seu Blog, usado de maneira sábia como instrumento na construção de conhecimento!
ResponderExcluirparabéns!
Meu querido "Anônimo",
ResponderExcluirFico feliz com sua apreciação e mais, por perceber minha intenção de fazer do RADEISIS uma caixinha de jóias , lotada das pérolas mais legítimas, e com elas fiar na harmonia dos mais criativos autores,estudiosos das questões fundamentais ao puro embelezamento da mente humana.
Garimpo com carinho o pensamento inovador ,aquele mais sensível,o profundamente burilado na inteligência, essa ferramenta maravilhosa, perfeita para a construção da nave consciência ,capaz de nos lançar em tempo record às esferas de veredas orbitantes, além do que ainda somos capazes de sonhar e integral-mente viver.
E a caixinha de jóia está aberta,oferecida, sempre à mão de quantos queiram apreciar.
E Parabéns para todos nós - nós atados na rede do mundo que somos vida afora.
Enquanto educadora, da rede pública e também geógrafa, fiquei apaixonada com a temática deste blog. Vcs estão de parabéns!
ResponderExcluirCostumo sempre reafirmar uma frase de Shakespeare "Sábio é o pai que conhece o seu próprio filho."
Conhecer, ouvir, são chaves mestras, para novos paradigmas na educação atual.
Quando tiverem um tempinho visitem o meu blog, estou trabalhando neste momento em paradigmas criado pelo/para CV - Comando Vermelho:
http://negriara.wordpress.com/