terça-feira, 29 de novembro de 2011

CE - G8: APOIO Á PRIMAVERA ÁRABE E A VISÃO DO FILÓSOFO



G8: apoio à Primavera Árabe


© União Europeia


Os líderes do Grupo dos Oito, 
reunidos na cidade costeira de Deauville, em França, 
em 26‑27 de Maio, lançaram uma parceria
com os países do Médio Oriente e do Norte de África
para dar apoio às suas reformas políticas e económicas.



"A Parceria de Deauville assenta sobremaneira na nova parceria da UE com a região, tal como claramente reflectido na Declaração da Cimeira", refere a declaração conjunta do Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy e do Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, que representaram a União Europeia na cimeira.



As promessas económicas iniciais incluem 20 mil milhões de dólares norte­‑americanos em compromissos dos bancos multilaterais de desenvolvimento. 25% deste montante será proveniente do Banco Europeu de Investimento. Além disso, todos os membros do G8 darão uma ajuda bilateral substancial, que incluirá subsídios do orçamento da UE para a sua política de vizinhança (7 000 milhões de euros, dos quais 1 240 milhões de euros é dinheiro fresco proposto esta semana pela Comissão Europeia).



A Parceria de Deauville 
foi lançada na presença dos Primeiros­‑Ministros 
do Egipto e da Tunísia - dois países envolvidos
na transição para a democracia 
- e do Secretário­‑Geral da Liga Árabe.



Com relação à economia mundial, a cimeira expressou optimismo quanto ao fortalecimento da recuperação. A criação de emprego continua a ser uma prioridade, e prosseguirão os esforços para criar um crescimento sustentável e equilibrado. "As medidas da Europa para resolver a crise da dívida soberana enfrentada por alguns membros da área do euro são claramente reconhecidas e apoiadas por todos",(?*) refere a declaração da UE.



Na sequência dos acontecimentos no Japão, os líderes comprometeram­‑se a promover os mais altos níveis de segurança da energia nuclear. Congratularam­‑se com todas as iniciativas, incluindo as da UE, no sentido de realizar avaliações exaustivas à segurança das instalações nucleares e convidaram todos os outros países a fazerem o mesmo.



A cimeira reconheceu o papel da Internet como uma ferramenta única para promover a democracia e fomentar o crescimento económico. Pela primeira vez a nível dos líderes, foram acordados vários princípios fundamentais para nortear o desenvolvimento da Internet, na presença de alguns destacados empresários da Internet, incluindo a liberdade e a governação multisectorial. 

O debate foi baseado
em contribuições de um evento "e­‑G8",
que teve lugar antes da cimeira.


As potências económicas que compõe o G8 são o Canadá, a França, a Alemanha, a Itália, o Japão, a Rússia, o Reino Unido, os Estados Unidos e a União Europeia. A sua presidência (juntamente com a do G20) é assegurada este ano pela França. 

Os líderes do G8 
irão agora reunir­‑se em 2012,
sendo a presidência assegurada pelos Estados Unidos.(!**)


Para mais informações:
Declaração conjunta dos Presidentes Van Rompuy e Barroso (pdf) (en)
Declaração do G8 "Emprenho renovado na liberdade e democracia" (en)
Declaração do G8 sobre a Primavera Árabe (en)
Declaração conjunta G8/África "Valores comuns, responsabilidades comuns" (en)
Website da Presidência Francesa do G8 (en)

A primavera árabe não chegou a ser início do despertar
e da renovação da região, - diz Serguei Demidenko,
perito-orientalista do Instituto de Estimativas 
e Análises Estratégicas. 

A sua opinião é contestada por Veniamin Popov,
diretor do Instituto de PesquisasIinternacionais 
junto do Instituto de Relações Internacionais de Moscou 
do Ministério das Relações Exteriores 
da Federação Russa. 

O promotor das revoluções 
é a juventude e não os islamitas.

(Voz Da Rússia) 
 
A previsão é do ex-ministro de Mandela

DEPOIS DA "PRIMAVERA ÁRABE", O "VERÃO AFRICANO"


Praia, 17 Novembro 2011 
- Um "verão africano" poderá eclodir a qualquer momento, 
disse na quarta-feira, no Brasil, o presidente da Aliança Global 
para a Melhoria da Alimentação (GAIN, na sigla em inglês), 
o sul-africano Jay Naidoo, ex-ministro do Governo Mandela.

 - Liberal Online -
 
 

Kant e a Primavera Árabe


27/02/2011

 

A máxima de Kant, de que para sermos moralmente corretos não devemos tratar o homem com meio e, sim, como um fim em si mesmo, é sempre atual. Mas, não raro, às vezes ela é compreendida com tropeções. Afinal, todos os dias somos meios para alguma coisa. Sou filósofo e, como tal, escrevo livros; e meus livros são meios para que alguém obtenha algum tipo de conhecimento. Então, eu sou um meio. Isso é ruim? Não! Não posso considerar isso algo ruim, é claro. Mas, não é sobre isso que Kant está colocando sua máxima. Sua máxima é sobre o valor do bípede-sem-penas. Ou seja, enquanto alguém que se põe no mundo oferecendo coisas eu posso, é claro, ser aproveitado, ser um meio, mas eu não deveria ser reduzido a este homem que se põe no mundo oferecendo coisas. Eu teria um valor exclusivamente dado pela minha condição humana, a de ser um especial bípede-sem-penas. E, nessa circunstância, não sou meio para nada, sou um fim. Quem me tratar como homem e exclusivamente como um meio estará degradando a minha dignidade e, não podendo universalizar tal conduta sem tornar todo o conjunto dos bípedes-sem-penas também indigno, então, estará se pondo de maneira incorreta no seu tratamento de toda a humanidade.


É isso que Kant diz. Até aí, não deveríamos ficar ranzinzas com Kant. Há implicações dessa máxima que faz sua ética se tornar uma ética do dever, talvez endurecida, incapaz de ceder a uma outra nossa máxima, a da lei do amor, que nos leva a proteger os mais fracos e, entre eles, primeiro os nossos amigos etc.  Mas, talvez possamos olhar para Kant sem essas implicações, focalizando o quanto sua ética tem a ver com a política liberal que vinha se construindo em seu tempo. Aquela política que, antes dele, foi estabelecida por John Locke. A política de preservar a individualidade, os direitos individuais, especialmente a liberdade individual e a dignidade humana. Kant deu expressão filosófica a isso que, em Locke, ficou antes no campo da filosofia política que propriamente numa metafísica.


Gosto de Kant quando o leio dessa minha maneira. Pois, então, sua voz soa como uma alerta contra os que cultivam a ideologia da humildade, exatamente aquela ideologia denunciada por Nietzsche como sendo fruto de uma terrível corrosão moral. Estranho? Estou associando Kant a algo que foi aproveitado positivamente por Nietzsche, um de seus mais ferrenhos críticos? Sim! E eu explico.


Nietzsche viu no liberalismo um elemento da modernidade e, como tal, mais um dado da decadência. O liberalismo viria, no limite, favorecer os mais fracos, pois seria uma política de alimento da vida em rebanho – da moral do rebanho. Eu prefiro ver o liberalismo como uma doutrina que, associada ao lema de Kant de não valorar o bípede-sem-penas como um meio, lhe dá condições de se por como alguém que não deve abrir mão de uma dignidade nuclear e que, portanto, não tem de se esconder diante dos que vivem por aí com uma maldita frase em punho, a saber, devemos colocar na fogueira os “egos inflados”. Sei perfeitamente que os que denunciam “egos inflados” são os que pregam a ideologia da humildade, pessoas que Nietzsche não titubearia em chamar de vermes rastejantes – os que, não conseguindo eles mesmos se afirmarem, querem ver os outros no mesmo limbo que eles.


Em parte, Kant dá condições a cada um de nós de dizer o seguinte: “não vou ter vergonha de me afirmar como indivíduo”. “Vou fazer meu Orkut, meu Facebook, vou dizer o que gosto e o que não gosto; vou colocar o que acho que sou para valer. Ao menos para o círculo dos meus amigos, serei um indivíduo pleno, uma estrela – um pop star entre os meus.”  Esse movimento atual de tirar fotos de si mesmo e de se mostrar, de querer se colocar no mundo e ver seus gostos pessoais respeitados, é algo que devemos ao liberalismo. Em grande parte, a Locke, mas, em termos filosóficos mais profundos, a Kant. É exatamente aí que entra a idéia que, agora, cria a Primavera Árabe: os jovens de classe média e os jovens mais pobres querem viver os gostos da liberdade individual e do consumo do Ocidente. Querem se afirmar como indivíduos. E nisso, as redes sociais fazem o seu papel. O modo de vida ocidental os atrai como atraiu os dos países comunistas, gerando as revoluções de 1989 que fizeram, no final, desaparecer a URSS.


É claro que isso tudo que ocorre no mundo árabe pode ser aproveitado por grupos radicais religiosos. Mas, num primeiro momento, o anseio por liberdade no estilo ocidental é o que movimenta os jovens árabes a se colocarem contra os regimes em que vivem, repúblicas autoritárias e monarquias absolutistas ou similares.

É interessante notar que esse anseio por liberdade individual aparece quando, na sociedade, a questão da valorização do indivíduo já começa a importar. 

A Primavera Árabe, que segue em seu curso, começou porque um jovem ateou fogo ao seu corpo (a exemplo da Primavera de Praga) em protesto à opressão governamental ao que seria sua liberdade individual enquanto comerciante. Um ato assim, no passado, se ocorresse, poderia não levar a nada. Mas ele ocorreu quando a consciência desse jovem estava em consonância com a de toda a sociedade, ou seja, uma consciência preenchida pela idéia radical de que a liberdade individual vale tudo. Sem ela, não vale a pena nem mesmo a vida. Quando uma sociedade decide pensar assim, ela está funcionando em termos mais ou menos kantianos. O homem não é um meio, ele tem um fim em si mesmo. Se esse fim não é respeitado, então, o próprio homem não existe. Que vá ao fogo! Que vá ao fogo, afirmando a existência individual a partir de sua auto-negação.


Kant acreditava que esse anseio por liberdade era algo presente na revolução de seus dias, que ele acompanha pelos jornais – a Revolução Francesa. Os jovens árabes, hoje, relativamente ocidentalizados pela Internet, parecem estar nessa linha vista por Kant (e reiterada por Hegel em termos do caminho do Espírito): o homem anseia por liberdade. Tendo liberdade individual, ele se faz digno como alguém que tem valor em si mesmo. Então, a ética pode se definir a partir não mais do abaixar a cabeça, não mais da ideologia da humildade, não mais da posição do rebanho. Cada um pode ser alguém. Pode ser um mártir para começar a revolta, para que todos possam ser tão importantes quanto o mártir, após a revolta.


Tenho esperança que o mundo árabe encontre sua maneira de se integrar na democracia moderna, ainda que a reconstruindo segundo seus parâmetros, sem que seja necessário invocar a intervenção externa, como a que Bush fez no Iraque para “levar a democracia”. É uma esperança de filósofo, como aquela que encheu o peito de Kant quando ele, nas manhãs de Königsberg, lia os passos dados pelos revolucionários na França. Passos estes que, pouco tempo antes, haviam sido dados na América.

    Paulo Ghiraldelli Jr, 
 

Direito do sonho na Primavera Árabe


05/03/2011



Marx diria 
que aquilo que ocorre no mundo árabe hoje
nada mais é que o surgimento da velha toupeira. 
 
Ela estava cavando e, como sempre, apareceu no lugar em que não era esperada. A revolução é assim mesmo: todo dia dá um passinho por debaixo da terra, mas só quando bota sua cabeça para fora é que nos autoriza dizer: eis aí o animal. Marx também poderia falar que toda essa revolução corresponde a mais um passo do capitalismo que, enfim, quer se tornar mundial em todas as suas conseqüências, ultrapassando de uma vez por todas sua restrição ao mundo ocidental ou ocidentalizado.


Hegel, por sua vez,
diria algo um pouco diferente. 
O mundo árabe, para ele,
estaria prestes a ver no céu o vôo da coruja.
A coruja, sendo a filosofia, viria depois das rebeliões para dar uma justificativa para tudo aquilo. A justificativa seria a única possível: as pessoas seguiram o que o Espírito quer em seu último estágio, que é a realização de mais liberdade. Mais liberdade geral implicaria em se ter mais liberdade individual.

A história estaria querendo 
chegar ao fim, mais uma vez, trazendo o Oriente
como um todo para o campo onde a história já terminou,
o Ocidente.


Não há razão nenhuma para pensar como Marx ou como Hegel exclusivamente.  No caso do mundo árabe, penso que cabe conjuntamente as duas narrativas. Uma terceira narrativa englobaria ambas, a de Weber: o mundo árabe está se desencantando, ou seja, ele quer se livrar das malhas tribais, que forçam as relações a se estabelecerem de modo quase mítico, para viver sob relações onde tudo se dê segundo uma organização ótima de meio-fim, ou seja, a organização regida pela racionalidade moderna. 

O animal invocado,no caso,
não seria nem a toupeira e nem a coruja, 
mas, talvez o burro. 

Pois o homem moderno 
é um pouco estúpido, ele é
o “especialista sem inteligência 
e o hedonista sem coração”.

Assim, na conta de Weber, os árabes estariam apenas tentando viver livres individualmente para se amarrarem em nova “gaiola de ferro”, a que faz com que cada um exerça sua profissão como expert-robô e que, ao mesmo tempo, goze dez dias de férias anuais numa praia que reproduza o lugar de trabalho, própria para hedonistas que não podem mais ter prazer. Podemos contar isso para os árabes, mas eles retrucariam assim: contanto que possamos visitar shoppings no final de semana, com cinemas agradáveis e contanto que possamos ter os nossos negócios e algum dinheiro que Lula conseguiu por na mesa dos mais pobres, tudo bem.


O mundo árabe reacendeu 
aquilo que havia sido posto no final do século
para a ex-Cortina de Ferro: os jovens querem ser jovens 
como os ocidentais inauguraram a juventude. 
 
De certo modo, é o que o filósofo norte americano Richard Rorty avaliou: a juventude das classes médias, no mundo todo, tende a ser o que mais se iguala, ao menos em determinados ideais. O filme americano e mexicano Babel (Iñárritu, 2006) expôs isso de modo maravilhoso e, por isso, foi aclamado pela crítica no exterior. O público brasileiro não entendeu muito a mensagem do filme, que era o equivalente do discurso rortiano.

A revolta árabe é só uma: 
a juventude (sim, existe agora a juventude, 
esse produto real dos anos 60)
quer perspectivas, quer poder sonhar com o futuro. 

Mas que futuro é esse? 
Nada além do que aquele 
que se pode oferecer num show de rock.
 

Num show de rock todos se irmanam pela idéia de “passar uma noite” sob o manto do som. Que som? O som que não vem do coração somente, mas da garganta. Essa é a idéia que o rock dá, em seus shows, a de que nenhuma tradição vale a pena ser mantida, que tudo está por se criar. Nenhuma outra música representa isso ou expressa isso de um modo tão efusivo e explosivo. A ideia do futuro como o que pode ser feito pelas mãos, logo na madrugada, quando o show acabar – essa idéia se fez com Elvis e com os Beatles. Ela nos deu Bee Gees e tudo que entendemos como “sonhar em uma noite”. Os roqueiros sabem disso. A juventude sabe disso.
Mutatis mutandis 
essa força se apresenta 
em um tipo de “pop culture”
no mundo árabe. Algo como: 
ser jovem é ser jovem ocidental.
 

Essa ocidentalização geral do mundo árabe tem feito com que até mesmo a força da religião (islamismo), que não é pequena, não tenha podido se manifestar como participante efetivo, político, nas revoltas do mundo árabe.

O que fala na consciência 
e coração do povo jovem árabe 
é a lei do sonho: posso não realizar nenhum 
dos meus sonhos, mas não quero viver 
o pesadelo de não poder sonhar.
 

 Paulo Ghiraldelli Jr,

A futura nova invasão árabe

24/08/2011


Pelo lado paterno, 
meu sangue é da península da bota. 
Pelo lado materno, corre no meu corpo 
sangue árabe e judeu.
Meu avô materno trocou seu nome árabe pelo nome brasileiro, Carlos Abib. Foi um rábula com grande êxito no que fazia, chegando a ser advogado do Palácio dos Bandeirantes, o governo de São Paulo, entre os anos cinquenta e sessenta. Sem dúvida ele tinha nas mãos um dom especial: a retórica em um sentido novo. Ele conversava por meio de uma fina capacidade de preservar a lógica em suas argumentações altamente persuasivas, por mais emocionais que eles tivessem de ser.


Nunca pisou
numa escola de nível superior.
Nem mesmo o colégio fez. 
Tornou-se advogado 
e até mesmo um jurisconsulto. 
 
Conseguiu isso trabalhando em um bom escritório, estudando muito e, enfim, usando sua inteligência árabe na profissão inicial de “solicitador”. Juntando tudo isso temos a chamada “vocação”, ainda que não saibamos de modo algum o que realmente significa essa palavra. Pois, aos doze anos, passeando com seu pai pelas ruas de São Paulo, ficou desesperado para que este comprasse um livro para ele, visto na vitrine da José Olympio: Filosofia do Direito. Contou-me ele que leu e não entendeu nada. Todavia, o livro definiu o que queria ser: um estudioso prático do Direito.


O livro foi o último grande presente de seu pai. O velho faleceu e os negócios da “lojinha” não deram mais certo. A família grande, com irmãos pequenos, caiu nas costas dele. E o sonho de ser advogado com diploma foi embora. Que sorte! Tornou-se um advogado de primeira linha, uma vez não podendo fazer faculdade.


Não sei se meu avô tinha uma metaconsciência de como ele fazia funcionar a advocacia. Ele trabalhava à moda árabe. Tudo funcionava segundo as regras de organização que só ele entendia no seu escritório e biblioteca. Tudo era muito conversado e negociado com os que frequentavam o lugar. A regra do acordo, base do modo do Direito americano funcionar, era levada a sério por ele, e isso quando tal coisa não era ainda a praxe entre nós. Mas, que ninguém se enganasse, quando era necessário um ato típico não dos intelectuais árabes, que guardaram Aristóteles para devolve-lo ao Ocidente, mas das hordas bárbaras de um povo tribal, ele sabia agir como ninguém no domínio de adagas contidas na lei.


Contei essa história para tentar explicar ao leitor a imagem fantástica de uma das facetas do que se desenvolve hoje sob o rótulo de “Primavera Árabe”. O governo de Gadafi está agonizante. Os rebeldes estão em Trípoli e saqueiam seus pertences. Até seu carrinho de golfe é troféu de guerra. Os ataques vindos das forças da ONU mataram aliados e civis, mas, enfim, deram cobertura para que a barbárie do povo pudesse submeter a outra parte também bárbara do povo, ainda aliada a Gadafi. É difícil em meio a isso saber quem está certo. Mas eu, quando assistia meu avô em uma defesa, em juri popular, sabia que era ele quem estava certo, por mais que tudo fosse um caos e guerra. É exatamente esse sentimento que o Ocidente tem hoje diante da loucura em que está Trípoli. 

Tudo vale a pena 
se for para nos vermos livres de Gadafi.(?) 
Ele foi um ditador por mais de 40 anos.
Sugou o país.
(aponta então qual governo foi ou será diferente!
Acaso é Reino Unido -Europa-USA?)
 
Governou como um líder tribal arrogante. Foi anti-americano e pró-americano. Mas isso durou até o momento em que a América se tornou anti-Gadafi. E dessa vez de modo inteligente: ao invés dos Mariners servirem de cão de guarda do Ocidente, o presidente Sarkozi se ofereceu para tal. Obama mais que depressa aceitou, enterrando a mania de isolamento de Bush, expert em fazer valer o controle do mundo por meio de uma polícia sem respaldo total dos aliados ocidentais.

Gadafi pode ter um fim
igual ao de Sadam Hussein
ou até pior.
(Profético)
 
Mesmo meu avô, que era extremamente piedoso, em certas horas ele sabia que tinha de triturar o inimigo, para salvar seu cliente. Pode ser que Gadafi venha a ser apanhado e termine como o ditador comunista romeno, Ceausescu, executado em um tribunal de rua. Morrer nas mãos de árabes é tudo que um árabe mais teme. E os árabes têm uma praxe: em determinado momento, a rendição do inimigo já não importa mais, nem é aceita, tudo que se quer é que ele possa ser pendurado em praça pública. Gadafi já está na ponta da corda e ele sabe disso.

A Primavera Árabe vai continuar 
e irá atingir ao longo do tempo outros países.
 
Os governantes do carcomido Partido Comunista Chinês tremem só de imaginar algo assim. A prosperidade da China é urbana, não rural. E mesmo nos centros urbanos, a falta de liberdade não ameniza o respiradouro causado pelo fim da miséria dos anos passados recentes. O trabalho na China é um trabalho semi-escravo, que impressiona o mundo, mas impressiona muito mais os intelectuais e estudantes chineses, que já não querem se submeter a ele. O que aconteceu na Praça Celestial, aquele terrível massacre, não acabou. A Primavera Árabe pode respingar lá. E pode respingar também, como já está respingando, na própria Europa.


A Europa hoje está sendo mantida por bancos, e isso no fio da navalha. Trinta e três dos seus maiores bancos são, hoje, o valor de uma companhia americana, a Apple. Os Estados Unidos vão sair da crise. Pois só essa correlação já mostra a capacidade de produção e consumo dos americanos. Mas a Europa não tem mais como sair da crise. Ela é, agora, apenas reserva cultural do mundo. Não é mais mercado consumidor e produtor. E para piorar, a Primavera Árabe tem jogado levas de deserdados da terra para o Velho Continente. Gente que precisa de emprego. 

Gente 
que é acostumada ao poder tribal.
Pessoas que não titubeiam em criar arruaças 
de periferia se não atendidas.
 
Sarkozi sabe bem disso e por isso mesmo, e não só pelas eleições, tomou a decisão de acabar com Gadafi. 

Uma luta prolongada 
no mundo árabe pode fazer a Europa toda
não aguentar a migração.
 

Gadafi está longe de ser o último ditador do mundo árabe na atualidade. Quando o último ditador árabe cair, o mundo será outro. A modernidade de Max Weber – que implica no desencantamento do mundo e na burocratização das relações – terá chegado, finalmente, ao mundo não ocidental. Ela não estará mais entre os governantes árabes, relativamente já pró-ocidentais faz tempo. Ela estará no povo. 

Um povo que, terminada as guerras internas, voltará a fazer o que meu avô fazia em tempos de paz, ou seja, quando não havia juri: conversar. Conversar e trocar. Exercer a persuasão. Haverá um novo progresso árabe sobre o mundo. Desta vez, eles não devolverão Aristóteles. Eles chegarão até nós ocidentalizados não dessa maneira. Nem será pela maneira que conhecemos atualmente, pelo petróleo. 

Será por uma maneira que também conhecemos bem, mas que não associamos corretamente ao mundo árabe: pelo convívio, pelo comércio, pela alta capacidade de enfrentar aventuras nos lugares difíceis. Haverá uma nova onde de “lojinhas de turquinhos”. Pela alta capacidade adaptativa que nenhum outro povo possui, eles, os árabes, serão responsáveis por uma nova redistribuição do espaço de compra, venda e convívio no mundo todo. Veremos isso, certamente.
24/08/2011 
Paulo Ghiraldelli Jr.
 

© 2011
Paulo Ghiraldelli Jr, 
filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Li
Fonte:
CONSELHO EUROPEU
http://www.european-council.europa.eu/home-page/highlights/g8-support-for-the-arab-spring.aspx?lang=pt
http://ghiraldelli.pro.br/2011/02/27/kant-e-a-primavera-arabe/
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

Um comentário:

  1. Pode parecer pobre meu comentário, mas pobres somos todos nos seres humanos diante da história. Como uma mariposa batendo na luz do poste até que o colapso chegue. Antes não acreditava nessa história de que a mesma se repete. Mas como somos pobres no script e ricos na imaginação alusiva aos fatos, somos contumazes na repetição. A primavera árabe, lembra os anos que seguiram a 1968 no Brasil, lembras milhares de investidas dos convictos romanos aos povos então chamados de Bárbaros pelos convictos que contavam a história. E pobre, mas os árabes como todos os outros povos oprimidos só querem liberdade da não convicção. Isso e o que todos os humanos independente do povo a que pertence quer.

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