quarta-feira, 13 de junho de 2012

PASTORA:L Beethoven - 6th Symphony - 10:48

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Life in a year of pictures 
set to one of the most beautiful pieces 
of music ever created.
Dissertação de Mestrado
 - Filipe Salles 
- 24/06/2002


5. ANÁLISE DA RELAÇÃO MÚSICA / IMAGEM EM FANTASIA:
A SINFONIA PASTORAL DE BEETHOVEN

5.1. Introdução

A Sexta Sinfonia de Beethoven, em Fá maior, recebeu o subtítulo de Pastoral do próprio compositor, que assim a descreveu no programa de sua estréia: Pastoral Symphonie: mehr Ausdruck der Empfindung als Malerei, "antes expressão do sentimento que pintura". Beethoven tinha então concebido uma sinfonia que sabia ser portadora de um potencial descritivo maior que as demais, razão pela qual enfatizou ser mais uma expressão de sentimentos que uma tentativa de pintar um quadro com música (que é justamente a referência à música que se situa entre a programática e a absoluta em Fantasia, 'Música que pinta um quadro' - em que a Pastoral ironicamente se encaixa). 

Estreada em 1808, juntamente com a Quinta, o compositor ainda hesitou sobre uma possível descrição literária da sinfonia durante quase 20 anos, mas na publicação de 1826 constam as indicações de possíveis 'programas', que dão subtítulos aos 5 movimentos da obra. 

Essa hesitação não foi vã, pois Beethoven não queria prender o ouvinte a um aspecto de caráter específico, pois o sentimento - sabia o compositor - estava lá impresso, implícito, tal que ele mesmo disse: "Deixemos ao ouvinte o trabalho de imaginar a situação... Toda a pintura, se levada muito longe na música instrumental, perde" .

O aspecto mais importante desta ambigüidade - seu caráter puramente musical e seu potencial descritivo - e que aqui muito nos interessa, é como Disney se aproveitou desse manancial híbrido de possibilidades visuais e sonoras. Bem claro está, o próprio Beethoven queria deixar o programa implícito para não sugestionar por demasiado a imaginação do ouvinte, limitando as possibilidades expressivas da obra. Ao que parece, Disney seguiu ao pé da letra tais desejos, pois imprimiu à Pastoral um programa dos mais inusitados: ao invés da vida campestre da Europa central do séc. XIX, o cenário foi o mitológico monte Olimpo, morada dos deuses, e os personagens, todos seres híbridos da mitologia grega, unicórnios, faunos, pégasos, centauros, cupidos e até Bacco. 


Se nos guiarmos pela liberdade imaginativa que era desejo do próprio Beethoven sobre esta obra, não haveremos de encontrar nenhuma discordância ou abuso temático. Mas como proceder com imagens tão díspares das originais e manter a coerência de seu caráter? 

Esta é a principal virtude de Fantasia, e em especial nesta seção, pois consegue ampliar de maneira extraordinária a gama de possibilidades de interpretação visual sem deixar de transparecer o caráter da obra a todo instante. Veremos, analiticamente, como isso funciona.

Leopold Stokowski promoveu nesta e na Sagração da Primavera os maiores cortes e alterações de todas as obras de Fantasia. Sua duração ficou reduzida à metade, não sendo feito nenhum dos ritornellos indicados. Até mesmo alguns compassos de repetição foram suprimidos, além de seções inteiras. Isso não se deu apenas por razões práticas e/ou econômicas (do contrário teríamos um filme de quase 3 horas de duração) mas também por razões estéticas.


Uma obra musical tem estrutura que garante sua coerência neste suporte, e uma obra cinematográfica a possui igualmente na razão compatível com seu suporte. A transcrição de uma para outra de maneira literal implicaria numa obra muitíssimo mais exaustiva, com uma enormidade de outros elementos que muito provavelmente exigiria argumento muito mais complexo, incorrendo numa fatal prolixidade incompatível com o gênero cinematográfico. 

É o mesmo que adaptar uma obra literária para o cinema: há muitas coisas que num livro precisam ser ditas e que podem ser resolvidas na imagem de maneira simples, há outras coisas que são extremamente complexas de se dizer com imagens e podem ser resumidas a duas ou três palavras num livro. Eisenstein (1990:16) esmiuça com maestria essa diferença de suportes em seu A Forma do Filme, e aqui em Fantasia temos um problema de mesma ordem: muito do que é dito em música, no que diz respeito à forma, em imagem se torna pura redundância.

Do ponto de vista especulativo, seria possível mas não viável, dentro deste projeto, realizar um desenho com a obra na íntegra. Destarte, Disney consegue, ao ter em mãos material mais sucinto da obra, trabalhar um argumento muito mais direto, dinâmico, objetivo e sem deixar de apresentar as belezas da música, coisa que para um desenho animado são fundamentais. 


Os cortes foram assim realizados:

I- Allegro ma non troppo:
Segue do compasso 1 até 150, depois há um profundo corte,
suprimindo todos os compassos, até o 422, e segue daí até o final.

II- Andante molto mosso
Segue compassos 1 até 8, depois corta para compasso 13
Segue compassos 13 e 14, corta e vai até o 17.
Segue 17 a 20, depois corta para compasso 92
Segue 92 a 101, corta para 104
Segue do 104 até o fim, omitindo os compassos 108 e 123

III- Allegro
Quase todo na íntegra, apenas sem os ritornellos e suprimidos os
compassos 158-160

IV- Allegro
A seção da 'Tempestade' é a única que se manteve intacta, muito provavelmente por seu potencial descritivo maior, o que permitiu o aproveitamento integral da música no desenho

V- Allegretto
Já o allegretto final sofreu drásticos cortes. Ele segue normalmente até o compasso 22, o 23 tem um corte no meio do compasso, pulando para o compasso 140.


Segue até o 149 e corta para 154.
Segue até 157 e corta para o segundo tempo do compasso 160.
Segue até o compasso 176 e depois corta para o 206 (Coda)
Segue até o compasso 244, e corta para a anacruze do compasso 250
O compasso 259 é suprimido, e então temos o final.



A duração final da sinfonia em Fantasia passou a ser de 22 minutos.

Há alguns aspectos muito relevantes para ser considerados neste episódio. O primeiro é que estavam tratando de um assunto mítico, sem referências reais, podendo estabelecer qualquer parâmetro de cores e formas, desde que verossímeis. Disney mesmo orientou os animadores a trabalharem com misturas inusitadas e a experimentarem novos padrões de cor, mesmo para elementos já conhecidos da natureza. 

A liberdade de expressão que os desenhistas experimentaram neste episódio é digna de nota em se tratando de Disney. Muito do que se vê na tela foi um trabalho conjunto dos diretores de animação de cada seqüência e de Stokowski, pois as alterações na partitura precisavam seguir as intenções do argumento escolhido. Em animação, os desenhos têm que ser feitos depois da música pronta, pois os animadores seguem um mapa de animação em que consta o início e o fim de cada movimento dos personagens, pontuados pela fala e pela música.

 No caso de Fantasia, há apenas música, e esta precisava necessariamente estar já gravada para o trabalho de animação. Assim, os cortes foram feitos numa etapa primeira, enquanto eram encaixados no argumento proposto, para então seguir com o trabalho de desenhar no acetato.

A Sinfonia Pastoral é uma das seções mais intrigantes de Fantasia: além de especular sobre um potencial descritivo 'indicado' apenas por Beethoven, ainda reveste a música de narrativa, não apenas coerente, mas também extremamente harmônica com o caráter da música, não obstante os universos absolutamente distintos entre as reais intenções de Beethoven e as imagens do filme. Como se dá essa alquimia?

                                            copyright©2002 
                                       Filipe Salles
 
Vídeo:
Enviado por em 23/08/2009



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