HERMES
OS MISTÉRIOS DO EGITO
Alma cega ! Arma-te do facho dos Mistérios, e na noite
terrestre descobrirás teu luminoso Duplo, tua Alma
celeste. Segue este guia divino e que ele seja teu Gênio.
Pois ele tem a chave de tuas existências passadas e
futuras.
Apelo aos Iniciados (segundo o Livro dos Mortos)
Escutai em vós mesmos e olhai no infinito do Espaço e
do Tempo. Lá retumbam o canto dos Astros, a voz dos
Números, a harmonia das Esferas.
Cada sol é um pensamento de Deus e cada planeta um
modo desse pensamento. Almas! é para conheceres o
pensamento divino que desceis e subis penosamente a
estrada dos sete planetas e seus sete céus.
Que fazem os astros? Que dizem os Números? Que
rolam as Esferas? - Almas perdidas ou salvas! Eles
cantam, eles dizem, eles rolam - vossos destinos!
Fragmento (segundo Hermes)
HERMES
Os Mistérios do Egito
I
A ESFINGE
Diante de Babilônia, metrópole tenebrosa do despotismo, o
Egito
foi no mundo antigo uma verdadeira cidadela da ciência
sagrada, uma
escola para seus mais ilustres profetas, um refúgio e um
laboratório das
mais nobres tradições da humanidade. Graças a imensas
escavações e
admiráveis trabalhos, conhecemos hoje o povo egípcio melhor
do que
qualquer outra civilização anterior à grega, pois ele nos
reabre sua
história escrita em páginas de pedra (1). Desenterram-se
seus
monumentos, decifram-se seus hieróglifos; e, no entanto,
ainda falta
penetrar no mais profundo arcano de seu pensamento. Este
arcano é a
doutrina oculta de seus sacerdotes, a qual, cientificamente
cultivada nos
templos, prudentemente velada sob os mistérios, mostra-nos
ao mesmo
tempo a alma do Egito, o segredo de sua política e seu papel
capital na
história universal.
Nossos historiadores falam dos faraós no mesmo tom com que
se
referem aos déspotas de Nínive e de Babilônia. Para eles, o
Egito é uma
monarquia absoluta e conquistadora como a Assíria, só
diferindo dela
por ter durado alguns milhares de anos a mais. Teriam levado
em
consideração que na Assíria a realeza esmagou o sacerdócio
fazendo
dele seu instrumento, enquanto no Egito o sacerdócio
disciplinou a
realeza, e jamais abdicou, mesmo nas piores épocas,
impondo-se aos
reis, expulsando os déspotas, governando sempre a nação?
E
isto, por
uma superioridade intelectual, por uma sabedoria profunda e
oculta, que
nenhum corpo docente jamais igualou em qualquer país ou
qualquer
tempo. É pouco provável. Pois, muito longe de colher as
inúmeras
conseqüências desse fato essencial, nossos historiadores
apenas o
entreviram e parecem não lhe atribuir nenhuma importância.
94 Todavia,
não é necessário ser arqueólogo ou lingüista para
compreender que o
ódio implacável entre a Assíria e o Egito provém de que
esses dois
povos representam no mundo dois princípios opostos e que o
povo
egípcio ficou devendo sua longa duração a uma estrutura
religiosa e
científica mais forte do que todas as revoluções.
Desde a época ariana, através do período agitado que seguiu
os
tempos védicos até a conquista persa e a época alexandrina,
isto é,
durante um lapso de mais de cinco mil anos, o Egito foi a
fortaleza das
mais puras e elevadas doutrinas, cujo conjunto constitui a
ciência dos
princípios e que se poderia chamar a ortodoxia esotérica da
Antigüidade. Cinqüenta dinastias puderam suceder-se e o Nilo
pôde
carregar seus aluviões sobre cidades inteiras; a invasão
fenícia pôde
inundar o país e dele ser expulsa. Porém, em meio aos fluxos
e refluxos
da História, sob a idolatria aparente de seu politeísmo
exterior, o Egito
conservou o velho fundo de sua teologia oculta e sua
organização
sacerdotal. Esta resistiu aos séculos como a pirâmide de
Gisé, meio
soterrada na areia, mas intacta.
Graças a esta imobilidade de esfinge guardando seu segredo,
a
esta resistência de granito, o Egito tomou-se o eixo em
torno do qual
evoluiu o pensamento religioso da humanidade, passando da
Ásia para a
Europa. A Judéia, a Grécia, a Etrúria, igualmente almas de
vida que
formaram civilizações diversas. Mas, onde colheram elas suas
idéiasmães,
senão na reserva orgânica do velho Egito?
Moisés e Orfeu criaram duas religiões opostas e prodigiosas, uma com seu
áspero monoteísmo, outra com seu politeísmo efervescente. Porém, em
que
molde se formou seu gênio? Onde encontrou a força, a
energia, a
audácia para reformar um povo semi-selvagem, como o bronze
numa
fornalha, e o outro, a magia de fazer falar os deuses, como
uma lira
afinada, à alma de seus bárbaros encantados? Nos templos de
Osíris, na
antiga Tebas, que os iniciados chamavam de cidade do sol ou
Arca
Solar - porque ela continha a síntese da ciência divina e
todos os
segredos da iniciação.95
Todos os anos, no solstício do verão, quando caem as chuvas
torrenciais da Abissínia, o Nilo muda de cor e adquire o tom
de sangue
a que se refere a Bíblia. O rio aumenta até o equinócio do
outono e
esconde sob as vagas o horizonte de suas margens. Mas, de pé
sobre
seus planaltos graníticos, sob o sol deslumbrante, os
templos talhados
em rocha viva, as necrópoles, os pilões e as pirâmides
refletem a
majestade de suas ruínas no Nilo transformado em mar. Assim
o
sacerdócio egípcio atravessou os séculos com sua organização
e seus
símbolos, os arcanos de sua ciência por longo tempo
impenetráveis.
Nesses templos, criptas e pirâmides elaborou-se a famosa
doutrina do
Verbo-Luz, da Palavra universal, que Moisés encerrará em sua
arca de
ouro e da qual Cristo será a chama viva.
A verdade é imutável em si mesma;
só ela sobrevive a tudo;
porém ela muda de morada como de formas e suas revelações
são
intermitentes. “A luz de Osíris”, que outrora iluminava para
os iniciados
as profundezas da natureza e as abóbadas celestes,
extinguiu-se para
sempre nas criptas abandonadas. Cumpriu-se a profecia de
Hermes e
Asclépio: “Egito! Egito! não restarão de ti senão fábulas
inacreditáveis
para as futuras gerações, e de ti só ficarão palavras
talhadas nas pedras”.
Entretanto, é um raio deste misterioso sol dos santuários
que
queremos fazer reviver, seguindo a via secreta da antiga
iniciação
egípcia, tanto quanto o permite a intuição esotérica e a
fugaz refração
das eras.
Mas, antes de entrar no templo, lancemos um rápido olhar
sobre
as grandes fases que o Egito atravessou antes do tempo dos
hicsos.
Quase tão velha quanto a carcaça de nossos continentes, a
primeira civilização egípcia remonta à antiga raça vermelha.
A esfinge
colossal de Gisé (2), junto da grande pirâmide, é sua obra.
No tempo em
que o Delta não existia ainda (formado mais tarde pelos
aluviões do
Nilo), o animal monstruoso e simbólico já estava deitado na
colina de
granito, diante da cadeia dos montes líbios e olhava o mar
quebrar-se a
seus pés, lá onde se estende hoje a areia do deserto.96
A
esfinge, primeira criação do Egito, tornou-se seu símbolo principal, sua marca característica. O mais antigo sacerdócio humano a esculpiu,
imagem de
natureza calma e temível em seu mistério. Uma cabeça de
homem sai de
um corpo de touro com garras de leão, e asas de águia
curvam-se sobre
seus flancos. É Ísis terrestre, a natureza na unidade viva
de seus reinos.
Pois já nos tempos imemoriais os sacerdotes sabiam e
ensinavam que,
na grande evolução, a natureza humana emerge da natureza
animal.
Naquele composto de touro, leão, águia e homem estão também
encerrados os quatro animais da visão de Ezequiel,
representando
quatro elementos constitutivos do microcosmo e do
macrocosmo: a
água, a terra, o ar e o fogo, bases da ciência oculta. Eis
porque, nos
séculos posteriores, quando os iniciados viram o animal
sagrado deitado
no limiar dos templos ou no fundo das criptas, sentiram
viver este
mistério neles próprios e curvaram em silêncio as asas do
espírito sobre
a verdade interior. Pois antes de Édipo, eles souberam que a
palavra do
enigma da esfinge era o homem, o microssomo, o agente
divino, que
resume todos os elementos e todas as forças da natureza.
A raça vermelha, pois, não deixou outra testemunha de si
mesma
além da esfinge de Gisé, prova irrecusável de que ela havia
formulado e
resolvido à sua maneira o grande problema.
(1).
Champollion, L Egypte sous les Pharaons; Bunsen, Aegyptische
Alterthümer; Lepsius, Denkmaeler, Paul Pierret, Le Livre des
morts; François
Lenormant, Histoire des peuples de I'Orient; Maspero,
Histoire ancienne des
peuples de L'Orient, etc.
(2). Em uma inscrição da 4ª dinastia, fala-se da esfinge
como um
monumento cuja origem se perde na noite dos tempos, que foi
encontrado
fortuitamente sob o reinado desse príncipe, coberto pela
areia do deserto e
esquecido por longas gerações. Fr. Lenormant, Hist. d'Orient,
11, 55. - Ora, a
4ª dinastia nos leva a 4.000 anos antes de Cristo. Por aí
pode-se deduzir a
antigüidade da Esfinge! 97
II
HERMES
A raça negra, que sucedeu à raça vermelha do domínio do
mundo,
fez do Alto Egito seu principal santuário. O nome de Hermes-Tote,
misterioso e primeiro iniciador do Egito nas doutrinas
sagradas,
relaciona-se, sem dúvida, a uma primeira e pacífica mistura
da raça
branca com a negra, nas regiões da Etiópia e do Alto Egito,
muito
tempo antes da época ariana.
Hermes é um nome genérico, como Manu e Buda. Designa ao
mesmo tempo um homem, uma casta e um deus. O homem, Hermes,
é o
primeiro, o grande iniciador do Egito; casta, é o sacerdócio
depositário
das tradições ocultas; deus, é o planeta Mercúrio,
assimilado com sua
esfera a uma categoria de espíritos, de iniciadores divinos;
em resumo,
Hermes preside à região supraterrestre da iniciação
celestial.
Na economia espiritual do mundo, todas essas coisas estão
ligadas
por secretas afinidades, como que por um fio invisível.
O
nome de
Hermes é um talismã que as sintetiza, um som mágico que as
evoca.
Daí seu prestígio. Os gregos, discípulos dos egípcios,
chamaram-no
Hermes Trimegisto ou três vezes grande, porque era
considerado rei,
legislador e sacerdote. Ele representa uma época em que o
sacerdócio, a
magistratura e a realeza estavam reunidos em um só corpo
governamental. A cronologia egípcia de Maneton denomina esta
época
de reino dos deuses. Ainda não havia o papiro nem a escrita
fonética;
mas já existia a ideografia sagrada e a ciência do
sacerdócio estava
inscrita em hieróglifos nas colunas e nas paredes das
criptas.
Consideravelmente aumentada, ela passou mais tarde às
bibliotecas dos
templos. Os egípcios atribuíam a Hermes 42 livros sobre a
ciência
oculta. O livro grego conhecido sob o nome de Hermes
Trimegisto
encerra certamente restos alterados, mas infinitamente
preciosos, da
antiga teogonia que é como o fiat lux, de onde Moisés e
Orfeu
receberam seus primeiros raios.98
A doutrina do Fogo-Princípio
e do Verbo-Luz,
contida na Visão de Hermes, será o vértice
e o
centro da iniciação egípcia.
Tentaremos dentro em pouco reencontrar esta visão dos
mestres,
esta rosa mística que só desabrochou na noite do santuário e
no arcano
das grandes religiões. Algumas palavras de Hermes,
impregnadas da
antiga sabedoria, são bem elaboradas para nos prepararmos.
“Nenhum
de nossos pensamentos - disse ele ao discípulo Asclépio -
poderia
conceber Deus, nem linguagem alguma defini-lo.
O que é
incorporal,invisível, sem forma,
não pode ser apreendido por nossos
sentidos; o
que é eterno não poderia ser medido pela curta regra do
tempo;
Deus, portanto, é inefável.
Deus pode, é verdade, comunicar a
alguns eleitos a
faculdade de se elevar acima das coisas naturais, a fim de
perceber
algum vislumbre de sua suprema perfeição - mas esses eleitos
não
encontram palavras para traduzir em linguagem vulgar a
imaterial visão
que os fez estremecer. Podem explicar à humanidade as causas
secundárias das criações que passam sob seus olhos como
imagens da
vida universal, mas a causa primeira permanece velada e só
chegaremos
a compreende-la atravessando a morte.” É assim que Hermes
falava de
Deus desconhecido no limiar das criptas. Os discípulos que
penetravam
com ele em suas profundezas aprendiam a conhece-lo como um
ser vivo
(1).
O livro fala de sua morte como da partida de um deus.
“Hermes
viu o conjunto das coisas, e, tendo visto, ele compreendeu;
e tendo
compreendido, ele tinha o poder de manifestar e de revelar.
O que ele
pensou, ele escreveu; o que ele escreveu ocultou em grande
parte,
simultaneamente falando e calando-se com sabedoria para que
toda a
duração do mundo procurasse essas coisas. E assim, tendo
ordenado aos
deuses, seus irmãos, que lhe servissem de cortejo, ele subiu
às estrelas.”
Pode-se, a rigor, isolar a história política dos povos, mas
não se
pode separar sua história religiosa. As religiões da
Assíria, do Egito, da
Judéia, da Grécia só podem ser compreendidas quando se toma
seu
ponto de ligação com a antiga religião indo-ariana.
Consideradas em
particular são enigmas e charadas; vistas em conjunto e do
alto,
constituem uma soberba evolução, onde tudo se comanda e se
explica
reciprocamente.99
Em resumo, a história de uma religião será
sempre
estreita, supersticiosa e falsa. Nada existe de verdadeiro,
a não ser a
história religiosa da humanidade. A esta altura, só se
sentem as
correntes que dão a volta ao globo.
O povo egípcio, o mais
independente e o mais fechado de todos às influências exteriores,
não
pode esquivar-se a esta lei universal.
Cinco mil anos antes de nossa era, a luz de Rama, acesa no
Irã,
brilhou sobre o Egito e tornou-se a lei de Âmon-Rá, o Deus
solar de
Tebas. Essa constituição permitiu-lhe enfrentar muitas
revoluções.
Menes foi o primeiro rei justo, o primeiro faraó executor
daquela lei.
Ele procurou não negar a antiga teologia do Egito, que
também era a
sua. Apenas confirmou-a e a fez desabrochar; a ela
acrescentando uma
organização social nova: o sacerdócio, isto é, o ensinamento,
a um
primeiro conselho; a justiça, a um outro; o governo, aos
dois; a realeza
foi concebida como sua delegação e submetida ao seu
controle; a
independência relativa dos nomos ou comunas, na base da
sociedade. A
isto podemos chamar governo dos iniciados. Seu princípio
fundamental
era uma síntese das ciências conhecidas sob o nome de Osíris
(O-Sir-is),
o senhor intelectual.
A grande pirâmide e o gnomo matemático
são seu símbolo. O faraó, que recebia seu nome iniciático no templo,
que exercia a arte sacerdotal e real sobre o trono, era um
personagem muito diferente do déspota assírio, cujo poder arbitrário
apoiava-se no crime e no sangue. O faraó era o iniciado coroado, ou pelo menos
aluno e instrumento dos iniciados. Durante séculos, os faraós
defenderão, contra a Ásia que se tornara despótica e contra a Europa anárquica,
a lei do Carneiro, que representava então os direitos da justiça e da
arbitragem internacional.
Por volta do ano 2.000 antes de Cristo, o Egito sofreu a
crise mais
terrível que um povo pode atravessar: a invasão estrangeira
e uma
semiconquista. A invasão fenícia era a conseqüência do
grande cisma
religioso asiático, que sublevara as massas populares,
semeando a
discórdia nos templos. Liderada pelos reis-pastores chamados
hicsos,
essa invasão derramou seu dilúvio sobre o Delta e o
Médio-Egito.100
Os
reis cismáticos traziam com eles uma civilização corrompida,
indolência jônia, o luxo asiático, os costumes do harém, uma
idolatria
grosseira. A existência nacional do Egito estava comprometida,
sua
intelectualidade em perigo, sua missão universal ameaçada.
Mas o Egito
tinha uma alma de vida, isto é, um corpo organizado de
iniciados,
depositários da antiga ciência de Hermes e de Âmon-Rá. O que
fizeram
eles? Retiraram-se para o fundo de seus santuários,
recolheram-se em si
mesmos para melhor resistirem ao inimigo. Aparentemente, o
sacerdócio se curvou diante da invasão e reconheceu os
usurpadores que
traziam a lei do Touro e o culto do boi Ápis. Entretanto,
ocultos nos
templos, os dois conselhos lá guardavam, como um depósito
sagrado,
sua ciência, suas tradições, a antiga e pura religião e, com
ela, a
esperança de uma restauração da dinastia nacional.
Foi por essa época que os sacerdotes espalharam entre a
multidão
a lenda de Ísis e de Osíris, do desmembramento deste último
e de sua
próxima ressurreição através do filho, Hórus, o qual
reencontraria seus
membros esparsos trazidos pelo Nilo. Excitou-se a imaginação
da
multidão mediante a pompa das cerimônias públicas.
Manteve-se seu
amor pela velha religião representando-lhe as infelicidades
da deusa,
suas lamentações pela perda do esposo celeste e a esperança
que tinha
no filho, Hórus, o divino mediador. Mas, ao mesmo tempo, os
iniciados
julgaram necessário tornar a verdade esotérica inatacável,
ocultando-se
sob um tríplice véu. À difusão do culto popular de Ísis e de
Osíris
corresponde a organização interior e sábia dos pequenos e
grandes
Mistérios, cercados de barreiras intransponíveis, de perigos
terríveis.
Inventaram-se provas morais, exigiu-se o juramento do
silêncio e a pena
de morte foi rigorosamente aplicada contra os iniciados que
divulgassem o mínimo detalhe dos Mistérios. Graças a essa
organização
severa, a iniciação egípcia tornou-se não somente refúgio da
doutrina
esotérica, mas ainda cadinho de uma ressurreição nacional e
escola das
futuras religiões. Enquanto os usurpadores coroados reinavam
em
Menfis, Tebas preparava lentamente a regeneração do país. De
seu
templo, de sua arca solar, saiu o salvador do Egito, Amós,
que expulsou
os hicsos, após nove séculos de domínio, restaurando os
direitos da
ciência egípcia e da varonil religião de Osíris.101
Assim os
Mistérios salvaram a alma do Egito da tirania estrangeira, e para o
bem da humanidade. Pois, naquela época, era tal a força da sua
disciplina, o
poder de sua iniciação, que eles continham a melhor força
moral e a
mais alta seleção intelectual.
A iniciação antiga repousava em uma concepção do homem ao
mesmo tempo mais sadia e mais elevada do que a nossa. Nós
dissociamos a educação do corpo, da alma e do espírito.
Nossas ciências
físicas e naturais, bastante avançadas em si mesmas,
abstraem o
princípio da alma e de sua difusão no Universo; nossa
religião não
satisfaz às necessidades da inteligência; nossa medicina
nada quer saber
nem da alma nem do espírito. O homem contemporâneo procura o
prazer sem a felicidade, a felicidade sem a ciência, e a
ciência sem a
sabedoria. A antigüidade não admitia semelhante separação.
Em todos
os domínios, ela levava em conta a tríplice natureza do
homem.
A
iniciação era um treino gradual de todo ser humano rumo aos
cumes
vertiginosos do espírito, de onde se pode dominar a vida.
“Para atingir o
domínio – diziam os sábios de então – o homem tem
necessidade de
uma refundição total de seu ser físico, moral e intelectual.
Ora, esta
refundição só é possível mediante o exercício simultâneo da
vontade, da
intuição e do raciocínio. Por meio de sua completa
concordância, o
homem pode desenvolver suas faculdades até limites
incalculáveis.
A
alma tem sentidos adormecidos; a iniciação os desperta.
Através de um
estudo aprofundado, uma aplicação constante, o homem pode
colocar-se
em comunicacao consciente com as forcas ocultas do Universo.
Atraves
de um esforco prodigioso, ele pode atingir a percepcao
espiritual direta,
abrir os caminhos do alem e tornar-se capaz de se dirigir
para la.
Somente entao pode dizer que venceu o destino e conquistou
aqui na
terra sua liberdade divina. Somente entao o iniciado pode
tornar-se
iniciador, profeta e teurgo, isto e, vidente e criador de
almas. Porque
somente aquele que comanda a si mesmo pode comandar os
outros;
somente aquele que e livre pode libertar.102
Assim pensavam os iniciados antigos. Os maiores deles viviam
e
agiam de acordo com esse pensamento. A verdadeira iniciacao,
portanto, era muito diferente de um sonho vazio e muito mais
do que
um simples ensinamento cientifico; era a criacao de uma alma
por ela
mesma, sua eclosao em um plano superior, sua eflorescencia
no mundo
divino.
Coloquemo-nos no tempo dos Ramses, na epoca de Moises e de
Orfeu, cerca do ano 1.300 antes de nossa era . e
esforcemo-nos para
penetrar no coracao da iniciacao egipcia. Os monumentos
figurados, os
livros de Hermes, a tradicao judaica e a grega (2) permitem
fazer reviver
as fases ascendentes e fazer uma ideia de sua mais alta
revelacao.
(1). A teologia sabia, esoterica, diz M. Maspero, e
monoteista desde os
tempos do Antigo Imperio. A afirmacao da unidade fundamental
do ser divino
se expressa em termos formais e com grande energia nos
textos que remontam aquela época. Deus e uno, unico, aquele que existe pela
essencia, o que vive só em substância, o único gerador no ceu e sobre a terra,
que nao foi gerado.
Ao mesmo tempo Pai, Mae e Filho, ele gera, ele procria e e,
perpetuamente; e
estas tres pessoas, longe de dividir a unidade da natureza
divina, concorrem
para sua infinita perfeicao. Seus atributos sao a
imensidade, a eternidade, a
independencia, a vontade todo-poderosa, a bondade sem
limite. gEle criou
seus proprios membros, que sao os Deusesh, dizem os velhos textos. Cada um
desses deuses secundarios, considerados identicos ao Deus
Unico, pode
formar um tipo novo, de onde emanam por sua vez, e pelo mesmo
processo,
outros tipos inferiores. - Histoire ancienne des peuples de
I'Orient.(2).
103
III
ISIS. A INICIACAO. AS PROVAS
No tempo dos Ramses, a civilizacao egipcia resplandecia no
apogeu de sua gloria. Os faraos da XXa dinastia, discipulos
e guardioes
dos santuarios, sustentavam como verdadeiros herois a luta
contra
Babilonia. Os arqueiros egipcios assediavam os libios, os
bodones, os
numidas ate o centro da Africa. Uma frota de 400 velas
perseguia a liga
dos cismaticos ate as bocas do Indo. Para melhor resistir ao
choque da
Assiria e de seus aliados, os Ramses haviam tracado retas
estrategicas
ate o Libano e constituido uma serie de fortes entre Magedo
e
Carquemiche. Interminaveis caravanas afluiram, pelo deserto,
de
Radasie a Elefantina. Os trabalhos de arquitetura
prosseguiam sem
descanso e ocupavam os operarios de tres continentes. A sala
hipostila
de Carnac fora recuperada e ai cada pilar atinge a altura da
coluna
Vendome; o templo de Abidos se enriquecia com maravilhosas
esculturas e o Vale dos Reis, com grandiosos monumentos.
Construiase
em Bubasta, em Lucsor, em Espeos Ibsambul. Em Tebas, um
trofeu
colossal relembrava a tomada de Cadesh. Em Menfis, erguia-se
o
Ramesseum cercado de uma floresta de obeliscos, estatuas e
monolitos
gigantes.
Em meio a essa atividade efervescente, a essa vida
ofuscante,
mais de um estrangeiro que aspirava aos Misterios, vindo das
plagas
longinquas da Asia Menor ou das montanhas da Tracia,
abordava o
Egito, atraido pela reputacao de seus templos! Ao chegar a
Menfis, ele
ficava estupefato: monumentos, espetaculos, festas publicas,
tudo lhe
dava impressao de opulencia e de grandeza. Apos a cerimonia
da
consagracao real no recesso do santuario, ele via o farao
sair do templo
diante da multidao, exibir o escudo sustentado por doze
oficiais
paramentados de seu estado-maior. A sua frente, doze jovens
levitas
mantinham sobre almofadas bordadas de ouro as insignias
reais: o cetro
dos arbitrios com cabeca de carneiro, a espada, o arco e um
jogo de
armas.
Atrás seguiam a casa real, os colegios sacerdotais e
os iniciados
nos grandes e nos pequenos misterios. Os pontifices traziam
a tiara
branca e em seu peito reluziam como fogo as pedras simbolicas.
Os
dignitarios da coroa ostentavam as decoracoes do Cordeiro,
do
Carneiro, do Leao, do Lis e da Abelha, suspensas por
correntes macicas
admiravelmente trabalhadas. As corporacoes fechavam a marcha
com
seus emblemas e suas bandeiras desfraldadas (1). A noite,
barcas
magnificamente ornamentadas, conduziam pelos lagos
artificiais as
orquestras reais, no meio das quais perfilavam-se em poses
hieraticas
dancarinas e saltimbancos.
Mas nao era essa pompa esmagadora que o estrangeiro
procurava.
O que o trazia de tao longe era o desejo de penetrar no
segredo das
coisas, a sede de saber. Tinham-lhe dito que nos santuarios
do Egito
viviam magos, hierofantes possuidores da ciencia divina. Ele
tambem
queria ter acesso ao segredo dos deuses. Ouvira falar, por
um sacerdote
de seu pais, do Livro dos Mortos, de seu rolo misterioso que
se colocava
sob a cabeca das mumias como um viatico e que, segundo os
sacerdotes
de Amon-Ra, narrava em linguagem simbolica a viagem de
alemtumulo
da alma. O estrangeiro acompanhara com avida curiosidade e
um certo estremecimento interior mesclado de duvida essa
longa
viagem da alma apos a vida; sua expiacao em uma regiao
ardente; a
purificacao do seu involucro sideral; o encontro com o mau
piloto
sentado na barca com a cabeca virada e o bom piloto, que
olha de
frente; o companheiro diante dos quarenta e dois juizes
terrestres; sua
justificacao por Tote; e, finalmente, sua entrada e sua
transfiguracao na
luz de Osiris. Podemos aquilatar o poder deste livro e a
revolucao total
que a iniciacao egipcia operava nos espiritos, pela passagem
do Livro
dos Mortos que diz o seguinte: gEste
capitulo foi achado em
Hermopolis, em escrita azul sobre uma laje de alabastro, aos
pes do
deus Tote (Hermes), no tempo do rei Mencara, pelo principe
Hatastefe,
quando ele viajava para inspecionar os templos. Ele
transportou a pedra
para o templo real. Oh! grande segredo! Quando ele leu este
capitulo,
nao viu mais nada, nao ouviu mais nada, nao se aproximou
mais de
nenhuma mulher e nao comeu mais carne nem peixeh (2).105
Porém, o que havia de verdadeiro nessas narrativas perturbadoras, nessas
imagens hieráticas por detras das quais reluzia o terrivel misterio
de alemtumulo?
Isis e Osiris o sabem! diziam. Mas que deuses seriam
esses,
dos quais so se falava com um dedo sobre a boca? Para
sabe-lo e que o
estrangeiro batia a porta do grande Templo de Tebas ou
Menfis.
Os servos o conduziam sob o portico de um patio interno,
cujos
pilares enormes pareciam lotus gigantescos sustentando, com
sua forca
e sua pureza, a Arca solar, o templo de Osiris. O hierofante
se
aproximava do novato.
A majestade de seu porte, a
tranquilidade de sua
fisionomia, o misterio de seus olhos negros, impenetraveis,
mas repletos
de luz interior, ja de certa maneira, inquietavam o
postulante. Este olhar
perfurava como uma puncao. O estrangeiro se sentia diante de
um
homem do qual nada seria possivel esconder. O sacerdote de
Osiris o
interrogava sobre sua cidade natal, sobre sua familia e
sobre o templo
que o instruira. Se, nesse curto mas penetrante exame, ele
fosse julgado
indigno dos misterios, um gesto silencioso, porem
irrevogavel,
mostrava-lhe a porta. Se, contudo, o hierofante encontrasse
no aspirante
o desejo sincero da verdade, pedia-lhe que o seguisse.
Atravessavam
porticos, patios internos, depois, por uma avenida talhada
na rocha, a
ceu aberto e guarnecida de estrelas e de esfinges, chegavam
a um
pequeno templo que servia de entrada as criptas
subterraneas. A porta
era dissimulada por uma estatua de Isis em tamanho natural.
A deusa,
sentada, segurava um livro fechado sobre os joelhos, numa
atitude de
meditacao e de recolhimento. Seu rosto estava velado e, sob
a estatua,
se lia: Nenhum mortal levantou meu véu.
Dizia-lhe, entao, o hierofante:
Eis aqui a porta do santuario oculto. Olha estas duas
colunas. A
vermelha representa a ascensao do espirito para a luz de
Osiris; a negra
significa o seu cativeiro na materia, e esta queda pode ir
ate o
aniquilamento. Todo aquele que aborda nossa ciencia e nossa
doutrina
ai arrisca sua vida.
A loucura ou a morte,
eis o que
encontra o fraco ou o mau;
somente os fortes e os bons encontram a vida e a
imortalidade.
Muitos, imprudentes, entraram por esta porta e nao sairam
vivos. E um
abismo que so restitui a luz os intrepidos.106
Portanto,
reflete muito no que vais fazer, nos perigos que vais correr e, se tua coragem
nao for bastante para toda prova, renuncia a empresa. Pois, uma vez que esta
porta se fechar sobre ti, nao poderas mais recuar.
Se o estrangeiro persistia em sua resolucao, o hierofante o
levava
para o patio externo e o recomendava aos servidores do
templo, com os
quais ele devia passar uma semana, obrigado aos trabalhos
mais
humildes, escutando hinos e fazendo ablucoes.
Recomendavam-lhe o
silencio mais absoluto.
Chegando, a noite das provas, dois neocoros (3) ou
assistentes
levavam o aspirante aos misterios a porta do santuario
oculto. Entravase
em um vestibulo escuro, sem saida aparente. Dos dois lados
dessa
sala lugubre, a luz de tochas, o estrangeiro via uma fila de
estatuas com
corpos de homens e cabeca de animais . leoes, touros, aves
de rapina,
serpentes ., que pareciam fita-lo, zombando dele enquanto
passava. Ao
fim desta sinistra avenida, que se atravessava sem
pronunciar uma unica
palavra, havia uma mumia e um esqueleto humano, de pe, de
frente um
para o outro. E, com um gesto mudo, os dois neocoros
mostravam ao
novico um buraco no muro a sua frente. Era a entrada de um
corredor
tao baixo que so se podia penetrar arrastando-se.
Dizia-lhe um dos assistentes:
. Podes ainda voltar. A porta do santuario ainda nao foi
fechada.
Caso contrario, deves continuar teu caminho por ali, e sem
retomo.
Entao, o novico respondia, reunindo toda sua coragem:
- Eu fico!
Entregavam-lhe, entao, uma pequena lampada acesa. Os
neocoros
regressavam e fechavam com estrondo a porta do santuario.
Nao era
possivel mais hesitar, era preciso entrar no corredor.
Apenas comecava
a rastejar sobre os joelhos, com a lampada na mao, ele ouvia
uma voz
dizer, do fundo do subterraneo: gAqui
morrem os loucos que cobicaram
a ciencia e o poderh. Gracas a um
maravilhoso efeito acustico, essa frase
era repetida sete vezes por meio de ecos distanciados.107
Era
preciso
avancar, todavia. O corredor se alargava, mas descia em
rampa cada vez
mais inclinada. Enfim, o viajante destemido se encontrava
diante de um
funil que terminava num buraco. Uma escada de ferro la se
perdia; o
novico ai se arriscava. No ultimo degrau, seu olhar
sobressaltado
desaparecia num poco assustador. Sua pobre lampada de nafta,
que ele
apertava convulsivamente com a mao tremula, projetava uma
luz difusa
nas trevas sem fundo. O que fazer? Acima dele, o retorno era
impossivel; para baixo, a queda na escuridao, na noite
aterradora. Nessa
angustia, ele percebia uma fenda a esquerda. Agarrado a
escada com
uma das maos e com a outra focalizando a lampada, ele aí via
degraus.
Outra escada! Era a salvacao! Para ela se atirava, subia e
escapava do
abismo. A escada, furando a rocha como uma verruma, subia em
espiral. No fim, o aspirante esbarrava numa grade de bronze
que dava
para uma larga galeria, sustentada por enormes cariatides.
Nos
intervalos, na parede, viam-se duas fileiras de pinturas
simbolicas.
Havia doze de cada lado, suavemente iluminadas por lampadas
de
cristal que as belas cariatides seguravam.
Um mago, chamado pastoforo (guardiao dos simbolos sagrados)
abria a grade ao novico e o acolhia com um sorriso
benevolente.
Felicitava-o por ter felizmente vencido a primeira prova;
depois,
conduzindo-o atraves da galeria, explicava-lhe as pinturas
sagradas.
Embaixo de cada uma dessas pinturas, havia uma letra e um
numero. Os
vinte e dois simbolos representavam os vinte e dois
primeiros arcanos e
constituiam o alfabeto da ciencia oculta, quer dizer, os
principios
absolutos, as chaves universais que, aplicadas pela vontade,
tornam-se a
fonte de toda a sabedoria e de todo o poder. Esses
principios se fixavam
na memoria pela correspondencia com as letras da linguagem
sagrada e
com os numeros que se ligam a estas letras. Cada letra e
cada numero
exprime, nessa linguagem, uma lei ternaria, tendo sua
repercussao no
mundo divino, no mundo intelectual e no mundo fisico. Assim
como o
dedo que tange uma corda da lira faz ressoar uma nota da
gama e vibrar
todas as suas harmonias, assim tambem o espirito que
contempla todas
as virtualidades de um numero, a voz que profere uma letra
com a
consciencia de seu alcance, evocam um poder que repercute
nos tres
mundos.108
E assim que a letra A, que corresponde ao numero 1, exprime
no
mundo divino: Ser absoluto de onde emanam todos os seres; no
mundo
intelectual: a unidade, fonte e sintese dos numeros; no
mundo fisico: o
homem, apice dos seres relativos, que, pela expansao de suas
faculdades, se eleva nas esferas concentricas do infinito. .
O A arcano 1
era representado, entre os egipcios, por um mago de
vestimenta branca,
cetro na mao, a fronte cingida de uma coroa de ouro. A veste
branca
significava a pureza, o cetro, o dominio, a coroa de ouro, a
luz
universal.
O novico estava longe de compreender tudo o que ouvia de
estranho e de novo; mas perspectivas desconhecidas se
entreabriam
diante dele a palavra do pastoforo, diante das belas
pinturas que o
olhavam com a impassivel gravidade dos deuses. Atras de cada
uma
delas, ele vislumbrava por meio de revelacoes uma serie de
pensamentos e de imagens subitamente evocadas. Pela primeira
vez ele
pressentia o interior do mundo atraves da cadeia misteriosa
das causas.
Assim, de letra em letra, de numero em numero, o mestre
ensinava ao
discipulo o sentido dos arcanos, e o conduzia de Isis Urania
ao carro de
Osiris, pela torre fulminada a estrela flamejante, e
finalmente a coroa
dos magos. Fica sabendo .
dizia o pastoforo . o que quer dizer esta
coroa: toda vontade que se une a Deus, para manifestar a
verdade e
operar a justica, participa ja nesta vida do poder divino
sobre os seres e
as coisas, como recompensa eterna dos espiritos livres. Enquanto ouvia
o mestre, o neófito experimentava um misto de surpresa, de
temor e de
arrebatamento. Eram os primeiros claroes do santuario, e a
verdade
entrevista lhe parecia a aurora de uma divina recordacao.
Mas as provas nao tinham ainda terminado. Acabando de falar,
o
pastoforo abria uma porta que dava acesso a outra abobada
estreita e
longa, em cuja extremidade crepitava uma fornalha ardente. E
o novico,
tremulo, olhava seu guia e dizia:
- Mas isto e a morte!
- Filho - respondia o pastoforo - a morte so apavora as
naturezas
abortadas. Outrora, atravessei estas chamas como se fossem
um roseiral.
E a grade da galeria dos arcanos se fechou atras do
postulante.
Aproximando-se da barreira de fogo, ele percebia que a
fornalha se
resumia a uma ilusao de otica criada por leves
entrelacamentos de
ramos resinosos, dispostos em quincunce sobre grelhas. 109
Uma
vereda
desenhada no meio permitia-lhe passar rapidamente. A prova
do fogo
sucedia a prova da agua. O aspirante era forcado a
atravessar uma agua
morta e negra, ao clarao de um incendio de nafta que se
acendia por tras
dele, no quarto do fogo. Depois disto, dois assistentes o
conduziam,
todo tremulo ainda, a uma gruta obscura onde se via apenas
um leito
macio, misteriosamente iluminado pela meia-luz de uma
lampada de
bronze suspensa na abobada. Secavam-lhe o corpo, faziam-lhe
massagem com essencias aromaticas, vestiam-no de fino linho
e
deixavam-no so, depois de lhe terem dito: Repousa e espera o
hierofanteh.
O novico estendia os membros cansados sobre o tapete
suntuoso
do leito. Depois das emoções diversas por que passara, esse
momento
de calma lhe parecia doce. As pinturas sagradas que vira,
todas aquelas
figuras estranhas, as esfinges, as cariatides voltavam a sua
imaginacao.
Porem, por que uma daquelas pinturas se repetia como uma
alucinacao?
Ele revia obstinadamente o arcano X representado por uma
roda
suspensa sobre seu eixo entre duas colunas. De um lado sobe
Hermanubis, o genio do Bem, belo como um jovem efebo; do
outro,
Tifon, o genio do Mal, com a cabeca baixa, se precipita no
abismo.
Entre os dois, acima da roda, esta sentada uma esfinge
segurando na
garra uma espada.
O vago som de uma música lasciva, que parecia partir do
fundo da
gruta, desvanecia aquela imagem. Eram sons leves e
indefinidos, de um
langor triste e penetrante. Um tinido metalico vinha afagar
seus
ouvidos, misturado aos tremulos harpejos, de onde escapavam
sons de
flauta, suspiros ofegantes como um sopro ardente. Envolto
num sonho
de fogo, o estrangeiro fechava os olhos. Ao reabri-los, via
a alguns
passos do leito uma aparicao perturbadora de vida e de
infernal seducao.
Uma mulher de Núbia, vestida em gaze de purpura
transparente, um
colar de amuletos ao pescoco, semelhante as sacerdotisas de
Milita, la
estava, de pe, cobrindo-o com o olhar e segurando com a mao
esquerda
uma taca coroada de rosas. Ela era do tipo nubio, cuja
sensualidade
intensa e capitosa concentra todos os poderes do animal
feminino:
macas salientes, narinas dilatadas, labios polpudos como um
fruto
vermelho e saboroso. Seus olhos negros brilhavam na
penumbra. O
novico erguia-se e, surpreso, nao sabendo se devia tremer ou
rejubilarse,
cruzava instintivamente as maos sobre o peito. Mas a escrava
avancava a passos lentos e, com as palpebras descerradas,
murmurava
em voz baixa: gTens medo de mim,
belo estrangeiro?
Trago-te a recompensa dos vencedores,
o esquecimento das penas, a taca
da
felicidade. . .
O novico hesitava;
então, como que tomada de lassidao, a
nubia sentava-se no leito e envolvia o estrangeiro com um
olhar
suplicante como uma longa chama umida. Infeliz dele se
ousasse tocala,
se se inclinasse sobre aquela boca, se se inebriasse com os
perfumes
pesados que subiam daquelas espaduas bronzeadas. Uma vez que
houvesse tomado aquela mao e molhado os labios naquela taca,
estaria
perdido... e rolaria no leito preso num amplexo ardente.
Mas, depois da
satisfacao selvagem do desejo, o liquido que bebera mergulhava-o
num
sono pesado. Ao despertar, via-se so, angustiado. A lampada
lancava
urna claridade funebre sobre o leito em desordem. Um homem
estava de
pe, diante dele. Era o hierofante, que lhe dizia:
- Venceste as primeiras provas. Triunfaste sobre a morte, o
fogo e
a agua; mas nao soubeste vencer a ti mesmo. Tu, que aspiras
as alturas
do espirito e do conhecimento, sucumbiste a primeira
tentacao dos
sentidos e tombaste no abismo da materia. Quem vive escravo
dos
sentidos, vive nas trevas. Preferiste as trevas a luz; fica,
pois, nas trevas.
Eu te adverti dos perigos aos quais te expunhas. Salvaste
tua vida, mas
perdeste a liberdade. Permaneceras, sob pena de morte,
escravo do
templo.
Se, ao contrario, o aspirante houvesse derramado a taca e
repelido
a tentadora, doze neocoros armados de tochas vinham cerca-lo
para
conduzi-lo triunfalmente ao santuario de Isis, onde os magos
em
semicirculo e vestidos de branco aguardavam-no em assembleia
plenaria. No fundo do templo esplendidamente iluminado, ele
percebia
a estatua colossal de Isis em metal fundido, uma rosa de
ouro ao peito e
coroada de um diadema de sete raios de luz, trazendo nos
bracos o filho
Horus. Diante da deusa, o hierofante vestido de purpura
recebia o
neofito e, sob as mais terriveis imprecacoes, mandava-o
fazer o
juramento do silencio e da submissão. Entao, saudava-o em
nome de
toda a assembleia como um irmao e como um futuro iniciado.
Diante
destes augustos mestres, o discipulo de Isis acreditava-se
em presenca
dos deuses. Dignificado acima de si mesmo, pela primeira vez
ele
penetrava na esfera da verdade.111
(1). Ver as pinturas murais dos tempos de Tebas,
reproduzidas no livro
de Francois Lenormant e o capitulo sobre o Egito na Mission
des Juifs, de M.
Saint-Yves d'Alveydre.
(2). Livro dos Mortos, cap. LXIV.
(3). Por ser mais inteligivel, empregamos aqui a traducao
grega dos
termos egipcios.112
IV
OSIRIS. A MORTE E A RESSURREICAO
No entanto, o novico nao fora alem do limiar da iniciacao.
Pois
comecavam agora os longos anos de estudo e de aprendizagem.
Antes
de chegar a Isis Ucrania, ele devia conhecer a Isis
terrestre, instruir-se
nas ciencias fisicas e androgonicas. Seu tempo se dividia
entre as
meditacoes em sua cela, o estudo dos hieroglifos nas salas e
nos patios
do templo tao vasto quanto uma cidade, e as licoes dos
mestres. Ele
aprendia a ciencia dos minerais e das plantas, a historia do
homem e dos
povos, a medicina, a arquitetura e a musica sacra. Nessa
longa
aprendizagem, ele nao devia somente conhecer, mas
transformar-se,
ganhar forca por meio da renuncia.
Os sabios antigos acreditavam que o homem somente possui a
verdade se ela se tornar uma parte do intimo de seu ser, um
ato
espontaneo da alma. Durante aquele profundo trabalho de
assimilacao, o
discipulo era deixado sozinho consigo mesmo. Os mestres nao
o
ajudavam em nada, e muitas vezes ele se espantava com sua
frieza e
indiferenca. Vigiavam-no com atencao; submetiam-no a regras
inflexiveis; exigiam dele obediencia absoluta; mas nao lhe
revelavam
nada alem de certos limites. Ante suas inquietacoes e
perguntas,
respondiam-lhe: Espera e
trabalha!
Vinham-lhe, entao, revoltas subitas, arrependimentos
amargos,
suspeitas horriveis. Teria ele se tornado escravo de
impostores
audaciosos da magia negra, que subjugavam sua vontade para
um fim
infame? A verdade fugia; os deuses o abandonavam; ele estava
so e
prisioneiro do templo. A verdade tinha-lhe aparecido sob a
figura de
uma esfinge. Agora, a esfinge lhe dizia: Eu sou a Duvida!h E a besta
alada, com sua cabeca de mulher impassivel e suas garras de
leao,
transportava-o para dilacera-lo na areia ardente do deserto.
Porem, a esses pesadelos sucediam horas de calma e de
pressentimento divino. Ele compreendia, entao, o sentido
simbolico das
provas que atravessara ao entrar no templo. Porque, ai! o
poco sombrio
em que ele quase caira era menos negro do que a insondavel
verdade; o
fogo que atravessara era menos temivel do que as paixoes que
queimavam ainda sua carne; a agua gelada e tenebrosa onde
tivera de
mergulhar era menos fira do que a duvida em que seu espirito
naufragava e se arruinava nas horas mas.113
Em uma das salas do Templo se estendiam, em duas filas,
aquelas
mesmas pinturas sagradas, cujo sentido tinham-lhe explicado
na cripta
durante a noite das provas, e que representavam os vinte e
um arcanos.
Esses arcanos, que se deixavam entrever no limiar da ciencia
oculta,
eram as proprias colunas da teologia; mas era preciso ter
atravessado
toda a iniciacao para compreende-los. Depois, nenhum dos
mestres
tornara a falar-lhe deles. Permitiam-lhe somente passear
naquela sala,
meditar sobre aqueles sinais. Ele alí passava longas horas
solitarias. Por
aquelas figuras castas como a luz, graves como a Eternidade,
a invisivel
e impalpavel verdade se infiltrava lentamente no coracao do
neofito. Na
muda sociedade daquelas divindades silenciosas e sem nome,
cada uma
das quais parecia presidir a uma esfera da vida, ele
comecava a
experimentar algo de novo: primeiro uma descida ao fundo do
seu ser,
depois, uma especie de desligamento do mundo que o fazia
pairar acima
das coisas. As vezes, ele perguntava a um dos magos: Ser-me-a
permitido um dia respirar a rosa de Isis e ver a luz de
Osiris?
Respondiam-lhe: Isto nao depende
de nós. A verdade nao se dá. E
encontrada em si mesma ou nao e encontrada. Nos nao podemos
fazer
de ti um adepto, e preciso torna-lo por ti mesmo. O lotus
pulsa sob as
aguas do rio por muito tempo, antes de desabrochar. Nao
apresses a
eclosao da flor divina. Se ela deve vir, vira no dia certo.
Trabalha e
ora!
E o discipulo voltava aos estudos, as meditacoes, com uma
alegria
triste. Ele sentia o encanto austero e suave daquela solidao
que passava
como um sopro do ser dos seres. Assim corriam os meses, os
anos.114
E
ele percebia operar-se em si uma transformacao lenta, uma
metamorfose
completa. As paixoes que haviam assediado sua juventude se
afastavam
como sombras, e os pensamentos que o acometiam agora
sorriam-lhe
como amigos imortais. O que ele experimentava por momentos
era o
desaparecimento de seu eu terrestre e o nascimento de um
outro eu,
mais puro e mais etereo. Com esse sentimento, acontecia-lhe
prosternarse
diante dos degraus do santuario fechado. Entao, nao existia
mais nele
revolta, nem desejo algum, nem arrependimento. Havia apenas
um
abandono perfeito de sua alma aos Deuses, uma oblacao
completa a
verdade. gOh! Isis . dizia
ele em sua prece . uma vez que minha alma
nao e mais do que uma lagrima de teus olhos, que ela caia
como orvalho
sobre as outras almas e que, morrendo, eu sinta seu perfume
subir em
tua direcao. Eis-me aqui, pronto para o sacrificio!
Após uma dessas oracoes mudas, o discipulo ainda em extase
via,
de pe perto dele, como uma visao saida do sol, o hierofante
envolto nos
calidos claroes do pôr-do-sol. O mestre parecia ler todos os
pensamentos do discipulo, penetrar todo o drama de sua vida
interior. E
dizia-lhe:
- Filho, aproxima-se a hora em que a verdade ser-te-a
revelada. Tu
ja a pressentiste descendo ao fundo de ti mesmo e ai
encontrando a vida
divina. Vais entrar na grande, na inefavel comunhao dos
Iniciados. Es
digno dela pela pureza do coracao, pelo amor da verdade e a
forca da
renuncia. Mas ninguem transpoe a soleira de Osiris sem
passar pela
morte e pela ressurreicao. Nos te acompanharemos ate a
cripta. Nao
tenhas medo, pois já és um de nossos irmãos.
No crepúsculo, os sacerdotes de Osiris, empunhando tochas,
acompanhavam o novo adepto a uma cripta baixa, sustentada
por quatro
pilares assentados sobre esfinges. Em um canto se encontrava
aberto um
sarcofago de marmore (1). E o hierofante o advertia:
- Nenhum homem escapa a morte e toda alma viva esta
destinada
a ressurreicao. O adepto passa vivo pelo tumulo para, desta
vida, entrar
na luz de Osiris. Deita-te, pois, neste sarcofago e espera a
luz. Nesta
noite atravessaras a porta do Terror e alcancaras os umbrais
do
Mestrado.115
O adepto deitava-se no sarcofago aberto, o hierofante
estendia a
mao sobre ele, para abencoa-lo, e o cortejo dos iniciados se
afastava em
silencio da sepultura. Uma pequena lampada deixada no chao
ilumina
ainda, com sua luz incerta, as quatro esfinges que sustentam
as colunas
atarracadas da cripta. Um coro de vozes profundas se faz
ouvir, baixo e
velado. De onde vem ele? E o canto dos funerais!..., Ele
termina, a
lampada lanca um derradeiro clarao, depois se extingue
completamente.
O adepto esta so nas trevas, o frio do sepulcro cai sobre
ele e congelalhe
todos os membros. Passa gradualmente pelas sensacoes
dolorosas da
morte e cai em letargia. Sua vida desfila diante dele em
quadros
sucessivos, como algo irreal e sua consciencia terrestre
torna-se cada
vez mais vaga e difusa. Mas a medida que sente seu corpo se
dissolver,
a parte eterea e fluida de seu ser se desprende. Ele entra
em extase...
Que ponto brilhante e longínquo e este que aparece,
imperceptivel
no fundo negro das trevas? Ele se aproxima, aumenta,
transforma-se
numa estrela de cinco pontas, cujos raios tem todas as cores
do arco-iris
e que lanca nas trevas descargas de luz magnetica. Agora e
um sol que o
atrai na brancura de seu centro incandescente. Sera a magia
dos mestres
que produz essa visao? Sera o invisivel que se torna
visivel?
Será o presságio da verdade celeste, a estrela flamejante da
esperanca e da
imortalidade? . Ela desaparece; e em seu lugar um botao de
flor
desabrocha na noite, uma flor imaterial, mas sensivel e
dotada de uma
alma. Abre-se diante dele como uma rosa branca; desabrocha
suas
petalas e ele ve tremularem suas folhas vivas e avermelhar-se
seu calice
inflamado.
Sera a flor de Isis, a Rosa mistica da sabedoria que encerra
o
Amor em seu coração?
Mas, eis que de repente ela se evapora como uma nuvem de
perfumes. Entao, aquele que estava em extase se sente
inundado num
sopro quente e acariciante. E, depois de ter tomado formas
caprichosas,
a nuvem se condensa e se transforma numa figura humana. E a
figura de
uma mulher, a Isis, do santuario oculto, porem, mais jovem,
sorridente e
luminosa. Um veu transparente a envolve em espiral e seu
corpo brilha,
revelando-se. Segurando um rolo de papiro, ela se aproxima
docemente,
inclina-se sob o iniciado deitado no tumulo e lhe diz: gEu sou a tua irma
invisivel, tua alma divina e este e o livro da tua vida. Ele
contem
paginas repletas de tuas existencias passadas e paginas
brancas das
futuras. Um dia, desenrolarei todas diante de ti. Agora tu
me conheces.
116
Chama-me e eu virei!
E enquanto ela
fala, brota-lhe dos olhos um raio
de ternura... presença de uma reprodução angélica, promessa
inefável do
divino, fusão maravilhosa no impalpável além!...
Mas tudo se rompe, a visao se desfaz. Uma dilaceracao
atroz... e o
adepto se sente precipitado em seu corpo como em um cadaver.
Volta
ao estado de letargia consciente; circulos de fogo
apertam-lhe os
membros; um peso terrivel comprime seu cerebro; ele
desperta... e, de
pe, diante dele, esta o hierofante, acompanhado dos magos.
Rodeiamno,
fazem-no beber um cordial e ele se levanta.
Proclama, entao, o profeta:
- Eis que surges ressuscitado! Vem celebrar conosco o agape
dos
iniciados e conta-nos tua viagem na luz de Osiris. Pois, de
hoje em
diante, es um dos nossos.
Transporterno-nos agora, com o hierofante e o novo iniciado,
ao
observatorio do templo, no tepido esplendor de uma noite
egipcia. La o
chefe do templo fazia, ao adepto recente, a grande
revelacao, narrandolhe
a visao de Hermes Essa visao nao estava escrita em nenhum
papiro.
Era apenas indicada por sinais simbolicos nas estrelas da
cripta secreta,
so conhecida pelo profeta. E sua explicacao era transmitida,
oralmente,
de pontifice a pontifice.
. Presta atenção . dizia o hierofante ., esta visao encerra
a
historia eterna do mundo e o circulo das coisas.
(1). Os arqueólogos viram, durante muito tempo, no sarcofago
da
grande piramide de Gise, o túmulo do rei Sesostris, baseados
na opiniao de
Herodoto, que nao era iniciado e ao qual os sacerdotes
egipcios confiaram
apenas anedotas e contos populares. Mas os reis do Egito
tinham sua sepultura em outro lugar. A estrutura interior e bizarra da piramide
prova que ela devia servir para as cerimonias da iniciacao e praticas secretas
dos sacerdotes de Osiris. Encontra-se ali o Poço da Verdade, que descrevemos,
a escadaria, a Sala dos arcanos... A chamada câmara do rei, que encerra o
sarcófago, era aquela a qual conduziram o adepto na véspera de sua grande
iniciação. As mesmas disposições estavam reproduzidas nos grandes templos
da Idade Média e do Alto Egito.117
V
A VISAO DE HERMES (1)
Um dia, Hermes adormeceu, apos
ter refletido sobre a origem
das coisas. Um pesado torpor apoderou-se-lhe do corpo; mas,
a medida
que o corpo se entorpecia, seu espirito se elevava nos
espacos. Entao,
teve a impressao de que um ser imenso, sem forma
determinada, o
chamava pelo nome. Atemorizado, Hermes pergunta:
- Quem és tu?
- Eu sou Osíris, a Inteligência soberana, e posso revelar
todas as
coisas. O que desejas?
- Contemplar a origem dos seres, oh! divino Osíris, e
conhecer
Deus.
- Serás satisfeito.
Logo Hermes sentiu-se inundado por uma luz deliciosa.
Naquelas
ondas diáfanas passavam as formas encantadoras de todos os
seres.
Porém, repentinamente, trevas assustadoras e de forma
sinuosa
desceram sobre ele. Hermes mergulhou num caos úmido, cheio
de
fumaça e de um lúgubre rugido. Então, uma voz se elevou do
abismo.
Era o grito da luz. Logo, um fogo sutil lançou-se das
profundezas
úmidas e ganhou as alturas etéreas. Hermes subiu com ele e
se reviu nos
espaços. O caos clareava no abismo; coros de astros
ressoavam sobre
sua cabeça; e a voz da luz enchia o infinito.
E Osíris perguntou a Hermes, acorrentado em seu sonho e
supenso entre a terra e o céu:
- Compreendeste o que viste?
- Não, respondeu Hermes.
- Pois bem, vais compreender. Acabas de ver toda a
eternidade. A
luz, que viste primeiro, é a inteligência divina que contém
todas as
coisas em potência e encerra os modelos de todos os seres.
As trevas,
em que mergulhaste a seguir, é o mundo material onde vivem
os
homens da terra. Mas o fogo, que viste brotar das profundezas,
é o
Verbo divino. Deus é o Pai, o Verbo é o Filho, sua união é a
Vida.118
Comentou Hermes:
- Que sentido maravilhoso abriu-se para mim! Não vejo mais
com
os olhos do corpo, mas com os do espírito. Como é possível
isto?
Osíris respondeu:
- Filho do pó! Isto é porque o Verbo está em ti. O que em ti
ouve,
vê, age, é o próprio Verbo, o fogo sagrado, a palavra
criadora!
Então disse Hermes:
- Já que é assim, deixa-me ver a vida dos mundos, o caminho
das
almas, de onde o homem vem e para onde vai.
- Que seja feito segundo teu desejo.
Hermes tornou-se mais pesado do que uma pedra e rolou pelos
espaços como uma aerólito. Finalmente, viu-se no cume de uma
montanha. Era noite; a terra sombria e nua; seus membros
pareciam-lhe
pesados como ferro. E ouviu a voz de Osíris:
- Ergue os olhos e olha!
Então, Hermes viu um espetáculo maravilhoso. O espaço
infinito,
o céu estrelado o envolvia com as sete esferas luminosas.
Com um só
olhar Hermes percebeu os sete céus dispostos sobre sua
cabeça como
sete globos transparentes e concêntricos, cujo centro
sideral ele
ocupava. O último tinha como circuito a Via Láctea. Em cada
esfera
girava um planeta acompanhado de um gênio de forma, signo e
luz
diferentes. Enquanto Hermes, deslumbrado, contemplava sua
florescência esparsa e seus majestosos movimentos, a voz lhe
disse:
- Olha, escuta e compreende. Estás vendo as sete esferas de
toda
vida. Através delas se efetua a queda das almas e sua
ascensão. Os sete
Gênios são os sete raios do Verbo-Luz. Cada um deles comanda
uma
esfera do Espírito, uma fase da vida das almas. O mais
próximo de ti é o
Gênio da Lua, com seu sorriso inquietante e coroado de uma
foice de
prata. Ele preside aos nascimentos e às mortes. Separa as
almas dos
corpos e as atrai para seu raio de luz. Acima dele, o pálido
Mercúrio
mostra o caminho às almas, que descem e sobem com seu
caduceu que
contém a Ciência. Mais alto, a brilhante Vênus segura o
espelho do
Amor, em que as almas alternadamente se esquecem e se
reconhecem.
Abaixo dela, o Gênio do Sol ergue a tocha triunfal da eterna
Beleza.119
Mais alto ainda, Marte brande o gládio da Justiça. Reinando
sobre a
esfera azulada, Júpiter sustenta o cetro do poder supremo,
que é a
Inteligência divina. Nos limites do mundo, sob os signos do
zodíaco,
Saturno carrega o globo da sabedoria universal (2).
Hermes falou:
- Vejo as sete regiões que compreendem o mundo visível e
invisível; vejo os sete raios do Verbo-Luz, do Deus único
que as
atravessa e governa. Mas, meu mestre, como se realiza a
viagem dos
homens através de todos esses mundos?
Respondeu Osíris:
- Vês uma semente luminosa cair das regiões da via Láctea na
sétima esfera? São germes de almas. Elas vivem como vapores
leves na
região de Saturno, felizes, sem preocupação, e desconhecem
sua
felicidade. Porém, ao cair de esfera em esfera, elas
revestem-se de
invólucros sempre mais pesados. Em cada encarnação, adquirem
um
novo sentido corporal, conforme o meio em que habitam. Sua
energia
vital aumenta; e, à medida que penetram em corpos mais densos,
elas
perdem a lembrança de sua origem celeste. Assim se completa
a queda
das almas que vêm do divino Éter. Cada vez mais cativas da
matéria,
cada vez mais inebriadas com a vida, elas se precipitam como
uma
chuva de fogo, com estremecimentos de volúpia, através das
regiões da
Dor, do Amor e da Morte, até sua prisão terrestre; onde tu
mesmo
gemes retido pelo centro ígneo da terra e onde a vida divina
te parece
um sonho vão.
Hermes perguntou:
- As almas podem morrer?
Respondeu a voz de Osíris:
- Sim, muitas perecem na descida fatal. A alma é filha do
céu e
sua viagem é uma prova. Se, em seu amor desenfreado pela
matéria, ela
perde a lembrança de sua origem, a centelha divina que nela
estava, e
que teria podido tornar-se mais brilhante do que uma
estrela, volta à
região etérea como átomo sem vida – e a alma se desagrega no
turbilhão
dos elementos grosseiros.
120
A estas palavras, Hermes estremeceu. E uma tempestade
rugidora
o envolveu com uma nuvem negra. As sete esferas
desapareceram sob
densos vapores. Ele então viu espectros humanos soltando
gritos
estranhos, arrancados e dilacerados por fantasmas de
monstros e
animais, em meio a gemidos e blasfêmias inomináveis.
E Osíris, então, falou:
- Tal é o destino das almas irremediavelmente baixas e más.
Sua
tortura só termina com sua destruição, que é a perda de toda
a
consciência. Mas veja, os vapores se dissipam e as sete
esferas
reaparecem sob o firmamento. Olha deste lado. Vês este
enxame de
almas que procura subir para a região lunar? Umas são
rebaixadas para
a terra como turbilhões de pássaros sob os golpes da
tempestade. Outras
atingem, em grandes vôos, a esfera superior, que as arrasta
em sua
rotação. Uma vez lá chegando, elas recuperam a visão das
coisas
divinas. Mas desta vez elas não se contentam apenas em
refleti-las no
sonho de uma felicidade impotente. Elas se deixam impregnar
com a
lucidez da consciência clareada pela dor, com a energia da
vontade
adquirida na luta. Tornam-se luminosas, porque possuem o
divino em si
mesmas e o manifestam em seus atos. Fortalece, pois, tua
alma, oh!
Hermes, e tranqüiliza teu espírito obscurecido, contemplando
esses vôos
longínquos de almas que tornam a subir as sete esferas e lá
se espalham
como feixes faiscantes. Pois tu também podes segui-las;
basta querer,
para elevar-se. Vê como elas enxameiam e descrevem coros
divinos.
Cada uma se junta ao seu gênio preferido. As mais belas
vivem na
região solar, as mais poderosas se elevam até Saturno.
Algumas sobem
novamente até ao Pai, entre as potências, sendo elas mesmas
outras
potências. Porque lá, onde tudo termina, tudo começa
eternamente; e as
sete esferas dizem juntas:
“Sabedoria! Amor! Justiça!
Beleza!
Esplendor! Ciência! Imortalidade!”
E o hierofante, então, explicava:
transmitiram. As palavras do sábio são como as sete notas da
lira, que
encerram toda a música com os números e as leis do universo.
A visão
de Hermes se assemelha ao céu estrelado, cujas profundezas
121
insondáveis estão semeadas de constelações. Para o menino,
não passa
de uma abóbada com cravos de ouro; para o sábio é o espaço
ilimitado
onde giram os mundos com seus ritmos e suas cadências
maravilhosas.
Esta visão encerra os números eternos, os signos evocadores
e as chaves
mágicas. Quanto mais aprenderes a contemplá-la e a
compreendê-la,
mais verás se estenderem seus limites. Porque a mesma lei
orgânica
governa todos os mundos”.
E o profeta do templo comentava o texto sagrado. Explicava
que a
doutrina do Verbo-Luz representa a divindade no estado
estático em seu
equilíbrio perfeito. Demonstrava sua tríplice natureza, que
é ao mesmo
tempo inteligência, força e matéria; espírito, alma e corpo;
luz, verbo e
vida. A essência, a manifestação e a substância são três
termos que se
superpõem reciprocamente. Sua união constitui o princípio
divino e
intelectual por excelência, a lei da unidade ternária, que
de alto a baixo
domina a criação.
Tendo assim conduzido seu discípulo ao centro ideal do
universo,
ao princípio gerador do Ser, o mestre desabrochava-o no
tempo e no
espaço, sacudia-o em florações múltiplas. Pois a segunda
parte da visão
representa a divindade no estado dinâmico, isto é, em
evolução ativa ou,
em outros termos, o universo visível e invisível, o céu
vivo. As sete
esferas ligadas a sete planetas simbolizavam sete
princípios, sete
estados diferentes da matéria e do espírito, sete mundos
diversos que
cada homem e cada humanidade são forçados a transpor em sua
evolução através do Sistema solar.
Os sete Gênios, os sete
Deuses,
cosmogônicos significavam os espíritos superiores e
dirigentes de todas
as esferas, oriundos, eles mesmos, a inelutável evolução.
Cada grande
Deus era, portanto, para o iniciado antigo, o símbolo e o
modelo de
legiões de espíritos que reproduziam seu tipo sob mil
variantes e que de
sua esfera podiam exercer uma ação sobre o homem e sobre as
coisas
terrestres. Os sete Gênios da visão de Hermes são os sete
Devas da
Índia, os sete amachapandas da Pérsia, os sete grandes Anjos
da
Caldéia, os sete Sefirotes (3) da Cabala, os sete Arcanjos
do Apocalipse
cristão. E o grande setenário que envolve o universo não
vibra somente
nas sete cores do arco-íris, nas sete notas da escala
musical: ele se
manifesta ainda na constituição do homem, que é tríplice por
essência,
mas sétuplo por sua evolução (4).
Dizia o hierofante, para terminar:
- Assim penetraste no limiar do grande arcano. A vida divina
apareceu-te sob as quimeras da realidade. Hermes te fez
conhecer o céu
invisível, a luz de Osíris, o Deus oculto do universo, que
respira por dez
milhões de almas, anima os globos errantes, e os corpos em
ação. Cabe
a ti, agora, dirigir-te a ti mesmo e escolher teu caminho
para subir até o
Espírito puro. Pois, de hoje em diante, pertences aos ressuscitados
vivos. Não te esqueças de que há duas chaves principais da
ciência. Eis
a primeira: “O exterior é como o interior das coisas; o
pequeno é como
o grande; só há uma única lei e aquele que trabalha é Um.
Nada é
pequeno, nada é grande na economia divina”. Eis a segunda:
“Os homens são deuses mortais
e os deuses são homens imortais”.
Feliz daquele que compreende essas palavras, porque possui a chave
de todas
as coisas. Lembra-te que a lei do mistério dissimula a
grande verdade. O
total conhecimento só pode ser revelado aos nossos irmãos
que
passaram pelas mesmas provas que nós. É preciso regular a
verdade
segundo as inteligências – disfarçá-la com um véu para os
fracos,
porque ela torná-los-ia loucos; ocultá-las dos maus, que
dela só podem
apreender fragmentos, dos quais fariam armas de destruição.
Encerra-a
em teu coração e que ela fale por tuas obras. A ciência será
tua força, a
fé tua espada e o silêncio tua armadura infrangível.
As revelações do profeta de Âmon-Rá, que abriam ao novo
iniciado tão vastos horizontes, sobre si mesmo e sobre o
universo, sem
dúvida alguma produziam profunda impressão, quando feitas no
observatório de um templo de Tebas, na calma lúcida de uma
noite
egípcia. Os pilares, os tetos e os terraços brancos dos templos
dormiam
a seus pés, entre os maciços negros dos nopais e dos
tamarineiros. À
distância, grandes monolitos, estátuas colossais dos Deuses,
estavam
assentados como juizes incorruptíveis sobre seu lago
silencioso. Três
pirâmides, figuras geométricas do tetragrama e do setenário
sagrado,
perdiam-se no horizonte, espaçando seus triângulos no
cinzento leve do
ar. O insondável firmamento pululava de estrelas. Com que
surpresa ele
123
olhava esses astros, que lhe pintavam como futuras moradas!
Quando,
finalmente, o esquife dourado da lua emergia do espelho
sombrio do
Nilo, que se perdia no horizonte como uma longa serpente
azulada, o
neófito acreditava ver a barca de Ísis navegando no rio das
almas e
transportando-as para o sol de Osíris. Recordava-se, então,
do Livro dos
Mortos e o sentido de todos esses símbolos se revelava agora
a seu
espírito. Depois do que havia visto e aprendido, podia
acreditar-se no
reino crepuscular de Amenti, misterioso interregno entre a
vida terrestre
e a vida celestial, onde os defuntos, a princípio sem olhos
e sem palavra,
recuperam pouco a pouco a visão e a voz. Ele também iria
empreender a
grande viagem, a viagem do infinito, através dos mundos e
das
existências. Hermes já o absolvera e o julgara digno, tendo
já lhe dito a
palavra do grande enigma: “Uma única alma, a grande alma do
Todo,
gerou, dividindo-se, todas as almas que se movem no
Universo”.
Armado do grande segredo, o neófito subia na barca de Ísis.
Ela
partia. Soerguida nos espaços etéreos, ela flutuava nas
regiões
intersiderais. Ora amplos raios de uma imensa aurora varavam
os véus
azulados dos horizontes celestes, ora o coro dos, espíritos
gloriosos, dos
Auimu-Secu, que alcançaram o eterno repouso, cantava:
“Levanta-te,
Rá-Hermacuti! Sol dos espíritos!
Aqueles que vão em tua
barca estão em exaltação!
Soltam exclamações na barca de milhões de
anos.
O grande ciclo divino transborda de alegria
glorificando a
grande barca sagrada.
Celebram-se festas na capela misteriosa.
Levanta-te, Âmon-Rá
Hermacuti! Sol que a si mesmo se criou!”
E o iniciado
respondia com
estas palavras orgulhosas:
“Eu alcancei o país da verdade e
da justificação.
Ressuscito como um Deus vivo e brilho no coro dos
Deuses que habitam o céu, porque sou de sua raça”.
Tanto os pensamentos altivos como as esperanças audaciosas
perseguiam o espírito do adepto, na noite que sucedia à
cerimônia
mística da ressurreição. No dia seguinte, nas avenidas do
templo, sob a
luz deslumbrante, não lhe parecia mais do que um sonho. Mas
que
sonho inolvidável fora essa primeira viagem no impalpável e
no
invisível... De novo ele lia a inscrição na estátua de Ísis:
Nenhum mortal
levantou meu véu.124
Uma ponta do véu soerguera-se, todavia, mas para tornar a
cair
em seguida, e ele despertara na terra dos túmulos. Ah! como
estava
longe do fim sonhado! Quão longa é a viagem na barca dos
milhões de
anos! Pelo menos ele entrevira o alvo final. Mesmo que sua
visão do
outro mundo fosse apenas um sonho, um esboço infantil de sua
imaginação ainda repleta das vaidades da terra, poderia ele
duvidar
dessa outra consciência que ele sentira eclodir dentro de
si, desse duplo
misterioso, desse eu celestial que lhe aparecera em sua
beleza astral
como uma forma viva e que falara durante o sono?
Seria uma
alma
gêmea, seria seu gênio ou apenas um reflexo do íntimo de seu
espírito,
um pressentimento de seu ser futuro? Maravilha e mistério.
Com
certeza seria uma realidade, e se essa alma não fosse a sua,
seria a
verdadeira. O que não faria ele para reencontrá-la! Vivesse
ele milhões
de anos e não esqueceria esta hora divina em que vira seu
outro eu, puro
e radiante! (5).
Terminara a iniciação. O adepto estava consagrado sacerdote
de
Osíris. Como egípcio, ele ficaria ligado ao templo; como
estrangeiro,
era-lhe permitido às vezes retornar a seu país, para lá
fundar um culto
ou cumprir sua missão. Mas, antes de partir, ele prometia
solenemente,
mediante um juramento terrível, guardar silêncio absoluto
sobre os
segredos do templo. Jamais deveria contar a alguém o que
vira ou
escutara, nem revelar a doutrina de Osíris, a não ser sob o
tríplice véu
dos símbolos mitológicos ou dos mistérios. Se ele violasse
esse
juramento, uma morte fatal o atingiria cedo ou tarde, tão
longe quanto
estivesse. O silêncio tornara-se o escudo de sua força.
Regressando às plagas da Jônia, à sua turbulenta cidade, sob
o
choque das paixões furiosas, naquela multidão de homens que
vivem
como insensatos, ignorando-se a si mesmos – muitas vezes
relembrava
o Egito, as pirâmides, o templo de Âmon-Rá. Então o sonho da
cripta
lhe voltava. E como lá o lótus balança sobre as ondas do
Nilo, essa
visão branca sempre flutuaria sobre o rio lodoso e confuso
desta vida.
Em horas escolhidas, ele ouvia sua voz, e era a voz da luz.
Despertando em seu ser uma música íntima, ela lhe dizia: “A
alma é
uma luz velada. Quando a negligenciamos, ela escurece e se
extingue.
125
Mas, quando nela derramamos o óleo santo do amor, ela reluz
como
uma lâmpada imortal!”
(1). A visão de Hermes se encontra no frontispício dos
livros de Hermes
Trimegisto sob o nome de Poimandrés. A antiga tradição
egípcia só chegou
até nós sob uma forma alexandrina ligeiramente alterada.
Tentei reconstituir
esse fragmento capital da doutrina hermética no sentido da
alta iniciação e da
síntese esotérica que ele representa.
(2). Decerto, esses Deuses traziam outros nomes na linguagem
egípcia.
Mas os sete Deuses cosmogônicos se correspondem em todas as
mitologias,
por seu sentido e suas atribuições. Têm sua raiz comum na
antiga tradição
esotérica. A tradição ocidental adotou os nomes latinos e
nós os conservamos
para maior clareza.
(3). Há dez Sefirotes na Cabala. Os três primeiros
representam o
temário divino, os sete outros, a evolução do Universo.
(4). Daremos aqui os termos egípcios dessa constituição
setenária do
homem, que se encontra na Cabala: Chat, corpo material;
Anch, força vital;
Ka, duplo etéreo ou corpo astral; Hati, alma animal; Baí,
alma racional;
Cheybi, alma espiritual; Ku, espírito divino. O
desenvolvimento dessas idéias
fundamentais da doutrina esotérica será encontrado no livro
de Orfeu e
sobretudo no de Pitágoras.
(5). Na doutrina egípcia, considerava-se que o homem só
tinha
consciência da alma animal e da alma racional, chamadas Hati
e Baí. A parte
superior de seu ser, a alma espiritual e o espírito divino,
cheybi e ku, existem
nele em estado de germe inconsciente e se desenvolvem depois
desta vida,
quando ele próprio se torna um Osíris.
Fonte:
ENTRE
IRMÃOS.NET
http://www.entreirmaos.net/wp-content/uploads/2011/10/
Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf
Li-Sol-30
Fonte:
http://www.entreirmaos.net/wp-content/uploads/2011/10/
Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf
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