segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Baruch Espinosa - O Deus de Espinosa.



E A Sua Visão Acerca De Deus


       Ernest Renan, ao discursar sobre Spinoza na inauguração de um monumento dedicado a este em Haia, disse que o filósofo holandês foi o filósofo que mais aproximou-se de Deus em suas concepções. 
Elevado por altos sentidos do seu sentido de existir como um ente pensante, o solitário pensador e humilde polidor de lentes, com toda a sua humildade mais alta ainda por escolher viver uma vida simples, com toda a sua suave genialidade verdadeira, com toda sua sabedoria gigantesca, aproximou-se verdadeiramente do Verdadeiro Deus Verdadeiro. 
Ele É a Substância e nós, humanos, somos como que modos de atributos condicionados por ela a nos expressarmos existentes. Imanente a nós Ele É, mas isso não significa que Deus seja igual a nós; pelo contrário, estando e sendo incondicionado vivente em tudo, a Natureza em seu Todo, Deus é uma essência única que não pode ser dividida em essências que por si mesmas são múltiplas.
Acompanhando esta multiplicidade, advém finitude, outra característica inexistente em Deus, o qual é Uno, indivisível e infinito. É um erro pensar que Spinoza identifica diretamente o Verdadeiro Deus com tudo o que há, como se o Verdadeiro Deus fosse um ente comum passível de ser definido pelos termos comuns humanos.

       Spinoza utilizou em sua obra, Ética, o método geométrico e este filósofo utiliza o método aritmético para exemplificar explicativamente a visão filosófica do Verdadeiro Deus Verdadeiro sob o ponto de vista dele. Têm-se dado sempre como incontestável e infalível a seguinte operação matemática de soma: 2+2=4. Digamos que o primeiro 2 seja a Substância e o segundo 2 os entes moldados a partir dela. São números visualmente homogêneos extrinsecamente e heterogêneos intrinsecamente, variando na qualidade, na quantidade e na potencialidade existencial. Como qualidade, quantidade e potencialidade, o primeiro 2 é eterno, infinito e capaz de toda realização fenomenal; e o segundo 2 é efêmero, finito e capaz de realizações possibilitadas pelas suas propriedades limitadas. 
Se os dois 2 forem somados, o resultado nunca seria 4 porque isto implicaria em erro grosseiro absoluto, que seria o de igualar a Substância com os entes moldados, o Eterno com o efêmero, o Infinito com o finito e a capacidade de efetuar todas as realizações fenomenais com a capacidade de efetuar algumas através de propriedades limitadas. Tanto geometrica como aritmeticamente é implausível essa identidade; se esta fosse possível, o termo panteísmo dado à filosofia de Spinoza estaria correto.

       E tudo isso está contido no título dado ao livro maior de Spinoza, Ética, no qual, conforme o comentador da tradução portuguesa desta obra, Joaquim de Carvalho, diz na introdução: “O título que Spinoza deu à genial sistematização é de si suficientemente claro ―, e que não o fosse, a sucessão das partes que a compõem e o ritmo interno do pensamento mostram sem sombra de dúvida a prevalência da problemática ética sobre a problemática teorética”. E o ético, o moralmente ético, o que eleva e leva o Homem, como ente possível civilizado, ao cume de altas realizações, é o objetivo maior do genial filósofo holandês. “Ensinou-me a experiência que tudo o que ocorre freqüentemente na vida que habitualmente se leva é vão e fútil. Dei-me conta de que coisas que eram para mim objeto de temor nada tinham de bom e de mau, senão enquanto o ânimo era por elas excitado; por isso, resolvi investigar se existia algum objeto que fosse um verdadeiro bem, capaz de se comunicar, e pelo qual a alma, renunciando a tudo o mais, pudesse ser afetada exclusivamente ―, um bem cujo descobrimento e alcance me dessem a fruição para sempre de uma alegria contínua e suprema.”
E o objetivo ético maior desse bem, presente na Ética, é o do definidor termo lógico de presença da eticidade acima da teoreticidade; adotando uma moral livre de toda abordagem teórica limitadora do conhecimento, o ente humano alcança a Verdadeira Verdade acerca do Verdadeiro Deus Verdadeiro.

       Ética: “Para Spinoza: a Ética deve libertar o Homem de sua servidão no que respeita aos sentimentos e ensiná-lo a viver conduzido pela Razão; opondo-se aos preconceitos e às superstições, pressupõe o conhecimento especulativo de Deus, substância única que possui uma infinidade de atributos e conduz à beatitude”.
E todo este conceito ético está poderosamente contido na obra e a esta rege com uma logicidade racional sensata envolta em criativa essencialidade. “A força do espinosismo é afirmar na Ética, demonstrada segundo a ordem dos geômetras, a inteligibilidade total do Ser.
Deus é uma substância, 
ou seja, um ser causa de si e concebido por si próprio, 
dispondo de uma infinidade de atributos infinitos. 
O pensamento e a extensão são dois atributos de Deus,
que não tem qualquer ação um sobre o outro, 
constituindo as idéias e os corpos os seus modos finitos. 
Tudo o que é ,está em Deus,
e nada pode sem Deus ser ou ser concebido. 
Sendo Deus, ou seja, a natureza, apenas uma causa imanente, o finito necessita, para existir ou produzir um efeito, da mediação de um outro finito: existe somente inserido numa ordem de causas que Spinoza é o primeiro a formular em termos mecanistas”. Mecanicamente, a ordem de todas as coisas moldadas pela Substância segue um propósito por esta delineado, um curso lógico absorto em fenômenos que complementem-se. 
Dessa mecânica universal do Todo,
condicionada pela incondicionada Substância,
nascem os atributos divinos que condicionam 
o existir e o subsistir da fenomenalidade.

       Deus, a Natureza naturante (natura naturans), os atributos; e os seus modos de ser, a Natureza naturada (natura naturata): “O entendimento em ato, quer ele seja finito quer infinito, assim como a vontade, a apetição, o amor, etc., devem ser referidos à Natureza naturada e não à Natureza naturante”. E esta mesma Natureza naturante é um eterno criar, um eterno movimentar de si mesma em todos os seus modos fenomenais de existencialidade: “A potência de Deus é a sua própria essência (I, XVI, cor.2; XXXIV), pelo que se não pode entender a afirmação de que ‘Deus, ou por outras palavras, todos os atributos de Deus são imutáveis’ (I, XX, cor.2) no sentido de Deus ser inerte. Pelo contrário; a produtividade é coessencial ao ser divino, de tal maneira que não pode dizer-se que Deus existe e cria, senão que é o próprio criar. 
Conseqüentemente, Deus não é concebível independentemente da sua atividade, sendo em virtude dela, ou por outras palavras, das leis da sua própria natureza, a causa eficiente da essência e da existência de tudo o que existe (I, XVI, cor 1; XVII, XXIV,cor., e XXV), por forma que coisa alguma tem em si mesma o poder de agir, isto é, fora de Deus não existe nenhuma causa eficiente (I, XXVI e XXVII). Deus é , pois, a ‘causa única’ (Ét, II, X, esc.)”.

       E a causa única encontra-se acima da modulação humana inerente ao procurar causas diretamente ligada a fatos: “‘Estabeleço em primeiro lugar’, escreveu Spinoza numa carta (Ep. 23) a Guilherme de Blyenbergh, em 13 de março de 1665, ‘que Deus é, absoluta e efetivamente, causa de tudo, seja o que for, que tem uma essência. 
Se puderdes demonstrar que o mal, o erro, o crime, etc., exprimem uma essência, concordarei inteiramente que Deus é causa dos crimes, do mal, do erro, etc. Creio, porém, ter demonstrado suficientemente que o que dá forma ao mal, ao erro, ao crime, não consiste em algo que exprima uma essência, pelo que se não pode dizer que Deus seja a causa de tais coisas...’;
‘...Tudo o que existe flui necessariamente das leis eternas e dos decretos de Deus e dele depende continuamente, mas as coisas diferem mutuamente em grau e na essência. Assim, embora o rato como o anjo, a tristeza como a alegria, dependam de Deus, nem por isso o rato é uma espécie de anjo e a tristeza uma espécie de alegria...’”  Aqui está presente a diferenciação elementar de características existenciais entre os seres moldados e entre as afecções. 
Claramente não se pode querer ver em um rato as capacidades de um anjo, mesmo que dito rato falasse, voasse e possuísse superpoderes, como vê-se ocorrer com o personagem de desenhos animados Super Mouse. E não se pode confundir a alegria com a tristeza, mesmo que esta seja negada; um indivíduo pode aparentar alegria imensa externamente, mas interiormente assola-o uma tristeza intensa; ele procura sorrir e divertir-se para esquecer por alguns instantes a sua tristeza, contudo esta vive nele como tristeza e não como uma alegria transmutada em pouca alegria, mínima alegria. 
A diferenciação Spinoza via como essencial para compreender-se a totalidade que jaz na Substância, esta que move o rato, o anjo, a alegria e a tristeza.

         Spinoza via igualmente a diferença ontológica entre Deus e as coisas moldadas apesar de sua unicidade substancial. Confundi-lo com um reles panteísta é irracionalmente considerá-lo, é dar-lhe um valor impregnado de desconhecimento sobre a sua filosofia. Spinoza não é um panteísta, mas um narrador cósmico do grande movimentar cósmico de todas as coisas no Verdadeiro Deus Verdadeiro. Fora deste não há libertação existencial possível no mecanicismo cósmico universal da realidade e da idealidade. Findo os meus estudos com esta última observação:
“Nascendo ignorantes 
das causas do acontecer e com a tendência a apetecer
o que parece ser-lhes útil, os seres humanos imaginam-se livres 
no exercício da vontade e crêem que a atividade humana
tem por fim a utilidade e que a própria Natureza foi disposta
por um ou alguns Entes transcendentes e onipotentes 
a agir em ordem e determinados fins”.


                     A Substância determina
                     E jamais
            É determinada
       No Kosmos,
        Na Verdade,
                     No Ser,
                     No Ver,
                     No Ter,
     No Sentir,
       No Pensar,
     No Termo
De Ser
        Substância!

Bento de Espinosa

Bento de Espinosa (Benedictus de Spinoza) foi um dos grandes filósofos racionalistas do século XVII. Foi profundo estudioso da Bíblia, de obras religiosas judaicas e de filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro e Lucrécio.

Foi excomungado pela Igreja devido aos seus pensamentos em relação a Deus. Espinosa ficou considerado como maldito por muitos anos após sua morte. Quem recuperou sua reputação foi o crítico Lessing em seus diálogos com Jacobi em 1784. Na seqüência, o filósofo foi citado, elogiado e inspirou pessoas como os teólogos liberais Herder e Schleiermacher, o poeta católico Novalis, o grande Goethe.

Em Haia, onde morreu, foi construído um monumento em homenagem a Espinosa, assim comentado por Ernest Renan em 1882:

“Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas – pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus”.

A visão de Deus de Espinosa
Espinosa defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade. Ele afirmou que Deus sive Natura ("Deus ou Natureza" em latim) era um ser de infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de matéria) e o pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.
 
Deus não é entendido por Espinosa como um Ser à parte e/ou externo ao mundo, que o governa como um engenheiro ou habilidoso artesão, mas como, de forma muito sutil e holística, a Divindade da Ordem Eterna da Natureza, muito superior ao entendimento fragmentado e antropomorfista humano. É, enfim, o Grande Uno que se expressa nos Muitos a que se faz a partir de Si mesmo. Uma visão estranha ao modo ocidental, mas bem de acordo com as mais sofisticadas concepções orientais do Divino. [1]

Will Durant estabelece a seguinte comparação entre o sistema ético de Espinosa e os sistemas clássico e cristão: "hoje só subsistem três sistemas de ética, três concepções de carácter ideal e de vida moral. Uma é de Buda e Jesus, que dá preponderância às virtudes femininas; que considera todos os homens igualmente preciosos; que resiste ao mal contrapondo-lhe o bem; que identifica virtude com amor e se inclina, em política, para a ilimitada democracia. 

Outra, é a ética de Maquiavel e de Nietzsche, que dá preponderância às virtudes masculinas, que aceita a desigualdade dos homens; que se deleita nos riscos do combate, da conquista e do mando; que identifica virtude com poder e exalta a aristocracia hereditária. Uma terceira, é a de Sócrates, Platão e Aristóteles, que nega a aplicabilidade universal quer das virtudes masculinas quer das virtudes femininas; que considera que somente os espíritos maduros e bem informados podem decidir, de acordo com as circunstâncias, quando deve imperar o amor e quando deve imperar o poder; que identifica virtude com inteligência e advoga no governo uma mistura de democracia e de aristocracia.

O que distingue a ética de Espinosa é que ela reconcilia inconscientemente essas filosofias aparentemente hostis e que as enlaça numa unidade harmoniosa e nos apresenta desse modo um sistema de moral que é o do pensamento moderno." [2]

A filosofia de Espinosa tem muito em comum com o estoicismo, mas difere muito dos estoicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, defendeu que uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. 

Nota: acredito ser uma idéia que se contrapõe aos críticos do pensamento racionalista, para os quais essa ideologia desprezaria sempre a emoção.

A distinção crucial para Espinosa era entre as emoções que são compreendidas racionalmente e as outras que não o são.
 
Bibliografia
Auroux, Silvain e Weil, Yvonne. 
Dicionário De Filosofia ― Temas E Autores.
Clément, Elizabeth; Demonque, Chantal; Hansen-Love, 
Laurence; e Kahn, Pierre. Dicionário Prático De Filosofia.

                                                Spinoza, Baruch de. Ética.

Inominável Ser

Enviado por Inominável Ser em 30/10/2006
Reeditado em 30/10/2006
Código do texto: T277128

Fonte:
Recanto das Letras
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/277128

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