Metacognição: Tempo Para Ouvir a nós Próprios |
Fernando Jorge Costa Figueiredo
Área Científica de Ciências da Natureza
- Escola Superior de Educação de Viseu
João de Oliveira Barros
Aluno da Licenciatura em Matemática e Ciências
- Escola Superior de Educação de Viseu
Um matemático que não tenha algo de poeta
nunca será um matemático completo
In Men of mathematics, E.T.Bell, p.432
Abri de contentamento
ao cantar de envolvimento,
do pardal, da rebanhada
mugida na paliçada.
Não. Não a ouvis chamar por vós, ouve-vos ela.
Machuca-vos agora a surpresa? Sois dela
da multidão e perdidos,
mapas desaparecidos
tende pressas e encontrai-vos,
tende brandura e escutai-vos.
Aparentemente, os versos anteriores em nada se consorciam com
assuntos de Educação, não sendo sem estranheza que o leitor percorreu
as suas palavras e o matrimónio das suas rimas. O seu propósito vai
muito além do prazer da sua leitura, pelo que sugerimos que os releia
com mais atenção e se quede por momentos nas ideias que neles se
entrançam, não nas ideias do autor, mas nas ideias e nos sentimentos
que floriram em si mesmo aquando da leitura. Pense agora na última
oportunidade que concedeu a si mesmo de reflectir nos seus próprios
pensamentos e emoções!...
Em nome de uma competição social que não entendemos mas que
desejamos e fomentamos, concedemo-nos mais tempo para pensar os outros,
as suas ideias e acções, do que para nos pensarmos a nós próprios. É
uma injustiça, já que "o conhecimento de si é o mais difícil dos
conhecimentos" (Santos, 1998). Hoje em dia, já não adormecemos um recém
nascido para de seguida nos embevecermos a observá-lo parados num tempo
esquecido, pelo contrário, em nome da Sociedade cada vez concedemos
menos tempo às nossas crianças. É o que Teresa Vergani chama o "cancro
ocidental da pressa"(Vergani, 1993). A melhor maneira de combater esta
catana que nos mutila a individualidade, é todas as manhãs olharmos o
céu quando a manhã começa a abrir, fechar os olhos e voar ao som dos
nossos pensamentos, porque:
-"É justamente
em momentos como este que emergem
os nossos
pensamentos mais inesperadamente perfeitos,
aqueles que mais
profundamente nos reconciliam
com nós mesmos, com os outros e com a
vida."
(Vergani, 1993).
Não surpreende assim que as nossas escolas enfermem também deste
mal. Como espelho que são da Sociedade, as nossas salas de aula
assistem diariamente a verdadeiros contrarelógios cuja meta é cumprir o
programa. Em nome deste frondoso mas gasto argumento privamos os nossos
alunos do tempo que necessitam para aprender verdadeiramente, fazendo
deles meros depositários de saberes memorizadamente espartilhados.
Ironicamente, estamos a privar-nos a nós próprios daquele que
consideramos o maior prazer de um professor, ver os seus alunos
aprender verdadeiramente, ou seja, a relacionar e aplicar correcta e
multidisciplinarmente os conteúdos. Não defendemos o incumprimento dos
programas, apenas uma mudança na sua gestão e nas estratégias que os
procuram corporizar. A gestão vai muito além do âmbito deste texto,
pelo que adiante apenas nos vamos debruçar em algumas estratégias
alternativas que esgrimem valores mais altos, que a mera veiculação de
conteúdos.
Para aprender verdadeiramente é preciso antes de mais saber
aprender! Saber aprender exige muito do conhecimento e reflexão sobre
as nossas cognições – metacognição. Inúmeras e variadas investigações
têm demonstrado que o uso da metacognição por parte dos alunos, é a
principal causa de diferenciação nas estratégias por eles usadas, e que
os indivíduos com mais rendimento em qualquer idade são os que têm a
capacidade de monitorar o seu próprio desempenho em determinada tarefa.
Ao longo dos tempos, muito se tem debatido e digladiado nos
compêndios de Filosofia do Conhecimento, sobre o facto do pensar ser
algo puramente inato ou com uma grande margem de progressão e
aprendizagem. Nós dizemos que é algo a aprender. Os dias do quociente
intelectual e da inteligência inata já definham nos compêndios de uma
Psicologia comodista que fornecia o alibi perfeito para a Escola se
despojar do dever e do direito de ensinar a pensar e a aprender. Urge
rever esta maneira de pensar, já que mesmo as mais recentes
investigações acerca da inteligência das restantes espécies animais,
levam a concluir que ela não é um bem unicamente congénito
consubstanciável por mero adestramento, na medida em que comportamentos
de algumas espécies animais, revelam grandes capacidades de
aprendizagem, nomeadamente ao nível da linguagem que obedece muitas
vezes a códigos de urdidura complexa.
Pensar, todo o indivíduo pensa mesmo antes de entrar para a Escola,
é um ponto que já não esvoaça em grande polémica. O pensar e o
pensamento não são estáticos, pelo que interessa conhecer e manipular
estratégias que permitam potenciar esta componente da vivência social e
Humana, nomeadamente ao nível da Educação, de preferência
proporcionando prazer ao indivíduo que aprende numa homenagem à
concepção que os Antigos Gregos tinham de Escola, um lugar lúdico de
aprendizagem e de reflexão. Séculos mais tarde Galileu salientou esta
ideia, afirmando que o pensamento e o riso são próprios do Homem e
pensar é um dos maiores prazeres do género Humano.
"Se eu tivesse que reduzir
toda a Psicologia Educacional a um único
princípio,
diria isto: o facto singular mais importante
que influencia
a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece.
Descubra o que ele
sabe e baseie nisso os seus ensinamentos."
Ausubel citado em (Santos,
1998).
Na verdade, o indivíduo pensa e constrói concepções pessoais e
alternativas acerca dos fenómenos que vivencia, concepções essas que
lhe permitem responder às exigências e questões das suas vivências num
dado momento da sua vida. As crianças chegam já à Escola com noções de
entes matemáticos, ainda que gerais, pouco estruturadas e muitas vezes
inconscientes. O certo é que essas noções não são por si postas em
causa, até que sejam confrontadas com uma situação para a qual não
tenham aplicabilidade, ou onde a sua aplicação falhe. Poderá ser assim
eficaz confrontar os alunos com situações em que a teoria leiga que
eles têm vindo a usar não funciona.
O motivo para procurar uma teoria
com mais sucesso poderá surgir da sua própria perspectiva. Que ideias
têm os alunos? Como elicitar as suas ideias?
Qualquer estratégia de
elicitação de ideias na sala de aula, ficará aquém dos seus objectivos
se os alunos não tiverem hábitos de trabalho metacognitivo. É
importante que os alunos saibam diagnosticar as suas ideias, para assim
as poderem compartilhar com o professor e com os colegas. Daí que,
privar de uma ou duas aulas a supracitada pressa em cumprir o programa,
a favor de incutir nos alunos hábitos de trabalho e estratégias
metacognitivas, não é pedir demais. A primeira meta a atingir é levar
os alunos a encarar as suas concepções alternativas não como "erros",
mas sim como explicações diferentes ou incompletas relativamente
àquelas que o Homem considera mais aceitáveis.
O receio e muitas vezes
o medo dos alunos em expor as suas ideias é também um forte entrave a
uma boa elicitação, uma vez que nestas condições os alunos não
respondem o que pensam, mas tentam adivinhar aquilo que o professor
quer que eles pensem. Nestas condições estamos a fazer perigar um bom
uso da metacognição. No caso concreto das Ciências, colocar os alunos
perante os erros que ao longo da História foram perpassando o
conhecimento científico e a maneira como a própria Ciência os
ultrapassou, focalizando a reflexão dos alunos nos aspectos adjacentes
à necessidade de ocorrência das rupturas com o conhecimento anterior,
poderá em muito, contribuir para encorajar os alunos a não Ter medo de
errar e a desconfiar das suas certezas.
Confrontar os alunos e as suas representações alternativas com
situações para as quais não têm aplicação, não implica necessariamente
que ocorra uma mudança conceptual nessas representações. Assim também
acontece na Ciência, onde segundo a epistemologia Kuhniana uma teoria
sobrevive durante algum tempo em crise em função das anomalias para as
quais não tem resposta, até que uma teoria alternativa que colmate
essas falhas esteja disponível. Assim interessa colocar à disposição
dos alunos, todo um conjunto de instrumentos que lhes permitam
estruturar a tal teoria alternativa, para que não aconteça logo um
confronto directo e pouco convincente com essa mesma teoria.
Com
hábitos de reflexão
acerca do seu próprio pensamento,
os alunos poderão
por si mesmos através de um processo progressivo,
almejar o encontro
com as falhas das suas concepções alternativas, consequentemente
construindo e monitorizando estratégias
para que essas falhas sejam
colmatadas.
Este é, a nosso ver,
uma das finalidades a que o processo
Educativo deve aspirar.
Para que estes automatismos ganhem raízes na naturalidade do pensar
Humano e concretamente dos alunos, é necessário que eles conheçam e
utilizem esses mesmos instrumentos.
Colocar os alunos a falar sobre uma determinada situação, como seja
a estratégia adoptada para resolver um problema, estratégias utilizadas
durante a realização de um determinado jogo didáctico, um artigo de
jornal ou revista relacionado com assuntos da aula de Matemática, a
forma como o livro de texto desenvolve determinado assunto, ou ainda os
sentimentos de alegria, frustração ou persistência que perpassaram ao
longo do desenvolvimento de uma determinada Unidade Didáctica, é
salutar numa tentativa de implementar hábitos reflexivos de trabalho.
Para descrever verbalmente aquilo que está a percepcionar, a fazer, a
pensar ou a sentir, o aluno tem de distinguir e concretizar os itens e
relações que está a usar. Isto faz com que a atenção se foque,
frequentemente, nas características da sua construção que permaneciam
despercebidas e não é de todo invulgar, que uma dessas características
quando convertida em palavras, o leve a entender que algumas das
conclusões que tirou da situação não são sustentáveis.
Outra acção a desenvolver com a frequência necessária, é colocar os
alunos a trabalhar em grupos de dois ou três elementos e sempre que for
oportuno, o professor escolher o aluno que considera "mais fraco" em
cada grupo, para no final da sessão fazer uma exposição oral dos
resultados. Esta estratégia leva os alunos a explicar os seus
pensamentos uns aos outros, o que se converte nas seguintes vantagens:
por um lado, a verbalização requer reflexão (sobre os seus próprios
pensamentos, como também sobre aquilo que os outros estão a dizer) e,
por outro lado, os alunos tendem a ouvir mais abertamente e com mais
interesse os colegas do que o professor. A realização de relatórios
escritos e individuais acerca das aulas práticas é também uma
oportunidade de reflexão, um complemento restruturativo e acomodativo
dos conteúdos abordados.
As actividades de aplicação na sua verdadeira essência não se podem
resumir a meras actividades de adestramento, elas têm que ser
verdadeiros despertadores da actividade cognitiva dos alunos e porque
não do professor, desafiadoras de uma aprendizagem por compartimentos
estanques e ao mesmo tempo, convidativas ao estabelecimento de
relações. O desenvolvimento deste tipo de actividades ao longo de uma
Unidade Didáctica, convida o aluno a não exibir o seu saber
gratuitamente, mas a reflectir sobre ele, ajudando-o de certa maneira a
fazer uma autoavaliação intercalar.
Coisa muito comum em alunos mais impetuosos, é o facto de
responderem quase instantaneamente e instintivamente a uma pergunta
lançada pelo professor, associando a rapidez à validade e valor da
resposta. Quebra-se assim a sua oportunidade de reflectir sobre o
assunto, mas não só a sua, também a dos seus colegas que podem de
qualquer maneira contrapor, gerando discussão que fica no entanto
amputada de alguma maturidade reflexiva e argumentativa.
Há que
mentalizar e conduzir os alunos a ponderar as suas respostas, pensando
no seu "Como?" e no seu "Porquê?" que terão depois de explicar.
Valorizar as respostas ponderadas de acordo com estes dois itens e
confrontar os alunos mais impetuosos, com as anomalias inerentes à sua
intervenção e fazer-lhes reflectir sobre elas, reformulá-las e
restruturá-las de acordo com esses dois itens.
Também uma auto- avaliação de fim de período, que clame por algo
mais que um simples valor numérico e chame os alunos a reflectir nas
suas acções e atitudes, a esgrimi-las no contexto de uma classificação
é também um processo de trabalho salutar, ao nível da metacognição.
Assim, a metacognição passa em muito por adquirir hábitos e
processos de trabalho conformes. "Logo, o professor não pode esperar
que a formação de conceitos ocorra incidentalmente. O grande desafio
que se lhe põe é o de ajudar o aluno a utilizar de forma consciente,
produtiva e racional o seu potencial de pensamento – ensinar a pensar –
bem como, a tornar-se consciente das estratégias de aprendizagem a que
recorre para construir (reconstruir) conceitos científicos." (Santos,
1998).
Esta aquisição é lenta no seu florescer e no seu frutificar. Não
podemos pedir aos alunos na aula de hoje que adquiram hábitos
metacognitivos na aula de ontem, mas sim disponibilizar-lhes a aula de
amanhã.
Temos de estar descerrados à mudança e encarar com normalidade
a lentidão de um processo que pode fazer lembrar a adolescência.
Saibamos todos ser professores adolescentes, porque adolescente é uma
forma do particípio presente "adolescens" do verbo "adolesco", que
significa "crescer", "amadurecer".
Um matemático que não tenha algo de poeta
nunca será um matemático completo
In Men of mathematics, E.T.Bell, p.432
BIBLIOGRAFIA:
Glasersfeld, E. V. (1995). Construtivismo Radical,
uma forma de conhecer e aprender. Lisboa: Instituto Piaget.
Lakatos, I. & Musgrave, ª (1970).
A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo.
Santos, M. E. (1998).
Mudança conceptual na sala de aula. Lisboa: Livros Horizonte.
Vergani, T. (1993). Educação Matemática. Lisboa: Universidade Aberta.
Fonte:
Escola Superior de Educação de Viseu
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