quarta-feira, 11 de julho de 2012

METACOGNIÇÃO: Tempo Para Ouvir a nós Próprios - Fernando Jorge Costa Figueiredo e João de Oliveira Barros





Metacognição: Tempo Para Ouvir a nós Próprios

Fernando Jorge Costa Figueiredo

Área Científica de Ciências da Natureza 
- Escola Superior de Educação de Viseu

João de Oliveira Barros

Aluno da Licenciatura em Matemática e Ciências 
- Escola Superior de Educação de Viseu

 Um matemático que não tenha algo de poeta
nunca será um matemático completo
In Men of mathematics, E.T.Bell, p.432


Abri de contentamento
ao cantar de envolvimento,
do pardal, da rebanhada
mugida na paliçada.
Não. Não a ouvis chamar por vós, ouve-vos ela.
Machuca-vos agora a surpresa? Sois dela
da multidão e perdidos,
mapas desaparecidos
tende pressas e encontrai-vos,
tende brandura e escutai-vos.

Aparentemente, os versos anteriores em nada se consorciam com assuntos de Educação, não sendo sem estranheza que o leitor percorreu as suas palavras e o matrimónio das suas rimas. O seu propósito vai muito além do prazer da sua leitura, pelo que sugerimos que os releia com mais atenção e se quede por momentos nas ideias que neles se entrançam, não nas ideias do autor, mas nas ideias e nos sentimentos que floriram em si mesmo aquando da leitura. Pense agora na última oportunidade que concedeu a si mesmo de reflectir nos seus próprios pensamentos e emoções!...

Em nome de uma competição social que não entendemos mas que desejamos e fomentamos, concedemo-nos mais tempo para pensar os outros, as suas ideias e acções, do que para nos pensarmos a nós próprios. É uma injustiça, já que "o conhecimento de si é o mais difícil dos conhecimentos" (Santos, 1998). Hoje em dia, já não adormecemos um recém nascido para de seguida nos embevecermos a observá-lo parados num tempo esquecido, pelo contrário, em nome da Sociedade cada vez concedemos menos tempo às nossas crianças. É o que Teresa Vergani chama o "cancro ocidental da pressa"(Vergani, 1993). A melhor maneira de combater esta catana que nos mutila a individualidade, é todas as manhãs olharmos o céu quando a manhã começa a abrir, fechar os olhos e voar ao som dos nossos pensamentos, porque: 

-"É justamente 
em momentos como este que emergem 
os nossos pensamentos mais inesperadamente perfeitos, 
aqueles que mais profundamente nos reconciliam
 com nós mesmos, com os outros e com a vida." 
(Vergani, 1993).
Não surpreende assim que as nossas escolas enfermem também deste mal. Como espelho que são da Sociedade, as nossas salas de aula assistem diariamente a verdadeiros contrarelógios cuja meta é cumprir o programa. Em nome deste frondoso mas gasto argumento privamos os nossos alunos do tempo que necessitam para aprender verdadeiramente, fazendo deles meros depositários de saberes memorizadamente espartilhados. Ironicamente, estamos a privar-nos a nós próprios daquele que consideramos o maior prazer de um professor, ver os seus alunos aprender verdadeiramente, ou seja, a relacionar e aplicar correcta e multidisciplinarmente os conteúdos. Não defendemos o incumprimento dos programas, apenas uma mudança na sua gestão e nas estratégias que os procuram corporizar. A gestão vai muito além do âmbito deste texto, pelo que adiante apenas nos vamos debruçar em algumas estratégias alternativas que esgrimem valores mais altos, que a mera veiculação de conteúdos.

Para aprender verdadeiramente é preciso antes de mais saber aprender! Saber aprender exige muito do conhecimento e reflexão sobre as nossas cognições – metacognição. Inúmeras e variadas investigações têm demonstrado que o uso da metacognição por parte dos alunos, é a principal causa de diferenciação nas estratégias por eles usadas, e que os indivíduos com mais rendimento em qualquer idade são os que têm a capacidade de monitorar o seu próprio desempenho em determinada tarefa. 

Ao longo dos tempos, muito se tem debatido e digladiado nos compêndios de Filosofia do Conhecimento, sobre o facto do pensar ser algo puramente inato ou com uma grande margem de progressão e aprendizagem. Nós dizemos que é algo a aprender. Os dias do quociente intelectual e da inteligência inata já definham nos compêndios de uma Psicologia comodista que fornecia o alibi perfeito para a Escola se despojar do dever e do direito de ensinar a pensar e a aprender. Urge rever esta maneira de pensar, já que mesmo as mais recentes investigações acerca da inteligência das restantes espécies animais, levam a concluir que ela não é um bem unicamente congénito consubstanciável por mero adestramento, na medida em que comportamentos de algumas espécies animais, revelam grandes capacidades de aprendizagem, nomeadamente ao nível da linguagem que obedece muitas vezes a códigos de urdidura complexa.

Pensar, todo o indivíduo pensa mesmo antes de entrar para a Escola, é um ponto que já não esvoaça em grande polémica. O pensar e o pensamento não são estáticos, pelo que interessa conhecer e manipular estratégias que permitam potenciar esta componente da vivência social e Humana, nomeadamente ao nível da Educação, de preferência proporcionando prazer ao indivíduo que aprende numa homenagem à concepção que os Antigos Gregos tinham de Escola, um lugar lúdico de aprendizagem e de reflexão. Séculos mais tarde Galileu salientou esta ideia, afirmando que o pensamento e o riso são próprios do Homem e pensar é um dos maiores prazeres do género Humano.

"Se eu tivesse que reduzir 
toda a Psicologia Educacional a um único princípio,
 diria isto: o facto singular mais importante 
que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece.
 Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensinamentos." 
Ausubel citado em (Santos, 1998). 
 
Na verdade, o indivíduo pensa e constrói concepções pessoais e alternativas acerca dos fenómenos que vivencia, concepções essas que lhe permitem responder às exigências e questões das suas vivências num dado momento da sua vida. As crianças chegam já à Escola com noções de entes matemáticos, ainda que gerais, pouco estruturadas e muitas vezes inconscientes. O certo é que essas noções não são por si postas em causa, até que sejam confrontadas com uma situação para a qual não tenham aplicabilidade, ou onde a sua aplicação falhe. Poderá ser assim eficaz confrontar os alunos com situações em que a teoria leiga que eles têm vindo a usar não funciona. 

O motivo para procurar uma teoria com mais sucesso poderá surgir da sua própria perspectiva. Que ideias têm os alunos? Como elicitar as suas ideias? 

Qualquer estratégia de elicitação de ideias na sala de aula, ficará aquém dos seus objectivos se os alunos não tiverem hábitos de trabalho metacognitivo. É importante que os alunos saibam diagnosticar as suas ideias, para assim as poderem compartilhar com o professor e com os colegas. Daí que, privar de uma ou duas aulas a supracitada pressa em cumprir o programa, a favor de incutir nos alunos hábitos de trabalho e estratégias metacognitivas, não é pedir demais. A primeira meta a atingir é levar os alunos a encarar as suas concepções alternativas não como "erros", mas sim como explicações diferentes ou incompletas relativamente àquelas que o Homem considera mais aceitáveis. 

O receio e muitas vezes o medo dos alunos em expor as suas ideias é também um forte entrave a uma boa elicitação, uma vez que nestas condições os alunos não respondem o que pensam, mas tentam adivinhar aquilo que o professor quer que eles pensem. Nestas condições estamos a fazer perigar um bom uso da metacognição. No caso concreto das Ciências, colocar os alunos perante os erros que ao longo da História foram perpassando o conhecimento científico e a maneira como a própria Ciência os ultrapassou, focalizando a reflexão dos alunos nos aspectos adjacentes à necessidade de ocorrência das rupturas com o conhecimento anterior, poderá em muito, contribuir para encorajar os alunos a não Ter medo de errar e a desconfiar das suas certezas. 

Confrontar os alunos e as suas representações alternativas com situações para as quais não têm aplicação, não implica necessariamente que ocorra uma mudança conceptual nessas representações. Assim também acontece na Ciência, onde segundo a epistemologia Kuhniana uma teoria sobrevive durante algum tempo em crise em função das anomalias para as quais não tem resposta, até que uma teoria alternativa que colmate essas falhas esteja disponível. Assim interessa colocar à disposição dos alunos, todo um conjunto de instrumentos que lhes permitam estruturar a tal teoria alternativa, para que não aconteça logo um confronto directo e pouco convincente com essa mesma teoria.

 Com hábitos de reflexão 
acerca do seu próprio pensamento, 
os alunos poderão por si mesmos através de um processo progressivo,
 almejar o encontro com as falhas das suas concepções alternativas, consequentemente construindo e monitorizando estratégias 
para que essas falhas sejam colmatadas.

 Este é, a nosso ver, 
uma das finalidades a que o processo Educativo deve aspirar.

Para que estes automatismos ganhem raízes na naturalidade do pensar Humano e concretamente dos alunos, é necessário que eles conheçam e utilizem esses mesmos instrumentos.

Colocar os alunos a falar sobre uma determinada situação, como seja a estratégia adoptada para resolver um problema, estratégias utilizadas durante a realização de um determinado jogo didáctico, um artigo de jornal ou revista relacionado com assuntos da aula de Matemática, a forma como o livro de texto desenvolve determinado assunto, ou ainda os sentimentos de alegria, frustração ou persistência que perpassaram ao longo do desenvolvimento de uma determinada Unidade Didáctica, é salutar numa tentativa de implementar hábitos reflexivos de trabalho. 

Para descrever verbalmente aquilo que está a percepcionar, a fazer, a pensar ou a sentir, o aluno tem de distinguir e concretizar os itens e relações que está a usar. Isto faz com que a atenção se foque, frequentemente, nas características da sua construção que permaneciam despercebidas e não é de todo invulgar, que uma dessas características quando convertida em palavras, o leve a entender que algumas das conclusões que tirou da situação não são sustentáveis.

Outra acção a desenvolver com a frequência necessária, é colocar os alunos a trabalhar em grupos de dois ou três elementos e sempre que for oportuno, o professor escolher o aluno que considera "mais fraco" em cada grupo, para no final da sessão fazer uma exposição oral dos resultados. Esta estratégia leva os alunos a explicar os seus pensamentos uns aos outros, o que se converte nas seguintes vantagens: por um lado, a verbalização requer reflexão (sobre os seus próprios pensamentos, como também sobre aquilo que os outros estão a dizer) e, por outro lado, os alunos tendem a ouvir mais abertamente e com mais interesse os colegas do que o professor. A realização de relatórios escritos e individuais acerca das aulas práticas é também uma oportunidade de reflexão, um complemento restruturativo e acomodativo dos conteúdos abordados.

As actividades de aplicação na sua verdadeira essência não se podem resumir a meras actividades de adestramento, elas têm que ser verdadeiros despertadores da actividade cognitiva dos alunos e porque não do professor, desafiadoras de uma aprendizagem por compartimentos estanques e ao mesmo tempo, convidativas ao estabelecimento de relações. O desenvolvimento deste tipo de actividades ao longo de uma Unidade Didáctica, convida o aluno a não exibir o seu saber gratuitamente, mas a reflectir sobre ele, ajudando-o de certa maneira a fazer uma autoavaliação intercalar. 

Coisa muito comum em alunos mais impetuosos, é o facto de responderem quase instantaneamente e instintivamente a uma pergunta lançada pelo professor, associando a rapidez à validade e valor da resposta. Quebra-se assim a sua oportunidade de reflectir sobre o assunto, mas não só a sua, também a dos seus colegas que podem de qualquer maneira contrapor, gerando discussão que fica no entanto amputada de alguma maturidade reflexiva e argumentativa. 

Há que mentalizar e conduzir os alunos a ponderar as suas respostas, pensando no seu "Como?" e no seu "Porquê?" que terão depois de explicar. Valorizar as respostas ponderadas de acordo com estes dois itens e confrontar os alunos mais impetuosos, com as anomalias inerentes à sua intervenção e fazer-lhes reflectir sobre elas, reformulá-las e restruturá-las de acordo com esses dois itens.

Também uma auto- avaliação de fim de período, que clame por algo mais que um simples valor numérico e chame os alunos a reflectir nas suas acções e atitudes, a esgrimi-las no contexto de uma classificação é também um processo de trabalho salutar, ao nível da metacognição.

Assim, a metacognição passa em muito por adquirir hábitos e processos de trabalho conformes. "Logo, o professor não pode esperar que a formação de conceitos ocorra incidentalmente. O grande desafio que se lhe põe é o de ajudar o aluno a utilizar de forma consciente, produtiva e racional o seu potencial de pensamento – ensinar a pensar – bem como, a tornar-se consciente das estratégias de aprendizagem a que recorre para construir (reconstruir) conceitos científicos." (Santos, 1998).

 Esta aquisição é lenta no seu florescer e no seu frutificar. Não podemos pedir aos alunos na aula de hoje que adquiram hábitos metacognitivos na aula de ontem, mas sim disponibilizar-lhes a aula de amanhã. 

Temos de estar descerrados à mudança e encarar com normalidade a lentidão de um processo que pode fazer lembrar a adolescência. Saibamos todos ser professores adolescentes, porque adolescente é uma forma do particípio presente "adolescens" do verbo "adolesco", que significa "crescer", "amadurecer".
 Um matemático que não tenha algo de poeta
nunca será um matemático completo
In Men of mathematics, E.T.Bell, p.432

BIBLIOGRAFIA:
Glasersfeld, E. V. (1995). Construtivismo Radical, 
uma forma de conhecer e aprender. Lisboa: Instituto Piaget.
Lakatos, I. & Musgrave, ª (1970). 
A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo:
 Editora da Universidade de São Paulo.
Santos, M. E. (1998).
 Mudança conceptual na sala de aula. Lisboa: Livros Horizonte.
Vergani, T. (1993). Educação Matemática. Lisboa: Universidade Aberta.

Fonte:
 Escola Superior de Educação de Viseu


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