sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O TEMPLO DE HATOR EM DENDERA: UMA PORTA PARA O CÉU




O templo de Hator em Dendera: uma porta para os céus

 Julho de 2005 - Cosmo-Egiptologia
José Pimentão
"O Zodíaco de Dendera 
representa uma carta do Céu,
 tendo como base as constelações do Zodíaco."
in, Le Zodiaque d’Osiris, S. Cauville

O Zodíaco de Dendera,peça mais importante do departamento das antiguidades egiptologias do museu do Louvre, entusiasma o espírito humano desde décadas.

Descoberto em 1799 pelo general Desaix, tendo sido Vivant Denon o primeiro a estudar o Zodíaco com exactidão, dele obteve desenhos e figuras. No entanto teria que esperar alguns anos para que pudesse decifrar o significado dos seus hieróglifos, pois Jean-François Champollion ainda não tinha descoberto a chave para a leitura dessa escrita tão característica.

A peça foi levada para França por Le Lorain com autorização de Méhémet-Ali, chegando ao porto de Marselha em 1821 e por fim a Paris em 1822. Vendido a Louis XVIII foi inicialmente exposto no Louvre, passando para a Biblioteca nacional entre 1823 e 1919, data a qual regressa ao Louvre.

O santuário de Dendera
 foi concebido para o culto da deusa Hathor,
 deusa que falaremos mais tarde.

Uma cópia foi posta no lugar original no sítio de Dendera em 1920… uma cópia!

Dendera: um lugar carregado de historia

Diversas campanhas de escavações realizadas no sítio de Dendera (Figura 4.1), em particular a realizada por Fliders Pétrie no final do século XIX, demonstram a existência de diversas sepulturas, datadas para algumas da época arcaica. Dendera fica perto dos locais pré-dinasticos de Nagada e Maghara o que ajuda a suster a teoria da existência de actividade desde a época pré-dinastica. Foram encontradas provas de varias passagens da historia do antigo Egipto, como uma estatueta do faraó Pepi I ( 2270 a. C) e construções feitas no reinado de Tutmósis III (1450 a. C).

Desde da sua descoberta, diferentes estudiosos especularam sobre a datação do templo e do seu Zodíaco, para alguns datava de 15 000 a.C. para outros 12 000, hipóteses que levantaram guerras com o clero, pois consoante a tradição bíblica o mundo existia desde 4 000 a.C.

É evidente que esta euforia inicial deixou lugar a um estudo mais aprofundado e científico sobre a datação do mesmo. O templo do nascimento de Isis (Figura 4.2) construído no reinado de Augusto ( 30 a. C) está construído sobre as fundações de um templo da época ptolemaica do reinado de Nectanébo I (381 a. C) e acabado por Ptolomeu X Alexandre I (107 a. C.), este ultimo apresenta uma orientação Oriente-Ocidente, por sua vez o templo da época de Augusto tem orientação Norte-Sul idêntica a orientação do grande templo de Hathor. No entanto entre um e outro existe uma ligeira inclinação de cerca de 2º30’.

Doze séculos depois de Ramsés II, Ptolomeu Aulete manda construir um novo templo em Dendera o 16 de Julho 54 a.C. no entanto este morre em 51 a.C. Depois da morte do pai Cleópatra segue César para Roma e volta depois do assassinato deste ultimo, associando como co-regente do trono o seu filho Cesarião, nascido a 27 Junho 47 a.C. durante esta co-regencia e desde 51 a.C, os cartuchos reais não foram preenchidos com o nome do faraó. No templo onde foi encontrado o Zodíaco, também não existem cartuchos reais escritos. Era portanto lógico o Zodíaco datar dessa altura. 



Figuras 4.1 e 4.2 – Sítio de Dendera e templo do nascimento de Isis.


É. Aubourg procurou neste lapso de tempo, 51 a 43 a.C, o lugar dos planetas no ceio das constelações do zodíaco, é de relembrar que os planetas circulam numa zona chamada de eclíptica, por vezes alguns planetas ultrapassam a nossa terra, outros são ultrapassados durante o período de translação a volta do sol.

Colocar a data de 54 a.C num software de astronomia, permite-nos ter uma listagem de algumas estrelas no seu nascimento nocturno ou helíaco.

A lista de estrelas da qual possivelmente se basearam os antigos egípcios para orientação do templo de Hathor e do templo de Augusto, é a seguinte:
Alpha Canis Majoris (m=-1,44) - Sirius : Céu nocturno
Beta Orionis
(m=0,18) - Rigel: Aparecimento heliaco
Kappa Orionis
(m=2,07) - Saiph: Aparecimento heliaco
Delta Scorpii
(m=2,29): Céu nocturno
Beta Corvi
(m=2,65): Aparecimento heliaco
Beta Aquarii
(m=2,90): Aparecimento heliaco
Epcilon
Aquarii(m=3,78): Céu nocturno

Devido a grande magnitude visual de Sirius e Rigel, é muito provável que seja esta a orientação de construção do templo.


Por sua vez, a parte ptolemaica do templo do nascimento de Isis em Dendera, com orientação Este-Oeste, está direccionada para o nascer helíaco de Sirius naquela época, isso acontecia no dia 15 de Julho em 54 a. C. a esta orientação é dado o nome de orientação ramesida, devido a Ramsés II e ao Ramaseum. Cientistas encontraram blocos do tempo do Império Novo nos blocos da parte ptolemaica e nas suas fundações. Estas fundações levam a querer que o templo de orientação ptolemaica foi portanto construído por cima de ruínas do período do Império Novo.

Mais dados para a datação do Zodíaco


Através dos fenómenos astronómicos a datação pode surgir em diferentes fases:





No Zodíaco de Dendera vemos a representação de um eclipse lunar ao lado da constelação do Peixe, é por isso normal acreditar que a sua datação é dessa época.

Existe também um eclipse do Sol:




Portanto, é evidente que o Zodíaco representa os acontecimentos celestes desse determinado período na história Egípcia a contar do período Ptolemaico.

A Deusa Hathor:
A Deusa Hathor "moradia celeste de Horus", deusa do céu, é frequentemente representada como divindade com orelhas de bovino, símbolo da fecundidade. É ela a regedora do amor divino, humano e da alegria. O seu local de maior culto era em Dendera.

O céu escrito:

O circulo celeste, representado pelo Zodíaco, é suportado por doze deuses, quatro femininos e oito de joelhos (Figura 4,3). Os deuses com cabeça de falcão simbolizam a eternidade, dando assim um princípio intemporal a cena celeste. As deusas dão o quadro espacial, cada uma indica um ponto cardinal perfeitamente orientado. Ao lado de cada deusa está escrita em hieróglifo o seguinte ritual:

"Suporto o céu sobre o cimo da minha cabeça,
 sem me deslocar cada dia que passa, 
o Horizonte do meu mestre, este circula enquanto Sah (Orion)
 na sua mãe Nut "

Outro texto, trás ainda mais precisão acerca do significado de tal monumento: 

 "O céu de ouro, o céu de ouro, 
é Isis a grande, mãe de Deus, 
 mestre do monte primogénita onde nasceu a deusa 
que toma lugar em Dendera, é o céu de ouro.
Os grandes deuses são suas estrelas:
Harsiesis
, seu deus da manha (Vénus)
Sokar
, a sua via láctea
O Jovem Osíris, a sua estrela visível (Canope)

Osíris, a Lua

Orion, seu deus

Sothis
, sua deusa (Sirius)
Entram e saíam para os mortos no vale infernal. "

Paradoxalmente, embora este monumento seja sobejamente conhecido, nenhum estudo desta tradução foi feito ao longo dos tempos, ficando desta forma diferentes figuras hipoteticamente mencionadas, é o caso de Sokar e de Canope.

É.Aubourg (Astrofísico) e S. Cauville (Arqueóloga) deslocaram-se até o local e observaram as estrelas no céu de Outubro, pouco antes do nascimento do sol depois do "afundamento" da ursa maior identificaram a via láctea, Vénus, Orion, Sirius e Canope. Todos esses elementos estão desenhados no Zodíaco.

Mas antes de passar a visualização "tintin-por-tintin" do zodíaco, convêm referir mais alguns dados:

Características:


2,55 x 2,55 m
Orientação cardinal
Existência das 12 constelações do zodíaco.
Existência dos 5 planetas conhecidos.


A Divisão do Zodíaco:





Os Planetas:
O nome planeta vem do grego, que significa "astro que se move", entre os mais antigos (conhecidas: Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno) e os três (ou dois) restantes (Urano, Neptuno e Plutão) três milénios os separam.

Mercúrio: O deslocamento de Mercúrio aparece rapidamente e algo difícil de observar ao olho nu. Mercúrio surge tanto no Oeste depois do por do sol, como a Este antes do nascer e sempre próximo do horizonte. Um dos nomes Egípcios de Mercúrio era "O Inerte", como se os antigos astrónomos egípcios quisessem demonstrar a sua preguiça em viajar mais acima na abobada celeste.

Vénus: Vénus é o astro mais brilhante do céu, depois do Sol e da Lua. O seu brilho pode atingir até 12 vezes o de Sirius. A semelhança de Mercúrio, Vénus parece viajar muito próximo do Sol. Na iconografia Egípcia, Vénus tem duas caras, talvez se referem aqui a uma visão diurna e outra nocturna. Para os Egípcios Vénus era o filho de Osíris – Harsiesis, mas também em alguns casos personificava Isis.

Marte: A Ideia de Marte deus da guerra foi concebida um milénio antes dos gregos pelos Egípcios, para eles era Horus o Vermelho, o guerreiro, vingador de seu pai (lenda de Osíris).

Júpiter: Júpiter foi assimilado pelos Egípcios como deus Osíris, isto é, o Deus mais querido dos Egípcios. Para eles Osíris representava o poder supremo, e era depositado nele toda a lei do Maat e a regência dos deuses.

Saturno:Horus, o touro.
Em suma, temos a representação dos cinco planetas conhecidos na época, com as suas apelações e atributos divinos. Para os antigos Egípcios a visualização destes planetas nos céus nocturnos e a sua representação no zodíaco de Dendera permitia um determinado domínio sobre os seus inimigos, pois a ciência era algo dado apenas a quem tinha domínio sobre os outros.



 
Figura 4.3 – Zodíaco de Dendera

As Constelações:


Figura 4.4 – representação da eclíptica
 
No Zodíaco de Dendera, encontramos a representação pictográfica das doze constelações do zodíaco, como as conhecemos hoje. Ao longo do ano o Sol vai aparentemente "circular" numa faixa que se estende de 8,5º acima e abaixo da linha da eclíptica ( linha imaginaria que liga todas as constelações do zodíaco). Para além do Sol, a Lua e os planetas também passam por essa zona do céu. Por esse motivo não é surpreendente ver planetas no meio de duas constelações zodiacais no zodíaco de Dendera. Esta delimitação, pensada pelos homens, inicia o seu percurso no equinócio de primavera – 21 de Março (Figura 4.4). 

No Egipto, as primeiras representações do zodíaco datam da época ptolemaica, época de domínio grego. Até então, os Egípcios fechados ao mundo (só algumas trocas comerciais se efectuavam) não tinham esse tipo de representações, embora se encontram algumas influências vindas de fora e algumas características egípcias influenciaram o exterior. Outro templo em que a figuração das constelações do zodíaco é por demais evidente, é o templo de Khnoum a Esna.



 
Figura 4.5 – representação das constelações do zodíaco do Zodíaco de Dendera

As outras constelações:
É aqui que se encontra a maior ligação entre a astronomia do tempo de Ramsés e Seti I e a época Ptolemaica, a figuração, apesar de ter sofrido alguma evolução, permanece no seu geral idêntica a figuração antiga. Aqui voltamos a ver o hipopótamo a representar a constelação actual do Dragão, a pata do bovino a representar Mesketiu (a ursa maior). No entanto, é em relação a ursa menor que houve uma maior evolução na concepção do universo para os antigos Egípcios. Pois, como vimos no artigo anterior, na época das pirâmides a ursa menor não representava o pólo Norte, e era uma constelação de menor importância… agora, na época Ptolemaica, ela apodera-se da posição mais importante no zodíaco - a posição central, o que lhe dá o titulo de "indicadora do pólo Norte" (Figura 4.6).

A Cassiopeia é aqui representada na região Norte (como deveria ser) com a figura de babuíno. O Cisne, a Lira e o Boieiro também constam nesse novo mapa estelar.

Na região Equatorial, temos Oficus, que é considerada como a 13ª constelação do zodíaco, normalmente ela representa um homem com uma serpente, mas neste caso representa o deus Rá sentado num trono com a serpente a servir de barca.

Orion, é aqui representado como sempre o foi, desde o texto das pirâmides (cerca de 2300 a. C.) Orion é o condutor das estrelas no céu do Sul e é considerado a alma de Osíris.

Figura 4.6 – As constelações Norte no Zodíaco de Dendera.


Sirius esta colocado ao lado da constelação de Orion,
 assimilada a Sothis – imagem de Isis, na região de Assouão. 

Esta estrela importantíssima para os egípcios em relação ao calendário, era também ponto de partida para o posicionamento e orientação dos templos egípcios, assim sendo, em 54 a.C. o eixo sagrado do templo de Hathor em Dendera é dado pela orientação de Sirius depois do azimute do nascer a 108º40’.

No Zodíaco também estão representadas constelações do hemisfério Sul, entre as quais: Canope e a coroa astral.

Conclusão:
Em suma, o Zodíaco situado em Dendera, é a representação mais fiel dos céus datada da época Ptolemaica, dele podemos reter algumas conclusões acerca da vivência e modos de encarar os céus dos antigos egípcios. Existem ainda muitas perguntas acerca da astronomia dos antigos egípcios, da sua concepção do cosmo, e da sua relação perante ela.

É de facto importante estudar-mos o nosso passado, pois através dele entendemos melhor o nosso presente e prepara-mos melhor o nosso futuro. 


 José Pimentão
 Li-Sol-30
 Fontes:
Portal do Astrónomo PT
 http://www.portaldoastronomo.org/tema_pag.php?id=18&pag=4
 

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