terça-feira, 21 de junho de 2011

A TRINDADE PLATÔNICA.

Evaldo Pauli

O DIVINO PLATÃO 


* Platão-Homenagem a Rafael:Radeir-1988


151. Para Platão três princípios eternos constituem o todo, - as idéias separadas, o Demiurgo, a matéria. Por acréscimo dão-se as formas criadas, - ditas sombras enquanto se modelam nos arquétipos, - com vistas a ordenar o matéria informe todavia eterna, de onde resulta o cosmos e as almas que nele vivem. Os três princípios eternos constitutivos do todo se apresentam como sendo uma Trindade. Futuros desdobramentos poderão sintetizar esta Trindade, reduzindo-a à unidade. Ou, inversamente, poderão desenvolvê-la para estabelecer em Deus a Trindade das pessoas. Não sintetizou Platão os três princípios, como seria depois fácil de imaginar, que outros o fizessem. Por exemplo, as idéias separadas poderiam situar-se em um só ser, chamado Deus. Com referência à matéria, poderia ser concebida como ser criado, do mesmo modo como as formas corpóreas e as almas, entretanto a matéria eterna em Platão é senão o eco do dualismo, irredutível da matéria e espírito, peculiar ao orfismo e aos cultos vindos do Oriente persa.

152. Na concepção platônica sobre a realidade total se encontra latente a crença da Trindade das pessoas divinas.

Não mais se conservam hoje todas as informações a respeito das doutrinas então em voga sobre a Trindade. Variam os nomes dados aos princípios eternos, mas sempre são três estes princípios.

A Trindade dos gnósticos, que tem um desenvolvimento maior no início do cristianismo, se expressa em termos de Deus-Pai, Deus-Mãe e Deus-Filho.

Já entre os antigos egípcios ocorre a Trindade: Pai Osiris, Mãe Ísis, filho Horus.

Ao tempo do início do cristianismo acontece uma reação maior contra o sexo, tanto por parte dos gnósticos, como dos cristãos, e então Mãe Espírito Santo, como ainda aparece no Livro gnóstico Atos do Apóstolo Tomé, passa a ser simplesmente à denominação Deus Espírito Santo. Aparece, pois a Trindade cristã como uma rebelião aos cultos sexuais.

De qualquer maneira foi na filosofia platônica e neoplatônica que a teologia cristã encontrou seus mais valiosos conceitos para desenvolvimento. Rejeitando algumas das teses e aceitando outras, o que mais importava era a conceituação filosófica.

153. Há duas concepções fundamentais de Trindade. Na primeira concepção os três princípios são autônomos, não derivando um do outro, embora operem em conjunto. Na outra ocorre a processão ainda que desde toda a eternidade.

Na trindade platônica antiga - Idéias reais, Demiurgo, matéria eterna, - não se oferece uma ordem de processão que faça um dos três princípios eternos dependente do outro.

Os neoplatônicos colocam um principio eterno estar em dependência de outro e em certa ordem de derivação. Com Plotino (c. 205-266), o Uno se encontra no alto; dele flui o Logos, expressando o pensamento; finalmente ocorre a Alma do Mundo.

Na Trindade cristã o processão se dá pelas relações sucessivas de Pai, Filho, Espírito Santo, conforme definiram os concílios do 4-o século. Nada disto acontece na trilogia platônica antiga, na qual os princípios - as idéias, o Demiurgo, a matéria, - são eternos, sem que um derive do outro.

Já na Trindade platônica antiga operam os três princípios eternos um sobre o outro, embora sem processão deles mesmos.

As idéias reais, de que fala Platão, servem como arquétipos de tudo o que se cria (vd 159); a criação produz formas inferiores ao modelo arquétipo e por isso se diz sombra do mesmo.

O Demiurgo de Platão age como princípio causal, sobretudo como primeiro motor e organizador do mundo (vd 160).

Finalmente, a matéria eterna de que fala Platão se exerce como sujeito portador, ou receptáculo (vd 167), das formas criadas. Ainda que Aristóteles introduza a noção de matéria como pura potencialidade para recepção de formas, Platão, além desta capacidade real de recepção de formas, faz a matéria mesma conter alguma determinação.

Historicamente a Trindade platônica poderá ter sugerido a Trindade neoplatônica. Mas, uma e outra apresentam muita diferença.

Portanto, apesar de não haver uma ordem de processão de um princípio eterno derivando de outro e assim estabelecendo uma ordem eterna de dependência, há contudo uma diferença essencial de constituição interna dos constituintes da Trindade platônica antiga e a Trindade dos neoplatônicos, que se dá por processão dos próprios princípios eternos, colocados um após outro.

I - As idéias reais eternas.

155. Depois de consideradas do ponto de vista meramente gnosiológico, as idéias reais oferecem ainda um ponto de vista ontológico. Aliás, o gnosiológico (que decide sobre a validade do ser conhecido) e o ontológico (que examina o ser enquanto algo em si) são apenas duas faces da metafísica, a qual principia como metafísica defensiva e continua como metafísica ostensiva.

Como são em si? As idéias além de reais e eternas, são imutáveis, espirituais, puras.

Além disto, as idéias reais exercem funções juntamente com os outros princípios da Trindade eterna. Por isso, ao mesmo tempo que se trata de uma dos princípios, faz-se referência aos outros. Tudo fica dito, somente depois de se haver tratado também dos outros.

Na Trindade platônica as idéias reais eternas passam a ser vistas como um dos princípios eternos que constituem o todo da realidade.

156. As idéias eternas são imutáveis e excluem toda a alteração e variação. Não nascem, nem morrem, não aumentam, nem diminuem.

Esta imutabilidade resulta consequentemente na sua eternidade.

157. As idéias são espirituais e puras.

Como idéias espirituais, não são corporais e são invisíveis aos olhos do corpo humano.

De ordem puramente inteligível, elas se deixam captar imediatamente apenas pela inteligência.

Como idéias puras, elas realizam toda a sua essência sem qualquer mistura com a matéria.

Cada uma das idéias eternas é a perfeição total dentro de sua ordem, ou de seu gênero. Nada de indeterminado, incompleto, imperfeito nelas se verifica. São, portanto, absolutamente determinadas.

As idéias reais são perfeitas, não contendo nada de material, isto é, nada de imperfeito.

158. As idéias eternas são múltiplas, todavia, interrelacionadas. Estabelecida uma vez a multiplicidade das idéias, dali resultam relações entre elas.

Efetivamente, Platão tem tratado também de organizar o mundo ideal compondo os seus elementos em hierarquias de espécies e gêneros, preludiando as 10 categorias de Aristóteles.

Mas, enquanto, o Estagirita criava classificações estanques, o mestre da Academia as conjugava simplesmente em uma pirâmide, que tinha no alto a idéia do Uno.

A subtilidade aristotélica descobriria que o uno, como também as noções de coisa, algo, verdade e bondade, transcendem às mesmas classificações e se encontram analogicamente em cada ser a seu modo. Em decorrência, na lógica aristotélica se distingue entre modos gerais, - que são os transcendentais, entre os quais está a noção de uno, coisa, algo, verdade, bondade - e os modos especiais, - que são as categorias, em número de 10 gêneros supremos.

159. As idéias reais se exercem como arquétipos, isto é, como exemplares, em relação ao que se criou na natureza material.

Neste particular Platão retomou dos pitagóricos o exemplarismo, todavia de novo com algumas inovações. Em vez dos arquétipos serem apenas números ou figuras geométricas (como por exemplo a roda arquétipa em função a uma roda deste mundo), estes arquétipos passam a ser as idéias reais. O exemplarismo é apenas reformulado, pela troca dos números, ou figurações espaciais, pelas idéias reais.

Além disto, Platão reforçou a presença da causa eficiente, quando introduziu a ação criadora do Demiurgo, o qual ordena o mundo como causa eficiente, mas tendo as idéias exemplares como causas exemplares.

Uma vez que o mundo repete as idéias exemplares, não o faz com a mesma perfeição. Tem aqui Platão como sugestão a estátua que embora imitando ao objeto representado, nunca o repete integralmente.

Por isso, a forma criada nas coisas é denominada por Platão como sendo "sombra" da idéia arquétipa. Não diz tratar-se efetivamente de uma sombra. Utiliza apenas a analogia, em virtude da qual a sombra de um objeto o imita ligeiramente, isto é, com deficiência. A imagem da sombra é explorada no mito da caverna (vd).

Pelo visto, o racionalismo radical de Platão se torna cada vez mais complexo, invadindo a ontologia do ser criado.

Entretanto, o exemplarismo não é exclusivo do racionalismo radical de Platão. Posteriormente o racionalismo moderado de Aristóteles é também tornado exemplarista pelo escolástico medieval Tomás de Aquino. Segundo este aristotélico, Deus ao criar, cria segundo a idéia divina.

O mesmo Aristóteles, embora não tenha defendido a criação do mundo, admitia que o ato humano livre se orienta racionalmente por uma idéia preliminar do que há a fazer; está ali a essência do exemplarismo. Portanto, se defendesse a criação do mundo, teria concebido tudo ao modo exemplarista..

II - O Demiurgo eterno.

161. Resolveu Platão os problemas gerais de causalidade admitindo uma personalidade divina causadora, a que deu o nome de Demiurgo.

O termo demiurgo significa o artista, e se estendeu para o sentido mais geral de criador. No Novo Testamento o termo é usado como Criador do Universo.

Pode-se começar o questionamento sobre o Demiurgo, indagando como prova Platão a existência de Deus?

Em nenhum lugar Platão se ocupou expressamente em fazê-lo, mas oferece para isto vários elementos.

Na sua trilogia de elementos eternos destacou, sobretudo as idéias separadas, visando colocá-las por trás do nosso próprio pensamento, que elas causariam.

Ergueu a imagem do Demiurgo como ordenador do mundo material, causa do movimento nele existente e da ordem em geral.

Ao se perguntar pelo Deus de Platão, é, pois, ao Demiurgo que se tem em vista, porque exerce a função causadora, quer do movimento, quer da ordem das coisas. É na função causadora do movimento e da ordem que se encontram os elementos que se alegam como sendo as provas da existência de Deus.

Surge, pois, o Demiurgo no sistema de Platão como sendo seu Deus.

Neste seu sistema é postulado como primeiro motor (causa primeira na ordem eficiente) e como princípio da ordem, quer do finalismo que rege a ação, tendo as idéias reais como modelo (causa exemplar, ou causa formal externa).

162. Primeiro motor. Com referência ao argumento do primeiro motor, ele é tratado nestes termos e específicos a primeira vez por Platão, ainda que não exaustivamente.

Tem o argumento como precursor os princípios dinâmicos propostos pelos jônicos novos (Heráclito, Empédocles, Anaxágoras). Tratando não somente da estrutura do mundo físico, indagaram estes também pelas causas que comandam suas transformações: Heráclito apresentara a concórdia e a discórdia, Empédocles o amor e o ódio.

Avançou mais Anaxágoras, porque lhe deu como causa uma homeomeria inteligente, chamada Nous (= inteligência).

Depois de Platão o argumento será amplamente explorado por Aristóteles, que a ele aplica os princípios de ato e potência; mostra, então, que Deus é a razão última do movimento do qual seria o princípio motor.

Este primeiro motor será caracterizado por Aristóteles como motor imóvel, que impulsiona sem que ele mesmo se mova. Já Platão não insistiu no caráter do primeiro motor como em si mesmo imóvel.

163. Partiu Platão para o conceito da alma como aquilo que se move por si, e que portanto pode mover os corpos.

Não pensou em explicar o movimento a partir do exemplarismo de uma idéia separada concebida a maneira de movimento como tal. Procurou outra fonte para o movimento, a da causa eficiente e que ele passou a colocar na alma.

Não poderia o movimento nascer de dentro da matéria, por ser a mesma matéria algo indeterminado. Recebe a matéria as formas; todavia este todo constituído de matéria e forma passa a mover-se por uma causa externa.

Dado o movimento como vindo de fora, de onde viria? Agora Platão passa a conceber a alma (ser espiritual) como sendo capaz de se mover por si mesma. Por isso concebe não só as almas individuais e a Alma do mundo como sendo capazes de se mover por si mesmas; também o Demiurgo é concebido como alma, isto é, com a natureza de se mover por si.

Seria válido dizer que a alma, ao se mover por si mesma, geraria também o movimento mecânico? Eis o que Platão deixou de examinar mais profundamente .

Ligando primeiramente a causa eficiente do movimento à natureza da alma, desenvolveu Platão considerações que depois servirão para tratar do Demiurgo como causa geral do movimento.

164. Em Fedro (diálogo do período de transição 380-365 a.C.) o princípio sobre movimento é tratado apenas em relação à alma, em texto não muito longo, todavia denso em conteúdo. Ao tratar da intuição que as almas terão das idéias separadas, diz, como que entre parênteses:

"Partiremos do seguinte princípio: toda alma é imortal, porque aquilo que se move a si mesmo é imortal. O que move uma coisa é por outra movido, anula-se uma vez terminado o movimento. Somente o que a si mesmo se move, nunca saindo de si, jamais acabará de mover-se, e é, para as demais coisas, que se movem, fonte e início de movimento. O início é algo que não se formou, sendo evidente que tudo que se forma, forma-se de um princípio.

Este princípio de nada proveio, pois que se proviesse de uma outra coisa, não seria princípio. Sendo o princípio coisa que não se formou, deve ser também, evidentemente, coisa que não pode ser destruída. Se o principio pudesse desaparecer, nem ele mesmo poderia nascer de uma outra coisa, nem dele outra coisa, porque necessariamente tudo brota do princípio.

Concluindo, pois, o princípio do movimento é o que a si mesmo se move. Não pode desaparecer, nem formar-se; do contrário o universo e todas as gerações parariam, e nunca mais poderiam ser movidos. Pois bem, o que a si próprio se move é imortal. Quem considerar isso como essência e caráter da alma, não terá escrúpulo nesta afirmação.

Cada corpo movido de dentro é animado, pois que o movimento é a natureza da alma. Se aquilo que a si mesmo se move não é outra coisa senão a alma, necessariamente a alma será algo que não se formou. E será imortal" (Fedro 245 c-e).

Nos Diálogos da velhice o assunto é longamente desenvolvido, especialmente em Leis (891 b ss) e Timeu.

"Tudo o que está em mutação, o está por ação daquele que o causa... Nada pode, separado daquele que o causa, assumir o devir" (Timeu 28 a).

Com referência à Alma do mundo, quer seja ela confundida com a Demiurgo, quer seja distinta dele, cabe-lhe precisamente gerar o movimento e mover o mundo. Da mesma sorte, as almas individuais, por serem dotadas da capacidade de mover-se, movem os corpos nos quais se alojam.

Em resumo, a existência do movimento, que não se explica senão por meio de uma causa geradora atual, é, em última instância, uma prova da existência de Deus, mas entendido ao modo platônico, e que ele denomina Demiurgo.

165. Causa da ordem do mundo. Quanto à prova platônica da existência de Deus como princípio geral da ordenação de tudo, ele consiste em postular a Deus como única explicação total deste fato.

Apresenta esta ordem dois aspectos, que resultarão em dois argumentos: o dos graus de perfeição e o do finalismo.

De futuro, Tomás de Aquino arrolará a existência de graus de perfeição como a "4-a via" e a ordenação finalística como a "5-a via" a conduzir para Deus (portando como últimas da sua lista de cinco provas).

Também estes argumentos tipicamente platônicos já tiveram seus precursores. Para Anaxágoras o Nous não só é causa eficiente, porque, sendo uma inteligência, é também causa ordenadora. O argumento finalístico, ou teleológico, é apresentado com certa amplidão já por Sócrates, em texto exarado por Xenofonte, advertindo que a ordem do mundo reclama um autor.

Agora Platão apresenta os argumentos combinados com o exemplarismo pitagórico, mas em termo de Demiurgo a criar, tendo as idéias reais como modelos arquétipos.

É notável haver Platão destacado o exemplarismo; embora o tenha recebido dos pitagóricos, não o haviam estes combinado o princípio com a causa eficiente do mundo, o Demiurgo ordenador, nem com uma alma do mundo. Para os pitagóricos o destaque é a harmonia do universo sem a participação de uma casa eficiente e ordenadora.

166. Que dizer da natureza do Demiurgo. Em função ao trinitarismo, acontece uma limitação, porque o Demiurgo não inclui as idéias reais e nem a matéria informe e eterna. Mas atua em função a eles: cria as formas tendo as idéias como modelos arquétipos e toma a matéria para o sujeito portador ou receptáculo destas formas.

O Demiurgo é as vezes descrito antropomorficamente, à semelhança do arquiteto que examina a planta segundo a qual construirá. Mas este modo de expressar poderá ser meramente literário ou artístico. Quaisquer sejam os antropomorfismos de Platão, distam muito da imagem popular dos mitos.

O Demiurgo é descrito como alma, o que em Platão quer dizer principalmente que é dotado de movimento próprio. Assim acontece no Timeu. "Alma real dirigida por uma inteligência real, organizou tudo e governa todas as coisas" (Timeu).

Alguns, como o historiador Zeller, identificam o Demiurgo com a idéia do bem, e então já não seria algo tão distinto, nem tão carregado de antromorfismo. Poderia ter sido este o caminho natural do platonismo, na medida que fosse sintetizando os conceitos fundamentais.

Entretanto não chegou até lá o pensamento redutor do Platão histórico, o qual mantém bastante distintos os elementos trinitários de sua concepção fundamental: o referido Demiurgo como causa eficiente, as idéias como causa exemplar, a matéria indiferenciada como causa material, ou seja receptáculo eterno das formas criadas.

III - A matéria eterna.

167. Há distinguir entre o que Platão disse da matéria, como metafísica, e ainda o que disse da matéria como filosofia natural e como ciência física.

Efetivamente há um aspecto da matéria alcançado pela metafísica, quando se trata por exemplo da criação ou não criação da matéria. Deste aspecto metafísico tratou Platão ao estabelecer os três princípios eternos, dos quais se constituí a realidade total, - Idéias Reais, Demiurgo, Matéria eterna.

E há um aspecto da matéria como ser particular, o ser dos corpos encontrados na natureza.

De ambos os aspectos, - geral e particular, - tratou Platão. Apesar de constituírem temas distintos, de ambos os aspectos Platão tratou didaticamente quase sempre juntos, o que torna difícil citar os seus textos.

Entretanto, é possível notar que os aspectos metafísicos da matéria eterna estão mais na preocupação inicial de Platão, o jovem.

A física, como estudo de um ser particular é desenvolvida por Platão somente no fim dos seus anos, de que são repositórios de suas idéias os Diálogos tardios denominados Timeu e Filebo. Considerando que Sócrates não apreciava os estudos sobre a natureza, em disto destacando o homem, passou agora para o tema antes relegado a segundo plano. Dando agora destaque à natureza, em Timeu, até mesmo ingressa um novo dialogante, um pitagórico de Locres (Itália).

168. Reproduziu Platão muitas das idéias pré-socráticas sobre o mundo físico (vd 6316y186), por exemplo, a doutrina jônica dos quatro elementos (fogo, ar, água, terra), por primeiro proposta por Empédocles.

A filosofia da natureza de Platão está combinada ao mesmo tempo com elementos que pertencem às hipóteses da ciência física experimental. Os elementos filosóficos os trouxe sobretudo da conceituação racional dos pitagóricos. O aspecto experimental da física lhe vêm da escola ;jônica novas, de onde recebeu a doutrina dos quatro elementos.

169. A idealização influência toda a filosofia da natureza de Platão. O objetivo é a perfeição, porque tudo se faz como reprodução de arquétipos. As coisas não acontecem simplesmente.

A presença dos parâmetros idealizadores poderia ser descoberta por indução, de sorte a ocorrer uma ciência positiva. Mas em Platão os parâmetros são estabelecidos filosoficamente, ou seja pela especulação gnosiológica, que postula a existência de idéias separadas, segundo as quais o mundo é criado, e ainda segundo modelos.

Certas perfeições da natureza poderiam ser explicadas pela unidade das forças que nela atuam. Platão todavia interpreta as referidas perfeições simplesmente como um ideal que fora levado em conta pelo Demiurgo criador.

Assim há de ser apreciado o discurso de Timeu, no qual apresenta a criação do mundo, o qual surge por obra do Demiurgo a criar tendo em conta as idéias exemplares. Não temos senão que simplesmente apreciar o que o pitagorismo de Platão conseguiu determinar como intenção. De fato, o mundo não é aquele que ele assim supôs haver surgido idealmente.

Depois de tomado conhecimento deste mundo ideal de Platão, restam considerações a parte sobre seus conceitos de matéria e forma. Estes sim, são valiosos, porque conduzem avante conceitos cujo nascedouro está nos pré-socráticos e cujo pleno desenvolvimento se dará no hilemorfismo de Aristóteles. Mas aqui já estamos na física como ciência de um ser particular.

170. Alma do mundo. O que primeiro se depara na explicação platônica da formação idealizada do mundo é a sua ordenação inteligente e ação de pura bondade, sem qualquer inveja. Assim agindo, colocou alma inteligente no mundo.

O contexto de Platão é dualista, mas o que diz valeria também numa concepção monista.

No discurso de Timeu, imediatamente após apelar à idealização, apresenta Platão esta Alma do mundo.

"Exponhamos, pois, porque motivo o autor deste universo o dispôs. Ele é bom, e aquele que é bom não pode sentir nenhuma inveja a respeito de ninguém.

Isento deste sentimento, quis que todas as coisas fossem o mais possível semelhantes a ele mesmo. Quem quer que seja instruído por homens sensatos, admitirá que esta foi a razão principal porque tenha sido formado o mundo.

Deus, quis, com efeito, que tudo fosse bom e nada mau, quanto possível. tomou pois em suas mãos todas as coisas visíveis.

Estas não estavam em repouso, agitando-se em movimento sem regras, e da desordem a fez passar a ordem, julgando que assim estivessem melhor do que no estado anterior.

Porém um ser muito bom não podia fazer coisa alguma que não fosse a mais bela. Raciocinando, compreendeu que era impossível fazer sair das coisas, que por natureza eram visíveis, uma obra que, privada de inteligência, fosse, ao ser considerada em conjunto, mais bela que uma outra dotada de inteligência, e nem que pudesse ter inteligência se estivesse privada de alma.

Em decorrência, pôs a inteligência na alma e a alma nos corpos, e ordenou o universo de maneira a resultar uma obra de natureza excelente e perfeitamente bela. Assim pois, seguindo uma ponderação razoável, temos de dizer que este mundo é verdadeiramente um ser animado e inteligente, produzido pela providência divina" (Timeu 29 e - 30 c).

Como se depreende diretamente do texto, para Platão o cosmos não é uma imensa massa estúpida de materiais. Em tudo há inteligência ao mesmo tempo que matéria.

Evaldo Pauli

ENCICLOPÉDIA    SIMPOZIO
(Versão em Português do original em Esperanto)

* - Consta que Leonardo da Vinci foi o modelo para Rafael representar Platão

Fonte:
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
  1997 Evaldo Pauli
© Copyright 1997
http://www.adventistas-bereanos.com.br/2004outubro/afilosofiahumanaouoassimdizosenhor.htm
Sejam felizes todos os seres  Vivam em paz todos os seres
Sejam abençoados todos os seres

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