domingo, 24 de outubro de 2010

JESUS a.C - QUANTO CUSTA JESUS -Paulo Leminski



QUANTO CUSTA JESUS

“Por acaso, não se compram dois pássaros por um centavo? e nenhum deles cai sobre a terra sem vosso pai.
Os cabelos da vossa cabeça estão todos nume¬rados.
Não temas, portanto, ó melhores que muitos pássaros.”

(Mateus, 10, 29)

A moeda é uma das maiores conquistas abstratas da humanidade.
Surgido na Lídia, por volta do século VII a.C., o dinheiro já aparece ligado à escravidão.
Escravidão, dinheiro, alfabeto — a trindade que define as sociedades da bacia do Mediterrâneo, em seu boom comercial que vai culminar nesse imenso Mercado Comum que foi o Império Romano.
Quando Jesus viveu, a economia de todo o mundo mediterrâneo já era monetária.
Nas mãos de egípcios, gregos, gauleses, ibéricos, judeus, circulavam sestércios e asses, cunhados por Roma, pequenos círculos de metal trazendo o perfil e o nome do Imperador, onipresença de Roma.
No mundo em que Jesus vivia, o dinheiro era a evidência da presença do dominador: o povo de Israel estava nas mãos do goiim, os pagãos, idólatras, politeístas, que não reconhecem o poder de Jeová, que não sabem que só há um Deus e que esse Deus escolheu um povo para crer nele e só nele.
Na Judéia, a mais ínfima moeda era um índice da humilhação nacional.
É possível fazer uma leitura monetária de Jesus.
Inúmeros episódios da sua saga estão marcados pela presença do dinheiro. Isso é, e, particularmente, sonante em Mateus.
Não admira.
Vejam só como Jesus conquista este apóstolo:

Quando Jesus passou por ali,
viu um homem sentado no telônio,
por nome Mateus.
E disse: me siga.
E levantando
o seguiu.


O telônio era um pequeno balcão onde os publi¬canos recebiam os impostos de Roma. Mateus era um publicano, tipo de gente odiada pelos judeus zelosos. Afinal, os publicanos são agentes da domi¬nação romana.
Os publicanos, evidentemente, se entregam a opera¬ções financeiras, emprestando dinheiro, cobrando juros, vivendo enfim dessa suprema abstração do trabalho, que é a moeda.
Todo o pensamento abstrato dos gregos não passa de uma tradução conceptual de operações monetárias: lógica e juro, metafísica e porcentagem, filosofia e crédito são, no fundo, o mesmo fenômeno. Na época de Jesus, porém, os judeus não eram um povo de comerciantes nem de financistas.
Em toda a bacia do Mediterrâneo, onde eram milhões, disseminados entre todos os povos, os judeus eram célebres como artesãos, carpinteiros, pedreiros, tecelões, ourives, ferreiros. Nesse mundo de coisas, o dinheiro, trans-coisa, poder em estado puro, só pode ser um objeto do diabo.

Aliás, está na hora de falar do diabo.


O judaísmo primitivo desconhece demônios. Nada mais estranho ao puro monoteísmo do que imaginar, ao lado do ser supremo, um opositor, de poderes quase iguais aos dele.
Parece que aos judeus o demônio lhes veio da Pérsia.
A Pérsia dualista de Zoroastro e do maniqueísmo: o Princípio do Bem versus o Princípio do Mal.
Mas o demônio soube se insinuar junto ao trono de Jeová.
Lá está ele, no livro de Jó, tentando o justo. Jesus e seus contemporâneos acreditavam no diabo, o inimigo, o Outro, o anti-Deus, em hebraico, satan.
Este demônio, para Jesus, pode se chamar Mammon. A palavra aparece neste contexto curioso:

Ninguém pode servir
a dois senhores.
Pois vai odiar a um
e amar o outro.
Ou vai apoiar um
e desprezar o outro.
Não se pode servir a Deus
e a Mammon.


Mammon é uma palavra aramaica que significa “aquilo em que se confia”, isto é, “crédito”, e por extensão “riquezas, bens, dinheiro acumulado”.
Publicano de profissão, Mateus registra inúmeros episódios da vida de Jesus ligados ao dinheiro.
Até o caráter subversivo da missão de Jesus aparece ligado à moeda.
Os evangelhos narram a tentativa de armadilha em que seus inimigos o quiseram encurralar.
Fariseus e saduceus se aproximaram dele, apresen¬taram-lhe uma moeda com que se pagava o tributo a Roma. E lhe fizeram uma pergunta política:

A lei de Roma manda
que se pague este tributo a César.
O que é que você diz disto?


Jesus, que tinha sempre um humor muito pronto, pegou a moeda e perguntou:

De quem é esta efígie
gravada na moeda?

“De César”, disseram.

A César o que é de César,
a Deus o que é de Deus.


Na resposta, Jesus contrapunha sua utopia místico-política do “Reino de Deus”, a mlechah Adonai, à estúpida realidade do império romano, criando-lhe um concorrente.
O tema monetário aparece ainda em parábolas importantes, como a da dracma perdida. Ou na fábula do óbolo encontrado na boca do peixe.

A comunidade, a fratria, dos seguidores de Jesus parece ter tido um esboço mínimo de organização financeira.
Entre os doze principais que o seguiam, a adminis¬tração do dinheiro comum (traço essênio?) estava a cargo de Judas Iscariotes.
Pois foi Judas, o homem do dinheiro, quem traiu Jesus, apontando-o às autoridades.
Por exatamente trinta dinheiros. Trinta belas moedas de prata, com a imagem do Imperador de Roma.


Fonte:
JESUS a.C -Paulo Leminski
Editora Brasiliense

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